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Liberalismo Igualitário e Estrutura do Direito Privado

Liberal Egalitarianism and Private’s Law Structure

Resumo

Este artigo esboça a tese de que o Liberalismo Igualitário (LI) pode requerer certas características estruturais do Direito Privado (DP). Essas características se fariam necessárias para que instituições liberais igualitárias se mantenham sensíveis ao que Nagel (1991) designa como ponto de vista pessoal. Mesmo, portanto, que as liberdades básicas que o LI trata como prioritárias sejam parcimoniosas em relação à propriedade e que a conformidade institucional a um ou a mais princípios de justiça distributiva (o que o artigo chama de “demanda igualitária”) ameace “desfigurá-lo”, o DP manteria, sob o LI, um status não contingente. No que se refere ao método, o artigo se caracteriza como investigação “interna” ao LI, que aceita algumas de suas premissas básicas (como a prioridade das liberdades básicas e justiça distributiva) para tratar do lugar do direito privado nessa tradição.

Palavras-chave:
Direito Privado; Liberalismo Igualitário; Justiça Distributiva

Abstract

This article outlines the thesis that egalitarian liberalism (EL) may require certain structural features of private law (PL). These characteristics would be necessary if egalitarian liberal institutions were to remain sensitive to what Nagel (1991) refers to as a personal point of view. Even if the basic freedoms that EL treats as priorities are parsimonious in relation to property and that institutional conformity to one or more principles of distributive justice (what the article calls “egalitarian demand”) threatens to “disfigure it”, PL would maintain, under EL, a non-contingent status. Regarding method, the article is characterized as an “internal” investigation of EL, which accepts some of its basic premises (such as the priority of basic freedoms and distributive justice) to deal with the place of private law in this tradition.

Keywords:
Private Law; Liberal Egalitarianism; Distributive Justice

1 Introdução

Este artigo esboça a tese de que o liberalismo igualitário (LI) pode requerer certas características estruturais do direito privado (DP). Essas características se fariam necessárias para que instituições liberais igualitárias se mantenham sensíveis ao que Nagel (1991NAGEL, Thomas. Equality and partiality. Oxford: Oxford University, 1991.) designa como ponto de vista pessoal. Mesmo, portanto, que as liberdades básicas que o LI trata como prioritárias sejam parcimoniosas em relação à propriedade e que a conformidade institucional a um ou a mais princípios de justiça distributiva (o que o artigo chama de “demanda igualitária”) ameace “desfigurá-lo”, o DP manteria, sob o LI, um status não contingente.

O artigo é organizado em oito seções além desta introdução. A seção 2 apresenta duas características do LI, a prioridade das liberdades básicas e um ou mais princípios de justiça distributiva com viés favorável às pessoas em desvantagem, e esclarece por que, a considerar essas duas características, o status do DP (ou de uma certa “estrutura” do DP) sob o LI é contingente. As três seções seguintes cogitam e, em geral, rejeitam soluções para esse problema: a seção 3 considera a solução das liberdades básicas, isto é, do DP implicação necessária dessas liberdades, a seção 4 trata do argumento dworkiniano para que parte da estrutura do DP goze de uma proteção “forte”, enquanto a seção 5 escrutiniza duas versões do argumento sobre uma “divisão institucional do trabalho” que dispensaria o DP de atender à demanda igualitária. Da seção 6 em diante, o artigo propõe uma solução tida como mais promissora, a qual apela para uma terceira característica de instituições liberais igualitárias, a saber, a sensibilidade ao ponto de vista pessoal. A seção 6 apresenta a distinção de Nagel entre os “pontos-de-vista” impessoal e pessoal. Nela também se postula que, diferentemente de outras concepções de justiça política, o LI reconhece legitimidade aos dois “pontos-de-vista”. A seção 7 apresenta e critica uma ideia de divisão moral do trabalho, segundo a qual ao ponto de vista pessoal só seria legítimo aflorar nas ações individuais. Em contraste, e atacando a divisão moral do trabalho no flanco oposto ao da crítica de Cohen (2008COHEN, G. A. Rescuing justice and equality. Cambridge: Harvard University, 2008.) a teorias institucionais da justiça, defende-se que instituições liberais igualitárias devem se mostrar sensíveis ao ponto de vista pessoal. A seção 8 explora os recursos do LI, tal como definido ao início, para alcançar esse desiderato. Nela se afirma, de maneira tentativa, que nem a prioridade das liberdades básicas e nem a conformidade à demanda igualitária asseguram instituições suficientemente sensíveis ao ponto de vista pessoal. A seção 9, por fim, explica como a estrutura do DP garante a referida sensibilidade. A conclusão é a de que um status não contingente do DP sob o LI pode ser defendido com base na imprescindibilidade do ponto de vista pessoal.

2 Liberalismo Igualitário e “Desfiguração” do Direito Privado

Esta seção começa com uma breve caracterização do LI. Em seguida, explica-se por que o LI pode implicar um DP desfigurado.

Como LI, entende-se a seguir uma concepção de justiça política caracterizada pelo status prioritário de certas liberdades fundamentais e por uma demanda igualitária (a ser satisfeita sob os limites impostos pelas liberdades prioritárias). Essas liberdades fundamentais incluem, entre outras, as tradicionais liberdades de ir e vir, consciência e expressão, bem como uma certa garantia à incolumidade. Não fazem parte das liberdades fundamentais, em contrapartida, direitos robustos de propriedade (para além da propriedade “pessoal”), em especial sobre a propriedade dos meios de produção1 1 Para um exemplo de concepção que exclui direitos de propriedade robustos do rol de liberdades fundamentais, ver Rawls (1999, p. 54). .

