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A Liderança dos Países Desenvolvidos no Acordo de Paris: reflexões sobre a estratégia do Naming and Shaming dentro do Balanço-Global

The Leadership of the Developed Countries in the Paris Agreement: reflections on the Naming and Shaming strategy within the Global Stocktake

Resumo

O Acordo de Paris estabelece uma arquitetura ascendente na qual os compromissos são nacionalmente determinados. Este artigo tem o objetivo de debater as possibilidades no Acordo para que os países em desenvolvimento cobrem o papel de liderança dos países desenvolvidos na sua implementação. A pesquisa vale-se do método dedutivo, uma abordagem estruturalista e materialista-histórica para análise dos textos jurídicos. A tática do “naming and shaming”, por meio do balanço-geral global, mina a possibilidade de os países em desenvolvimento assegurarem a liderança dos países desenvolvidos, sujeitando-os a um intrincado conjunto de relações políticas estabelecidas fora do Acordo e, desse modo, enfraquecê-los.

Palavras-chave:
Mudanças Climáticas; Acordo de Paris, Balanço-Geral Global

Abstract

The Paris Agreement establishes an ascending architecture where commitments are nationally determined. This article aims to discuss possibilities in the Agreement for developing countries to cover the leading role of developed countries in its implementation. The research is based on the deductive method, a structuralist and materialist-historical approach to the analysis of legal texts. The naming and shaming tactic, through the global stocktake, undermines the possibility for developing countries to secure the leadership of developed countries by subjecting them to an intricate set of political relations established outside the Agreement and thereby weakening them.

Keywords:
Climate Change; Paris Agreement; Global Stocktake

1. Introdução

Depois de anos de muita resistência e pouca efetividade no enfrentamento das mudanças climática sob o signo do Protocolo de Quioto, em 2015 chega-se ao Acordo de Paris, que entra em vigor em 2016. Esse Acordo materializa uma arquitetura ascendente, diametralmente oposta ao antecessor, onde, sob a alegação de promover diferenciação para todos, pauta o enfrentamento de um urgente problema ambiental global pelos acasos de políticas domésticas: as contribuições nacionalmente determinadas. Desse modo, esvazia o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades conforme pactuado na Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e representa o triunfo da estratégia dos Estados Unidos que, pouco mais tarde, deixa também esse Acordo.

A presente pesquisa tem como objetivo debater os espaços dentro do Acordo de Paris para que os países em desenvolvimento - notadamente os mais vulneráveis às mudanças climáticas - cobrem o papel de liderança que cabe aos países desenvolvidos no âmbito da implementação.

Para tanto, a pesquisa vale-se do método dedutivo, uma abordagem estruturalista e materialista-histórica para a análise de conteúdo dos textos jurídicos, focando na persistência da desigualdade Norte e Sul e nas possibilidades que se podem construir dentro do texto do Acordo de Paris.

Em um primeiro momento, as mudanças climáticas serão debatidas como problema ambiental global dentro de um enquadramento da desigualdade Norte e Sul, evidenciado que tal discussão é, no fundo, uma discussão sobre desigualdades que devem ser levadas em conta para articulação de uma resposta efetiva. Em um segundo momento, serão debatidas as oportunidades oferecidas pelo Acordo de Paris para que os países em desenvolvimento consigam impor a necessária liderança do Norte no enfrentamento das mudanças climáticas, seja por sua capacidade técnico-financeira ou por sua responsabilidade histórica pelo atual estágio de degradação do planeta.

2. As Mudanças Climáticas como Problema Ambiental Global e a Desigualdade Norte e Sul

As mudanças climáticas representam um desafio sem precedente para a política ambiental global, colocando em xeque a capacidade de articulação dos Estados, ao mesmo tempo em que evidencia desigualdades globais. O enfrentamento eficaz do problema deve ter em mente premissas fundamentais sobre justiça que levem a um acordo que combine responsabilidades e vulnerabilidades diferenciadas em um contexto de direito internacional cada vez mais orientado para a equidade e, desse modo, expurgando tratamentos diferenciados (VIOLA et al., 2013VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matias; RIBEIRO, Thaís Lemos. Sistema internacional de hegemonia conservadora: governança global e democracia na era da crise climática. São Paulo: Annablume, 2013. ).

As origens das pesquisas sobre o aquecimento global remontam aos trabalhos do cientista francês Jean-Baptiste Joseph Fourier, ainda na primeira metade do século XIX. Fourier foi o primeiro a descrever o papel que atmosfera, por meio do dióxido de carbono, exercia na manutenção das condições de vida na Terra quando aprisionava uma porção do calor recebido do Sol. Esse mecanismo foi denominado de efeito estufa.

A partir de suas observações, outros pesquisadores, notadamente Tyndall, dedicaram-se a compreender melhor o mecanismo que possibilita o efeito estufa, ou seja, a composição de gases que formam a atmosfera. Esses cientistas observaram que é a combinação de vapor d’água, dióxido de carbono e metano que possibilitam tal efeito, ainda que estejam presentes em quantidades ínfimas na atmosfera. Segundo observa Giddens (2010GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Tradução de: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar , 2010., p. 37), “[...] é pelo fato de uma proporção minúscula causar tamanho impacto que os gases do efeito estufa criados pela indústria humana podem surtir efeitos profundos no clima”.

Oppenheimer e Petsonk (2005OPPENHEIMER, Michael; PETSONK, Annie. Article 2 of the UNFCCC: Historical Origins, Recent Interpretations. Climatic Change, Springer Science + Business Media, v. 73, n. 3, p. 195-226, dez. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s10584-005-0434-8. Acesso em: 10 jan. 2018.
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) chamam atenção que, por volta dos anos de 1950, as preocupações com o clima começam a aparecer nos trabalhos esparsos de alguns cientistas. Contudo, apenas a partir dos anos de 1970 que uma ampla comunidade, que incluía não apenas cientistas, mas também políticos, começa a se interessar sobre o clima e questionar-se sobre o aquecimento. É também nesse período que começam a surgir os primeiros relatórios sobre o clima, seja como uma abordagem marginal dentro de um estudo sobre os impactos da atividade humana sobre o ambiente global - sobretudo em preparação para a Conferência de Estocolmo-72 - ou mesmo os primeiros relatórios com foco exclusivo nas alterações do clima.

De fato, a formação de um regime de mudanças climáticas, segundo Bodansky (2001BODANSKY, Daniel. The history of the global climate change regime. In: LUTERBACHER, Urs; SRPINZ, Detlef F. International Relations and the Global Climate Change. London: The MIT Press, 2001. p. 23-40. ), pode ser dividida em cinco fases: a primeira está relacionada à identificação científica das mudanças climáticas; o período em que a as mudanças climáticas adentram a agenda política (1985-1988); um período de pré-negociações (1988-1990); as negociações que levaram à Convenção-Quadro em 1992 e, por fim, o processo de implementação dos compromissos assumidos no âmbito da Convenção.

De modo geral, os anos de 1970 representaram um aumento do interesse da classe científica sobre as mudanças no clima, em especial o seu efeito de aquecimento. As conclusões da época, porém, são de que não era possível impedir o aquecimento, ou seja, não se trabalhava com a perspectiva de uma estabilização, mas apenas de diminuir o ritmo (OPPENHEIMER; PETSONK, 2005OPPENHEIMER, Michael; PETSONK, Annie. Article 2 of the UNFCCC: Historical Origins, Recent Interpretations. Climatic Change, Springer Science + Business Media, v. 73, n. 3, p. 195-226, dez. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s10584-005-0434-8. Acesso em: 10 jan. 2018.
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).

