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Economia solidária sob a ótica das capacidades humanas de Martha Nussbaum

Solidarity economy from the perspective of Martha Nussbaum

Resumo

O principal foco deste artigo é apresentar a economia solidária, sob o prisma das capacidades humanas, com esteio no pensamento de Amartya Sen e Martha Nussbaum. A economia solidária circula em torno da ideia de solidariedade, sustentabilidade e inclusão no sistema de produção e distribuição de bens e serviços. Nesse contexto, revisita-se a obra de Martha Nussbaum, “Fronteiras da justiça” com o escopo de identificar elementos para a construção de uma ordem social justa. A metodologia envolve pesquisa interdisciplinar, com orientação epistemológica na teoria crítica e congrega teoria e práxis na articulação do constitucionalismo dirigente e da economia, com as técnicas de análise documental, estatística e de revisão bibliográfica, diante do estudo da viabilidade de implementar a economia solidária, por meio da formação de capital humano no âmbito local. Tem-se como resultados esperados indicar ferramentas que propiciem a observância das oportunidades e do desenvolvimento das capacidades humanas para o estabelecimento de um patamar civilizatório que concilie crescimento econômico com desenvolvimento humano.

Palavras-chave:
Economia solidária; Liberdade e oportunidade; Teoria das Capacidades

Abstract

The main goal of this article is to present the solidarity economy, under the prism of human capacities, based on Amartya Sen and Martha Nussbaum’s theory. The solidary economy revolves around the idea of ​​solidarity, sustainability and inclusion in the system of production and distribution of goods and services. In this context, Martha Nussbaum’s work, “Frontiers of Justice”, is revisited with the aim of identifying elements for the construction of a just social order. The methodology involves interdisciplinary research, with epistemological orientation in critical theory and brings together theory and praxis in the articulation of leading constitutionalism and economics, with the techniques of documentary analysis, statistics and bibliographic review, in view of the study of the feasibility of implementing the solidarity economy, through the formation of human capital at the local level. The expected results are to indicate tools that enable the observance of opportunities and the development of human capacities for the establishment of a civilizing level that reconciles economic growth with human development.

Keywords:
Solidarity economy; Freedom and opportunity; Capabilities

1 INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do Século XX observa-se a retração do Estado e a emancipação de instituições sociais. Estas, por meio de associações e cooperativas, sugerem um modelo econômico, com propostas concretas de autogestão, que renovam a economia. O quadro das relações sociais de produção e distribuição de bens e serviços é pontuado pela ideia de solidariedade, com base nos postulados de auto-organização do trabalho e democratização do espaço econômico e social. Nesse contexto, trata-se de um eixo de projeto alternativo ao capitalismo vigente, no qual é possível identificar novas práticas organizativas, a partir do quadro de referência sobre a desigualdade global, que podem ser minimizadas com a implementação dos princípios defendidos por Martha Nussbaum e Amartya Sen. Para os autores em epígrafe o universo das oportunidades deve ser analisado por meio das capacidades humanas, haja vista que as pessoas são agentes de afeto e de produção em escalas distintas.

A partir da revolução burguesa no final do século XVIII resta clara a opção pela retração do Estado, haja vista a evidência da frustração das funções públicas e do escopo do Estado que não incluía entre seus sujeitos de direito a própria população. Apenas a nobreza e o clero eram classes privilegiadas. Prevalece até o século XXI os questionamentos sobre o poder constituinte de Siéyès: quem somos nós? Tudo; o que tem sido feito até hoje? Nada. O que queremos? Queremos alguma coisa. A história demonstra o percurso liberal, social, neoliberal, neossocial e suas marcas de exclusão e de corrupção como as inimigas das repúblicas democráticas.

A opção do constitucionalismo dirigente ocidental aponta para a permanência de um Estado Regular, que tem como fundamento fazer prosperar a dignidade humana, por intermédio do desenvolvimento das oportunidades e das capacidades que preparam o cidadão para ingressar no mercado de trabalho e ter acesso ao emprego e à renda. Vale salientar os fundamentos que perpassam a Constituição brasileira de 1988, no que concernem aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa em regime econômico capitalista. Já os objetivos, da mesma constituição, que determinam o dever de redução da desigualdade social e de efetivação de direitos sociais continuam como simples normas programáticas diante de estatísticas do IBGE de 2019 que apontam para 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza.

Nesse diapasão, o debate prospera entre soluções que intercalam a defesa de mais Estado ou do fortalecimento das Instituições. Para autores como John Rawls, Amartya Sen, Francis Fukuyama e Martha Nussbaum, a construção de Estados não requer que sejam extensos, mas revela o dever de primar, sobremaneira, pelo desenvolvimento de oportunidades e de instituições fortes e capazes de alcançar autonomia e emancipação. A questão que aponta para tratar iguais de forma igual e tratar desiguais de forma desigual complementa o debate, pois as capacidades humanas são distintas e algumas pessoas e situações requerem maior presença de políticas públicas e de destinação orçamentária para usufruírem do patamar mínimo civilizatório. Nesse contexto, a economia solidária se posiciona em um ambiente de insuficiência do Estado, como mecanismo de realização de práticas sociais e econômicas inclusivas. Este quadro propicia o surgimento de construções que articulam a atividade econômica às finalidades sociais.

A economia solidária nasce oriunda da necessidade de os trabalhadores produzirem e auferirem renda. Essa imprescindibilidade de inclusão econômica, por partes das pessoas excluídas do sistema econômico formal, foi a força motriz para buscar alternativas a garantir a própria sobrevivência. A economia solidária apresenta-se como um paradigma inclusivo, com o objetivo de criar possibilidades econômicas e sociais e ao mesmo tempo atenuar os efeitos de décadas de exclusão social e econômica. A busca por compartilhar a existência humana digna motiva a construção da economia solidária, assim constitui alternativa capaz de criar possibilidades e soluções ao desemprego e à precarização do trabalho.

A construção de uma sociedade inclusiva, por meio da economia solidária, tem influências em sociedades de cooperação e auxílio mútuo. A busca de incluir os outsiders da economia formal, desencadeia o desenvolvimento de recursos para reagir aos efeitos negativos da economia de mercado e diligenciar soluções para a valorização do trabalho e redução ou eliminação da exclusão social.

Diante desse contexto, o artigo tem como objetivo analisar a relevância da economia solidária, como agente de promoção do desenvolvimento econômico e humano. À economia solidária baseia-se na cooperação e na solidariedade, e busca propiciar a realização humana. Destarte, para a efetiva realização social é necessário que a pessoa possua capacidades que viabilizem sua emancipação por meio do acesso à renda, e por fim alcance o gozo do padrão mínimo civilizatório. A economia solidária oferece à população mais vulnerável instrumentos que permitem à concessão de empréstimos de pequeno porte, e à construção de redes de cooperação social.

A metodologia envolve pesquisa interdisciplinar, que congrega teoria e práxis na articulação do Direito, e da Economia, com as técnicas de análise documental e de revisão bibliográfica. Como problema de investigação, indaga-se: é possível a implementação da economia solidária, no contexto das relações internacionais, para o estabelecimento de uma estrutura global justa? Investigam-se os instrumentos que podem ser adotados, no sentido de promover a economia solidária no âmbito nacional e local, e, nesse diapasão, tem o escopo de superar as dificuldades de acesso ao crédito, tão presentes nos países periféricos.