Afirmar que o LI é caracterizado por uma demanda igualitária é afirmar, em primeiro lugar, que, afora no que se refere às liberdades fundamentais, o LI é uma concepção de justiça distributiva. Trata-se, em segundo lugar, de uma concepção de justiça distributiva com viés favorável aos cidadãos em desvantagem, o que pode se traduzir por um imperativo de estrita igualdade2 2 No caso de um estrito igualitarismo, o viés favorável aos cidadãos em desvantagem se traduz, portanto, como requerimento de que ninguém esteja em desvantagem. ou, ao menos, de uma especial consideração para com os cidadãos em desvantagem, seja mediante a aplicação de alguma regra de prioridade, seja pela garantia de um certo mínimo.

Diferentes versões de LI podem ser concebidas, portanto, variando de acordo com as liberdades que são tidas como fundamentais e com o conteúdo da demanda igualitária. Esse conteúdo é uma função, como visto, do modo como o viés favorável aos cidadãos em desvantagem se verifica (como estrito igualitarismo, prioritarismo, etc.) mas também da métrica da vantagem (recursos, bem-estar, oportunidades para bem-estar, etc.).

Decisivo para diferenciar o LI do libertarismo é que, quaisquer que sejam as liberdades prioritárias e o conteúdo da demanda igualitária, o LI, afora no que respeita às referidas liberdades, somente é compatível com titularidades (entitlements) em um sentido fraco (VAN PARIJS, 1995VAN PARIJS, Philippe. Real freedom for all: what (if anything) can justify capitalism. Oxford: Clarendon , 1995., p. 13). Isso quer dizer que, no LI, titularidades ou direitos institucionais (isto é, direitos atribuídos por instituições) podem ser condicionados a certos fins (entre eles, o de atender à demanda igualitária). No libertarismo, em contrapartida, titularidades são fortes,3 3 A afirmação acima se sujeita à ressalva de que particulares versões de libertarismo podem enfraquecer o sentido atribuído às titularidades, a depender das condições impostas à aquisição de direitos sobre o mundo externo (como a cláusula lockeana). Para um caso extremo de libertarismo com titularidades fracas, ver Otsuka (2003). isto é, incondicionadas4 4 Do fato de uma titularidade ser incondicionada não se infere que suas prerrogativas sejam ilimitadas. Minha titularidade sobre uma faca pode não incluir (e geralmente não inclui) a prerrogativa de cravá-la no seu peito. Minha titularidade sobre a faca (assim como a sua sobre o seu corpo) pode, não obstante, ser incondicionada, no sentido de seu conteúdo e limites não serem determinados por algum fim (como a distribuição justa da riqueza). .

Essa maneira peculiar de conceber titularidades explica por que o LI ameaça “desfigurar” o DP. Há, no que costumamos chamar de DP, uma certa estrutura constituída por certas titularidades sem as quais o DP dificilmente seria reconhecido como tal. Sem pretender um rol exaustivo, podemos incluir entre as características estruturais do DP as seguintes:

  • direitos de propriedade individuais;

  • liberdade de contratar sujeita a limites eminentemente negativos (não há dever de contratar);

  • responsabilidade civil em geral limitada aos danos causados por ações (e não por omissões);

  • direitos de família;

  • liberdade de testar, ainda que sujeita a limites.

Como, sob o LI, essas titularidades são meramente contingentes, não podemos confiar em que um DP regulado pelo LI mantenha a sua estrutura habitual5 5 Daí não segue que as titularidades sob o DP sejam ilimitadamente contingentes, isto é, que não haja limites para a maneira como essas titularidades podem variar para a realização de certos fins. Limites como o do estado-de-direito (por exemplo, a proibição à retroatividade da lei e o respeito à coisa julgada) são perfeitamente compatíveis com o caráter de outro modo condicionado das titularidades. . Daí se dizer que o LI ameaça desfigurar o DP. Somando-se a isso, o modo como as titularidades são tratadas sob o LI tem as seguintes implicações. Primeiro, à medida que tanto o DP quanto o direito público sejam condicionados aos mesmos fins (como o de atender à demanda igualitária), DP e direito público se tornam indistinguíveis6 6 Se partirmos da ideia de que o condicionamento a fins é, no direito público, algo “natural”, ficamos tentados a dizer que o tratamento dispensado pelo LI às titularidades reduz o DP a um direito público “disfarçado”. . Segundo, sob o LI, a relação entre DP e justiça corretiva se torna meramente contingente.

3 A Solução das Liberdades

Vamos considerar agora algumas soluções para o problema da desfiguração do DP. Uma delas, a solução das liberdades, consiste em afirmar que a estrutura do DP é implicada pelas liberdades básicas. Como tal, essa estrutura contaria com o mesmo status privilegiado que o LI atribui a essas liberdades.

Embora não seja necessariamente de refutar de todo,7 7 Para um argumento de que a família é implicada pelas liberdades básicas, ver Munoz-Dardé (1999). essa solução tem, quando muito, um alcance limitado, já que, tal como definido acima, o LI não inclui entre as liberdades fundamentais direitos de propriedade robustos. Logo, características estruturais como os direitos individuais de propriedade (para além da propriedade pessoal) e as liberdades de contratar e de testar não estão ao abrigo das liberdades8 8 Para um argumento em favor de estender o rol de liberdades básicas para incluir direitos robustos de propriedade, ver Tomasi (2012). Embora não inclua a propriedade privada dos meios de produção e a liberdade de contratar entre as liberdades básicas, Rawls esboça argumentos sobre a imprescindibilidade do mercado para as liberdades, entre os quais está o de que o mercado assegura a liberdade de ocupação (RAWLS, 1999, p. 241). Ao rejeitar o regime que denomina como “socialismo de Estado”, Rawls também parece julgar incompatível uma economia planejada com as liberdades em geral (RAWLS, 2001, p. 138). Como pondera Queralt (2013), porém, economias planejadas não têm que abolir incentivos para o trabalho e podem, portanto, conjugar liberdade de ocupação e eficiência. Não há, tampouco, nenhuma relação conceitual necessária entre planejamento econômico e supressão das liberdades democráticas. .