Na comunidade científica, as mudanças climáticas colocaram-se em pauta na medida em que os dados sustentando tal acontecimento foram sendo melhorados, com medições - tais como as de Mauna Loa, no Hawaii - e mesmo modelos matemáticos para explicar o fenômeno - a exemplo da curva de Keeling, em 1960. O desenvolvimento tecnológico em computação e novas técnicas de pesquisa ao longo dos anos de 1970 e 1980 apenas evidenciaram mais ainda o problema. Em 1979, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos publicou um relatório onde afirmava veementemente que o aumento da concentração de dióxido de carbono levaria a mudanças no clima com consequências que não podiam ser negligenciadas. Em seguida, o próprio Congresso dos Estados Unidos iniciou uma série de audiências públicas sobre o assunto (BODANSKI, 2001).

A crise do petróleo no começo dos anos de 1980 reacendeu o debate e no âmbito do governo norte-americano foram encomendados estudos sobre o impacto de combustíveis sintéticos e mesmo sobre o impacto de combustíveis fosseis. Os relatórios produzidos nessa época, que ainda demonstraram os possíveis efeitos e a necessidade de, em algum momento, diminuir o consumo de combustíveis fosseis, não trabalhavam com a opção de estabilização das concentrações (OPPENHEIMER; PETSONK, 2005OPPENHEIMER, Michael; PETSONK, Annie. Article 2 of the UNFCCC: Historical Origins, Recent Interpretations. Climatic Change, Springer Science + Business Media, v. 73, n. 3, p. 195-226, dez. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s10584-005-0434-8. Acesso em: 10 jan. 2018.
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).

Foi a partir de meados da década de 80 que as mudanças climáticas entraram no debate público e passaram a estar presentes na agenda política dos governos, especialmente dos países industrializados. Isso ocorreu não apenas porque o conhecimento científico sobre o tema tornou-se mais robusto em indicar os potencias efeitos danosos das mudanças em curso, mas Bodanski (2001) cita, entre os fatores decisivos, o ativismo de cientistas de orientação pró-ambiente por meio de organizações como a Organização Meteorológica Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), além de conferências, reuniões e da própria mídia, tornando os dados científicos palatáveis ao público e mesmo os dirigentes políticos.

De fato, foi em outubro de 1985, em Villach/Áustria, sob os auspícios da Organização Meteorológica Mundial (OMM), o Conselho Internacional das Uniões Científicas e o PNUMA, que se reuniu a Conferência Internacional sobre a Avaliação do Papel do Dióxido de Carbono e outros Gases de Efeito Estufa nas Variações Climáticas e Impactos Associados. Essa Conferência, observam Oppenheimer e Petsonk (2005OPPENHEIMER, Michael; PETSONK, Annie. Article 2 of the UNFCCC: Historical Origins, Recent Interpretations. Climatic Change, Springer Science + Business Media, v. 73, n. 3, p. 195-226, dez. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s10584-005-0434-8. Acesso em: 10 jan. 2018.
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), construiu um consenso sobre os problemas decorrentes dos gases que provocam o efeito estufa, sugerindo que os políticos enfrentassem esse problema por meio de uma convenção-quadro. Ainda que o relatório final tenha mencionado cenários que resultariam em uma estabilização do dióxido de carbono na atmosfera, a ideia de uma meta não foi trabalhada.

Oppenheimer e Petsonk (2005OPPENHEIMER, Michael; PETSONK, Annie. Article 2 of the UNFCCC: Historical Origins, Recent Interpretations. Climatic Change, Springer Science + Business Media, v. 73, n. 3, p. 195-226, dez. 2005. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s10584-005-0434-8. Acesso em: 10 jan. 2018.
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) observam que, nos anos de 1980, os enfoques para lidar com as mudanças climáticas orbitavam entre objetivos ambientais e viabilidade político-econômica, sendo que essa última visão estava de sobremaneira influenciada pelos mecanismos do Protocolo de Montreal, em 19871 1 Sobre o Protocolo de Montreal, é relevante a colocação de Bodansky (2001) segundo o qual a descoberta do buraco na camada de ozônio, assim como a confirmação que ela estava diretamente ligada à emissão de clorofluorcarbonos, serviu de alerta para as consequências ambientais globais da atividade humana - lembrando que até então a política ambiental global lidava basicamente com problemas ambientais de alcance local/regional - na biosfera. Desse modo, os esforços envidados para seu enfrentamento - tanto do ponto de vista político quanto de opinião pública - serviram de importante plataforma para emplacar as preocupações com mudanças climáticas. . A primeira perspectiva desenvolveu-se quando, no mesmo ano, novos encontros entre cientistas e políticos ocorreram e ficou acertada a ideia de uma meta de aquecimento com base em um objetivo a longo prazo para limitar as emissões. Tratava-se de estabelecer uma meta com base em taxas e montantes de aquecimento e aumento do nível do mar. O governo holandês endossou a necessidade de limites de emissão a fim de estabilizar as concentrações de gases na atmosfera.

Por sua vez, uma perspectiva mais voltada para a viabilidade econômica aparece em 1988, em uma conferência realizada em Toronto, organizada pelo governo canadense, onde foi proposto um objetivo baseado em viabilidade econômica segundo o qual os países industrializados reduziram suas emissões em 20% em relação às taxas daquele ano até 2005, além de reforçar a necessidade de uma convenção para enfrentar o assunto.

Bodansky (2001BODANSKY, Daniel. The history of the global climate change regime. In: LUTERBACHER, Urs; SRPINZ, Detlef F. International Relations and the Global Climate Change. London: The MIT Press, 2001. p. 23-40. ) ressalta que, a partir da Conferência de Toronto em 1988, organizada pelo governo canadense, as discussões sobre mudanças climáticas iniciam um novo período. De fato, até então, as discussões ocorriam mais em nível técnico, com a presença de inúmeros atores não-estatais e forte presença da comunidade científica e a ausência de Estados nas negociações - ainda que representados por meio de agentes técnicos. Porém, é a partir de Toronto que o tema passa a entrar na agenda política dos Estados.

A fim de lidar com todos os dados científicos relacionados ao tema, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC, na sigla inglesa) foi estabelecido em 1988 em um esforço conjunto da OMM e do PNUMA. O objetivo desse painel é o de prover dados científicos que guiam a formulação de políticas e tomada de decisões relacionadas às mudanças climáticas. Composto de cientistas de todo o mundo, é importante ressaltar que as avaliações e cenários possíveis traçados nos famosos relatórios exarados pelo IPCC não tem o condão de determinar quais medidas devem ser tomadas pelos agentes políticos, mas limitam-se apenas em prover dados para essa decisão.

Vale lembrar que também no mesmo ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas pronunciou-se sobre o tema e considerou as mudanças climáticas como uma preocupação comum da humanidade por meio da Resolução n. 43/53, de 6 de dezembro de 1988. É interessante notar que esta Resolução afirma textualmente que as mudanças climáticas possuem impacto sobre o desenvolvimento, porém, ao longo seu texto, ainda não se utiliza do termo ‘desenvolvimento sustentável’ - lançado em ano anterior pelo Relatório Brundtland - e nem mesmo faz nenhuma consideração sobre os países em desenvolvimento ou sobre os impactos diversos que as mudanças climáticas têm nos países. A Resolução cinge-se a conclamar uma reunião de esforços científicos e políticos para o diagnóstico do desafio e a necessidade de estabelecer mecanismos convencionais de enfrentamento, valendo-se do direito internacional.

