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Fake news e a improbabilidade da comunicação pela comunicação da exceção1 1 Este trabalho possui fomento do projeto de pesquisa “Teoria do Direito e Diferenciação Social na América Latina” (UNISINOS); do projeto: “Direito em Luis Alberto Warat: análise dos limites e possibilidades de uma epistemologia Jurídica da Alteridade no Brasil contemporâneo” (CNPq), assim como vinculado ao projeto “Crises multissetoriais e sistêmicas”, fomentado com recursos do Edital n. 32/2022 Capes/Cofecub.

Fake news and the improbability of communication through the exception communication

Resumo

A exceção ainda é um mistério para o direito. Neste estudo, o problema da exceção é apresentado ao contrário da racionalidade cartesiana, e revisto como o limite da condição de decidibilidade operacional no sistema do direito. Dessa maneira, a improbabilidade da comunicação é enfrentada pela comunicação da exceção. No Brasil, desde o caso do inquérito das Fake News n. 4.781, existe um questionamento à respeito dos limites e significados do poder decisório. Uma observação epistemológica dos meios de comunicação simbolicamente generalizados é adotada como condição de sentido para a teoria dos sistemas sociais, de modo que é necessário uma releitura de aportes investigativos que forneçam um material distinto para reespecificar a discussão sobre a função dos tribunais e da exceção na sociedade contemporânea. Em uma aplicação da metodologia de matriz pragmático-sistêmica a partir de uma disposição analítica pela empiria jurisprudencial, pergunta-se e suscita-se ser possível observar a excepcionalidade decisiva que constitui a função e a posição dos tribunais no sistema do direito, sobretudo em relação à necessidade temporal de construção de comunicações que permitam estabilizar e antecipar o futuro. Sugere-se que exceção, decisão, paradoxos e desparadoxização são eventos que operam de forma contínua e intrinsecamente relacionada.

Palavras-chave:
Exceção; Inquérito das Fake News; Pragmático-Sistêmica; Paradoxos

Abstract

The exception is still a mystery to the law. In this study, the exception problem is presented contrary to Cartesian rationality and problematized in a pragmatic-systemic metodology. Therefore, as a condition of operational decidability in the legal system. In this way, the improbability of communication is addressed by communicating the exception. In Brazil, since the case of the Fake News inquiry n. 4,781, there is a question about the limits and meanings of decision-making power. An epistemological observation of the symbolically generalized means of communication is adopted as a condition of meaning for the theory of social systems, so that a rereading of investigative contributions is necessary to provide a different material to respecify the discussion about the function of the courts and the exception in contemporary society. From a perspective and application of the pragmatic-systemic matrix from an analytical disposition by jurisprudential empiricism, it is asked and raised that it is possible to observe the decisive exceptionality that constitutes the function and position of the courts in the legal system, especially in relation to the temporary need to build communications that allow stabilizing and anticipating the future. It is suggested that exception, decision, paradoxes and deparadoxization are events that operate in a continuous and intrinsically related way.

Keywords:
Exception; Fake News inquiry; Pragmatics-Systemics; Paradoxes

1 INTRODUÇÃO

As questões que filósofos como Giorgio Agamben suscitaram em relação à situação de pandemia do COVID-19 na década de 20 do século XXI, recolocaram, por sua alta polemicidade (Frateschi, 2020FRATESCHI, Yara. Agamben sendo Agamben: o filósofo e a invenção da pandemia. Blog da Boitempo, 12 mai. 2020. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/05/12/agamben-sendo-agamben-o-filosofo-e-a-invencao-da-pandemia/. Acesso em: 5 jan. 2023.
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), o debate da vivência do espaço de exceção sob um diferente escopo. (Agamben, 2020aAGAMBEN, Giorgio. Biosicurezza e politica. Quodlibet, v. 11 mai. 2020a. Disponível em: https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-biosicurezza. Acesso em: 30 abr. 2023.
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; 2020bAGAMBEN, Giorgio. La medicina come religione. Quodlibet, 2 mai. 2020b. Disponível em: https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-la-medicina-come-religione. Acesso em : 30 abr. 2023;
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; 2020cAGAMBEN, Giorgio. L’épidémie montre clairement que l’état d’exception est devenu la condition normale. Le Monde, 24 mar. 2020c. Disponível em: https://www.lemonde.fr/ide es/article/2020/03/24/giorgio-agamben-l-epidemie-montre-clairement-que-l-etat-d-exceptionest-devenu-la-condition-normale_6034245_3232.html. Acesso em: 2 mai. 2023.
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; 2005AGAMBEN, Giorgio Estado de exceção. Publicado orginalmente Stato di Eccezione, Homo sacer, II, 1. Tradução Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2005.). Destarte, ao alocar uma releitura do paradigma de governabilidade jurídico-político do estado de exceção sob uma ótica de bio-segurança na esfera Transnacional, o autor italiano legou uma ampla possibilidade de reinvestigações do fenômeno da mutação da excepcionalidade global.

Neste aspecto, no Brasil, durante a pandemia do Covid-19, houve importantes decisões judiciais, junto a grande discussão teórica.2 2 No que compete à área do direito, sugestivos textos assim surgiram para contestar ou defender a atuação do Supremo Tribunal Federal frente à circunstância de pandemia do COVID-19. Neste aspecto: CHUEIRI; GODOY, 2020; FREITAS,2020. Do mesmo modo, até pela notória situação política-complexa brasileira nos anos de 2018 à 2022, sublinhe-se o relevo do debate das chamadas Fake News, também no sentido da relocação da exceção, que ocasionou diferentes apreensões positivas e negativas em relação ao enfrentamento da questão pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil no nomeado “inquérito das fake News, (inquérito n. 4.781 [2019aSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inquérito n. 4.781. Relator: MORAES, Alexandre de. 2019a. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5651823. Acesso em: 14 mar. 2023.
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]), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 572/DF (2020), ou mesmo no inquérito das milícias digitais (inquérito n. 4.784 [2021SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inquérito n. 4.784. Relator: MORAES, Alexandre de. 2021. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6214799. Acesso em: 14 mar. 2023.
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]), ou ainda o dos atos antidemocráticos (inquérito n. 4.789). Assim, tendo em vista esse alçar do STF às luzes de uma densa crítica, sobrevieram e ganharam força novamente aquelas intrincadas perguntas e conclusões de se há realmente limites para atuação judicial, ou tanto mais incisivas, como àquelas redimensionadas para verificação do estado de exceção na ótica jurisdicional atual brasileira.3 3 Neste sentido: LORENZETTO; PEREIRA, 2020; DA COSTA, 2020; RODAS, 2022.

Desse modo que, não obstante, frente à notoriedade provocada, seguramente se faz necessário uma releitura de aportes teóricos que forneçam um material distinto para recolocar a discussão sobre a função dos tribunais da sociedade contemporânea.

Neste sentido, pela perspicácia, a metodologia pragmático-sistêmica nos moldes desenvolvidos por autores como Niklas Luhmann (1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.; 1998LUHMANN, Niklas. The third Question: The creative Use of Paradoxes in Law and Legal Históry. Journal o law and Society, p. 153-165, 1998. Disponível em: https://steffenroth.files.wordpress.com/2014/04/1410051.pdf. Acesso em: 1 mar. 2023.
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; 2005LUHMANN, Niklas. Organizzazione e decisione. Tradução Giancarlo Corsi. Milano: Bruno Mondadori, 2005.; 2006LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate, Editorial Herder, S. de R.L. de C.V, 2006. 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016.), e releituras de Rocha (2006ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: UNISINOS, 2006.; 2011ROCHA, Leonel Severo. Teoria do Direito no Século XXI: da semiótica à autopoiese. Santa Catarina: Seqüência, n. 62, p. 193-222, 2011. Doi: 10.5007/2177-7055.2011v32n62p193. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2011v32n62p193/18578. Acesso em: 8 mai. 2023.
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; 2012; 2021ROCHA, Leonel Severo; COSTA, Bernardo Leandro Carvalho (org.). O futuro da Constituição: Constitucionalismo social em Luhmann e Teubner. v.1, 1. ed. Porto Alegre, RS: Editora Fi,, 2021. p. 1-638. Disponível em: http://https://drive.google.com/file/d/1-JkjmZgVOff_qobxBiqMjrUKZAsBSK79/view; Série: 1; Número da revisão: 1; ISBN: 9786559172498. Acesso em: 9 set. 2023.
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), pode, sem embargo, ofertar algumas contribuições e atualizações para este assunto4 4 No brasil também há outras relevantes releituras e autores Luhmanninanos como, por exemplo, Marcelo Neves, Willis Santiago Guerra Filho, Rafael Lazzarotto Simioni, Roberto Dutra Filho etc. . Portanto, uma vez reavivado o debate sobre os limites da função judicial e da exceção, tendo em vista o tribunal ser visto como centro do sistema do direito, objetiva-se uma retomada das condições de possibilidade de se pensar essa questão para fornecer maiores contribuições às discussões e, neste interim, procurar responder a seguinte problemática: como se observaria a exceção segundo a perspectiva pragmático-sistêmica?