4 A Solução da Titularidade Forte

Outra solução consiste em afirmar que, contrariamente ao suposto acima, a demanda igualitária implica certas características estruturais do DP. Ao invés de contingentes, portanto, essas características seriam, à luz da demanda igualitária, necessárias.

A versão mais famosa dessa solução é a de Dworkin (2000DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue. Cambridge: Belknap, 2000.). Dworkin defende uma concepção liberal igualitária de justiça que envolve uma igual distribuição inicial de recursos naturais. O valor dos recursos é o dos custos de oportunidade que a sua apropriação impinge aos demais, de maneira que a igualdade de recursos pressupõe um mercado, “[...] mainly as an analytical device but also, to a certain extent, as an actual political institution” (DWORKIN, 2000DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue. Cambridge: Belknap, 2000., p. 68). Custos de oportunidade da apropriação de um recurso só podem ser aferidos se esse recurso puder ser adquirido por outros sob iguais condições, o que implica, no exercício de Dworkin com náufragos em uma ilha deserta, que os recursos da ilha sejam leiloados e, para as tentativas de aproximar sociedades reais do ideal da igualdade de recursos,9 9 A maneira como Dworkin lida com o problema de aplicar a igualdade de recursos a sociedades imperfeitas é complexa, mas envolve, de fato, um privilégio especial às liberdades de que os cidadãos gozariam em circunstâncias ideais e, em consequência (e à medida que façam parte dessas liberdades), às liberdades de mercado. Ver Dworkin (2000, p. 172-176). que haja um mercado (ainda que sujeito a restrições).

Uma ressalva, contudo, é que, ao apresentar o ideal da igualdade de recursos, Dworkin simplesmente pressupõe direitos individuais de propriedade (DWORKIN, 2000DWORKIN, Ronald. Sovereign virtue. Cambridge: Belknap, 2000., p. 65). A igualdade de recursos é, portanto, igualdade na distribuição de recursos objeto de propriedade individual. Assim, qualquer defesa da igualdade de recursos (e de suas implicações institucionais, como o mercado) tem que ser antecedida de uma defesa da propriedade individual. A esse respeito, contudo, Dworkin não se distingue de outros liberais igualitários, para os quais nada além do que um restrito direito a propriedade pessoal faz parte do rol de liberdades fundamentais.

O máximo que se pode dizer, pois, é que a igualdade de recursos dworkiniana sela a sorte de duas características estruturais do DP, os direitos individuais de propriedade e a liberdade de contratar. Se Dworkin estiver certo quanto à igualdade de recursos e tivermos razões independentes para aceitar os direitos individuais de propriedade que a igualdade de recursos pressupõe, então temos de aceitar o mercado (e, portanto, a liberdade de contratar) como parte do aparato institucional de uma sociedade justa.

5 A Solução da Divisão Institucional do Trabalho

Outra solução para manter a estrutura do DP infensa à demanda igualitária é a divisão institucional do trabalho. Essa solução consiste em confinar o trabalho de satisfazer à demanda igualitária a certas instituições que não incluam (senão em seu todo, ao menos em grande parte) o DP. Por exemplo, pode-se propor que a demanda igualitária seja realizada exclusivamente por meio de tributação e transferências.

Há pelo menos dois argumentos que se poderiam aduzir em favor de uma divisão institucional que libere o DP (ou boa parte dele) do trabalho igualitário. Um deles é o argumento estratégico. Por uma ou mais razões, pode-se afirmar que, entre as instituições que podem ser usadas para atender à demanda igualitária, há algumas que, em comparação com o DP, são mais propensas a lograr êxito ou a lograr êxito a menor custo (isto é, são mais eficientes). Rawls (1996RAWLS, John. Political liberalism. New York: Columbia University, 1996., p. 267-269) esposa uma versão desse argumento ao defender que o direito contratual, para se manter simples e não elevar custos de transação em demasia, desconsidere a justiça.10 10 Para um argumento sobre a superior eficiência do imposto de renda como meio de redistribuição, ver Kaplow e Shavell (1994).

O problema com o argumento estratégico é que ele é circunstancial. É pouco plausível que a inaptidão do DP para atender (ou para atender eficientemente) à demanda igualitária possa ser afirmada de uma vez por todas, independentemente das circunstâncias11 11 É também pouco plausível que essa inaptidão seja de afirmar independentemente do conteúdo da demanda igualitária. O argumento estratégico de Kaplow e Shavell (1994), por exemplo, cinge-se à redistribuição de renda. Para uma resposta a esses autores que afirma a adequação do DP para atender a uma demanda igualitária concebida em termos não restritos à renda, ver Lewinsohn-Zamir (2006). . Isso posto, o argumento estratégico é insuficiente para eliminar o risco de desfiguração do DP; a considerar apenas esse argumento, a estrutura do DP continua contingente a satisfazer à demanda igualitária ou a que a circunstâncias sejam de molde a que essa demanda se realize mais adequadamente mediante outras instituições.

Outro argumento sobre a divisão institucional do trabalho é o que apela para a ideia de justiça distributiva como justiça procedimental pura12 12 Sobre justiça distributiva como justiça procedimental pura, ver Rawls (1999, p. 74-75). . Concebida como justiça procedimental pura, a justiça distributiva determina as regras a serem seguidas, mas não os resultados. Se as regras forem justas, os resultados, quaisquer que sejam, também o serão. O argumento da justiça procedimental pura parece dar fôlego ao DP porque promete conciliar demanda igualitária e liberdade de ação individual. Liberdades comumente encontradas no DP, como as liberdades de contratar e testar, são liberdades cujo exercício pode dar lugar a um sem número de resultados, mas esses resultados (que podem envolver, por exemplo, uma considerável concentração da riqueza) serão irrelevantes para a demanda igualitária caso definida nos moldes da justiça procedimental pura.