Adota-se como principal referencial teórico o pensamento de Martha Nussbaum. A autora, ao tempo em que ressalta as diferenças entre os membros de uma sociedade, defende o reconhecimento das capacidades humanas que permitem a inclusão individual, seja como agente de produção ou componente integrante do contexto das relações éticas e afetivas. Representante da teoria social, Martha Nussbaum adota o enfoque das capacidades (capabilities approach). Parte da perspectiva, segundo a qual a dignidade humana depende da ação e funcionamento das capacidades, inclusive da capacidade de interação social.

Assim, inicialmente, alguns conceitos sobre economia solidária são apresentados. No seguimento, analisam-se as manifestações das finanças solidárias e experiências sobre o microcrédito na Índia e no Brasil. Na seção posterior, busca-se fazer a relação entre a economia solidária e desenvolvimento econômico. Por fim, discute-se o pensamento de Martha Nussbaum e Amartya Sen sobre a importância da ética para o desenvolvimento internacional e a observação da função das capacidades, no âmbito da estrutura econômica transnacional. Pontua-se, ainda, sobre a crítica de ambos os autores, acima citados, à concepção de John Rawls sobre os bens primários e às implicações éticas e políticas da liberdade individual.

2 ECONOMIA SOLIDÁRIA

O conceito de economia solidária possui várias acepções, no entanto, todas remetem a ideia da solidariedade. A definição refere-se a organizações de produtores, consumidores, poupadores que se caracterizam por estimularem à solidariedade entre seus membros, mediante a prática da autogestão, por meio da ajuda aos mais desfavorecidos economicamente (SINGER, 2003SINGER, Paul. Economia solidária. In: CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores , 2003., p. 116). As entidades incentivam a organização de cooperativas e/ou associações, com o objetivo de reunir pequenos produtores autônomos, por meio da autogestão, para o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis e participativas. A solidariedade traduz-se em atitude, compromisso político e ético, em torno de algo que é vantajoso para cada um e para a comunidade. Está ligada ao sentimento de responsabilidade, de pertença a um corpo social, do qual se faz parte. Para Genauto França Filho (2001FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. A problemática da economia solidária: uma perspectiva internacional. Soc. estado , Brasília, v. 16, n. 1-2, pág. 245-275, dezembro de 2001. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922001000100011&lng=en&nrm=iso . acesso em 23 de maio de 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 248), o termo “economia solidária” foi forjado no início dos anos 90, na França, para dar conta da emergência e do desenvolvimento de um fenômeno de proliferação de iniciativas e práticas socioeconômicas diversas. Essa forma associativa busca responder a certas problemáticas locais específicas. A economia solidária vem a indicar, por um lado, a associação de duas noções historicamente dissociadas, isto é, iniciativa e solidariedade. Para o autor, estas experiências marcam a inscrição da solidariedade no centro da elaboração coletiva de atividades econômicas.

A economia solidária apresenta diversidade de formas, o que faz com que os autores dividam em grupos suas principais configurações, segundo o critério da natureza da atividade. Desse modo, optou-se por abordar uma das suas principais manifestações: a finança solidária. De acordo com a visão econômica, finanças se constituem em um sistema que inclui: circulação de moeda; concessão e garantia de crédito; realização de investimentos e provisão de serviços bancários. Essa definição se adapta ao setor bancário, que trata da utilização do dinheiro, custo, rendimento, controle e captação. No entanto, exclui os sujeitos e seus objetivos. A microfinança e o microcrédito diferem da visão clássica de finança e apresentam-se como alternativa aos que não têm acesso ao sistema bancário e financeiro tradicional (Coelho, 2003COELHO, Franklin Dias. Finanças solidárias. In: CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003., p.154).

A finança solidária e sua forma mais comum - o microcrédito - giram em torno da ideia de democratização do acesso ao crédito, a uma população excluída do sistema financeiro tradicional. Assim, o microcrédito define-se como um crédito concedido por entidade financeira a pessoas físicas e jurídicas, que têm por objetivo a aplicação do dinheiro em atividades de produção e circulação de bens e serviços. Franklin Coelho (2003COELHO, Franklin Dias. Finanças solidárias. In: CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003., p.163) acrescenta que o microcrédito é a experiência mais conhecida de finança solidária, “onde se concedem créditos individuais ou coletivos de pequeno valor, utilizando uma tecnologia creditícia alternativa, baseada no histórico do empreendedor e na capacidade de análise dos agentes de crédito”.

Dentre os vários exemplos de finança solidária, destaca-se, internacionalmente, a atuação do Grameen Bank, instituição privada, criada em Bangladesh, em 1976, por Muhammad Yunus (2008YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008., p.63), que trabalha com a concessão de empréstimos à população carente da região1 1 Vale mencionar, diante do contexto histórico, a atuação das cooperativas de crédito alemãs Raiffeisen. Criadas em 1840, tiveram muito sucesso, chegando em 1904 a somarem 14.500 cooperativas rurais, com 1,4 milhões de membros (COELHO, 2003, p.155). . Muhammad Yunus observou que os pobres são excluídos dos benefícios do sistema financeiro; são considerados não merecedores de crédito, portanto, impossibilitados de participar do sistema econômico. De acordo com esse pressuposto, resolveu criar um banco que concedesse empréstimos, sem exigir garantia de pagamento ou comprovação de crédito. Em 1983, a experiência foi albergada sob a forma de uma lei e recebeu o nome de Banco Grameen. Atualmente, o Grameen concede empréstimos para mais de sete milhões de pobres, dos quais 97% são mulheres, em 78 mil aldeias de Bangladesh.

Desde que abriu, o banco concedeu empréstimos que totalizam o equivalente a seis bilhões de dólares. A taxa de liquidação dos empréstimos é atualmente de 98,6%. O Banco Grameen sempre obtém lucro, assim como qualquer banco bem administrado. Financeiramente, é autônomo, e não recebe dinheiro de doadores desde 1995. Os depósitos e outros recursos do Banco Grameen atingem hoje o valor de 156% de todos os empréstimos a receber. Ele tem apresentado lucro ao longo de sua existência, com exceção dos anos de 1983, 1991 e 1992. E o mais importante de tudo é que, de acordo com uma pesquisa interna, 64% dos tomadores de empréstimo que estiveram conosco durante cinco anos ou mais cruzaram a linha da pobreza (Yunus, 2008YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008., p.65).

Sob o título de “pontos cegos na economia”, Muhammad Yunus (2008YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008., p.66-70) apresenta uma série de considerações que põem em xeque algumas ideias do pensamento econômico convencional. A primeira delas diz respeito à convicção de que as pessoas são sempre motivadas pelo desejo de maximizar seus lucros. Para o autor, tal suposição é incorreta, como demonstra a experiência do Banco Grameen. Um segundo ponto é a suposição de que a solução para a pobreza está na criação de empregos, sendo este o único modo de ajudar os pobres. Os economistas, então, ignoram o trabalho autônomo, para investirem em uma teoria de política de desenvolvimento centrada no salário e no assalariado. A experiência do Banco Grameen demonstrou que o crédito gera trabalho autônomo e renda para a população carente. Por meio do crédito, a população passa a desenvolver bens e serviços que podem ser vendidos diretamente àqueles que precisam.