Em 1989, em uma conferência ministerial ocorrida na Haia, organizada pelo próprio governo dos Países Baixos, reforçou a proposta de que a concentração de gases de efeito estufa deveria ser estabilizadas em níveis que assegurassem que as mudanças climáticas ocorressem em níveis toleráveis. Essa proposta foi aceita, desde que com considerações de viabilidade econômica. No mesmo ano, também nos Países Baixos, a Conferência de Noordwijk teve como resultado a compreensão de que os países industrializados deveriam estabilizar suas emissões de gases de efeito estufa até os anos 2000.

Bodansky (2001BODANSKY, Daniel. The history of the global climate change regime. In: LUTERBACHER, Urs; SRPINZ, Detlef F. International Relations and the Global Climate Change. London: The MIT Press, 2001. p. 23-40. ) relata que na reunião de Noordwijk ficou muito claro que o debate sobre mudanças climáticas ocorria principalmente entre governos dos países industrializados. Contudo, isso não significou uma unicidade no que tange ao modo de enfrentamento do problema. Os governos europeus, em sua maioria, juntamente com Canadá, Austrália e Nova Zelândia, apoiavam a adoção de limitações quantitativas das emissões nacionais de gases com o intuito inicial de estabilizar as emissões aos níveis de então, dentro de um determinado prazo. Por sua vez, de modo veemente, os Estados Unidos, seguidos da União Soviética e do Japão, se opuseram à proposta, sob a alegação de que esse modelo endossado pelos países europeus seria demasiado rígido, não levando em conta circunstâncias nacionais. Ao invés disso, Estados Unidos enfatizava a necessidade de mais pesquisas científicas sobre o tema e que o mesmo deveria ser enfrentado por meio apenas de estratégias nacionais. Essas divergências continuaram em pauta nas conferências posteriores (Bergen, em 1990; e a Segunda Conferência Mundial do Clima, em 1990).2 2 Para compreender as disparidades entre os países industrializados, “[...] to some degree, they resulted from disparities in the perceived cost of abatement […] But a simple explanation in terms of economic self-interest is insufficient, since, from an economic standpoint, a stabilization target would have been easier to achieve for the United States than for many other Western countries, including Norway and Japan, which subsequently backed away from country targets and began to support, instead, joint implementation. A more sophisticated interest-based approach is that the United States was jockeying for a favourable position - and attempting to create a reputation for toughness - In a much larger and longer-term game in which major cuts in emissions levels could be on the table. Another explanation for the differences in national positions lies in domestic politics […] international environmental negotiations were coordinated in the Reagan administration by the White House Domestic Council, where such major domestic players as the Department of Energy, the Office of Management and Budget, and the Council of Economic Advisers were dominant, all of whom stressed the uncertainties of climate change and the economic costs of mitigation measures […] In contrast, in countries such as Canada, the Netherlands, and Germany, the climate change issue remained in the hands of the environmental and foreign ministries for a much longer period.” (BODANSKY, 2001, p. 28-29).

Foi na Segunda Conferência Mundial do Clima, ocorrida em 1990, que as negociações sobre mudanças climáticas ganharam um novo enquadramento por meio da participação dos países em desenvolvimento, sendo, a partir de então, enquadrada em termos Norte e Sul, marca indelével da política ambiental global. É importante lembrar que esses países vinham de importantes vitórias em foros multilaterais ambientais quando, por exemplo, emplacaram o estabelecimento de um fundo especial para ajudá-los na implementação do Protocolo de Montreal. Além disso, os países em desenvolvimento haviam conseguido importantes vitórias no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas quando, diante da proposta de uma nova conferência ambiental - que seria a Rio-92 -, insistiram que a questão ambiental não poderia ser tratada isoladamente do desenvolvimento.

Bodansky (2001BODANSKY, Daniel. The history of the global climate change regime. In: LUTERBACHER, Urs; SRPINZ, Detlef F. International Relations and the Global Climate Change. London: The MIT Press, 2001. p. 23-40. ) relata que, no caso das mudanças climáticas, o pleito dos países em desenvolvimento era por uma maior representatividade, além de que o tema não deveria ser tratado apenas como uma questão técnica, mas que possui uma profunda implicação em termos de desenvolvimento, em especial para eles. Desse modo, eles desejam negociações mais políticas e menos ‘técnicas’, uma vez que o modo como a questão era tratada até então - relatórios técnicos no âmbito do IPCC - excluía sua participação plena. Foi nesse contexto que a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1990, aprovou a Resolução n. 45/212 que foi o ponto de partida das negociações da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas.

É importante um cotejo entre essa Resolução de 1990 e aquela aprovada em 1988 que considerou as mudanças climáticas apenas uma preocupação comum da humanidade e que ela tem impacto no desenvolvimento. Enquanto a Resolução de 1988 não foi formulada em termos de desenvolvimento ou de oposição Norte e Sul, a Resolução de 1990 apresenta uma linguagem política bem mais forte.

Logo em seu preâmbulo, quando faz memória da Resolução anterior e reafirma a necessidade de uma convenção-quadro para lidar com o assunto, a Resolução diz expressamente que isso deve ser feito levando em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento. O texto do preâmbulo também sinaliza desde já o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, ao afirmar textualmente que os países desenvolvidos são responsáveis pela maior parte das emissões poluentes e, por isso mesmo, devem ser primariamente responsabilizados pelos danos causados.

Durante as negociações, os países em desenvolvimento, segundo Bodansky (2001BODANSKY, Daniel. The history of the global climate change regime. In: LUTERBACHER, Urs; SRPINZ, Detlef F. International Relations and the Global Climate Change. London: The MIT Press, 2001. p. 23-40. ), eram um pouco mais unidos que os países desenvolvidos. Eles concordavam uníssonos sobre a necessidade de assistência financeira e transferência de tecnologia. Por sua vez, os pequenos estados insulares, temendo os efeitos decorrentes do aumento do nível do mar, apoiavam fortemente o estabelecendo de metas e prazos para os países desenvolvidos. Por sua vez, os países produtores de petróleo questionavam a ciência da mudança climática e se posicionavam favoráveis a um enfrentamento mais brando. Já os grandes e industrializados países em desenvolvimento - entre os quais se inclui o Brasil - focavam que as medidas de enfrentamento das mudanças climáticas não podiam violar sua soberania no que toca ao direito de desenvolvimento, uma vez que, sendo o Norte o principal responsável pelas emissões que geraram o problema em causa, deles deveria ser a responsabilidade de enfrentá-lo.

O processo de negociação da convenção foi relativamente rápido para um tratado ambiental multilateral de tamanha envergadura. Iniciada pela mencionada resolução da Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1990, a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas foi assinada em maio de 1992, poucos meses antes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92).

Da mencionada Convenção-Quadro surge o Protocolo de Quioto, que entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, a fim de operacionalizar os compromissos de mitigação dos países do Anexo I a serem atingidos até 2012. Porém, as Partes se apressaram a pensar o futuro após a expiração desse prazo de compromisso. As Conferências das Partes da Convenção, e mesmo as Reuniões das Partes do Protocolo, serviram de palco para as várias dissonâncias por meio de Planos de Ação e Acordos cujo o status jurídico é, antes de tudo, incerto. Porém, esses documentos abriram caminho para o hoje em destaque Acordo de Paris, sepultando, aos poucos, a lógica endossada pelo Protocolo de Quioto.