Assim, uma metodologia pragmático-sistêmica5 5 A pragmática é utilizada em um sentido diferente daquele de Tercio Sampaio Ferraz Junior, que entende que a decidibilidade é a adequação da norma prevista à situação fática. Ver nesse sentido: FERRAZ JUNIOR, 2011. que procure revisitar conceitos e verificá-los a partir de casos concretos e consumidos pela opinião pública nos meios de comunicação, permite expor no primeiro item como as questões dos polêmicos inquéritos no Supremo Tribunal Federal se ilustram mais acuradamente com fundamento em uma percepção que ultrapasse as dimensões tradicionais do sentido, tendo em vista uma possível operação “desparadoxal” do direito. Seguindo, no segundo item, redimensiona-se essa ótica para uma constatação de sua relação com o aspecto decisional e organizacional central do sistema do direito ocupado pelos tribunais e a questão da pressuposição da exceção como suposição identificadora. Por consequência, é no terceiro item que suscita-se melhor a verificação pragmático-sistêmica dessa análise sobre a exceção desde casos concretos, destacando, por conseguinte, comentários sobre o inquérito das Fake News (n. 4.781) que, sem embargo, pela sua ilustrativa de carga evolutiva de exceção (não obstante, na ADPF 572/DF, decidiu-se que poderia se decidir), desafia à crítica jurídica-política atual justamente por faltar uma ótica neste sentido.

Em assim sendo, permitir-se-á sugerir a conclusão que os tribunais acentuam e desmembram efetivamente o paradoxo do direito pela necessidade inescapável de decidir que se alicerceia na suposição da exceção e, desse modo, convivem diretamente com a questão de ter que lidar operacionalmente com as dimensões de estabilização do sentido do direito. Destarte, trata-se de algo que em uma sociedade com uma gama alta de arranjo informacional promove à questão das Fake News sinalizações pragmáticas para além de dimensões duais de “verdade e mentira”, de maneira a ressaltar seu aspecto intencional e contextual. Exige-se dele cada vez mais uma maior capacidade de seleção operacional para manter a autorreprodução e até mesmo a autoproteção ou ainda a autoconservação da função do sistema jurídico.

Neste interim, alude-se, após análises de uma casuística empírica, que as questões sobre a exceção, levando-se em conta esta ótica, encontram-se ligadas intrinsecamente à disposição desparadoxal que encampa a centralidade decisiva das funções dos tribunais na sociedade contemporânea e, neste sentido, permite reconduzir, ilustrar e problematizar os assuntos da exceção e dos paradoxos tendo em vista um olhar pela fragmentação, dispersão, evolução, relação e manutenção de fenômenos limites, assim como da própria sociedade funcionalmente diferenciada. Sugere-se, neste aspecto, após uma apreciação de casos regionais, que exceção, decisão, paradoxos e desparadoxização são eventos que operam de forma contínua e intrinsecamente relacionadas.

2 UNIDADE, IDENTIDADE DO DIREITO E DESMEMBRAMENTO DO PARADOXO

O método da matriz de Luhmann em suas transformações mais contemporâneas (Luhmann, 1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.; 2005LUHMANN, Niklas. Organizzazione e decisione. Tradução Giancarlo Corsi. Milano: Bruno Mondadori, 2005.; 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016.; 1995), em especial, na formulação pragmático-sistêmica intuída por Rocha (2006ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: UNISINOS, 2006.; 2013ROCHA, Leonel Severo. Paradoxos da Auto-observação: percursos da teoria jurídica contemporânea. 2. ed. rev. e atual. Ijuií, RS: Unijuí, 2013.; 2011ROCHA, Leonel Severo. Teoria do Direito no Século XXI: da semiótica à autopoiese. Santa Catarina: Seqüência, n. 62, p. 193-222, 2011. Doi: 10.5007/2177-7055.2011v32n62p193. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2011v32n62p193/18578. Acesso em: 8 mai. 2023.
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; 2020; 2021ROCHA, Leonel Severo; PINTO, João Paulo Salles. Os direitos humanos como semântica (des)paroxal contemporânea da autodescrição do sistema jurídico. REVISTA QUAESTIO IURIS, v. 14, p. 1001-1038, 2021.), permite observar o direito como um sistema autopoiético que se autodescreve e se auto-observa operando reflexivamente sua própria função e, desse modo, desapercebendo sempre seus paradoxos (autolegitimação, mesmidade do diferenciado, determinalidade do indeterminado...) tendo em vista distinções que tem a função de invisibilizar/desmembrar o que despontam. Esta forma de análise, por conseguinte, possibilita ressaltar, neste sentido, que os sistemas descritos socialmente se autoconstroem recorrentemente. Assim, apelam a um espaço próprio que os operaciona a partir de uma alta seletividade autônoma diferenciada e condicionada em uma estrutura (código) que o deixa diferenciar do ambiente. Tal premissa, por consequência, autoriza observar que os sistemas tidos por sociais constroem um percalço oportuno para resolução e seletividade de sua própria forma codificada.

Portanto, este estilo de observação final de Luhmann (1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.; 2005LUHMANN, Niklas. Organizzazione e decisione. Tradução Giancarlo Corsi. Milano: Bruno Mondadori, 2005.; 2006LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate, Editorial Herder, S. de R.L. de C.V, 2006.), admite potencializar as concepções sobre a função autônoma do direito que, ao menos desde o livro “Sociologia do Direito” (1983LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.), o autor procurava colocar sob a ótica das expectativas cognitivas e normativas, ao descrever que as operações jurídicas se autonomizam, antes de tudo e, ao menos contemporaneamente, porque procuram se destacar distintas. Assim, encontram guarida na disposição do direito como direito que, neste caso, pode se autolegitimar somente pela tentativa de invisibilização dessa disposição paradoxal que o sistema jurídico se inscreve em sua positivação. O que distingue o direito/não direito é o próprio direito?! Dessa maneira, realiza-se uma observação que se verifica a construção da unidade, da função e identidade do sistema jurídico como um desmembramento do paradoxo da auto-observação da sociedade.

Por consequência, autopoiese do direito, nesse sentido, significa observar, mormente, que o direito na contemporaneidade precisa se autoconstruir sempre a partir de uma recursividade funcional e, por consequência, operacionalizar criativamente os paradoxos de sua auto-observação. Deste modo, um observador que busca considerar o direito nos moldes da pragmático-sistêmica, tem de se atentar para o lugar fecundo dos paradoxos da auto-observação dos sistemas sociais (Simioni; Pinto, 2019SIMIONI, Rafael Lazzarotto; PINTO, João Paulo Salles. Paradoxos na autodescrição do sistema do direito: corrupção sistêmica e o ativismo judicial. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 14, n. 2, e30746, maio./ago. 2019. ISSN 1981-3694. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/30746. Acesso em: 6 abr. 2023.
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; Rocha,2013ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia do Direito: revisitando as três matrizes jurídicas. RECHTD, n. 5, p. 141-149, 2013.). A teoria dos sistemas sociais autopoiéticos é, não obstante, sensível a pesquisar essas questões.