É verdade que o apelo à justiça procedimental pura pode conciliar justiça distributiva e liberdade de ação individual, mas é um erro pensar que assim a estrutura do DP fica salvaguardada. Embora o resultado do exercício de liberdades como as de contratar e testar não se submeta ao crivo da justiça distributiva (uma vez concebida como justiça procedimental pura), outra coisa vale para o DP em si mesmo, isto é, para as regras que conferem essas liberdades. Afirmar que a justiça procedimental pura endossa a divisão institucional do trabalho é incorrer em uma confusão entre os resultados da autonomia privada (aos quais a justiça procedimental pura é indiferente) e as bases institucionais dessa autonomia. Como parte do aparato institucional, o DP é parte das “regras do jogo” e não fica imune à demanda igualitária, ainda que concebida esta de modo puramente procedimental13 13 Por outro lado, se definirmos como “procedimento” os processos por meio dos quais as autoridades decidem e como “resultados” essas decisões mesmas, o conteúdo do DP (como resultado de decisões legislativas e judiciais) passará a ser irrelevante para a justiça distributiva, mas o mesmo valerá para o direito público. .

Rawls (1999RAWLS, John. A theory of justice. 2. ed. Belknap: Editora , 1999., p. 242) está simplesmente errado ao afirmar que o mercado é necessário a que o problema da distribuição seja tratado como um problema de justiça procedimental pura. A ideia de justiça procedimental pura é compatível com quaisquer instituições (de fato, com qualquer procedimento) que não predeterminem resultados. Muitas instituições diferentes do mercado (por exemplo, a alocação de bens por sorteio) atendem a essa condição. O problema, é claro, pode ser o de ter instituições compatíveis com a justiça procedimental pura e com a eficiência, caso no qual há razões ponderáveis para preferir o mercado a outros métodos de alocação. Mas a justificação passa a ser, em tal caso, contingente à conformidade do mercado a um princípio de eficiência.

6 Liberalismo Igualitário e os Dois “Pontos-de-vista”

A partir desta seção, o artigo esboçará uma outra solução para o problema da desfiguração do DP sob o LI. Essa solução começa com a distinção entre o que Nagel (1991NAGEL, Thomas. Equality and partiality. Oxford: Oxford University, 1991.) designa como pontos-de-vista pessoal e impessoal. Segundo Nagel, é característica dos seres humanos a capacidade para ver as coisas de dois pontos-de-vista. Do ponto de vista impessoal, nossos interesses não ocupam uma posição privilegiada em relação aos de outras pessoas; conflitos de interesses são resolvidos, portanto, de maneira imparcial14 14 Para Nagel (1991, cap. 7), justifica-se, do ponto de vista impessoal, dispensar certa prioridade aos interesses das pessoas em pior situação, por se tratar de interesses mais prementes. . Do ponto de vista pessoal, em contraste, os interesses que contam são os nossos interesses e os das pessoas que nos são caras.

A exemplo de Nagel, é característico de liberais igualitários em geral reconhecer a legitimidade desses dois pontos-de-vista. Nisso há um contraste, de um lado, com o utilitarismo, que só reconhece como legítimo o ponto de vista impessoal, e certas doutrinas contratualistas, que apelam exclusivamente para o ponto de vista pessoal. A posição liberal igualitária a respeito é bem expressa por Tan (2004TAN, Kok-Chor. Justice and personal pursuits. Journal of Philosophy, [S.l.], v. 101, n. 1, p. 331-362, 2004., p. 334):

[…] the aim of any conception of justice is not to impose the demands of egalitarian impartiality on individual conduct across the board, but primarily to define the limits within which personal ends can be freely and fairly realized. Or, to put it differently, justice aims to regulate social arrangements so as to protect equally individuals’ capacity to pursue their personal ends and commitments. A theory of justice that does not amply allow for, or unduly constrains, personal pursuits will not only be self-defeating, but it will serve no purpose. It is individuals’ capacity for a conception of the good that makes considerations of justice especially poignant. The good is that which gives purpose and meaning to persons’ lives, even as justice dictates the permissible bounds of the good. […] An account of justice that does not give sufficient space for individual conception and pursuit of the good will be without a point. It certainly will not be an account of justice made for humanity15 15 Para Tan (2004), a legitimidade dos dois “pontos-de-vista” implica uma concepção institucional de justiça ou uma “divisão do trabalho moral” pela qual as demandas da imparcialidade sejam exauridas pelas instituições (e por ações individuais com efeito direto sobre as instituições). Essa solução será logo adiante no texto criticada, mas não de modo a refutar a necessidade de acomodar os dois “pontos-de-vista”. .

O problema consiste em acomodar esses dois “pontos-de-vista” conflitantes. Uma solução, cogitada por Nagel (1991NAGEL, Thomas. Equality and partiality. Oxford: Oxford University, 1991., cap. 6) e defendida por Tan (2004TAN, Kok-Chor. Justice and personal pursuits. Journal of Philosophy, [S.l.], v. 101, n. 1, p. 331-362, 2004.), é a divisão moral do trabalho entre instituições e ações individuais, da qual trataremos a seguir.