3. As Contribuições Nacionalmente Determinadas no Acordo de Paris e a lógica do ‘tratamento diferenciado para todos’

A lógica inaugurada no Acordo de Paris centra-se nas contribuições nacionalmente determinadas, onde cada Estado determina, internamente, a sua contribuição para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Ciente de que o Acordo de Paris em si, tendo em vista as contribuições nacionalmente determinadas apresentadas até então, não pode ser visto com grande euforia, Bodansky (2016BODANSKY, Daniel. The Paris Climate Change Agreement: A New Hope? The American Journal Of International Law, American Society of International Law, v. 110, n. 2, p. 288-319, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5305/amerjintelaw.110.2.0288. Acesso em: 28 mar. 2019.
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) assinala alguns aspectos que, segundo o autor, sinalizam a capacidade do Acordo de servir de base para uma ação global bem mais forte em relação às mudanças climáticas. Entre esses aspectos, o autor assinala o fato do mesmo ter um alcance global, impor as mesmas obrigações centrais a todos permitindo que circunstâncias nacionais sejam levadas em consideração e, a principal, estabelece uma arquitetura duradoura para uma cooperação de longo-prazo.

O Acordo, porém, ainda não é de um todo exequível, de modo que muitos pontos ainda dependem de decisões a serem tomadas no âmbito das COP. Oliveira (2017OLIVEIRA, André Soares. Tratamento diferenciado dos países em desenvolvimento e mudanças climáticas: perspectivas a partir do Acordo de Paris. 2017. 256f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. ) pontua que serão essas decisões que deixarão claro se o mesmo representa uma verdadeira convergência política ou apenas colocou, por um instante, as diferenças de lado em nome de um acordo mínimo. A questão mais urgente é de como a liderança dos países desenvolvidos - colocada em termos de soft law no artigo 4.4 do Acordo - poderá ser exigida. Em outras palavras, o Acordo põe de lado os conflitos, mas não os encerra.

Ao observar que as mudanças climáticas afetam um bem público comum, Keohane e Oppenheimer (2016KEOHANE, Robert O.; OPPENHEIMER, Michael. Paris: Beyond the Climate Dead End through Pledge and Review?. Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 142-151, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.634. Acesso em: 15 maio 2018.
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) lembram que praticamente todos os países vão sofrer as consequências das mudanças climáticas - alguns mais, outros menos - porém a ação de um único país contribui muito pouco para diminuir seu próprio sofrimento. Desse modo, grandes são os incentivos para ignorar as consequências climáticas de suas próprias decisões. Com isso, a opção de não cooperar tornar-se mais atrativa.

Com base em dados do Climate Action Tracker, a partir de estudos empreendidos com base nas atuais políticas e potenciais impactos das contribuições nacionalmente determinadas dos 30 maiores emissores, Höhne et al. (2016HÖHNE, Niklas et al. The Paris Agreement: resolving the inconsistency between global goals and national contributions. Climate Policy, Informa UK Limited, v. 17, n. 1, p. 16-32, 2 nov. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/14693062.2016.1218320. Acesso em: 10 out. 2018.
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) identificaram que com as atuais políticas implementadas por esses países, as emissões globais se estabilizariam na segunda metade do século, levando a um aumento de temperatura de 3.6ºC em 2100; com as contribuições nacionalmente determinadas totalmente implementadas as emissões diminuíram na segunda metade do século e a temperatura aumentaria em cerca de 2.7ºC. Os autores salientam que outros estudos indicam aumentos de temperatura ainda maiores do que 2.7ºC.

Nos acordos climáticos existe um grande incentivo para fazer o mínimo e se aproveitar das contribuições dos outros. Keohane e Oppenheimer (2016KEOHANE, Robert O.; OPPENHEIMER, Michael. Paris: Beyond the Climate Dead End through Pledge and Review?. Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 142-151, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.634. Acesso em: 15 maio 2018.
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) observam que para que tais acordos possam ser executáveis, é preciso que haja reciprocidade, de modo que quando uma parte inadimple uma obrigação ela sofre as consequências por parte dos seus parceiros. Com isso, os benefícios dependem exclusivamente do comportamento da própria parte. A reciprocidade por meio de trocas contingentes faz parte dos processos de negociação, porém é importante que ela esteja presente também na execução dos tratados, de modo que fique claro para as partes que caso não adimplam suas obrigações não receberão os benefícios. Entretanto, a execução recíproca não pode ser aplicada quando se trata de bens públicos globais, uma vez que em resposta ao inadimplemento de uma obrigação não se pode impedir o acesso ao bem. Cuidar de bens públicos globais pode trazer benefícios simbólicos para os que o fazem, mas apenas naquelas situações em que o custo é baixo.

Höhne et al. (2016HÖHNE, Niklas et al. The Paris Agreement: resolving the inconsistency between global goals and national contributions. Climate Policy, Informa UK Limited, v. 17, n. 1, p. 16-32, 2 nov. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/14693062.2016.1218320. Acesso em: 10 out. 2018.
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) enfatizam que as contribuições nacionalmente determinadas que estão propostas hoje não possuem o nível de ambição necessário para que se atinja o objetivo proposto no artigo 2.1(a) do Acordo e a questão que se coloca é exatamente em como garantir o nível de ambição necessário para tanto. Com base nas contribuições nacionalmente determinadas oferecidas até então, observa-se que os países tendem a ser conservadores em suas ambições. Além disso, mesmo diante de metas mais ambiciosas, os governos terminam evitando-as.

Falkner (2016FALKNER, Robert. The Paris Agreement and the new logic of international climate politics. International Affairs, Oxford University Press (OUP), v. 92, n. 5, p. 1107-1125, 31 ago. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/1468-2346.12708. Acesso em: 18 mar. 2019.
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) e Maljean-dubois (2016MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. The Paris Agreement: A New Step in the Gradual Evolution of Differential Treatment in the Climate Regime? Review Of European, Comparative & International Environmental Law, Wiley-Blackwell, v. 25, n. 2, p. 151-160, jul. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/reel.12162. Acesso em: 10 dez. 2018
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), por sua vez, apostam na pressão exercida pela sociedade civil organizada para que essas contribuições nacionalmente determinadas, principalmente por parte dos grandes emissores, realmente tenham aquela ambição necessária para alcançar a meta estabelecida no âmbito do artigo 2.2(a) do Acordo.

Young (2016YOUNG, Oran R. The Paris Agreement: Destined to Succeed or Doomed to Fail? Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 124-132, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.635. Acesso em: 15 fev. 2017
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) também menciona que uma das condições para que as obrigações que um Estado assume no âmbito de um acordo ambiental internacional sejam devidamente fortalecidas é o papel que a opinião pública (sociedade civil) pode exercer. Isso pode ocorrer por meio de uma mudança de atitudes e valores, tais como o reconhecimento de que os animais são serem sencientes teve grande impacto no âmbito de industrias que usam animais para testes ou mesmo na conservação da megafauna. Outra possibilidade é o enquadramento do assunto em termos que o tornem pauta de pressões e preocupações públicas, tais como as questões relacionadas à camada de ozônio e sua correlação com um aumento dos casos de melanoma e glaucoma.