Outro ponto cego está ligado à ideia padrão do pensamento econômico, de que o empreendedorismo é algo raro. O autor defende que a capacidade empresarial é universal, basta ter as ferramentas para transformar as oportunidades em realidades. Por fim, Muhammad Yunus (2008YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008., p.69) questiona a forma impessoal como os manuais de economia tratam a existência dos seres humanos, reconhecendo-os, apenas, como unidades de produção. Abstraindo-se do mundo real, não se enxergam “homens”, “mulheres” ou “crianças”, “como seres humanos com habilidades e necessidades variadas”. Todos ficam reduzidos à mão-de-obra. Com isso, o foco se restringe ao acúmulo de bens, esquecendo-se do ser humano e sua realização individual.

O acesso ao crédito visa a transformar a realidade de extrema pobreza e abrir portas para uma população excluída do sistema bancário tradicional. Muhammad Yunus (2008YUNUS, Muhammad. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. Tradução de Juliana A. Saad e Henrique Amat Rêgo Monteiro. São Paulo: Ática, 2008., p.70) defende, como condição fundamental do desenvolvimento econômico, mudar a qualidade de vida da camada mais baixa da população. Seu pensamento converge com o trabalho de Martha Nussbaum (2010NUSSBAUM, Martha C. Capacidades e justiça social. In: MEDEIROS, Marcelo. Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres. Editora Universidade de Brasília, 2010, p.21-41., p.25), ao deixar de lado abordagens baseadas só em recursos e voltar-se para questões de justiça social, que olham as pessoas e avaliam o papel dos recursos para a melhoria de suas vidas.

Os projetos de economia solidária têm caráter transversal, geram programas com impactos em vários setores, como os serviços sociais básicos de educação, saúde, cultura, desenvolvimento rural e luta contra a fome. Como política de desenvolvimento, volta-se, em grande medida, para o público historicamente excluído. Nesta perspectiva, acredita-se que a economia solidária, suas ações e desdobramentos apontam caminhos e oportunidades efetivas de experiências inovadoras, em âmbitos local, regional, nacional e internacional.

Estas considerações sobre a economia solidária e uma das suas formas, o microcrédito, permitem a reflexão sobre o problema abordado no presente artigo. Nesse sentido, postula-se que o desenvolvimento de uma nação não se traduz em um mero problema financeiro. Em um mundo globalizado elementos outros devem ser considerados nas relações transnacionais, como a solidariedade, o bem-estar e o cuidado. As abordagens das capacidades humanas, como defendidas por Martha Nussbaum, podem ser adotadas numa estrutura global solidária para a formação de uma sociedade mais justa e desenvolvida.

3 O CRESCIMENTO ECONÔMICO E AS CONTRIBUIÇÕES DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

A economia solidária não prescinde da ideia de desenvolvimento. O desenvolvimento caracteriza-se pelo aumento da produtividade ou da renda por habitante. Como fenômeno histórico, ocorreu nos países que realizaram a revolução capitalista. Seu marco político dá-se com o surgimento dos modernos Estados-nações, em quadro ideológico, onde se destaca o liberalismo. O desenvolvimento envolve mudanças nas instâncias de uma sociedade, com aumento sustentado do padrão de vida, da produção e da renda. O seu objetivo-fim é a melhoria do padrão de vida da população. No entanto, esse não pode ser entendido como o único objetivo político da sociedade (Bresser-Pereira, 2006, p.9-10).

Agregado ao desenvolvimento, buscam-se segurança, liberdade, justiça social e a proteção ao meio ambiente. Assim, no plano histórico, primeiro houve a busca da ordem e da segurança, nos Estados antigos. Em seguida, fez-se sentir a necessidade de mais liberdade, como consequência do capitalismo comercial e do liberalismo. A justiça social aparece, conjuntamente, com a afirmação dos direitos políticos dos trabalhadores, o ideal socialista e a emergência da democracia moderna. Por fim, a proteção ao meio ambiente, com a tomada de consciência da humanidade da ameaça da vida, implica em um desenvolvimento não sustentável no plano ecológico (Bresser-Pereira, 2006, p.11).

Ao se falar de crescimento econômico e emancipação, vale ressaltar a teoria de Adam Smith (1723-1790), quando o autor procurou identificar os fatores de formação da riqueza nacional. Para ele, o elemento essencial do desenvolvimento e aumento da riqueza é o trabalho produtivo, diferentemente do que defendiam os mercantilistas e fisiocratas, que consideravam os metais preciosos e a terra os principais fatores de riqueza. Adam Smith defendia os princípios básicos da livre divisão do trabalho e da liberdade de comércio. A presença do Estado só se justificava em questões ligadas à defesa, à justiça e à manutenção de obras públicas. Segundo Gina Pompeu (2012POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Crescimento econômico e desenvolvimento humano: entre a soberania do Estado e a proteção internacional dos direitos do homem. Pensar, revista de ciências jurídicas, Fortaleza, CE, Brasil, v.17, n.1, p.115-137, jan./jun. 2012., p. 118), ele “marcou a base do desenvolvimento econômico, ao defender um Estado não intervencionista, responsável somente pelo necessário para o livre desenvolvimento do indivíduo”.

Partindo-se da esfera do esforço e capacitação individual com resultados pessoais, para os objetivos de uma economia pautada na cooperação mútua, verifica-se que o propósito da economia solidária é tornar o desenvolvimento e/ou o crescimento mais justo, repartindo seus benefícios de forma igualitária. Nesse sentido, a economia solidária procura fomentar relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento econômico, que respeite a natureza e distribua, equitativamente, os frutos do crescimento.

Buscam-se formas produtivas que respeitem a natureza e favoreçam valores, como a igualdade e a autorealização. No entanto, para a concretização desse tipo de desenvolvimento no âmbito global, faz-se necessária a implementação de medidas que visem efetivar a ideia de solidariedade ampla, concentrada nas necessidades dos países mais pobres e vulneráveis. Nesse contexto, as agências de desenvolvimento e os bancos internacionais poderiam atuar como protagonistas na promoção de programas que incentivem créditos e cooperativas de poupança aos países em desenvolvimento. O universo da economia solidária carece de práticas efetivas de intercâmbio econômico e de estratégias políticas de geração de trabalho e renda. Sobre a dimensão socioeconômica dos empreendimentos solidários e a importância do empoderamento das iniciativas, enfatiza Ignacy Sachs:

O empoderamento das comunidades e a abertura de espaços para a democracia direta constituem a chave para as políticas de desenvolvimento (John Friedmann) e pressagiam um novo paradigma de economia mistas que funcionam mediante o diálogo, as negociações e os vínculos contratuais entre os autores do desenvolvimento. Não há dúvida de que as iniciativas partidas de baixo terão cada vez mais importância. No entanto, não é possível construir uma estratégia de desenvolvimento simplesmente agregando iniciativas locais de desenvolvimento, no mínimo porque estas iniciativas devem ser harmonizadas, na busca de arranjos colaborativos e sinergias, para evitar duplicações antieconômicas. O planejamento é um processo interativo que inclui procedimentos de baixo para cima e de cima para baixo dentro do marco de um projeto nacional de longo prazo, uma visão compartilhada pela maioria dos cidadãos da nação sobre valores, a sua conversão em objetivos societais e a inserção do seu Estado-Nação num mundo globalizado (Sachs, 2008SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p 62)

A economia solidária enseja o desenvolvimento para o Estado, bem como se reflete na percepção de mais direitos para o indivíduo. Um empréstimo, mesmo que modesto, pode impulsionar a mudança de vida de uma família e proporcionar um capital de giro de rápida circulação. Os créditos subsidiados para pequenos comerciantes ou agricultores são instrumentos para a promoção do desenvolvimento includente (Sachs, 2008SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p.60). O sistema econômico atual, com as desigualdades e tensões causadas pela concentração de riqueza são fatores que geram instabilidade e aumento na desigualdade. Emerge um consenso em torno do desenvolvimento que enfatiza o combate à desigualdade. A sustentabilidade ambiental e a incorporação de iniciativas, como a promoção do pleno emprego com produtividade e qualidade é um imperativo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (CEPAL, p.5, 2016).