Verifica-se, por conseguinte, que, no âmbito das observações teóricas, os sistemas sociais autopoiéticos tem de se orientar a partir daquilo que se deve autoenfrentar. “De fato, preceitos teóricos têm uma clara base de disposição seletiva, até porque para o sistema, em seu funcionamento, é precípuo manter a articulação entre direito/não direito juridicamente válida” (Rocha;Pinto, 2021ROCHA, Leonel Severo; PINTO, João Paulo Salles. Os direitos humanos como semântica (des)paroxal contemporânea da autodescrição do sistema jurídico. REVISTA QUAESTIO IURIS, v. 14, p. 1001-1038, 2021.). Portanto, a construção teorética jurídica, consequentemente, só é possível porquanto deve evitar ver a auto-observação do direito, de modo que assim pode escapar de uma possível re-entrada da distinção realizada nela própria, uma vez que, se assim não fosse, paralisaria em um paradoxo. No fim, o uso desmembrador (que não o elimina, por consequência) do paradoxo se dá pela ocorrência de que o que consegue a diferença entre direito e não direito é o oportuna seleção de sentido do direito da sociedade.

O paradoxo, neste aspecto de análise, permite, ao mesmo tempo, para além do problema da complexidade sistêmica, “enriquecer os aspectos metodológicos de uma observação que vise, por conseguinte, investigar os modos e as formas utilizadas para ocultação e recepcionalidade do paradoxo”6 6 Neste sentido, destaca Luhmann que: “Com isso, não recaímos em uma máxima vazia de conteúdo da autoconservação. Autopoiese não é simplesmente uma nova palavra para existência ou vida. Antes de tudo a partir do fato de que se precisa considerar concomitantemente o tempo, vem a tona restrições precisas das condições de possibilidade. Um sistema não precisa apenas conservar a “si mesmo”, ele precisa conservar as suas essential variables (Ashby), e faz parte disso: a interdependência de dissolução e reprodução, a capacidade de auto-observação (capacidade de discriminação) e, além disso, tudo aquilo que possibilita um ritmo suficiente de uma autorreprodução sem pausa junto a elementos constantemente se desvanecendo; e, nessa função, então, estruturas suficientes, que asseguram as capacidades de articulação.” (LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboço de uma teoria geral. Tradução de Antonio C. Luz. Rio de Janeiro: Vozes, 2016, p. 28, em especial, p. 420). . Sob a visualização da disposição e desmembramento paradoxal da unidade direito, a autorreferência sistêmica contrai uma orientação para se analisar o jeito operacional, e não tanto interpretativo do direito. Dessa maneira, se se observa que sistemas funcionam de modo autorreferencial, estes só se tornam efetivamente capazes de lidar com sua complexidade quando permitem desdobrar o paradoxo de terem que operar pressupondo a si mesmo. Em síntese, quando conseguem reorientar seu des-paradoxar e seu re-paradoxar, até porque tal necessidade diz respeito à própria concepção dos sistemas e sua recursividade operacional. (Teubner, 1989;2010TEUBNER, Gunther. Tratando com paradoxos do direito: Derrida, Luhmann, Wiethölter. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi (org). Correntes contemporâneas do pensamento jurídico. Barueri: Manole, 2010. p. 173.;2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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). Por consequência, os sistemas, ao menos se se observa a sociedade funcionalmente diferenciada em diferentes sentidos sistêmicos (economia, religião, direito, ciência, política), fazem de sua distinção (direito/não direito, por exemplo) um escopo autorreferente e autoconstituinte. É assim, por conseguinte, que a metodologia sistêmica parte de uma avaliação que não é analítica, também não ontológica, muito menos hermenêutica, mas pragmático-sistêmica, porque refere-se sempre a certa distinção que não pergunta: o que é a unidade do sistema? mas sim, como se opera a diferença sob a complexidade de possibilidades de dotação de sentido. (Luhmann, 2006LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate, Editorial Herder, S. de R.L. de C.V, 2006., p. 53). Assim, em função destas premissas, é que para a teoria dos sistemas autopoiéticos: “a verificação de que o sistema só pode operar no sistema e não no ambiente e, por consequência, que somente o próprio direito, paradoxalmente, pode dizer o que o direito é” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., 67; 1993LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.; p. 50). “O que se pretende é descrever o sistema jurídico como um sistema que se auto-observa e se descreve e, portanto, desenvolve suas próprias teorias” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p.31). A unidade do direito, deste modo, só pode ser observada como desmembramento de um paradoxo fundamental - “o que distingue o próprio direito é o próprio direito?! Em síntese, “Por isso, a pergunta pelo desdobramento do paradoxo é a chave para o problema da diferenciação, e é a partir da forma de diferenciação que se regulamenta qual semântica adquire ou perde plausibilidade” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 428).

Dessa maneira, se na contemporaneidade, supõe-se a obsolescência dos fundamentos cosmológicos/generalistas que, em verdade, não permitiriam a lógica do fechamento operacional7 7 De fato: “Talvez o construto mais influente, em todo o caso mais tradicional, da unidade do direito, tenha sido assimilado com a representação de uma hierarquia de fontes do direito ou de tipos de direito: direito eterno, direito natural, direito positivo. Esse construto pode amparar-se em um sistema social estratificado e, de modo equivalente, em uma arquitetura de mundo hierarquizada, pois ele postula a necessidade de uma ordenação hierarquizada de modo dogmático e obscurece assim a visão paradoxal da unidade de uma multiplicidade” (LUHMANN, 2016, p. 27) , como por exemplo, o direito natural e suas reflexões, a positivação do direito aparece, de acordo com Luhmann, não só como teoria especifica, mas como distinção da autorrepresentação e avaliação do direito, suas contradições e aporias na sociedade moderna, “uma vez que o positivo não é natural, mas algo dado e que depois, como decisão, deve ser observado” (Simioni; Pinto, 2019SIMIONI, Rafael Lazzarotto; PINTO, João Paulo Salles. Paradoxos na autodescrição do sistema do direito: corrupção sistêmica e o ativismo judicial. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 14, n. 2, e30746, maio./ago. 2019. ISSN 1981-3694. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/30746. Acesso em: 6 abr. 2023.
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). Assim, resta-se ao sistema, em seu fechamento na sociedade funcionalmente diferenciada, apenas o sustentáculo na questão de que ele tem de submeter todas as suas operações, “com cujas questões jurídicas é constituído e observado, às suas próprias observações, o que, de fato, explicita sempre desmembrar o paradoxo constituinte” (Simioni; Pinto, 2019). Neste sentido, a observação de segunda ordem que a pragmático-sistêmica se guia consente averiguar a autonomia do direito amparada na contemporaneidade, sobretudo, em uma disposição de reorientação dos paradoxos do sistema no escopo de suas constantes necessidades de ocultação.

Por consequência, para uma análise sociológica da sociedade hodierna, que parta por verificar o objeto em sua auto-observação sem se comprometer com sua realização, é mesmo a paradoxização e reparadoxização do direito que traduz sua estabilização funcional. Neste sentido, importa, intuir, por conseguinte, para este estilo de pragmática, como os sistemas sociais se estabilizam frente a sua inevitável contingência paradoxal. Trata-se, mesmo, de como autores como Teubner (2010TEUBNER, Gunther. Tratando com paradoxos do direito: Derrida, Luhmann, Wiethölter. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi (org). Correntes contemporâneas do pensamento jurídico. Barueri: Manole, 2010. p. 173.;2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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) ressaltam, de uma observação por uma “sociologia dos paradoxos”.

Posto isso:

O paradoxo, todavia, é o santuário do sistema (Heiligtum des Systems), e sua divindade (Gottheit) se oferece em múltiplas configurações. [...] Por isso, a pergunta pelo desdobramento do paradoxo é a chave para o problema da diferenciação, e é a partir da forma de diferenciação que se regulamenta qual semântica adquire ou perde plausibilidade. (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 427).

Destarte, em sua busca pela recursividade independente, o sistema é forçado acontecer ou deixar de acontecer, de modo que comunicar um paradoxo é a constatação de sua paralisia. Portanto, como se verá, iremos sugerir que é a decisão e sua suposição excepcional organizada que pode desnudar para a observação estes momentos, porque uma decisão, decerto, tem que esconder, sobretudo, que ela mesma não é uma opção.