7 A Divisão Moral do Trabalho

Tal como Tan (2004TAN, Kok-Chor. Justice and personal pursuits. Journal of Philosophy, [S.l.], v. 101, n. 1, p. 331-362, 2004.) a concebe, a divisão moral do trabalho daria conta da diversidade de pontos-de-vista da seguinte maneira. De um lado, instituições e ações individuais com efeito direto sobre instituições se encarregariam de atender às demandas do ponto de vista impessoal. Instituições (e ações individuais institucionais) seriam desenhadas, portanto, exclusivamente para fazer frente a demandas que uma igual consideração para com os interesses de todos requer. Em contrapartida, naquilo em que suas ações não são limitadas pelas instituições, indivíduos seriam livres para atuar apenas segundo o ponto de vista pessoal.16 16 Atuar apenas segundo o ponto de vista pessoal não é necessariamente atuar de maneira egoísta, porque nossos projetos podem incluir o bem de outras pessoas. Tampouco a divisão moral do trabalho é incompatível com que ações individuais (não institucionais) sejam influenciadas pelo ponto de vista impessoal. Isso apenas não é algo que a justiça, em cuja concepção se inclua a divisão moral do trabalho, requeira. Com a divisão moral do trabalho, a justiça seria compatível, no que se refere às ações individuais, com uma diversidade de motivações. Por exemplo, ao votar, cidadãos deveriam atentar ao ponto de vista impessoal, o que implicaria, eventualmente, apoiar propostas de reforma institucional contrárias a seus interesses; ao atuar no mercado, em contrapartida, esses mesmos cidadãos estariam livres para maximizar seus ganhos.

A divisão moral do trabalho é criticada em Cohen (2008COHEN, G. A. Rescuing justice and equality. Cambridge: Harvard University, 2008.). O objeto principal da crítica coheniana (e do debate a que ela deu lugar) é a implicação individual da divisão moral do trabalho, a saber, a de que os indivíduos tenham licença para ignorar as demandas do ponto de vista impessoal (no caso de Cohen, mais precisamente, as demandas da igualdade). Mas Cohen (2004) também se opõe, de passagem, à implicação institucional da divisão moral do trabalho, a qual consiste em permitir que as instituições ignorem o ponto de vista pessoal:

There are many forms of motivation along the continuum between unrestrained market-maximizing at one end and full self-sacrificing restraint in favor of the worst off on the other. The first extreme is permitted by Rawls (and I regard that as absurd), but the second extreme isn’t required by me. Requiring the second extreme is, in my view, excluded by a legitimate personal prerogative. The prerogative grants each person the right to be something other than an engine for the welfare of other people: we are not nothing but slaves to social justice. But the individual who affirms the difference principle must have some regard to it in his economic choices, whatever regard, that is, which starts where his personal prerogative stops. Yet the state, too, must have regard, in its legislation, to the personal prerogative of the individual. It should not, should it happen to have the power to do so, legislate so invasively and so comprehensively that the individual lacks scope for the exercise of what belongs within his own prerogative. (COHEN, 2008COHEN, G. A. Rescuing justice and equality. Cambridge: Harvard University, 2008., p. 10)

A devida consideração para com o ponto de vista pessoal impõe, portanto, segundo Cohen, limites às instituições, de tal maneira que uma ação estatal, ainda que baseada exclusivamente em razões impessoais, pode não ser legítima. À primeira vista, contudo, é estranho defender que a legislação (doravante, citarei a legislação como exemplo de instituição) não seja orientada apenas pelo ponto de vista impessoal. Isso pode dar a entender que é lícito ao legislador, em alguma medida, privilegiar seus interesses ou os interesses de pessoas que lhe são caras. Por óbvio, não é com esse sentido que se afirma que a legislação deve dispensar certa consideração para com o ponto de vista pessoal, mas é preciso determinar, então, o sentido com o qual essa afirmação se faz.

A maneira como se requer que a legislação (bem como outras instituições) seja sensível ao ponto de vista pessoal é a seguinte. A legislação poderia tratar os cidadãos como se, para eles, somente o ponto de vista impessoal importasse, moralmente falando. Isso não tem nada a ver com presumir que os cidadãos sejam anjos, isto é, com presumir que os cidadãos subjuguem seus interesses a demandas impessoais ou que esses interesses e demandas coincidam, de tal maneira que não haja, na prática, diferença entre os dois “pontos-de-vista”. Mesmo sem presumir cidadãos angelicais, a legislação pode recusar legitimidade ao ponto de vista pessoal e às ações a que ele dá lugar. O resultado disso seria uma legislação que, tanto quanto possível, procuraria conformar nossas ações ao que faríamos caso fôssemos orientados apenas pelo ponto de vista impessoal.

É preciso considerar, para exemplificar, a liberdade de testar. Na maior parte das vezes, essa liberdade é exercida de modo insuscetível de ser justificado do ponto de vista impessoal. Testar costuma atender aos nossos interesses e aos interesses de pessoas pelas quais temos apreço, de maneira que é geralmente difícil, senão impossível, aduzir razões impessoais para a atenção dispensada a esses interesses no ato de testar. Uma legislação insensível ao ponto de vista pessoal trataria, assim, de abolir a liberdade de testar ou, ao menos, de abolir seu exercício nos casos (mais comuns) em que esse exercício é incompatível com o ponto de vista impessoal.

Há, é claro, limites para o que uma legislação insensível ao ponto de vista pessoal (no sentido recém exposto) pode fazer. A insensibilidade ao ponto de vista pessoal implicaria proibir que pais contassem estórias antes de dormir para os seus filhos, mas não é possível, nem, muito menos, desejável chegar nem perto da vigilância de que uma legislação assim precisaria para ser cumprida.

Pois bem, é evidente que há boas razões - e razões impessoais - para rejeitar instituições às quais falte sensibilidade ao ponto de vista pessoal. O que temos de verificar é se o LI, tal como definido acima, dispõe de recursos que o previnam contra a falta dessa sensibilidade.