Roncato (2011RONCATO, Bruna Silveira. Os novos contornos do poder político: o déficit participativo na governança global e o contraponto da emergente sociedade civil. 2011.125f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011. ), dissertando acerca do déficit participativo da governança global e o contraponto a ser teoricamente estabelecido por uma sociedade civil global emergente, lembra que a mesma é palco de várias dinâmicas e interesses conflitantes. Segundo a autora, apesar de ser possível em algum nível exercer esse contraponto, não se pode apostar todas as fichas na sociedade civil - nacional ou global - porque elas vão sempre ser um reflexo das divisões de poder que estão fora dela, sendo cooptadas por forças políticas e econômicas por meio de tantos canais tais como a mídia que assume cada vez mais uma função de propaganda.

Nesse sentido, um estudo empreendido por Viola, Franchini e Ribeiro (2013VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matias; RIBEIRO, Thaís Lemos. Sistema internacional de hegemonia conservadora: governança global e democracia na era da crise climática. São Paulo: Annablume, 2013. ) fornece pistas sobre esse argumento. Os autores observam que os destinos da governança climática são ditados principalmente por Estados que endossam o modelo atual de desenvolvimento baseado no uso intensivo de carbono, formando uma hegemonia conservadora. Articulando democracia, globalização e mudanças climáticas, eles observam que a expansão da democracia foi um dos efeitos positivos da globalização. O eixo das mudanças climáticas se insere porque respostas efetivas ao desafio climático dependem de um aprofundamento rápido das liberdades democráticas, sinalizando uma resposta efetiva.

Nas democracias contemporâneas, o mercado prevalece sobre a democracia e a economia sobre a política. Trata-se, porém, de uma tensão quando se sabe que a maximização do mercado corrói a democracia e a maximização da democracia inviabiliza o mercado. Hoje, porém, está-se assim diante de uma vitória dos modelos forjados na revolução inglesa e americana, centrado na noção de escolha racional. Os autores observam que a relação entre democracia e mercado sofreu mudanças significativas desde 2008 quando se demandou uma atuação firme dos Estados no âmbito econômico. O enfrentamento das mudanças climáticas demanda um aprofundamento dessa tendência (VIOLA et al., 2013VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matias; RIBEIRO, Thaís Lemos. Sistema internacional de hegemonia conservadora: governança global e democracia na era da crise climática. São Paulo: Annablume, 2013. ).

É importante o argumento dos autores segundo o qual apenas democracias de alta qualidade são responsivas às demandas de gestão do bem público global, desprendidas de suas soberanias em nome de estruturas de governança global eficazes. Combinando elementos relacionados a poder econômico, poder político, poder militar e poder climático3 3 Poder climático relaciona-se a relevância e compromisso. Segundo os autores, “[...] entendemos por relevância de um país a proporção de sua participação nas emissões globais, a posse de recursos humanos e tecnológicos para a descarbonização da economia global, e o comprometimento energético que permite avaliar de maneira crítica a composição da matriz energética e os custos da descarbonização. Por compromisso, entendemos a disposição para utilizar esses recursos em benefício da estabilidade do sistema climático”. (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013, p. 86). , Viola, Franchini e Ribeiro (2013VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matias; RIBEIRO, Thaís Lemos. Sistema internacional de hegemonia conservadora: governança global e democracia na era da crise climática. São Paulo: Annablume, 2013. ) classificam Estados Unidos, China e União Europeia como superpotências climáticas. Porém, dessas três, apenas a União Europeia é considerada como uma democracia de alta qualidade, o que sinaliza uma capacidade limitada de um apelo da sociedade civil nas outras denominadas superpotências climáticas que seja capaz de forçar seus governos a metas mais ambiciosas.

Maljean-Dubois (2016), assim como Falkner (2016FALKNER, Robert. The Paris Agreement and the new logic of international climate politics. International Affairs, Oxford University Press (OUP), v. 92, n. 5, p. 1107-1125, 31 ago. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/1468-2346.12708. Acesso em: 18 mar. 2019.
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), também é cética em relação à capacidade do Acordo de Paris de conseguir o seu objetivo inscrito no artigo 2.1(a). A autora assinala que mesmo as contribuições nacionais inscritas no âmbito do Acordo de Copenhague não sinalizavam essa ambição e mesmo aquelas oferecidas para depois de 2020, apesar de mais ambiciosas, também não o são no nível necessário.

Susskind e Ali (2015SUSSKIND, Lawrence E.; ALI, Saleem H. Environmental Diplomacy: Negotiating More Effective Global Agreements. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2015. ) colocam que negociações sobre monitoramento e implementação são também espaço de grandes contendas no âmbito dos acordos ambientais multilaterais. Todavia, no âmbito desses acordos, o objetivo desses mecanismos vai além de simplesmente identificar e punir eventuais inadimplentes ou mesmo free-riders, mas envolve também compreender melhor o problema objetivo do acordo e como ele evoluiu ao longo do tempo, ajustando até mesmo as próprias obrigações convencionais em termos padrões e/ou metas de modo a assegurar a efetividade do tratado.

A terceira variável que Abbott et al. (2000ABBOTT, Kenneth W. et al. The Concept of Legalization. International Organization, Cambridge University Press (CUP), v. 54, n. 3, p. 401-419, 1º jun. 2000. ) mencionam como um componente do processo de legalização das relações internacionais é o que denominam de delegação. Trata-se aqui da autoridade que os Estados conferem a uma terceira parte para implementar um acordo. Esses mecanismos são mais legalizados quando as Partes determinam uma jurisdição obrigatória a ser exercida com base em regras claras e precisas, ao passo que será menos legalizada quando o processo envolve mais uma negociação política, na qual as Partes podem aceitar ou rejeitar propostas.

4. A liderança dos países desenvolvidos no enfretamento das mudanças climáticas: o Balanço-Global enquanto espaço de resistência dos países em desenvolvimento

A questão que se coloca é como garantir que os compromissos assumidos em um acordo evoluam ao longo do tempo tornando-se mais ambiciosos e capazes de resolver o objetivo ao qual se prontificam. Entre os mecanismos normalmente utilizados pelos acordos ambientais multilaterais, Young (2016YOUNG, Oran R. The Paris Agreement: Destined to Succeed or Doomed to Fail? Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 124-132, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.635. Acesso em: 15 fev. 2017
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) cita alguns tais como a possibilidade de conferir autoridade para que a Reunião das Partes possa, por meio de uma decisão, tornar os compromissos mais ambiciosos sem necessidade de emendar o acordo ou mesmo de processos de ratificação. Outro mecanismo utilizado no âmbito da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes foi a de conferir a uma comissão de revisão o dever de recomendar as Partes para a inclusão ou remoção de outros poluentes além daqueles que estavam originalmente no âmbito da Convenção. Um mecanismo também bastante usado é a lógica Convenção-Protocolo e, por fim, tem-se o estabelecimento de procedimentos para manejar quotas. Além disso, esses mecanismos podem ser acompanhados por assistência financeira àqueles Estados que concordem em apresentar compromissos mais ambiciosos.

A efetividade do Acordo de Paris tem a sua frente os desafios postos por uma arquitetura onde são as políticas domésticas - por meio das contribuições nacionalmente determinadas - que guiam o Acordo, ao mesmo tempo em que deve assegurar transparência e garantir que as contribuições se tornam mais ambiciosas ao longo do tempo, de modo a atingir o objetivo fixado no artigo 2.1(a). Diante do imperativo de liderança dos países desenvolvidos, é importante identificar os espaços onde os países em desenvolvimento poderão pressionar por esta liderança em termos de contribuições nacionalmente determinadas suficientemente ambiciosas (VOIGT, 2016VOIGT, Christina. The Compliance and Implementation Mechanism of the Paris Agreement. Review Of European, Comparative & International Environmental Law, Wiley-Blackwell, v. 25, n. 2, p. 161-173, 22 jun. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/reel.12155. Acesso em: 15 fev. 2017
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).