3 A EXCEÇÃO CONSTITUINTE DA FUNÇÃO E POSIÇÃO CENTRAL DOS TRIBUNAIS

O sistema jurídico, ao menos em sua forma na sociedade funcionalmente diferenciada -positividade-, haja visto a obsolescência das semânticas ontológicas e metafisicas e a contingência da sociedade hodierna, precisa construir autonomamente sua diferença com e a partir da necessidade de desparadoxização da auto-observação.

De fato, em um momento extremamente contingencial, como a decisão, tal questão permite se notar. Luhmann, portanto, fornece agora um ponto de investigação e descrição que ele mesmo ressalta ser: “Em comparação com a importância dessa obrigatoriedade de decidir, a literatura teórico-jurídica existente é surpreendentemente escassa- como se o tema pudesse ser neutralizado pela pura e simples negligência” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 415).

Na forma como Luhmann procura definir os tribunais, isto é, em uma constante estratégia decisiva central de reorientação dos paradoxos do sistema do direito, vislumbra-se o assumir de uma segunda versão da realidade criada inteiramente pela prática jurídica decisiva que, neste caso, não permite ser inteiramente coptada por uma lógica consistente, ou mesmo por uma tematização de contradição autogarantida, que parecem fundamentar as teorias jurídicas do direito atualmente8 8 Neste sentido diz Luhmann que: “Apenas nas últimas três décadas houve esforços que nitidamente transcenderam esse estado de coisas, sem se limitar por teorias dogmáticas ou pela “filosofia do direito”. Foram iniciativas que designaram suas aspirações como filosofia do direito (no singular). Com essa rubrica, busca-se associar aspirações lógicas e hermenêuticas, institucionais (pós-positivistas) e teoria dos sistemas, teóricos-argumentativas e retóricas (ou, pelo menos, contribuições com base em tais abordagens). Por ora, ainda não é possível discernir um perfil claro, mas, enquanto isso, a diferença entre teorias dogmáticas do direito e da teoria do direito pode ser aceita.” (LUHMANN, 2016, p. 15-26). . (Teubner, 2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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).

Destarte, tendo em vista os complexos processos burocráticos administrativos, ou até mesmo nos imbricamentos decisórios do processo jurídico, ou seja, no “arcano da burocracia administrativa e nas abstrusas terminologias jurisprudências” (Teubner, 2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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), nota-se que a atividade jurídica orientada à necessária decisão descreve um mundo distinto na prática de julgamento que, só de maneira limitada, pode ser compreendida pela racionalidade das ciências.

Neste aspecto, até mesmo a dogmática jurídica, em sua clara tentativa de procurar construir uma sistematização conceitual, não consegue, por sua “instrumentalidade argumentativa”, construir espaços sempre redundantes de repetição. Inclusive, “a própria filosofia do direito e a teoria do direito muitas vezes julgam esse esfera como inevitavelmente marcada pela alta discricionariedade escapável a qualquer projeto de racionalidade”. (Teubner, 2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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) Por outro lado, “Assim ocorre também nas investigações sociológicas do direito sobre os pré-julgamentos da justiça e nas análises de decisões feitas pela teoria da argumentação” (Teubner, 2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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).

Dessa maneira, a teoria dos sistemas autopoiéticos pode ofertar à essas questões um modo de descrição que se disponha dos compromissos com as autodescrições (teorias) do sistema e, desse modo, até mesmo fornecer uma análise empiricamente diferente e pragmática. O que se postula mesmo é que uma observação neste estilo possa se valer “das vantagens de uma descrição externa, que não estaria obrigada a respeitar normas internas, convenções e premissas para o entendimento do objeto” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 22-23). Poderíamos aqui, por consequência, para entender melhor a questão, abster-se de toda a crítica analítica e semântica para observar distintamente em uma dimensão pragmática do sentido.

Portanto, o que se revela mesmo, é que essa realidade que se dispõe à experimentar pela necessidade de desparadoxização do sistema, diz respeito, não somente à autodescrição e auto-observação jurídica (suas normas, seus atores, seus conceitos, sua argumentação, seus princípios e afins), mas também à própria concreção comunicativa do sistema jurídico, algo que, de fato, não permite ser cooptado e orientado inteiramente em relação ao mundo normal, ou até mesmo aos paradigmas científicos. (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 27; Teubner, 2014TEUBNER, Gunther. The law before its law: Franz Kafka on the (im)possibility of law’s self reflection. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, v. 1, n. 1, p. 12-31, 1 jan. 2014. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/24620. Acesso em: 4 mai. 2023.
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). Em outras palavras, a forma de observação da pragmático-sistêmica da existência de um mundo decisório contingente que constitui a verdadeira atividade jurídica supõe uma concepção da prática de julgamento que permite suscitar um campo de orientação em que a noção dos paradoxos da autofundação do direito, não obstante, pode ser pressuposta e relacionado com a disposição da exceção. (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 422; Luhmann, 1993LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983., p. 320). Assim é que explicita-se a posição dos tribunais tendo em vista uma diferença operacional entre centro e periferia, de maneira a descrever a forma dos tribunais como centro do sistema, até porque deles continuamente se expectativa uma decisão, isto é, os tribunais se encontram obrigados a decidir (proibição do non liquet- da negação da justiça).

Eis a função dos tribunais que os torna centro do sistema, decidir que pode se decidir quando não é possível não decidir, “visto que de outro modo a decisão já estaria decidida, e seria o caso apenas de reconhecê-la” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p.411). “Levando em conta tudo isso, a decisão é um paradoxo que não se pode tematizar, mas na melhor das hipóteses, somente mistificar” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 413). “A autoridade, as decorações, tudo isso ocupa uma lugar que impede que o paradoxal da tomada de decisão apareça como paradoxo” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 413), assim como “denuncie que a razão que decide com legalidade sobre o que é legal e ilegal vem a ser, também ela, um paradoxo, e que a unidade do sistema só pode ser observada como paradoxo” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 413). Destarte, colocando a posição dos tribunais em relação ao disposto operativo do manusear concreto do paradoxo do direito, verifica-se que a distinção estabelecida entre organização e sistema, bem como aquela referente ao sistema e periferia, possibilita, não obstante, a auto-observação de que os tribunais constituem como aparato operacional central que possuem a função de construir uma relação sensível entre sistema e ambiente. Assim, em uma sociedade onde a complexidade cada vez mais se faz presente, tal forma de observação parece conduzir e captar uma maneira pragmática de observar o lugar dos tribunais no sistema do direito, assim como desvelar a forte contingencialidade que eles estão sujeitos e, por conseguinte, suas fórmulas de lidar com a contingência.

Os tribunais, portanto, precisam pressupor, em sua centralidade, cotidianamente uma posição que suponha uma “vivência de exceção” (Luhmann, 1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993., p. 320). À eles cabem ter de resolver essas questões decidindo, ainda que cuidando os paradoxos da auto-observação, (a decisão mesmo é um paradoxo), porque, de outro modo, não se poderia decidir. “Tem-se ai uma exigência espantosa que a ele se impõe, pois trata-se da dissolução de um paradoxo, de auto-organização, de implementação de autonomia social” (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 25).

De fato, em toda decisão tomada há um algo que é suposto, e esta, não obstante, trata-se do uso criativo paradoxal e recursivo da exceção no direito, até porque não há mais a possibilidade eliminatória por um fundamento metafisico, ou transcendental que consiga preencher o vazio no qual ele se constitui. Desse modo, a teoria dos sistemas autopoiéticos ao oferecer uma sensibilidade à observação dos desmembramento dos paradoxos do direito, ou até mesmo um olhar disposto à compreensão diferenciada da prática de julgamento, permite notar que atividade jurídica decisória é constituída, sobretudo, pela suposição e relação com a questão da exceção que vivenciam os tribunais (proibição do non liquet) ao sempre ter que decidir (ou melhor, ao ter que desparadoxizar o sistema), de modo que assim precisa ser encarada e repensada (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 427).