8 Liberalismo Igualitário e Sensibilidade ao ponto de vista pessoal

Considera-se, para começar, as liberdades fundamentais. É evidente que quaisquer instituições por meio das quais essas liberdades sejam realizadas serão sensíveis ao ponto de vista pessoal. É, em geral, incompatível com a garantia de uma liberdade que o modo de seu exercício seja regulado o bastante para impedir que o ponto de vista pessoal aflore. A questão é se, ao realizar adequadamente as liberdades básicas, as instituições se mostram suficientemente sensíveis ao ponto de vista pessoal. Embora mais argumento seja necessário aqui (inclusive para determinar que medida de sensibilidade ao ponto de vista pessoal é suficiente), uma razão para aventar que a proteção às liberdades básicas não basta é o fato de o LI não incluir direitos de propriedade robustos entre essas liberdades. Como ilustra o exemplo da liberdade de testar, podemos querer que outras liberdades além das liberdades básicas, entre elas liberdades econômicas, não tenham seu exercício controlado por razões impessoais.

Poder-se-ia pensar, à primeira vista, em uma necessária incompatibilidade entre a demanda igualitária e o ponto de vista pessoal. A demanda igualitária é, afinal de contas, alimentada por razões impessoais, o que leva a pensar que, em instituições encarregadas de atender a essa demanda, somente razões impessoais tenham espaço. Isso, porém, é um erro, porque confunde as razões nas quais as instituições se baseiam e as razões que baseiam as ações individuais praticadas sob essas instituições. Pode-se justificar impessoalmente uma instituição que deliberadamente permita17 17 O advérbio “deliberadamente” é usado acima para diferenciar o caso em que uma instituição é, pelo seu desenho mesmo, compatível com o ponto de vista pessoal e o caso em que, devido a falhas na sua implementação, uma instituição coexiste com ações injustificáveis do ponto de vista impessoal. aos indivíduos agir segundo razões pessoais. A questão é se instituições sujeitas à demanda igualitária podem ser justificadas assim.

Pois bem, há várias métricas de igualdade que não implicam uma necessária incompatibilidade entre a demanda igualitária e ações individuais injustificáveis do ponto de vista impessoal. Isso quer dizer que, se a demanda igualitária for expressa em alguma dessas métricas, não é necessário que instituições sujeitas a essa demanda limitem as ações individuais de tal maneira a que essas ações sejam controladas apenas pelo ponto de vista impessoal. Consideremos os casos de métricas como renda, capacidades e oportunidades para o bem-estar. Mesmo com um critério distributivo de estrita igualdade, uma demanda igualitária expressa em alguma dessas métricas não requer instituições contrárias ao ponto de vista pessoal. Igualdade de renda, capacidades ou oportunidades para o bem-estar é, em princípio, compatível com o uso da renda, de capacidades e oportunidades de maneira justificável apenas do ponto de vista pessoal18 18 Isso é diferente de dizer que a igualdade sob alguma dessas métricas é compatível com quaisquer ações individuais. A igualdade de renda, por exemplo, pode se opor a certas maneiras de empregar a renda (como presentes). .

Mesmo que a métrica da igualdade não esteja relacionada a ações individuais (da maneira como as métricas recém citadas estão), não é necessariamente o caso de que, para atender à demanda igualitária, instituições tenham de se opor ao ponto de vista pessoal. Suponha-se agora que a métrica seja a do bem-estar. Pode ser que a melhor estratégia para chegar à distribuição de bem-estar almejada (ou o mais próximo possível dela) envolva manter certa liberdade de ação individual e, em consequência, compactuar inclusive com ações baseadas em razões pessoais.

Uma coisa, no entanto, é afirmar que a demanda igualitária pode ser atendida por instituições sensíveis ao ponto de vista pessoal; outra é afirmar que a demanda igualitária impõe instituições assim. Embora compatível com ações justificáveis apenas do ponto de vista pessoal, a demanda igualitária não parece ser de molde, em geral, a impor instituições sob as quais essas ações sejam deliberadamente permitidas. A conclusão é que o status do ponto de vista pessoal sob instituições governadas pela demanda igualitária é contingente. Ações baseadas em razões pessoais não são necessariamente incompatíveis com a demanda igualitária, mas não podemos contar com que essas ações sejam toleradas19 19 Uma exceção seria uma métrica pouco usual de igualdade que incluísse ações justificáveis apenas do ponto de vista pessoal. Por exemplo, poderíamos usar a métrica da oportunidade para o bem-estar e estipular que oportunidades só contarão como tais se puderem ser exercidas tanto por razões impessoais quanto pessoais. Se o critério distributivo determinar que oportunidades sejam de algum modo maximizadas (por exemplo, maximinizadas), a consequência seria impor instituições condescendentes com o ponto de vista pessoal. .

9 Sensibilidade ao ponto de vista Pessoal e Direito Privado

Tal como definido inicialmente, portanto, os recursos do LI para endossar instituições com a necessária sensibilidade ao ponto de vista pessoal são escassos. Instituições que asseguram as liberdades básicas devem dar espaço ao ponto de vista pessoal, mas podemos pretender que o mesmo se verifique em relação a outras liberdades não incluídas no parcimonioso rol de liberdades do LI. Por sua vez, a demanda igualitária, embora não necessariamente incompatível com ações individuais injustificáveis sob o ponto de vista impessoal, tampouco descarta a tentativa institucional de proscrever essas ações.

Se a sensibilidade ao ponto de vista pessoal é, de fato, uma característica de instituições liberais igualitárias, então é preciso incluir entre essas instituições algo que não se limite à garantia das liberdades básicas e ao atendimento da demanda igualitária. Esse algo pode ser o DP ou, ao menos, partes dele.