Segundo Rajamani (2016RAJAMANI, Lavanya. Ambition and Differentiation in The 2015 Paris Agreement: Interpretative Possibilities And Underlying Politics. International And Comparative Law Quarterly, Cambridge University Press (CUP), v. 65, n. 2, p. 493-514, 16 mar. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/s0020589316000130. Acesso em: 10 fev. 2017
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), os mecanismos que o Acordo elaborou para garantir sua efetividade são reflexos da necessidade de estabelecer regras descendentes a fim de balancear a arquitetura ascendente das contribuições nacionalmente determinadas. A ampla margem conferida às Partes pelas contribuições nacionalmente determinadas necessita, evidentemente, de um balizamento internacional a fim de assegurar o objetivo do artigo 2.1(a). Com essa finalidade, o Acordo estabelece três instâncias: um sistema de transparência (art.13), um processo de balanço global (art.14) e um mecanismo de cumprimento (art.15).

O artigo 13 estabelece um quadro ampliado de transparência, cuja finalidade é ‘construir a confiança mútua e promover a implementação eficaz’. Além disso, a sua implementação deve ocorrer de forma ‘facilitadora, não intrusiva, não punitiva, que respeite a soberania nacional, e que evite colocar um encargo excessivo sobre as Partes’. O quadro divide-se em informações sobre ação (mitigação e adaptação) prevista no item 5 e um quadro sobre suporte (suporte financeiro, transferência de tecnologia, etc.) no âmbito do item 6. Nele, as Partes são obrigadas a prover informações sobre mitigação (item 7). Informações sobre financiamento são obrigatórias para os países desenvolvidos e recomendações para os países em desenvolvimento (item 9). Já informações sobre adaptação são recomendações a todos (item 8).

As informações providas no âmbito do artigo 13 serão submetidas a uma revisão técnica no âmbito do item 11 e 12 do mencionado artigo. Essa revisão técnica consiste, entre outras coisas, em analisar a implementação e cumprimento de sua contribuição nacionalmente determinada, identificando áreas de aprimoramento para a Parte, e revisando também a consistência das informações providas. Some-se ainda que a Parte participará de uma análise facilitadora e multilateral sobre a implementação e cumprimento de sua contribuição nacionalmente determinada.

O balanço global definido no artigo 14 estabelece que, a partir de 2023, a cada cinco anos, as Partes deverão realizar um balanço da implementação. Esse balanço tem como objetivo avaliar progresso coletivo com vistas à realização do propósito do presente Acordo e seus objetivos de longo prazo, cujo resultado deverá informar as Partes sobre a necessidade de atualização e reforços, de modo nacionalmente determinado, sobre suas ações e apoio conforme as disposições relevantes do presente Acordo, bem como no reforço da cooperação internacional para a ação climática.

Por sua vez, o artigo 15 trata do mecanismo de cumprimento. Trata-se de um comitê especializado, facilitador, transparente, não acusatório e não punitivo, devendo prestar especial atenção às respectivas capacidades e circunstâncias nacionais das Partes.

O Acordo de Paris trata desses três mecanismos destinados a assegurar sua efetividade de um modo bem incipiente, deixando que muitos detalhes sejam decididos pelas Partes quando funcionando como Reunião das Partes do Acordo de Paris. Porém, não há dúvida que mesmo as poucas provisões do Acordo são suficientes para vislumbrar principalmente as possibilidades de assegurar a ambição necessária nas contribuições nacionalmente determinadas, sobretudo materializando a liderança dos países desenvolvidos.

No âmbito do quadro ampliado de transparência, não está clara a relação entre os seus resultados, no âmbito das informações prestadas e revistas, e o balanço de implementação. A proposta do balanço global do artigo 14 seria fundamental para saber se os esforços individuais estão realmente no sentido do objetivo do Acordo, principalmente considerando aspectos de responsabilidade histórica e atual pelo problema, além de capacidades.

Porém, não há como identificar se as Partes - especialmente aquelas desenvolvidas - estão contribuindo de acordo com sua responsabilidade diferenciada, uma vez o texto diz que o balanço global avalia o progresso coletivo. Do mesmo modo, o Acordo não deixa claro o alcance da ‘análise facilitadora e multilateral’ a qual cada Parte está submetida para avaliar a implementação e cumprimento de suas contribuições nacionalmente determinadas. Igualmente, Rajamani (2016RAJAMANI, Lavanya. Ambition and Differentiation in The 2015 Paris Agreement: Interpretative Possibilities And Underlying Politics. International And Comparative Law Quarterly, Cambridge University Press (CUP), v. 65, n. 2, p. 493-514, 16 mar. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1017/s0020589316000130. Acesso em: 10 fev. 2017
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) observa que o Acordo não menciona se o balanço será feito apenas das contribuições implementadas ou se também avaliará a ambição das propostas.

Ainda que o balanço global deva ser feito à luz da equidade, que ainda não está instrumentalizada no processo de balanço global, mas ela deixa aberta a possibilidade de discussões em termos de responsabilidade histórica, capacidades e mesmo prioridades de desenvolvimento, o que é favorável para os países do Sul. Porém, os resultados desse balanço apenas informam as Partes para que fortaleçam suas ações que, conforme o próprio item 3 do artigo reforça, sempre serão nacionalmente determinadas.

Young (2016YOUNG, Oran R. The Paris Agreement: Destined to Succeed or Doomed to Fail? Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 124-132, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.635. Acesso em: 15 fev. 2017
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) parece otimista em relação ao balanço global quando afirma que o mesmo é um ‘sinal de esperança’ para o fortalecimento dos compromissos. Segundo o autor, na medida em que o problema das mudanças climáticas e sua urgência tornar-se mais evidente e indiscutível, as Partes deverão aumentar a ambição de seus esforços. Porém, não se esperar tanto desse mecanismo se os veto-players não tomarem a dianteira, além do fato de não haver nada de obrigatório sobre esse processo.

Keohane e Oppenheimer (2016KEOHANE, Robert O.; OPPENHEIMER, Michael. Paris: Beyond the Climate Dead End through Pledge and Review?. Politics And Governance, Cogitatio, v. 4, n. 3, p. 142-151, 8 set. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17645/pag.v4i3.634. Acesso em: 15 maio 2018.
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) observam que os acordos multilaterais também representam um simbolismo que pode afetar o apoio dado às instituições internacionais, como ocorre com os direitos humanos. Acordos multilaterais em direitos humanos não são considerados como hard law, de modo que sua manutenção não gera custos, porém sua força está em gerar constrangimentos internacionais e mesmo incitar atividades de grupos domésticos reclamando o exercício e proteção desses direitos. As mudanças climáticas entrariam nesse mesmo diapasão.

‘Naming and shaming’, a tática endossada pelo Acordo por meio do balanço global de implementação, não é uma novidade no âmbito do direito internacional, estando presente principalmente no sistema de proteção dos direitos humanos das Nações Unidas. A Resolução n. 60/251 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 15 de março de 2006, estabeleceu o Conselho de Direitos Humanos e o encarregou de conduzir uma Revisão Periódica Universal (RPU) como mecanismo para assegurar e promover os direitos humanos4 4 5.(e) Undertake a universal periodic review, based on objective and reliable information, of the fulfilment by each State of its human rights obligations and commitments in a manner which ensures universality of coverage and equal treatment with respect to all States; the review shall be a cooperative mechanism, based on an interactive dialogue, with the full involvement of the country concerned and with consideration given to its capacity-building needs; such a mechanism shall complement and not duplicate the work of treaty bodies; the Council shall develop the modalities and necessary time allocation for the universal periodic review mechanism within one year after the holding of its first session (UNITED NATIONS, 2006). .