Portanto, em verdade, mesmo que Luhmann não tenha proposto uma teoria da exceção, para este estilo de leitura que se alvitra, mostra-se interessante visualizar a relação existente entre exceção, paradoxos, desparoxização e decisão que constituem a função dos tribunais no sistema do direito. Deste modo, a obrigatoriedade de decidir e a posição dos tribunais pressupõe sempre essa lógica de invisibilização dos paradoxos pela diferenciação funcional, até porque o sistema jurídico dispõe, na necessidade da jurisdição, essa permissibilidade de excepcionalidade decisória dos tribunais frente à improbabilidade da comunicação.

Portanto, o problema da exceção é, sem embargo, apresentado ao contrário da racionalidade cartesiana e revisto em uma colocação pragmático-sistêmica. Sendo assim, como condição de decidibilidade operacional no sistema do direito.

Para não haver dúvidas, deixemos o próprio Luhmann falar:

Antes de tudo, voltamos a repetir: nem as leis, nem os contratos se encontram sob a obrigatoriedade de decidir. A validade do direito pode mudar- ou se deixar mudar- com a seleção dessas formas. Quanto a isso, somente os tribunais vivem uma situação de exceção (Nur die Gerichte haben in dieser Hinsicht eine Ausnahmestellung). É possível que, por razões políticas ou econômicas, das leis e dos contratos demande-se uma decisão. Mas, nesse caso, as coações são de outro tipo, e diante delas o sistema do direito se encontra em liberdade de decidir se são juridicamente relevantes. Só a eles incumbe o manejo do paradoxo do sistema- independentemente de como se queira denomina-lo concretamente. Somente eles devem, onde for necessário transformar a indeterminação em determinação (Nur sie müssen, wo nötig, Unbestimmbarkeit in Bestimmbarkeit transformieren). [...] O paradoxo, todavia, é o santuário do sistema (Heiligtum des Systems), e sua divindade (Gottheit) se oferece em múltiplas configurações. [...] Por isso, a pergunta pelo desdobramento do paradoxo é a chave para o problema da diferenciação, e é a partir da forma de diferenciação que se regulamenta qual semântica adquire ou perde plausibilidade. (Luhmann, 2016LUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade. Tradução Saulo Krieger. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 427-428; Luhmann, 1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993., p. 320).

Por certo, isso traz uma altiva probabilidade de observação da ilimitação e risco quando se considera a função judicial. Assim, ao colocarmos que é a pressuposição da vivência da exceção que alimenta o aspecto decisional do direito, por consequência, uma fórmula de contingência, temos também que compreender que esta questão realmente gera uma alta precipitação da possibilidade dispersa de cobertura organizacional das irresponsabilidades e risco.

Entretanto, tal disposição analítica, inclusive, permite averiguar que essa autonomia construtiva central autônoma do sistema direito não consente observar um potencial acrítico disposto à “constantes expansões de arbitrariedades”. Dessa forma, em relação à própria função dos tribunais, verifica-se que a adequada orientação de comunicação desparadoxal que sistema direito se encontra inscrito, mostra, sem embargo, certa barreira que o força a submeter às atualidades das responsabilidades sociais que ele se encontra disposto. Por exemplo, a competente concretização e proteção dos direitos humanos como mote transnacional e constitucional, ou mesmo a crítica teórica, como já mostramos (Rocha;Pinto, 2021ROCHA, Leonel Severo; PINTO, João Paulo Salles. Os direitos humanos como semântica (des)paroxal contemporânea da autodescrição do sistema jurídico. REVISTA QUAESTIO IURIS, v. 14, p. 1001-1038, 2021.). Assim, a perspicaz vinculação da semântica social à da diferenciação funcional, enxerga, até mesmo nos desdobramentos seletivos dos paradoxos do direito, por exemplo, uma tentativa de produzir operações que as decisões podem sempre mudar. Os tribunais, portanto, só se desprenderam, desprendem-se e continuam a se desprender de uma possível dominação política, ou mesmo de outras tentativas de capturas, como da economia, se a estes se observar a constante liberdade e necessidade de decidir frente à situações que o sistema do direito precise se comunicar e se autoconservar. Por outro lado, essas tomadas de decisão não se fazem sem possiblidades de revisões, ou irritações, como se verá abaixo.

4 A EVOLUÇÃO DA EXCEÇÃO NA QUESTÃO DAS FAKE NEWS: O CASO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO E SUA DISTINÇÃO

A semântica das fake news foi alterada significativamente no Brasil. De fato, ao menos desde 2019, observa-se uma notória tematização no campo de combate destas e sua relação com atos antidemocráticos, que, não obstante, foi fortalecido pela postura que tomou o referido tribunal em meados daquele ano, sobretudo no inquérito n. 4.781 (inquérito das Fake News) (2019aSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inquérito n. 4.781. Relator: MORAES, Alexandre de. 2019a. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5651823. Acesso em: 14 mar. 2023.
https://portal.stf.jus.br/processos/deta...
). (Campos, 2019). Atitude essa que, sem embargo, gerou ampla polemicidade na comunicação social jurídica e em relatórios de prisões (Rodas, 2022; Costa; SAntos, 2020COSTA, José Lucas Lima da; SANTOS, Wigna Beatriz Silva dos. INQUÉRITO DAS FAKE NEWS O PERIGO DA CRIAÇÃO DE UM NOVO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL . In: Conexão Unifametro, Fortaleza, CE , 2020. Disponível em: https://www.doity.com.br/anais/conexaounifametro2020/trabalho/169084. Acesso em: 17 mar. 2023.
https://www.doity.com.br/anais/conexaoun...
; Lorenzetto; Pereira, 2020LORENZETTO, Bruno Meneses; PEREIRA, Ricardo dos Reis. O Supremo Soberano no Estado de Exceção: a (des) aplicação do direito pelo STF no âmbito do Inquérito das “Fake News”(Inquérito n. 4.781). Sequência, Florianópolis, n. 85, p. 173-203, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/seq/a/3rd8dS8fb5j5pVH4rBbsfbB/abstract/?lang=pt. Acesso em: 5 jan. 2023.
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; De Chueiri; Godoy, 2020; Schreiber, 2023; Defensoria Pública da União, 2023), até porque tal inquérito conjugou, por meio de uma fundamentação amparada no artigo nº 43 do regimento interno do STF9 9 Neste sentido: “Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2023). , não só redimensionamentos na distribuição de processos em uma mesma coordenação e ministro (Portaria GP 69/2019)10 10 Ver nesse sentido: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portaria 69/2019. Brasília: da Presidência do STF, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf Acesso em: 17 mar. 2023. , ou mesmo permissibilidades de amplo sigilo (Supremo Tribunal Federal, 2019bSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portaria 69/2019. Brasília, DF: Presidência do STF, 2019b. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf Acesso em: 17 mar. 2023.
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), mas também a possibilidade distinta e até então diferente de investigações e tomada de decisões coercitivas por uma delimitada organização que, neste caso, se autoprovocou e agiu de ofício sob justificativa de autodefesa, autonomia e relação com a manutenção da democracia. (Supremo Tribunal Federal, 2019aSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inquérito n. 4.781. Relator: MORAES, Alexandre de. 2019a. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5651823. Acesso em: 14 mar. 2023.
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; 2019bSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portaria 69/2019. Brasília, DF: Presidência do STF, 2019b. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf Acesso em: 17 mar. 2023.
https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-...
; 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572. Relator: FACHIN, Edson. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754371407. Acesso em: 14 mar. 2023.
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).

Algo que, até pela sua continuidade (são mais de quatro anos de inquérito11 11 Conforme art. 10 do Código de Processo Penal Brasileiro o prazo de inquéritos é de 30 dias ), de certo modo, permite observar um “novo padrão” (já há diversos inquéritos em andamento no STF12 12 Ver neste sentido: FRENTE AMPLA. Alexandre abre mais 6 inquéritos sobre atos terroristas de bolsonaristas no 8/1. Revista Consultor Jurídico, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-23/alexandre-abre-inqueritos-atos-terroristas-81 Acesso em: 17 mar 2023. , sobretudo o inquérito das milícias digitais n. 4.784 [2021]) com ampla elasticidade decisória no procedimento de apuração de eventuais condutas externas que colocassem em risco o referido tribunal e seus ministros, ou mesmo o regime democrático. (Supremo Tribunal Federal, 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572. Relator: FACHIN, Edson. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754371407. Acesso em: 14 mar. 2023.
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).