Para Martha Nussbaum (2010NUSSBAUM, Martha C. Capacidades e justiça social. In: MEDEIROS, Marcelo. Deficiência e igualdade. Brasília: Letras Livres. Editora Universidade de Brasília, 2010, p.21-41., p. 23), antes da mudança de pensamento, associada ao trabalho de Amartya Sen e aos Relatórios do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas (PNUD), a análise dominante, para medir qualidade de vida em uma nação era somente verificar o Produto Nacional Bruto (PNB) per capita. Não se tratava de aspectos como: expectativa de vida, mortalidade infantil, oportunidades educacionais, liberdades políticas. Observar o que está ausente na abordagem do PNB impulsiona um mapeamento desses e de outros bens básicos, a fim de se poder usar de tais bens, para comparar a qualidade de vida da sociedade.

Portanto, é a partir dos estudos de Amartya Sen sobre o desenvolvimento, que passam a ser redefinidos, o exercício efetivo de todos os direitos humanos: políticos, civis, econômicos, sociais e culturais, direitos coletivos ao desenvolvimento e ambiente. A ideia de desenvolvimento ganha sucessivos adjetivos - social, sustentável, includente - o importante, no entanto, é um paradigma capaz de lidar com os problemas, como o desemprego e a desigualdade (SACHS, 2008SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p.37).

Os trabalhos de Amartya Sen e Martha Nussbaum discutem problemas que emergem no curso do desenvolvimento econômico. Problemas teóricos e práticos. Partem do conceito de desenvolvimento para redefini-lo. Os teóricos examinam as diferentes concepções de desenvolvimento e seus componentes valorativos. Defendem que o crescimento econômico e o aumento do PIB per capita são somente meios para algo “diverso”. Esse “diverso” diz respeito ao “bem-estar”, à “qualidade e ao padrão de vida” humano. Deste modo, o desenvolvimento teria como objetivo melhorar os tipos de vida que os indivíduos estão vivendo (Crocker, 1993CROCKER, David. Qualidade de vida e desenvolvimento: o enfoque normativo de Sen e Nussbaum. Lua nova[online] 1993, n.31, p.99-134. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451993000300006. Acesso em: 24 fev. 2018.
https://doi.org/10.1590/S0102-6445199300...
, p. 99-134). No entanto, defendem que há uma ética explícita do desenvolvimento. O primeiro autor fala de uma “ética da capacidade” no texto Dewey Lectures (1985) e em “ética social”, em Resources, Valuesand Development (1984), que se referem a questões de desenvolvimento e distribuição internacionais. Já Martha Nussbaum aprofunda e sistematiza a obra de Amartya Sen.

4 LIBERDADE, OPORTUNIDADES E CAPACIDADES SOB A ÓTICA DE MARTHA NUSSBAUM

Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.83) adota o enfoque das capacidades, como alternativa ao tratamento das questões básicas de justiça social. Para a autora, as capacidades consistem em uma abordagem que especifica certas condições necessárias, para que a sociedade seja considerada justa. Apresenta-se na forma de um conjunto de direitos fundamentais, com apoio na dignidade humana. Não obstante, para a construção de uma teoria da justiça a autora defende a necessidade, primeira, de uma teoria da “boa vida” (eudaimonía). Mas o que é considerado “bom” para o ser humano? Como resposta, Martha Nussbaum elabora uma tese política conectada com a ética. Parte da concepção de capacidades humanas. Para defini-la, é necessário avaliação de algumas funções humanas, apontando aquelas que são mais básicas que outras. Essa seleção serve para orientar políticas públicas.

Nesse sentido, a avaliação da qualidade de vida do país baseia-se em uma lista das capacidades humanas centrais. Assim, a compreensão dos problemas de escassez, das dificuldades ou sofrimentos, pressupõe a definição do que significa levar uma vida florescente. Segundo a autora, se não houver especificação dos “bens” que a população deve ter acesso e em que grau, não haverá uma base adequada para se dizer o que está faltando na vida dos pobres, marginalizados e excluídos (Nussbaum, 1992NUSSBAUM, Martha C. Human functioning and socil justice. In defense of Aristotelian essentialism. Political Theory, v. 20, issue 2, may 1992, p. 202-246.Disponível em:Disponível em:http: journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/0090591792020002002 . Acesso em: 15 abr. 2018.
http: journals.sagepub.com/doi/pdf/10.11...
, p.239).

A perspectiva das capacidades tem sido desenvolvida, na economia, por Amartya Sen (2010SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p.78-149). A versão de Amartya Sen, no entanto, concentra-se na mensuração comparativa da qualidade de vida. Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.84) objetiva “fornecer a base filosófica para uma explicação das garantias humanas centrais, que devem ser respeitadas e implementadas pelo governo de todas as nações”. Segundo a autora, não se trata de uma doutrina política sobre os direitos básicos, nem de uma doutrina moral, apenas um conjunto de certas condições mínimas que devem ser perseguidas por toda e qualquer pessoa. O intuito é fazer com que todos os cidadãos estejam acima do nível mínimo de capacidades.

No centro da teoria de Amartya Sen estão as noções de capacidades (capabilities) e funcionamentos (functionings). Martha Nussbaum parte dessas ideias e desenvolve sua noção de bem, que serve de suporte para a lista de capacidades fundamentais. Nesse contexto, os funcionamentos são o que as pessoas são capazes de ser e fazer, quando presentes as condições adequadas, ou melhor dizendo, são os elementos da condição de vida de uma pessoa. Por outro lado, as capacidades são aspectos de sua liberdade.

Os trabalhos de Amartya Sen e de Martha Nussbaum têm em comum a ideia de que o desenvolvimento está vinculado à expansão das capacidades humanas. No entanto, no que tange ao fundamento moral e as repercussões da teoria, as interpretações dos autores têm se distanciado. Martha Nussbaum trabalha com a concepção de natureza humana, como fundamento da sua filosofia política. Sen, diversamente, rejeita as possibilidades que possam enrijecer sua teoria, transformando-a em bases objetivas, a partir das quais se torna possível definir a “natureza humana” (Oliveira; Gomes, 2013OLIVEIRA, Fábio Alves Gomes de; GOMES, Jacqueline de Souza. Ética e direitos humanos: um enfoque a partir da teoria das capacitações. Diversitates, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil, v. 05, n. 1, junho 2013, p.70-91. Disponível em: Disponível em: http: www.diversitates.uff.br/index.php/1diversitates-uffr/rearch/results . Acesso em: 05 abr. 2018.
http: www.diversitates.uff.br/index.php/...
, p.70-91).

A perspectiva das capacidades foi inicialmente pensada, como alternativa às abordagens econômico-utilitaristas que dominavam as discussões internacionais sobre qualidade de vida. Essas abordagens limitavam a questão do desenvolvimento em termos estritamente econômicos. Classificavam as nações com base apenas no PIB (Produto Interno Bruto), não se observando outros indicadores. Falhava-se, assim, ao ignorar elementos-chave da vida humana, que nem sempre estão ligados à riqueza e renda, tais como: expectativa de vida, mortalidade infantil, oportunidades educacionais e de emprego, dentre outros. Assim, países que se sobressaem com base só no PIB per capita não alcançam o mesmo índice, quando levados em conta outros fatores.