A RPU surge com a reforma do sistema ONU de direitos humanos em 2006, sob a crítica de que o sistema predecessor era politizado e colocava em xeque a credibilidade das instituições. Nesse sentido, ela é uma resposta ao trabalhar por meio da socialização da influência, entendendo que os Estados se importam com aspectos relacionados a reputação. Construtivistas e liberais institucionalistas tendem a ver a RPU como um mecanismo positivo, acreditando que a pressão normativa pode ter um efeito positivo no comportamento dos Estados no âmbito internacional (TERMAN; VOETEN, 2017TERMAN, Rochelle; VOETEN, Erik. The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review. The Review of International Organizations, Springer Nature, p. 1-23, 4 jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s11558-016-9264-x. Acesso em: 10 mar. 2017.
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).

O seu funcionamento ocorre da seguinte forma: o Estado sob revisão oferece um relatório nacional sobre suas práticas em direitos humanos, sendo que organizações não governamentais também podem oferecer informações, mas apenas o Estado sob revisão as apresenta diretamente ao Grupo Revisor. O dialogo interativo dura 140 minutos, onde qualquer Estado das Nações Unidas pode fazer recomendações. O Estado sob revisão responde os comentários e escolhe quais recomendações vai se comprometer. Com isso, elabora-se um relatório que o Estado deverá implementar até a próxima revisão.

O primeiro ciclo da RPU ocorreu de 2008 a 2011, o segundo de 2012 a 2016 e o terceiro deve ocorrer de 2017 a 2021. Desde o seu estabelecimento, muitas dúvidas foram lançadas sobre a sua capacidade de realmente promover os direitos humanos. Os céticos costumam enfatizar que os Estados não estão preocupados em promover os direitos humanos e muito menos com sua reputação internacional, sendo guiados por interesses econômicos e de segurança. Desse modo, a RPU é conduzida por motivos alheios aos direitos humanos em si. Desse modo, a RPU tem os mesmos vícios que o sistema antecessor: politização e seletividade.

É iluminador o artigo publicado por Terman e Voeten (2017TERMAN, Rochelle; VOETEN, Erik. The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review. The Review of International Organizations, Springer Nature, p. 1-23, 4 jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s11558-016-9264-x. Acesso em: 10 mar. 2017.
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) ‘The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review’ na última edição da‘The Review Of International Organizations’ por enfrentar o tema por meio de uma análise de mais de 40.000 recomendações dos dois primeiros ciclos da RPU. Com isso, os autores as avaliam com base em quatro perspectivas de relações políticas: afinidade geopolítica, alianças militares formais, comércio de armas e ajuda humanitária.

Terman e Voeten (2017TERMAN, Rochelle; VOETEN, Erik. The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review. The Review of International Organizations, Springer Nature, p. 1-23, 4 jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s11558-016-9264-x. Acesso em: 10 mar. 2017.
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) constroem teoricamente o seu argumento afirmando que os Estados são sensíveis a avaliações políticas, ainda que não sejam necessariamente independentes ou imparciais. Porém, essa sensibilidade está relacionada aos relacionamentos políticos que estão estabelecidos entre o Estado revisado e os Estados revisores. Os Estados comportam-se no cenário internacional a fim de maximizar seus interesses materiais e, para isso, procuram manter sólidas aquelas relações com outros Estados que são essenciais para tanto. Com isso, esperam-se que os Estados variem suas críticas de acordo com as relações políticas que estabelecem, de modo que Estados que possuem uma relação estratégica tendem a ser menos rígidos mutuamente, a fim de manter essa relação. Porém, existem Estados que por pressão doméstica ou mesmo por realmente crer no valor normativo dos direitos humanos, colocam-se de modo crítico mesmo diante de seus parceiros estratégicos. Nessa situação, os Estados sob revisão, a fim de manterem a relação estratégica, tendem a aceitar as críticas como recomendações e esforçarem-se a adimpli-las.5 5 “When deciding whether or not to accept a recommendation, states must factor in political context, because recommendations reveal very different signals depending on the source. In a politicized environment, governments interpret criticism by their enemies as a cynical attempt to sully their country’s reputation. Not only are there few incentives to comply in such cases, doing so may confer costs on the part of the State under Review (SuR) if they are seen as ‘kowtowing’ to the enemy. On the other hand, recommendations mean something very different when coming from a state that shares strong political, economic, or security ties with the target. Since there are few strategic incentives to criticize friends, shaming in this case serves as a credible signal reflecting the critic’s preferences on a particular norm. In this context, the SuR is more likely to accept the recommendation in order to avoid damaging a valuable partnership” (TERMAN; VOETEN, 2017, p. 8).

A partir de hipóteses construídas com base nas relações de afinidade geopolítica, alianças militares formais, comércio de armas e ajuda humanitária, Terman e Voeten (2017TERMAN, Rochelle; VOETEN, Erik. The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review. The Review of International Organizations, Springer Nature, p. 1-23, 4 jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s11558-016-9264-x. Acesso em: 10 mar. 2017.
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) concluem que as relações políticas são importantes para a dinâmica de funcionamento do ‘naming and shaming’. Os Estados condenam violações seletivamente, com base na relação que possuem com o violador cuja sensibilidade, que por sua vez, também depende da relação que possuem com quem o critica. O ‘naming and shaming’ também revela quais comportamentos são endossados sem colocar determinadas parcerias em risco.

Tendo em vista essas conclusões de Terman e Voeten (2017TERMAN, Rochelle; VOETEN, Erik. The relational politics of shame: Evidence from the universal periodic review. The Review of International Organizations, Springer Nature, p. 1-23, 4 jan. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s11558-016-9264-x. Acesso em: 10 mar. 2017.
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) e as características do balanço geral de implementação delineadas pelo artigo 14 do Acordo, várias questões ficam em aberto. Primeiramente, como já comentado, o artigo 14 menciona a avaliação do progresso coletivo, diferentemente do ‘naming and shaming’ da RPU onde a avaliação é feita caso-a-caso e o relatório de recomendações é individualizado. De fato, o Acordo não fecha a possibilidade de uma técnica inspirada no modelo da RPU, mas ao mesmo tempo fornece elementos para que se opor. De fato, a Decisão n. 1/CP.21, que adotou o Acordo de Paris, solicita ao Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre o Acordo de Paris que desenvolva modalidades para a implementação do artigo 14, que deverá ser um espaço de contenda.

Supondo a implementação de um modelo semelhante ao da RPU, a questão que mais uma vez se coloca é sobre a capacidade dos países em desenvolvimento de forçar a liderança por parte dos países desenvolvidos. Com base em Parks e Roberts (2008PARKS, Bradley C; ROBERTS, J Timmons. Inequality and the global climate regime: breaking the north-south impasse. Cambridge Review Of International Affairs, Informa UK Limited, v. 21, n. 4, p. 621-648, dez. 2008. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09557570802452979. Acesso em: 15 jan. 2016.
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), os debates sobre mudanças climáticas refletem um conjunto de desigualdades que estão presentes no cenário internacional, transbordando a CQMC. Se é certo que os países em desenvolvimento, percebendo-se como marginalizados na ordem internacional, encampam, de diversas formas, esforços no sentido de tornar tal ordem mais justa, seria urgente a necessidade de que os mesmos se coalizem novamente no âmbito de um balanço global no sentido de exigir a postura de liderança dos países desenvolvidos.