A linguagem produzida pela organização jurídica, demonstra, simbolicamente, uma unidade de sentido, que, inclusive, é o conteúdo sintético da ADPF n. 572/DF (2020) que, mesmo com a preocupada colocação do ministro Marco Aurélio de Melo (ADPF, 2022, p. 299-302) sobre a provável inauguração de um “juízo de exceção” que, neste caso, conjugou funções investigativas e decisões13 13 Disse o Ministro em seu voto que: “Foi o que eu disse: não pode a vítima instaurar inquérito. Uma vez formalizado requerimento de instauração de inquérito, cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sob pena de passarmos a ter, como disse, juízo de exceção, em contrariedade ao previsto no principal rol das garantias constitucionais da Carta de 1988 [...] Presidente, estamos diante de inquérito natimorto. Ante as achegas verificadas, depois de instaurado, diria mesmo de inquérito do fim do mundo, sem limites! Peço vênia à maioria acachapante, já formada, de oito votos, para dissentir. Faço-o acolhendo o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental, para fulminar o inquérito, porque o vício inicial contamina a tramitação. Não há como salvá-lo, em que pese óptica revelada posteriormente pela mesma Procuradoria-Geral da República, já então personificada por outro Procurador-Geral - o Dr. Augusto Aras. Devo ressaltar que, inicialmente, esse inquérito foi coberto pelo sigilo. Receio muito, Presidente, coisas misteriosas. Ressalto que somente se deu o acesso a possíveis investigados e envolvidos passados trinta dias, o mesmo ocorrendo quanto à audição da Procuradoria-Geral da República. É como voto, a partir, como costumo sempre dizer, da ciência e consciência possuídas.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, p. 299- 302). , decidiu, de maneira distinta até então, que o tribunal poderia decidir pela instauração própria de inquéritos e atos coercitivos. (Supremo Tribunal Federal, 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572. Relator: FACHIN, Edson. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754371407. Acesso em: 14 mar. 2023.
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). Destarte, em especial, na validação da referida forma de agir (sobretudo, como reconhecimento da constitucionalidade da portaria GP n. 69/2019) no julgamento da ADPF n. 572/DF (2020), definiu-se que poderia se decidir, principalmente pela consideração da impossibilidade consequencial ao não decidir.

Como se percebe, o discurso se inclina para uma redefinição significativa. Dessa maneira, em que pese às diversas críticas à este procedimento que, neste estudo, destacamos aquelas que apenas problematizaram essa questão sob o contexto da exceção (Rodas, 2022; Costa; SAntos, 2020COSTA, José Lucas Lima da; SANTOS, Wigna Beatriz Silva dos. INQUÉRITO DAS FAKE NEWS O PERIGO DA CRIAÇÃO DE UM NOVO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL . In: Conexão Unifametro, Fortaleza, CE , 2020. Disponível em: https://www.doity.com.br/anais/conexaounifametro2020/trabalho/169084. Acesso em: 17 mar. 2023.
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; Lorenzetto; Pereira, 2020LORENZETTO, Bruno Meneses; PEREIRA, Ricardo dos Reis. O Supremo Soberano no Estado de Exceção: a (des) aplicação do direito pelo STF no âmbito do Inquérito das “Fake News”(Inquérito n. 4.781). Sequência, Florianópolis, n. 85, p. 173-203, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/seq/a/3rd8dS8fb5j5pVH4rBbsfbB/abstract/?lang=pt. Acesso em: 5 jan. 2023.
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; De Chueiri; Godoy, 2020; Schreiber, 2023; Defensoria Pública da União, 2023) para o estilo de observação que até aqui veio se desenvolvendo, trata-se mesmo de exemplo bastante expressivo, acentuado e comprovante da hipótese aventada. Isto é, o tribunal reagiu a um fenômeno de alta complexidade comunicacional o respecificando tendo em vista o alicerce na pressuposição da excepcionalidade decisória, posicional e organizacional quando de questões de desparadoxização e autoconservação. Autorreferencialmente, permitiu-se “vir à tona” a forte estratégia de autopreservação e autoprovocação evolutiva que a força central e decisória têm ao pressupor disposições autorizativas de mutações pela exceção no direito.

O sentido denotativo dessa classe de termos, redefine-se, pragmaticamente, ao destacar uma singular distinção de outros casos em que, sem embargo, utilizou-se da lógica da pressuposição da relação entre decisão e exceção. Neste sentido, até porque em um espaço de um artigo citar todos os casos seria metodologicamente impossível, queremos destacar estudos que já colocaram essas questões, como, por exemplo, o já afamado discutido caso do “estado de coisas inconstitucional” na ADPF 347 e a revisão dos julgamentos da possibilidade da prisão em segunda instância (Simioni; Pinto, 2017PINTO, João Paulo Salles; SIMIONI, R. L. Ecos do decisionismo de Carl Schmitt no Supremo Tribunal Federal Brasileiro: o soberano, a relativização da garantia da presunção da inocência e o estado de coisas inconstitucional. VII Encontro Internacional do Conpedi/braga - Portugal, 2017, Braga, Portugal. Teorias do Direito, da Decisão e Realismo jurídico. Curitiba: CONPEDI/UMinho, v. 1. p. 145-163, 2017.), nas ADCs de nº 43, 44 e 54 (2016)14 14 “O assunto foi revisitado quando realizado o julgamento do mérito das aludidas ADCs do STF19, o que poderia repercutir na liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso após confirmação da condenação em segundo grau (TRF 4, 2018c). Após votação acirrada de 6 ministros contra 5 realizada em 7 de novembro de 2019, a maioria decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do CPP, de forma a afastar a prisão antes do trânsito em julgado de decisão condenatória” (FROSI, 2022, p. 26; STF, 2020b). em que se levou em conta nos julgamentos, sobretudo, questões da “ordem concreta” para uma decisão15 15 Neste sentido: “Ressalta-se, por conseguinte, que o julgamento liminar da ADPF 347 (2015), além de declarar o sistema carcerário brasileiro cautelarmente inconstitucional de forma estrutural, isto é, uma verdadeira posição de/sobre a exceção, estabeleceu ainda condutas a serem cumpridas por juízes frente à situação do sistema carcerário, bem como determinou que a união liberasse o saldo acumulado do fundo penitenciário nacional, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos” (PINTO; SIMIONI, 2017). ; ou mesmo outros expressivos, como os já separados e referenciados estudo de FROSI (2022FROSI, Tatiana Batista. O estado de exceção no Supremo Tribunal Federal: análise da atuação do Tribunal como poder soberano nos posicionamentos judiciais e extrajudiciais da última década com enfoque na condução do Inquérito no 4781. 2022. 108 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2022. Disponível em: https://ri.ufs.br/handle/riufs/15101 Acesso em: 17 mar. 2023.
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), como: “a ADPF 4516 16 “Esta foi umas das primeiras oportunidades em que o STF admitiu expressamente a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas como a saúde, quando visasse a sua concretização, a política pública estivesse prevista na Constituição Federal e houvesse, ao menos parcialmente, a omissão das instâncias governamentais” (FROSI, 2022, p. 17). (2004); ADI nº 3.510 (2008), ADPF 54 (2011)17 17 “A Corte Suprema passou a ser provocada a se pronunciar em temas polêmicos como o relativo à permissão de pesquisa em células tronco embrionárias (ADI nº 3.510, relatoria do Ministro Ayres Britto, julgamento em 29/5/2008) e à possibilidade de interrupção de gravidez em caso de fetos anencefálicos (ADPF nº 54, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11/04/2012)” (FROSI, 2022, p. 18). , ou mais antigos por CINTRA (2015CINTRA, Reinaldo Silva. O GUARDIÃO DA EXCEÇÃO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O ESTADO DE EXCEÇÃO NA ADI 2.240-7 E NA ADPF 153. ACADEMIA.EDU, 2015. Disponível em: https://www.academia.edu/12957131/O_guardi%C3%A3o_da_exce%C3%A7%C3%A3o_O_Supremo_Tribunal_Federal_e_o_estado_de_exce%C3%A7%C3%A3o_na_ADI_2_240_7_e_na_ADPF_153. Acesso em: 17 mar. 2023
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): “ADI 2.240-7 e na ADPF 153”18 18 “Nos votos do Ministro Eros Grau, essa incoerência fica evidente. Na ADI 2.240-7, o Ministro invoca Konrad Hesse para falar da força normativa da Constituição em um caso em que justamente nega à Constituição qualquer força normativa- usando Carl Schmitt, um autor cujo decisionismo Hesse rejeitara explicitamente (HESSE, 1991, p. 13). Em seu voto, a única força normativa que lhe interessa reforçar e proteger é a “dos fatos”; mas não os fatos da realidade presente, que justificariam perfeitamente uma modulação dos efeitos da declaração de nulidade da lei, e sim aquela oriunda da “decisão política” que criou o Município, certamente inconstitucional, mas ainda assim “dentro do ordenamento”, por força da exceção decidida pelo próprio Tribunal. A Constituição positiva, para Eros Grau, somente vale somente possui a “força normativa” de que Hesse falava, portanto - se estiver em conformidade com uma etérea “ordem concreta”, cujas feições compete ao STF regular, usando a teoria da exceção.” (CINTRA, 2015, p.87). . A diferença se dá, não obstante, nestes casos, porque o tribunal havia sido devidamente provocado para se manifestar.