Com base no enfoque das capacidades, Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p. 90-91) apresenta a lista de dez itens, como exigências centrais para uma vida com dignidade. Esclarece a autora que a lista é aberta e certamente sofrerá modificações, ao longo do tempo. De forma resumida, a versão corrente das capacidades humanas centrais inclui: a) A vida. Não morrer prematuramente; b) Saúde física. Que abrange saúde reprodutiva e alimentação adequada; c) Integridade física. Ser capaz de se movimentar de um lugar para outro, bem como estar protegido de agressões domésticas e sexuais; d) Sentidos, imaginação e pensamentos. Poder usar o pensamento e o raciocínio, de um modo verdadeiramente humano, promovido por uma educação apropriada; e) Emoções. Trata-se da capacidade de manter relações afetivas com coisas e pessoas; f) Razão prática. Ter potencial de formar uma concepção de bem e de ocupar-se com um raciocínio sobre o planejamento da sua vida; g) Afiliação. Ser capaz de viver com outros, interagindo socialmente, e ter bases sociais de autorrespeito e não humilhação; h) Outras espécies. Conseguir viver de forma respeitosa com a natureza; i) Lazer. Gozar de atividades recreativas; J) Controle sobre o próprio ambiente político e material.

Observa-se que os itens da lista são de modo geral subjetivos, o que se justifica pela preservação de um espaço para as atividades de especificação e de deliberação dos cidadãos, dos seus parlamentares e tribunais. Ao levar em consideração a história e suas circunstâncias, as nações atuam de modo diferenciado umas das outras, na concretização das capacidades. (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.95).

Para Martha Nussbaum, uma vida sem as capacidades acima elencadas não é uma vida digna. O enfoque das capacidades é, na visão da autora, uma espécie dos direitos humanos, e os direitos humanos são cada vez mais associados à ideia de dignidade humana. Assim, uma forma de pensar a lista das capacidades será incorporando-a às garantias constitucionais. Nesse caso, esses direitos poderiam ser implementados tanto pela ação do legislativo, quanto pela ação do poder judiciário, mas sobremaneira por meio da priorização da destinação orçamentária, em razão da observância do custo dos direitos. A abordagem das capacidades emprega a ideia de um nível mínimo para cada cidadão. Abaixo desse nível, estariam os cidadãos recebendo um tratamento verdadeiramente desumano. O objetivo, portanto, é trazer cada indivíduo para um nível acima do padrão mínimo das capacidades.

O enfoque das capacidades é centrado na pessoa, como sujeito último de justiça; no entanto, o papel das instituições, na concretização das capacidades, é fundamental. São elas que devem, a priori, promover e incentivar o desenvolvimento das capacidades. Em um mundo que possui agências transnacionais, corporações e ONGs, essa parece ser uma solução plausível (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.378).

A construção das questões básicas de justiça pode ser uma alternativa para as doutrinas do contrato social. A abordagem das capacidades de Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.83) compartilha algumas ideias com a versão de John Rawls do contratualismo, podendo-se vê-la como uma extensão ou um complemento da teoria de Rawls (1981, p.196-197), que no entanto, acrescenta outros problemas.

Os princípios de justiça de John Rawls têm como cerne as questões da liberdade e da igualdade. Esses princípios estariam organizados em uma ordem de prioridade. Dessa forma, a liberdade nunca poderia ser limitada a favor da obtenção de outras vantagens de ordem social ou econômica, mas apenas no caso de conflitos com outras liberdades básicas. O autor assim sintetiza seus princípios:

Primeiro princípio - Cada pessoa tem de ter um igual direito ao mais extensivo sistema total de básicas liberdades, compatíveis com um similar sistema de liberdade para todos. Segundo princípio - As desigualdades sociais e econômicas têm de ser ajustadas de tal maneira que sejam tanto: a) para o maior benefício dos menos privilegiados, consistente com o princípio justo de poupança e; b) ligadas a cargos e posições abertos a todos, sob condições de equitativa igualdade de oportunidade (Rawls, 1981RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Vamireh Chacon. Brasília: Universidade de Brasília, 1981., p.196-197).

Segundo Roberto Gargarela (2008, p.25), o primeiro princípio traduz-se no fato de que os agentes desconhecem os dados de sua própria concepção do bem. Seria o que John Rawls chamou de “véu da ignorância”, que impede os agentes de conhecerem a classe ou status social a que pertencem, de forma a orientar suas decisões a seu favor. O segundo princípio, intitulado de “princípio da diferença”, governa a distribuição dos recursos da sociedade. Entende-se que as vantagens dos mais beneficiados na loteria natural só são justificáveis, se eles fizerem parte de um esquema que melhore as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade.

John Rawls não faz referência a todo tipo de liberdade, mas apenas às liberdades civis e políticas, próprias das democracias modernas, sendo este um dos pontos questionados por Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p. 14-44). Para a autora, a teoria de justiça de John Rawls é uma boa teoria, mas possui lacunas e falhas que precisam ser corrigidas. Se, para John Rawls, liberdade, oportunidade, riqueza e renda bastariam para que os indivíduos pudessem perseguir suas próprias concepções de bem, Martha Nussbaum vê sérios problemas com esses critérios. Renda e riqueza não garantiriam bem-estar, nem físico, nem psicológico.

A justiça como equidade de John Rawls não contempla no seu formato contratualista, as pessoas com necessidades especiais. Segundo Martha Nussbaum, é preciso eliminar a ideia de um contrato entre partes iguais. “De fato, Rawls ao trabalhar os seus princípios de justiça, não leva em consideração as diferentes capacidades, mas a justa oportunidade. [...] ele não traz a capacidade como elemento central de justiça” (Pompeu; Siqueira, 2017POMPEU, Gina Vidal Marcílio; SIQUEIRA, Natércia Sampaio. Democracia contemporânea e os critérios de justiça para o desenvolvimento sócio econômico: Direito constitucional nas relações econômicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., p.101).

O tratamento de Martha Nussbaum oferece uma concepção das características definidoras da vida humana que amplia a lista de “bens primários” indicada por John Rawls. Outrossim, o procedimento que ela usa para indicar os bens aos quais sua teoria dá cobertura, diverge do proposto por John Rawls. A defesa da distribuição de recursos humanos básicos pelo liberalismo rawlsiano adota uma posição restrita sobre o bem humano. A teoria de Rawls apresenta uma lista dos “bens primários” que contém os recursos mínimos necessários para que os cidadãos com igual liberdade, busquem qualquer concepção de bem que seja razoável. Seus princípios de distribuição aparecem como demandas de justiça concedidas com imparcialidade. Rawls defende a neutralidade de propósitos das instituições básicas e das políticas públicas em relação as doutrinas e suas respectivas concepções da justiça. Já Nussbaum baseia sua lista de “bens”, numa avaliação moral do que é considerado importante para o florescimento humano (Rodriguez, 2012RODRIGUEZ, Rúben Benedicto. Martha Nussbaum: las capacidades humanas y labuena vida. Revista Cultural Turia, n. 101-102. 2012, p. 155-169. Disponível em:Disponível em:http:// www.ieturolenses.org/revista-cultural-turia-numero-101-102 . htm. Acesso em: 05 abr. 2018.
http:// www.ieturolenses.org/revista-cul...
, p.155-169).