De qualquer modo, a implementação de um modelo de balanço global baseado na RPU tem o condão de abrir um novo espaço onde a disputa Norte e Sul, ainda que marginalmente, poderia manifestar-se no sentido de emplacar a responsabilidade histórica e compromissos diferenciados dos países desenvolvidos.

Sobre o mecanismo incluindo no artigo 15, destinado a facilitar a implementação e promover o cumprimento, deve-se chamar atenção para um aspecto interessante, principalmente no que toca ao alcance que tal mecanismo pode ter em relação às obrigações centrais do tratado, dispostas, por exemplo, no artigo 4º, quando trata de mitigação por meio de contribuições nacionalmente determinadas.

Voigt (2016VOIGT, Christina. The Compliance and Implementation Mechanism of the Paris Agreement. Review Of European, Comparative & International Environmental Law, Wiley-Blackwell, v. 25, n. 2, p. 161-173, 22 jun. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1111/reel.12155. Acesso em: 15 fev. 2017
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) salienta que o Acordo de Paris contém obrigações precisas e vinculantes apenas de natureza procedimental, não apenas no âmbito da mitigação, apenas também em termos de adaptação e financiamento. Do ponto de vista jurídico, cumprimento (compliance) é apenas possível diante dessas obrigações que impõem às Partes condutas precisas de fazer ou se abster. Obrigações que não possuem essas características - como a liderança dos países desenvolvidos -, ao requerer uma ação no plano doméstico, não podem ser internacionalmente exigidas. Por isso mesmo, a autora propõe que se crie no âmbito do mecanismo órgãos distintos a lidar com cumprimento - no caso, as obrigações procedimentais que o artigo 4º coloca - e com implementação.

5. Conclusão

O debate sobre mudanças climáticas é um debate sobre desigualdade em termos de vulnerabilidade e de capacidade para um adequado enfrentamento. Alicerçado no princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respectivas capacidades, a CQMC é, de certo modo, pervertida pelo Acordo de Paris que, em nome de um acordo mínimo, provê diferenciação para todos.

Apesar de não conter obrigações precisas e vinculantes sobre o conteúdo das contribuições nacionalmente determinadas, o Acordo de Paris estabelece ainda de forma embrionária os mecanismos para assegurar o seu cumprimento: especialmente assegurar que as contribuições nacionalmente determinadas reflitam a ambição necessária para atingir seus objetivos esculpidos no artigo 2.1(a).

Desse modo, um órgão destinado à implementação poderia se dar conta dos aspectos não procedimentais no âmbito do Acordo, que são deixados totalmente à discrição das Partes. Não existe hoje, no Acordo, nenhum mecanismo que possa efetivar a liderança dos países desenvolvidos, levando em consideração suas responsabilidades históricas e atuais, assim como suas capacidades, em termos de ambição de suas contribuições nacionalmente determinadas.

Por meio de uma tática denominada “naming and shaming”, presente na ideia de balanço global de implementação, abre-se a possibilidade de que os países em desenvolvimento consigam - principalmente por meio dos veto-players emergentes - alavancar a necessária ambição e a liderança dos países desenvolvidos.

Entretanto, conforme se observa com base na Revisão Periódica Universal dentro do sistema de direitos humanos das Nações Unidas, a efetividade dessa tática para que os países em desenvolvimento consigam assegurar a liderança dos países desenvolvidos passa por um intrincado conjunto de relações política que se estabelecem fora da CQMC, o que pode enfraquecer a posição desses países. Desse modo, o Acordo de Paris, que chega em um momento cuja unidade do Sul, para reivindicar uma ordem global mais justa, encontra-se dispersa, tende a institucionalizar essa dispersão.

Referências

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  • 1
    Sobre o Protocolo de Montreal, é relevante a colocação de Bodansky (2001) segundo o qual a descoberta do buraco na camada de ozônio, assim como a confirmação que ela estava diretamente ligada à emissão de clorofluorcarbonos, serviu de alerta para as consequências ambientais globais da atividade humana - lembrando que até então a política ambiental global lidava basicamente com problemas ambientais de alcance local/regional - na biosfera. Desse modo, os esforços envidados para seu enfrentamento - tanto do ponto de vista político quanto de opinião pública - serviram de importante plataforma para emplacar as preocupações com mudanças climáticas.
  • 2
    Para compreender as disparidades entre os países industrializados, “[...] to some degree, they resulted from disparities in the perceived cost of abatement […] But a simple explanation in terms of economic self-interest is insufficient, since, from an economic standpoint, a stabilization target would have been easier to achieve for the United States than for many other Western countries, including Norway and Japan, which subsequently backed away from country targets and began to support, instead, joint implementation. A more sophisticated interest-based approach is that the United States was jockeying for a favourable position - and attempting to create a reputation for toughness - In a much larger and longer-term game in which major cuts in emissions levels could be on the table. Another explanation for the differences in national positions lies in domestic politics […] international environmental negotiations were coordinated in the Reagan administration by the White House Domestic Council, where such major domestic players as the Department of Energy, the Office of Management and Budget, and the Council of Economic Advisers were dominant, all of whom stressed the uncertainties of climate change and the economic costs of mitigation measures […] In contrast, in countries such as Canada, the Netherlands, and Germany, the climate change issue remained in the hands of the environmental and foreign ministries for a much longer period.” (BODANSKY, 2001, p. 28-29).
  • 3
    Poder climático relaciona-se a relevância e compromisso. Segundo os autores, “[...] entendemos por relevância de um país a proporção de sua participação nas emissões globais, a posse de recursos humanos e tecnológicos para a descarbonização da economia global, e o comprometimento energético que permite avaliar de maneira crítica a composição da matriz energética e os custos da descarbonização. Por compromisso, entendemos a disposição para utilizar esses recursos em benefício da estabilidade do sistema climático”. (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013, p. 86).
  • 4
    5.(e) Undertake a universal periodic review, based on objective and reliable information, of the fulfilment by each State of its human rights obligations and commitments in a manner which ensures universality of coverage and equal treatment with respect to all States; the review shall be a cooperative mechanism, based on an interactive dialogue, with the full involvement of the country concerned and with consideration given to its capacity-building needs; such a mechanism shall complement and not duplicate the work of treaty bodies; the Council shall develop the modalities and necessary time allocation for the universal periodic review mechanism within one year after the holding of its first session (UNITED NATIONS, 2006UNITED NATIONS. Resolution adopted by the General Assembly on 15 March 2006 60/251. Human Rights Council, 2006.).
  • 5
    “When deciding whether or not to accept a recommendation, states must factor in political context, because recommendations reveal very different signals depending on the source. In a politicized environment, governments interpret criticism by their enemies as a cynical attempt to sully their country’s reputation. Not only are there few incentives to comply in such cases, doing so may confer costs on the part of the State under Review (SuR) if they are seen as ‘kowtowing’ to the enemy. On the other hand, recommendations mean something very different when coming from a state that shares strong political, economic, or security ties with the target. Since there are few strategic incentives to criticize friends, shaming in this case serves as a credible signal reflecting the critic’s preferences on a particular norm. In this context, the SuR is more likely to accept the recommendation in order to avoid damaging a valuable partnership” (TERMAN; VOETEN, 2017, p. 8).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2018
  • Revisado
    12 Fev 2019
  • Aceito
    19 Fev 2019
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