Neste interim, como a organização do tribunais permite uma pesquisa regionalizada por assim se estruturarem em relação ao sistema do direito (Luhmann, 2006LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate, Editorial Herder, S. de R.L. de C.V, 2006.; 1993LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.), vê-se que a questão global das Fake News obteve do Supremo Tribunal Federal brasileiro uma postura distinta no combate à incitação e divulgação deste estilo de materiais nos meios de comunicação.

Sem embargo, esta atitude comprova o início de uma acentuação evolutiva (sobretudo pela posição de ofício que tomou o tribunal na abertura dos procedimentos e no julgamento posterior da ADPF n. 572/DF) à ótica de tratamento destas, se assim pudermos chamar, na/da “jurisprudência da exceção”. O que quer dizer, principalmente e pragmaticamente, a decorrência conjunta de casos em que se observam decisões do ponto de vista denotativo, que foram alavancados pelo alto assujeitamento contingente da organização central do sistema do direito e sua autoconservação.

Assim, não obstante às diversas posições críticas, ao menos essa questão precisa ser enfrentada, de modo a explicitar e levantar a sugestão da hipótese de que, quanto mais se pode supor a exceção e sua captura, maior o grau de potência decisória e assujeitamento à invisilibização dos paradoxos, de modo que uma organização e sua posição (seja dentro de uma hierarquização ou não) é definida, antes de tudo, pela pressuposição de autonomização da e na excepcionalidade que a ela se engendra.

5 CONCLUSÃO

Em síntese, a partir da provocação da casuística das Fake News no cenário jurídico brasileiro, o que se objetivou com o referido artigo foi consignar e sugerir delineamentos em que a questão da exceção pudesse ser observada a partir de uma matriz pragmático-sistêmica. O percorrer sobre a interrogação das maneiras de observar a exceção, mostrou-se exposta longe de perspectivas que a colocam inteiramente em um campo crítico do poder, da política, de estado de exceção, emblemático, ou mesmo apologético19 19 O que traça uma certa distinção em relação às pesquisas baseadas e de, sobretudo, Giorgio Agamben e Carl Schmitt. Ver nesse sentido: AGAMBEN, 2005; 2020a; 2020b; SCHMITT, 2009. Ver também: ARENDT, 2013. , de maneira a destacar uma ótica que parte de uma visualização de seletividades operativas organizacionais pormenorizadas e em evolução, delimitação simbólica e intencionalidade diante de contextos altamente contingentes e de incertezas. Em outras palavras, a exceção pode também ser observada tendo em vista constituir um fenômeno ligado à diferenciação funcional sistêmica, dispersão múltipla e pressuposto organizacional decisório da sociedade contemporânea.

De fato, uma das questões que aqui se propôs a partir das releituras da teoria dos sistemas que se fez, é que a posição (central e periférica) e, sem embargo, a própria questão organizacional, pode ser também ressaltada pela pressuposição de captura da exceção que à esta se supõe, sobretudo, em sua inescapável situação decisória. É neste sentido que se sugeriu a observação de que a improbabilidade da comunicação é, em especial, enfrentada pela comunicação e operação evolutiva da exceção. Portanto, a delimitação e distinções que consignamos diante das já notórias recolocações na seara jurídica sobre o problema da excepcionalidade nos tribunais superiores, principalmente, no Brasil, mormente pelo caso do inquérito das fake News n. 4.781 (2019) e da ADPF 572/DF (2020), destacam na releitura que assentamos certa atualização de aportes investigativos que forneçam um material diferente para reespecificar a discussão sobre a função dos tribunais e sua relação com a exceção.

Como mostramos nos itens um e dois, ainda que autores como Luhmann não desenvolveram expressamente uma teoria da exceção, levando-se em conta uma releitura e aplicação da matriz pragmático-sistêmica, sugeriu-se possível ressaltar como para este estilo de entendimento é crucial observar a excepcionalidade central decisiva que, não obstante, colocou-se como constituinte da função decisória e posição dos tribunais no sistema do direito na contemporaneidade. Neste sentido, procuramos mostrar como essas questões se ilustram mais acuradamente a partir de uma observação sensível à dimensão concreta paradoxal e desparadoxal do direito, posto que se refere à questão dos limites. Desse modo que no terceiro item, em especial, permitimos redimensionar essa ótica para uma constatação de sua relação com o aspecto decisional e organizacional central do sistema do direito que, neste caso, mostrou-se ocupado pelos tribunais, sobretudo, pelo grau de pressuposição da exceção. Por consequência, feito essas considerações, retomamos a análise dos casos que ensejaram nossa problematização e delimitação investigativa. Tendo em vista uma situação concreta, destacou-se, neste aspecto, no inquérito das Fakes News (inquérito n. 4.781), assim como na ADPF n. 572/DF (2020) a verificação de uma carga evolutiva no aspecto da excepcionalidade (ali se decidiu, de maneira destacável, que poderia se decidir pela instauração autônomas dos inquéritos e de medidas coercitivas), o que desafia o uso casuístico da questão daquilo que chamamos de “jurisprudência de exceção” no tribunal, assim como à crítica jurídica-política atual. Por certo, isso traz uma altiva probabilidade de ilimitação, pesquisa e risco quando se considera a função judicial. A pressuposição da vivência da exceção que alimenta o aspecto decisional do direito realmente gera uma alta temeridade de irritações e evoluções de sentido.

Por outro lado, tendo por norte essa proposição de observação da exceção no direito a partir da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos e sua releitura pragmático-sistêmica, permite-se concluir, neste sentido, que a obrigatoriedade de decidir e a posição central que os tribunais ocupam no sistema do direito como organização pressupõe e se encontra relacionada sempre com essa lógica de articulação da paralisia frente à situações de alta contingência. De fato, sugere-se que o sistema jurídico trabalha, na indispensabilidade da autoconservação da jurisdição, implicando uma dimensão de exceção operacional como fórmula de contingência e decisória central dos tribunais (que, não obstante, cada vez mais se acentua mediante a sua postura de autonomia) frente às situações de ampla complexidade e incerteza.

Destarte, se estamos certos em nossas apreciações sobre a ótica de Luhmann, a exceção, por consequência, pode, até mesmo em um aspecto mais geral, ser observada suposta como algo evolutivo na diferenciação funcional da sociedade, assim como particularizada organizacionalmente e sistemicamente de maneira cada vez mais acentuada e dispersa em múltiplos contextos operacionais decisórios e, neste aspecto, ser analisada em dimensões que não se refiram inteiramente à questão política-poder (estado de exceção e afins), como parecem proceder a maioria das análises neste aspecto. (Luhmann, 2016, p. 445-450;1993, p. 333-337). Em verdade, destacando uma apreciação da pressuposição da exceção neste campo decisório, é mesmo como Luhmann parece ter intuído: “Que os tribunais se vejam na obrigatoriedade de decidir é ponto de partida para a construção do universo jurídico, para o pensamento jurídico e para a argumentação jurídica” (Luhmann, 2016, p. 423).