Roberto Gargarella (2008GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. Tradução de Alonso Reis Freire. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008., p. 73) alerta para as críticas à teoria de John Rawls, feitas por Amartya Sen, principalmente no que concerne a sua proposta igualitária. Assim, sob a perspectiva de Sen, uma proposta igualitária não pode se concentrar na igualdade de bens primários, como defendida por Rawls; o que deve ser considerado é algo posterior à posse desses recursos. A igualdade buscada deve ocorrer na capacidade de cada sujeito de transformar os recursos em liberdade. Idênticos bens podem significar coisas diferentes para pessoas com condições diversas, tais como: condições climáticas diferentes, metabolismos diferentes, vulnerabilidade a doenças, corpo mais saudável. Portanto, a igualdade, na posse de bens primários ou de recursos iguais, não se traduz em igual liberdade, dadas as diferenças inerentes a cada ser humano2 2 Bens primários são os bens básicos indispensáveis para a satisfação de qualquer plano de vida. Para Rawls são de dois tipos: o social, que são diretamente distribuídos pelas instituições sociais; e os de tipo natural, que não são distribuídos diretamente pelas instituições sociais, como por exemplo, os talentos e a inteligência (GARGARELLA, 2008, p.23). .

Cristina Monereo Atienza (2015ATIENZA, Cristina Monereo. Martha C. Nussbaum - Otro Enfoque para la Defensa del Ser Humano y de los Derechos de las Mujeres. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 36, n. 70, p. 93-114, jun. 2015. ISSN 2177-7055. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2015v36n70p93/29441 . Acesso em: 25 jul. 2020.
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) assevera que apesar das diferenças é necessário reconhecer que a teoria das capacidades de Martha Nussbaum é uma proposta original que tem como objetivo analisar as questões da desigualdade social inserido em um contexto de liberdade como propõe Amartya Sen (Atienza, 2015, p. 110).

Apesar de algumas críticas, é preciso reconhecer que a teoria das capacidades de Sen e Nussbaum é uma proposta original para abordar as questões da desigualdade social com base no conceito de liberdade. A ênfase na liberdade confere uma visão diferente do indivíduo necessitado como indivíduo potencialmente ativo para escolher seus próprios projetos de vida.

John Rawls apresenta uma versão focalizada em bens, na qual a riqueza e a renda têm centralidade. A lista de bens primários de Rawls desempenha um papel importante na sua “teoria da justiça como equidade”. À primeira vista, esse papel exclui as capacidades humanas que Martha Nussbaum e Amartya Sen julgam ser o espaço para uma ética social. Na realidade, as perspectivas de Rawls e de Sen elencam aspectos sobre a questão de justiça que podem ser compreendidos, mediante uma disposição de complementariedade. Apresentam duas perspectivas: a primeira, baseada na teoria dos recursos, a justiça deve centrar-se no critério de distribuição de bens, sem questionamentos sobre aptidões e potencialidades do indivíduo; a segunda perspectiva é sensível às capacidades e coloca-a como questão basilar ao enfoque de justiça (Pompeu; Siqueira, 2017POMPEU, Gina Vidal Marcílio; SIQUEIRA, Natércia Sampaio. Democracia contemporânea e os critérios de justiça para o desenvolvimento sócio econômico: Direito constitucional nas relações econômicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., p. 117).

5 A TEORIA DAS CAPACIDADES COMO PARÂMETRO DA ESTRUTURA ECONÔMICA TRANSNACIONAL

Em uma estrutura global, passa-se a pensar as capacidades no contexto internacional. Ou seja, como o enfoque das capacidades deve ocorrer na esfera internacional? De que maneira a comunidade mundial e os Estados-nação poderiam trabalhar em prol dos objetivos listados? Na conjuntura global, qualquer teoria da justiça, que recomende princípios políticos ligados aos direitos humanos básicos, deve ser capaz de confrontar as desigualdades internas de cada nação e as diferenças entre as nações ricas e pobres. No entanto, garantir a todos os seres humanos oportunidades básicas exigirá uma mudança de atitude tanto dos indivíduos, como das nações mais ricas (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.278- 337).

Para uma melhor compreensão da abordagem de Martha Nussbaum sobre o desenvolvimento das capacidades com vistas a uma justiça global, parte-se de algumas contribuições de John Rawls, especialmente as apresentadas em “O direito dos povos” (2004RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução de Luís Carlos Borges. Martins Fontes: São Paulo, 2004.). Nessa obra, Rawls estuda as possibilidades de estender o conceito de justiça como equidade, apresentado em “Uma teoria de justiça” (2004), para o âmbito externo, que ele nomeia como “Sociedade dos povos”.

Neste livro considerarei como o conteúdo do Direito dos Povos poderia ser desenvolvido a partir de uma ideia liberal de justiça, similar, mas mais geral, à ideia que chamo justiça como equidade em Uma Teoria da Justiça (1971). Essa ideia de justiça baseia-se na ideia familiar de contrato social, e o processo seguido antes que os princípios de direito e justiça sejam selecionados e acordados é, de certa maneira, o mesmo no caso nacional e internacional. (Rawls, 2004RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução de Luís Carlos Borges. Martins Fontes: São Paulo, 2004., p.4).

John Rawls defende que povos razoáveis podem conviver de maneira pacífica em um mundo justo. Parte do princípio que todos os povos envolvidos estão sob os princípios democráticos liberais. Portanto, concebe a “Sociedade dos Povos” com caráter liberal. No entanto, não impõe tal característica às outras sociedades. Para ele, basta que um ponto de vista liberal seja razoável de um ponto de vista não liberal. Trata-se de uma teoria liberal que passível de aceitabilidade por povos não liberais. “Rawls é contrário a uma visão cosmopolita que tenha como objetivo final o bem-estar dos indivíduos e não a justiça” (Feldens, 2010FELDENS, Guilherme de Oliveira. O direito dos povos: um ideal de justiça para ser aspirado por todas as sociedades. Griot- Revista de Filosofia do Centro de Formação de Professores, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Amargosa, Bahia, Brasil, v.2, n.2, dezembro 2010. Disponível em: Disponível em: http: www2.ufrb.edu.br/griot/corpo-editorial . Acesso em: 14 abr. 2018.
http: www2.ufrb.edu.br/griot/corpo-edito...
, p. 84).

Segundo John Rawls (2004RAWLS, John. O direito dos povos. Tradução de Luís Carlos Borges. Martins Fontes: São Paulo, 2004., p.30- 31), os povos liberais têm três características básicas: “um governo constitucional razoavelmente justo, que serve seus interesses fundamentais; cidadãos unidos pelo que Mill denominou ‘afinidades comuns’; e, finalmente uma natureza moral.” A primeira característica é institucional, significa que o governo está sob o controle político e eleitoral do povo; esse mesmo governo responde pelos interesses fundamentais do povo e os protege como especificado numa constituição. A segunda característica é cultural, parte da necessidade de afinidades comuns, não importando a fonte. Por último, o caráter moral, que está baseado na concepção racional e razoável dos povos democráticos e liberais. Como cidadãos razoáveis, oferecem-se para cooperar imparcialmente e de forma justa com outros cidadãos.