É possível ver a seguir como as cinco características estruturais atribuídas acima ao DP se relacionam ao ponto de vista pessoal:

a) Direitos de propriedade individuais - direitos de propriedade individuais permitem dar vazão ao ponto de vista pessoal ainda que seu exercício seja limitado. Como se trata de direitos individuais, é, em geral, escusado declinar as razões do seu exercício.

b) Liberdade de contratar sujeita a limites eminentemente negativos (não há dever de contratar) - que a liberdade de contratar, quando limitada, esteja sujeita a limites eminentemente negativos implica que a decisão de contratar ou não contratar (ou de contratar com A ao invés de B) seja do contratante. Como decisão individual, o exercício da liberdade de contratar (que não é mais do que, em certo sentido, um exercício de um direito individual de propriedade) pode escapar ao ponto de vista impessoal, ainda mais se, como é comum, a sua motivação não tiver de ser conhecida.

c) Responsabilidade civil em geral limitada aos danos causados por ações (e não por omissões) - uma responsabilidade civil limitada, em geral, aos danos causados por ações põe a salvo de controle decisões individuais sobre assistência. Decisões que devem ser impessoalmente justificadas são aquelas que sujeitam outras pessoas a risco; decisões, em contrapartida, sobre prestar ajuda a pessoas em situação de risco (um risco ao qual o agente não deu causa) não são sindicáveis.

d) Direitos de família - certas liberdades do direito de família (como, por exemplo, as liberdades matrimonial e procriadora) são, alegavelmente, liberdades básicas e, como tais, teriam de ser garantidas por instituições liberais igualitárias ainda que faltassem ao LI razões para manter as demais características estruturais do DP. Para além de plausivelmente proteger liberdades básicas, no entanto, o direito de família respalda um foro de decisões (por exemplo, sobre a propriedade e administração dos bens e o cuidado com os filhos) parcialmente impenetrável e suscetível, como tal, ao ponto de vista pessoal.

e) Liberdade de testar, ainda que sujeita a limites - a liberdade de testar é, em geral, exercível sem que o testador tenha de apresentar suas razões e, caso as apresente, sem que essas razões tenham de ser impessoais.

Que o DP, por suas características estruturais, contribua para certa sensibilidade institucional ao ponto de vista pessoal não implica que instituições liberais igualitárias sensíveis a esse ponto de vista na medida necessária tenham de incluir o DP com todas as características mencionadas. É difícil, por exemplo, imaginar como poderíamos concluir que instituições sob as quais a liberdade de testar tenha sido abolida (mas que mantenham as demais características estruturais do DP) são insuficientemente sensíveis ao ponto de vista pessoal. Tampouco o que se disse aqui basta para afirmar que a sensibilidade ao ponto de vista pessoal dependa do DP em alguma medida, muito embora soe desafiadora a ideia de um argumento em contrário.

Uma questão para investigação futura é a da compatibilidade entre a justificação do DP baseada na sensibilidade ao ponto de vista pessoal e o princípio da neutralidade. Não é difícil perceber que, ao propiciar que o ponto de vista pessoal aflore em certas decisões, o DP favorece a realização de certos projetos individuais mais do que de outros. A liberdade de testar, por exemplo, somente é relevante para projetos de vida que envolvam a disposição do patrimônio post mortem. O problema aqui, no entanto, não parece se resumir a que o DP favoreça algumas concepções de bem em detrimento de outras (um problema de neutralidade de efeito). À medida que, sob o LI, a justificação para o DP esteja atrelada à sensibilidade ao ponto de vista pessoal, trata-se de justificar instituições pela sua compatibilidade com razões pessoais, razões essas cuja importância é parasitária de concepções individuais de bem. Isso levanta a dúvida sobre se essa visão do DP é defensável à luz de um princípio de neutralidade de justificação.20 20 Sobre a diferença entre neutralidade de efeito e de justificação, ver Wall e Klosko (2003, p. 7-8).

Referências

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  • WALL, Steven; KLOSKO, George. Introduction. In: WALL, Steven; KLOSKO, George (org.). Perfectionism and neutrality: essays in liberal theory. Maryland: Rowman & Littlefield, 2003. p. 1-27.
  • 1
    Para um exemplo de concepção que exclui direitos de propriedade robustos do rol de liberdades fundamentais, ver Rawls (1999, p. 54RAWLS, John. Justice as fairness: a restatement. Cambridge: Belknap , 2000.).
  • 2
    No caso de um estrito igualitarismo, o viés favorável aos cidadãos em desvantagem se traduz, portanto, como requerimento de que ninguém esteja em desvantagem.
  • 3
    A afirmação acima se sujeita à ressalva de que particulares versões de libertarismo podem enfraquecer o sentido atribuído às titularidades, a depender das condições impostas à aquisição de direitos sobre o mundo externo (como a cláusula lockeana). Para um caso extremo de libertarismo com titularidades fracas, ver Otsuka (2003OTSUKA, Michael. Libertarianism without inequality. Oxford: Clarendon, 2003.).
  • 4
    Do fato de uma titularidade ser incondicionada não se infere que suas prerrogativas sejam ilimitadas. Minha titularidade sobre uma faca pode não incluir (e geralmente não inclui) a prerrogativa de cravá-la no seu peito. Minha titularidade sobre a faca (assim como a sua sobre o seu corpo) pode, não obstante, ser incondicionada, no sentido de seu conteúdo e limites não serem determinados por algum fim (como a distribuição justa da riqueza).
  • 5
    Daí não segue que as titularidades sob o DP sejam ilimitadamente contingentes, isto é, que não haja limites para a maneira como essas titularidades podem variar para a realização de certos fins. Limites como o do estado-de-direito (por exemplo, a proibição à retroatividade da lei e o respeito à coisa julgada) são perfeitamente compatíveis com o caráter de outro modo condicionado das titularidades.
  • 6
    Se partirmos da ideia de que o condicionamento a fins é, no direito público, algo “natural”, ficamos tentados a dizer que o tratamento dispensado pelo LI às titularidades reduz o DP a um direito público “disfarçado”.
  • 7
    Para um argumento de que a família é implicada pelas liberdades básicas, ver Munoz-Dardé (1999MUNOZ-DARDÉ, Véronique. Is the family to be abolished then? Proceedings of the Aristotelian Society (new series), [S.l.], v. 99, p. 37-56, 1999.).
  • 8
    Para um argumento em favor de estender o rol de liberdades básicas para incluir direitos robustos de propriedade, ver Tomasi (2012TOMASI, John. Free market fairness. Princeton, NJ: Princeton University, 2012.). Embora não inclua a propriedade privada dos meios de produção e a liberdade de contratar entre as liberdades básicas, Rawls esboça argumentos sobre a imprescindibilidade do mercado para as liberdades, entre os quais está o de que o mercado assegura a liberdade de ocupação (RAWLS, 1999, p. 241). Ao rejeitar o regime que denomina como “socialismo de Estado”, Rawls também parece julgar incompatível uma economia planejada com as liberdades em geral (RAWLS, 2001, p. 138). Como pondera Queralt (2013QUERALT, Jahel. The place of the market in a Rawlsian economy. Analyse & Kritik, [S.l.], v. 35, n. 1, p. 121-140, 2013.), porém, economias planejadas não têm que abolir incentivos para o trabalho e podem, portanto, conjugar liberdade de ocupação e eficiência. Não há, tampouco, nenhuma relação conceitual necessária entre planejamento econômico e supressão das liberdades democráticas.
  • 9
    A maneira como Dworkin lida com o problema de aplicar a igualdade de recursos a sociedades imperfeitas é complexa, mas envolve, de fato, um privilégio especial às liberdades de que os cidadãos gozariam em circunstâncias ideais e, em consequência (e à medida que façam parte dessas liberdades), às liberdades de mercado. Ver Dworkin (2000, p. 172-176).
  • 10
    Para um argumento sobre a superior eficiência do imposto de renda como meio de redistribuição, ver Kaplow e Shavell (1994).
  • 11
    É também pouco plausível que essa inaptidão seja de afirmar independentemente do conteúdo da demanda igualitária. O argumento estratégico de Kaplow e Shavell (1994KAPLOW, Louis; SHAVELL, Steven. Why the legal system is less efficient than the income tax in redistributing income. Journal of Legal Studies, [S.l.], v. 23, n. 2, p. 667-681, 1994.), por exemplo, cinge-se à redistribuição de renda. Para uma resposta a esses autores que afirma a adequação do DP para atender a uma demanda igualitária concebida em termos não restritos à renda, ver Lewinsohn-Zamir (2006LEWINSOHN-ZAMIR, Daphna. Redistribution through private law. Minnesota Law Review, Minnesota, v. 91, n. 2, p. 326-397, 2006.).
  • 12
    Sobre justiça distributiva como justiça procedimental pura, ver Rawls (1999, p. 74-75RAWLS, John. A theory of justice. 2. ed. Belknap: Editora , 1999.).
  • 13
    Por outro lado, se definirmos como “procedimento” os processos por meio dos quais as autoridades decidem e como “resultados” essas decisões mesmas, o conteúdo do DP (como resultado de decisões legislativas e judiciais) passará a ser irrelevante para a justiça distributiva, mas o mesmo valerá para o direito público.
  • 14
    Para Nagel (1991, cap. 7), justifica-se, do ponto de vista impessoal, dispensar certa prioridade aos interesses das pessoas em pior situação, por se tratar de interesses mais prementes.
  • 15
    Para Tan (2004), a legitimidade dos dois “pontos-de-vista” implica uma concepção institucional de justiça ou uma “divisão do trabalho moral” pela qual as demandas da imparcialidade sejam exauridas pelas instituições (e por ações individuais com efeito direto sobre as instituições). Essa solução será logo adiante no texto criticada, mas não de modo a refutar a necessidade de acomodar os dois “pontos-de-vista”.
  • 16
    Atuar apenas segundo o ponto de vista pessoal não é necessariamente atuar de maneira egoísta, porque nossos projetos podem incluir o bem de outras pessoas. Tampouco a divisão moral do trabalho é incompatível com que ações individuais (não institucionais) sejam influenciadas pelo ponto de vista impessoal. Isso apenas não é algo que a justiça, em cuja concepção se inclua a divisão moral do trabalho, requeira.
  • 17
    O advérbio “deliberadamente” é usado acima para diferenciar o caso em que uma instituição é, pelo seu desenho mesmo, compatível com o ponto de vista pessoal e o caso em que, devido a falhas na sua implementação, uma instituição coexiste com ações injustificáveis do ponto de vista impessoal.
  • 18
    Isso é diferente de dizer que a igualdade sob alguma dessas métricas é compatível com quaisquer ações individuais. A igualdade de renda, por exemplo, pode se opor a certas maneiras de empregar a renda (como presentes).
  • 19
    Uma exceção seria uma métrica pouco usual de igualdade que incluísse ações justificáveis apenas do ponto de vista pessoal. Por exemplo, poderíamos usar a métrica da oportunidade para o bem-estar e estipular que oportunidades só contarão como tais se puderem ser exercidas tanto por razões impessoais quanto pessoais. Se o critério distributivo determinar que oportunidades sejam de algum modo maximizadas (por exemplo, maximinizadas), a consequência seria impor instituições condescendentes com o ponto de vista pessoal.
  • 20
    Sobre a diferença entre neutralidade de efeito e de justificação, ver Wall e Klosko (2003, p. 7-8WALL, Steven; KLOSKO, George. Introduction. In: WALL, Steven; KLOSKO, George (org.). Perfectionism and neutrality: essays in liberal theory. Maryland: Rowman & Littlefield, 2003. p. 1-27.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2018
  • Revisado
    05 Fev 2019
  • Aceito
    04 Jul 2019
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