Martha Nussbaum defende que a óptica das capacidades, na esfera internacional, deve começar com direitos, assim como na esfera nacional, e tem que ser orientada para resultados. O enfoque afere a justiça em termos de habilidade de uma nação, em garantir a seus cidadãos uma lista de capacidades centrais. Dessa abordagem, a autora apresenta os princípios para uma ordem mundial, com o objetivo de promover as capacidades em um mundo de desigualdades. São eles:

1. Sobre determinação da responsabilidade: a esfera doméstica nunca escapa [...] 2. A soberania nacional deve ser respeitada dentro dos limites da promoção das capacidades humanas [...] 3. As nações prósperas têm a responsabilidade de fornecer uma parte substancial de seus PIB às nações mais pobres [...] 4. As empresas multinacionais têm a responsabilidade de promover as capacidades humanas nas regiões em que operam [...] 5. As principais estruturas da ordem econômica global devem ser planejadas de tal modo que sejam justas com os países pobres e em desenvolvimento [...] 6. Deveríamos cultivar uma esfera pública global tênue, descentralizada, mas ainda assim contundente. 7. Todas as instituições e (a maioria dos) indivíduos deveriam prestar atenção aos problemas dos desfavorecidos em cada nação e em cada região [...] 8. A assistência aos enfermos, idosos, crianças e deficientes deveria consistir um foco importante de atenção da comunidade mundial [...] 9. A família deve ser tratada como uma esfera preciosa, mas não “privada” [...] 10. Todas as instituições e indivíduos têm a responsabilidade de apoiar a educação como chave para a autonomia de pessoas atualmente desfavorecidas (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.388-397).

De acordo com os princípios acima elencados, conclui-se que nações bem governadas podem promover a maioria das capacidades humanas, sem que isso signifique isentar a estrutura doméstica da sua responsabilidade. A intervenção coercitiva só é justificada, em situações bem específicas. Deve-se priorizar os tratados e acordos internacionais, bem como o uso persuasivo de financiamentos, como incentivo à promoção das capacidades humanas. As nações prósperas, além de promoverem as capacidades de seus cidadãos, têm responsabilidades também com as nações mais pobres, essa decorre das ideias de cooperação mútua e respeito pela dignidade humana (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.388-390).

A responsabilidade das empresas multinacionais, em relação às regiões que ocupam, pode ser reforçada pelo argumento de que uma mão-de-obra estável e bem-educada produz mais e melhor. Esse princípio está ligado à responsabilidade social da empresa. As estruturas da ordem econômica global devem ser justas com os países em desenvolvimento. Isso implica a ideia de comércio justo e de empresa cidadã. Uma rede de produção-distribuição-consumo, em nível global, orientada para o desenvolvimento solidário e sustentável, gera uma relação comercial transformadora, em que predominam cooperação e intercâmbio. É essa a noção de um comércio justo, que está ligado aos enfoques das capacidades, numa estrutura global transnacional.

Nesse contexto, defende-se a criação de instituições, com a função regulatória das relações comerciais globais, com poderes coercitivos, respeitando, no entanto, a soberania e a liberdade individual das nações. Essa instituição apresentaria um conjunto de objetivos, para se alcançar o desenvolvimento humano e econômico, com padrões de trabalho dignos e sanções para empresas que a descumprissem, bem como acordos e tratados internacionais que fomentassem empreendimentos solidários entre as nações (Nussbaum, 2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p. 392).

Para Martha Nussbaum, instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional para o Trabalho (OIT), o Programa das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mesmo exercendo papel importante, não impediriam o surgimento de outras instituições, para lidarem com os problemas das nações. A perspectiva da capacidade, inclusive, tem influenciado políticas de inclusão social. A CEPAL já adota o parâmetro da capacidade, na construção de estratégias que minimizem as desigualdades. (Pompeu; Siqueira, 2017POMPEU, Gina Vidal Marcílio; SIQUEIRA, Natércia Sampaio. Democracia contemporânea e os critérios de justiça para o desenvolvimento sócio econômico: Direito constitucional nas relações econômicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017., p. 99)

Os últimos princípios defendidos por Martha Nussbaum (2013NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: WMF Martins Fontes , 2013., p.394-396) têm enfoque maior no indivíduo, na família e na educação. Defende que as pessoas, cuja qualidade de vida é baixa, de acordo com a lista das capacidades, precisam ser foco de atenção para a comunidade mundial como um todo, não apenas para as instituições, principalmente se enfermos, crianças e deficientes. A família necessita ser tratada como uma esfera “não privada”. O lar não deve ser visto como um domínio inviolável de prerrogativa pessoal. A visão da família, como esfera privada, dificulta a interferência das instituições no âmbito familiar. A proteção das capacidades dos membros das famílias, principalmente os mais vulneráveis, como as crianças, deve ser prioridade, no âmbito público global.

Pontua-se, no entanto, que as discussões sobre o desenvolvimento das capacidades humanas e a efetivação de uma justiça global tem sido contestada, diante da suposição de um “contrato global”, não ser suficiente para dirimir todos as questões. As reflexões de Nussbaum completam as teorias rawlsianas na questão do dever de assistência. Nesse sentido, o sistema jurídico internacional apresentado por Rawls, tem como pontos frágeis a questão das obrigações que devem ser assumidas pelos povos liberais que, na sua percepção, se encontram em nível mais alto de evolução jurídico-política, com o fim de favorecer o desenvolvimento dos povos menos avançados.

Para Martha Nussbaum, um dos aspectos mais inadequados da proposta rawlsiana consiste em sua indecisão acerca dos direitos humanos. A lista dos direitos que “os povos bem ordenados” deve garantir é essencialmente limitada a algumas liberdades negativas. Para Rawls os direitos sociais e a promoção das liberdades positivas não são proporcionais a exigência mínima de uma justiça global (Sartea, 2014SARTEA, Claudio. El derecho al desarrollo: uma cusestión de justicia y solidaridad. Díkaion, Revista de fundamentación jurídica, La Universidade de La Sabana, Chía, Colombia, v.23, n. 2, p. 327-349, diciember 2014. Disponível em: Disponível em: http:dikaion.unisabana.edu.co/index.php/dikaion/issue/archive . Acesso em: 14 abr. 2018.
http:dikaion.unisabana.edu.co/index.php/...
, p. 345).

Deve-se pontuar que o sistema ralwsiano trata-se de sistema liberal, apesar de sua abertura ao dever de assistência. Assim, se faz presente uma assimetria entre o dever de promoção da justiça em sentido estrito e o frágil dever de assistência, com limites e exceções. A perspectiva centrada nas capacidades oferece um critério adequado para avaliar a eficácia dos programas internacionais que tem como finalidade o desenvolvimento humano.

No bojo do pensamento igualitário das capacidades desenvolvido por Martha Nussbaum pode se agregar o cosmopolitismo, que para a autora significa “uma atitude de moralidade que substitui o amor pelo país pelo amor a humanidade” (Cittadino; Dutra, 2013CITTADINO, Gisele Guimarães; DUTRA, Deo Campos. Cosmopolitismo jurídico: pretensões e posições na interseção entre filosofia política e direito. Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito UFC, Fortaleza, CE, Brasil, v.33.1, p. /73-89, jan./jun. 2013. Disponível em: Disponível em: http: www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/868 . Acesso em: 10 abr. 2018.
http: www.periodicos.ufc.br/nomos/articl...
, p. 74). Na perspectiva teórica adotada por Nussbaum, o cosmopolitismo se constitui numa postura moral segundo a qual a principal lealdade de uma comunidade deve ser para o ser comum da humanidade, independentemente de diferenciações de nacionalidade, etnia, classe ou gênero (Nielsson, 2017NIELSSON, Joice Graciele. A disputa entre cosmopolitas e nacionalistas em tempos de justiça anormal: uma defesa do cosmopolitismo a partir de Martha Nussbaum. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, PR, Brasil, v. 62, n. 3, p. 133-155, set./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: http://revistas.ufpr.br/direito/article/view/52235 . Acesso em 21 dez. 2017.
http://revistas.ufpr.br/direito/article/...
, p. 133-143).

O estudo do cosmopolitismo abrange os mais diversos campos das ciências sociais e humanas e diversos enfoques em torno da sociedade. Em comum os autores que estudam a temática se fundamentam na busca de uma identificação com um conteúdo mínimo da essência daquilo que inicialmente foi chamado pelos Cínicos Gregos de “cidadão do mundo”. Uma teoria que tem por base a construção de uma lei superior, acima das nações e protetora de todos os indivíduos (Cittadino; Dutra, 2013CITTADINO, Gisele Guimarães; DUTRA, Deo Campos. Cosmopolitismo jurídico: pretensões e posições na interseção entre filosofia política e direito. Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito UFC, Fortaleza, CE, Brasil, v.33.1, p. /73-89, jan./jun. 2013. Disponível em: Disponível em: http: www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/868 . Acesso em: 10 abr. 2018.
http: www.periodicos.ufc.br/nomos/articl...
, p. 74).

O recorte teórico deste artigo não permite um aprofundamento do cosmopolitismo, no entanto, reconhece sua relevância no estudo das capacidades como defendido por Martha Nussbaum. O papel da educação é essencial para o alcance de uma estrutura global transnacional. Compreende-se possível o fomento ao microcrédito no âmbito mundial. Vale ressaltar a atividade do Banco do Nordeste no Brasil, na concessão de microcrédito, por meio do Crediamigo.3 3 O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo e orientado da América do Sul. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/crediamigo/sobre. Acesso em 20 de maio de 2021.

6 CONCLUSÃO

As contribuições de Amartya Sen e Martha Nussbaum para a elaboração de uma estrutura adequada à compreensão do desenvolvimento nacional e internacional dá ênfase em aspectos outros, para além das utilidades ou necessidades básicas. Os autores desenvolvem uma ética para o desenvolvimento internacional, centrada nas práticas e nas políticas de desenvolvimento. No entanto, interagem com outras práticas e teorias do desenvolvimento. Defendem que os bens primários da versão rawlsiana são necessários, mas insuficientes para o florescimento humano.

O enfoque das capacidades fornece as bases para a construção do pensamento sobre justiça internacional. Os itens incluídos na lista das capacidades englobam muitos dos direitos salientados nos movimentos dos direitos humanos. Esse enfoque deve ser pensado não apenas em um contexto local, mas também dentro de uma esfera global. Nesse sentido, um Estado deve assistir o outro, no intuito de promover o desenvolvimento humano e o crescimento econômico.

Nas relações econômicas entre povos e nações deve ser considerado aspectos como o desenvolvimento humano e a solidariedade. Para isso, faz-se necessário incluir certa concepção de justiça e uma estrutura da sociedade comum a todas as nações, com base em uma igualdade de condições entre os povos que quebre paradigmas como rico/pobre, desenvolvido/em desenvolvimento. Assim, para o desenvolvimento de uma estrutura global justa, devem ser observadas as capacidades humanas no interior e entre as nações.

A articulação com experiências de economia solidária, mesmo que locais, podem servir de parâmetro para o contexto internacional, com vistas a implantação das capacidades. A economia solidária vem se consolidando como estratégia política de geração de trabalho e renda. No entanto, mais do que isso, deve-se perquirir o efeito nas famílias contempladas, em termos de crescimento humano e realização pessoal. Em termos globais, ainda há uma lacuna existente no sistema financeiro de crédito. As restrições de financiamento são mais graves nos países menos desenvolvidos, onde os quadros regulatórios e os sistemas de gerenciamento de riscos são mais frágeis.

É preciso criar mecanismos de políticas que reforcem a presença de bancos de desenvolvimento internacionais, visando a ampliar a disponibilidade e o acesso a fontes e mecanismos de financiamento, com visão inclusiva e sustentável de crescimento econômico. Ressalte-se que países periféricos ainda estão vulneráveis a crises e dívidas. Nesse sentido, deve-se buscar uma forma de financiamento que não prejudique a sustentabilidade da dívida dos países, tais como empréstimos a juros menores ou garantias que facilitem o investimento, observando a capacidade de cada país.

No ambiente de cooperação internacional, os fluxos de investimentos de capitais não devem ficar restritos a organizações públicas. É importante que capitais financeiros privados sejam incentivados a participarem do processo de cooperação. Recomenda-se buscar uma zona que atraia a participação do investidor privado, como a boa reputação da sua empresa. Obter lucro e participar do desenvolvimento econômico de países com elevadas taxas de pobreza não são propósitos excludentes. Os benefícios resultantes de investimentos em projetos e ações de cooperação entre países criam um ambiente no qual a empresa, a sociedade e os países só têm a ganhar.

As empresas reforçam sua legitimidade e imagem, atuando de acordo com regulamentações de direitos humanos e ambientais. É cada vez mais difícil não operar de forma sustentável, até por demanda dos consumidores. Sustentabilidade e renda devem ser pensadas conjuntamente. Mudança de referência faz-se necessária, para o alcance e concretização das capacidades humanas.

Nesse contexto, é essencial a superação de lacunas financeiras. Diferentes modos de produção podem articular-se e cooperar entre si, para o alcance de um objetivo maior: a expansão das capacidades fundamentais para uma vida sustentável, econômica e socialmente. A economia solidária e inclusiva, num sistema capitalista, exige uma alteração de paradigma da sociedade. Assim, acredita-se que os processos que constituem alternativas à economia padrão, como a economia solidária, podem desencadear transformações na sociedade; para isso, no entanto, são necessários políticas de apoio que estimulem esse tipo de economia. Registre-se o caso do Microcrédito e do Crediamigo do Banco do Nordeste do Brasil.

Para além do aspecto financeiro, princípios políticos e éticos de respeito para todos os cidadãos, com bases nos valores apresentados por Martha Nussbaum ou em experiências como as da economia solidária, servem de alicerce para o alcance de uma comunidade internacional e nacional comprometidas com a qualidade de vida dos seres humanos.

REFERÊNCIAS

  • ATIENZA, Cristina Monereo. Martha C. Nussbaum - Otro Enfoque para la Defensa del Ser Humano y de los Derechos de las Mujeres. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 36, n. 70, p. 93-114, jun. 2015. ISSN 2177-7055. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2015v36n70p93/29441 Acesso em: 25 jul. 2020.
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  • BANCO DO NORDESTE. Sobre o crediamigo. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/crediamigo/sobre Acesso em: 20 maio 2021.
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  • 1
    Vale mencionar, diante do contexto histórico, a atuação das cooperativas de crédito alemãs Raiffeisen. Criadas em 1840, tiveram muito sucesso, chegando em 1904 a somarem 14.500 cooperativas rurais, com 1,4 milhões de membros (COELHO, 2003, p.155).
  • 2
    Bens primários são os bens básicos indispensáveis para a satisfação de qualquer plano de vida. Para Rawls são de dois tipos: o social, que são diretamente distribuídos pelas instituições sociais; e os de tipo natural, que não são distribuídos diretamente pelas instituições sociais, como por exemplo, os talentos e a inteligência (GARGARELLA, 2008, p.23).
  • 3
    O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo e orientado da América do Sul. Disponível em: https://www.bnb.gov.br/crediamigo/sobre. Acesso em 20 de maio de 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2020
  • Aceito
    08 Jul 2021
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