REFERÊNCIAS

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  • TEUBNER, Gunther. Tratando com paradoxos do direito: Derrida, Luhmann, Wiethölter. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; OLIVEIRA, Elton Somensi (org). Correntes contemporâneas do pensamento jurídico. Barueri: Manole, 2010. p. 173.
  • 1
    Este trabalho possui fomento do projeto de pesquisa “Teoria do Direito e Diferenciação Social na América Latina” (UNISINOS); do projeto: “Direito em Luis Alberto Warat: análise dos limites e possibilidades de uma epistemologia Jurídica da Alteridade no Brasil contemporâneo” (CNPq), assim como vinculado ao projeto “Crises multissetoriais e sistêmicas”, fomentado com recursos do Edital n. 32/2022 Capes/Cofecub.
  • 2
    No que compete à área do direito, sugestivos textos assim surgiram para contestar ou defender a atuação do Supremo Tribunal Federal frente à circunstância de pandemia do COVID-19. Neste aspecto: CHUEIRI; GODOY, 2020; FREITAS,2020.
  • 3
    Neste sentido: LORENZETTO; PEREIRA, 2020; DA COSTA, 2020; RODAS, 2022.
  • 4
    No brasil também há outras relevantes releituras e autores Luhmanninanos como, por exemplo, Marcelo Neves, Willis Santiago Guerra Filho, Rafael Lazzarotto Simioni, Roberto Dutra Filho etc.
  • 5
    A pragmática é utilizada em um sentido diferente daquele de Tercio Sampaio Ferraz Junior, que entende que a decidibilidade é a adequação da norma prevista à situação fática. Ver nesse sentido: FERRAZ JUNIOR, 2011FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011..
  • 6
    Neste sentido, destaca Luhmann que: “Com isso, não recaímos em uma máxima vazia de conteúdo da autoconservação. Autopoiese não é simplesmente uma nova palavra para existência ou vida. Antes de tudo a partir do fato de que se precisa considerar concomitantemente o tempo, vem a tona restrições precisas das condições de possibilidade. Um sistema não precisa apenas conservar a “si mesmo”, ele precisa conservar as suas essential variables (Ashby), e faz parte disso: a interdependência de dissolução e reprodução, a capacidade de auto-observação (capacidade de discriminação) e, além disso, tudo aquilo que possibilita um ritmo suficiente de uma autorreprodução sem pausa junto a elementos constantemente se desvanecendo; e, nessa função, então, estruturas suficientes, que asseguram as capacidades de articulação.” (LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboço de uma teoria geral. Tradução de Antonio C. Luz. Rio de Janeiro: Vozes, 2016, p. 28, em especial, p. 420).
  • 7
    De fato: “Talvez o construto mais influente, em todo o caso mais tradicional, da unidade do direito, tenha sido assimilado com a representação de uma hierarquia de fontes do direito ou de tipos de direito: direito eterno, direito natural, direito positivo. Esse construto pode amparar-se em um sistema social estratificado e, de modo equivalente, em uma arquitetura de mundo hierarquizada, pois ele postula a necessidade de uma ordenação hierarquizada de modo dogmático e obscurece assim a visão paradoxal da unidade de uma multiplicidade” (LUHMANN, 2016, p. 27)
  • 8
    Neste sentido diz Luhmann que: “Apenas nas últimas três décadas houve esforços que nitidamente transcenderam esse estado de coisas, sem se limitar por teorias dogmáticas ou pela “filosofia do direito”. Foram iniciativas que designaram suas aspirações como filosofia do direito (no singular). Com essa rubrica, busca-se associar aspirações lógicas e hermenêuticas, institucionais (pós-positivistas) e teoria dos sistemas, teóricos-argumentativas e retóricas (ou, pelo menos, contribuições com base em tais abordagens). Por ora, ainda não é possível discernir um perfil claro, mas, enquanto isso, a diferença entre teorias dogmáticas do direito e da teoria do direito pode ser aceita.” (LUHMANN, 2016, p. 15-26).
  • 9
    Neste sentido: “Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2023SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Regimento Interno. 2023. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf .Acesso em: 14 mar. 2023.
    https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legis...
    ).
  • 10
    Ver nesse sentido: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Portaria 69/2019. Brasília: da Presidência do STF, 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf Acesso em: 17 mar. 2023.
  • 11
    Conforme art. 10 do Código de Processo Penal Brasileiro o prazo de inquéritos é de 30 dias
  • 12
    Ver neste sentido: FRENTE AMPLA. Alexandre abre mais 6 inquéritos sobre atos terroristas de bolsonaristas no 8/1. Revista Consultor Jurídico, 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-23/alexandre-abre-inqueritos-atos-terroristas-81 Acesso em: 17 mar 2023.
  • 13
    Disse o Ministro em seu voto que: “Foi o que eu disse: não pode a vítima instaurar inquérito. Uma vez formalizado requerimento de instauração de inquérito, cumpre observar o sistema democrático da distribuição, sob pena de passarmos a ter, como disse, juízo de exceção, em contrariedade ao previsto no principal rol das garantias constitucionais da Carta de 1988 [...] Presidente, estamos diante de inquérito natimorto. Ante as achegas verificadas, depois de instaurado, diria mesmo de inquérito do fim do mundo, sem limites! Peço vênia à maioria acachapante, já formada, de oito votos, para dissentir. Faço-o acolhendo o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental, para fulminar o inquérito, porque o vício inicial contamina a tramitação. Não há como salvá-lo, em que pese óptica revelada posteriormente pela mesma Procuradoria-Geral da República, já então personificada por outro Procurador-Geral - o Dr. Augusto Aras. Devo ressaltar que, inicialmente, esse inquérito foi coberto pelo sigilo. Receio muito, Presidente, coisas misteriosas. Ressalto que somente se deu o acesso a possíveis investigados e envolvidos passados trinta dias, o mesmo ocorrendo quanto à audição da Procuradoria-Geral da República. É como voto, a partir, como costumo sempre dizer, da ciência e consciência possuídas.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020, p. 299- 302).
  • 14
    “O assunto foi revisitado quando realizado o julgamento do mérito das aludidas ADCs do STF19, o que poderia repercutir na liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso após confirmação da condenação em segundo grau (TRF 4, 2018c). Após votação acirrada de 6 ministros contra 5 realizada em 7 de novembro de 2019, a maioria decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do CPP, de forma a afastar a prisão antes do trânsito em julgado de decisão condenatória” (FROSI, 2022, p. 26; STF, 2020b).
  • 15
    Neste sentido: “Ressalta-se, por conseguinte, que o julgamento liminar da ADPF 347 (2015), além de declarar o sistema carcerário brasileiro cautelarmente inconstitucional de forma estrutural, isto é, uma verdadeira posição de/sobre a exceção, estabeleceu ainda condutas a serem cumpridas por juízes frente à situação do sistema carcerário, bem como determinou que a união liberasse o saldo acumulado do fundo penitenciário nacional, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos” (PINTO; SIMIONI, 2017).
  • 16
    “Esta foi umas das primeiras oportunidades em que o STF admitiu expressamente a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas como a saúde, quando visasse a sua concretização, a política pública estivesse prevista na Constituição Federal e houvesse, ao menos parcialmente, a omissão das instâncias governamentais” (FROSI, 2022, p. 17).
  • 17
    “A Corte Suprema passou a ser provocada a se pronunciar em temas polêmicos como o relativo à permissão de pesquisa em células tronco embrionárias (ADI nº 3.510, relatoria do Ministro Ayres Britto, julgamento em 29/5/2008) e à possibilidade de interrupção de gravidez em caso de fetos anencefálicos (ADPF nº 54, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11/04/2012)” (FROSI, 2022, p. 18).
  • 18
    “Nos votos do Ministro Eros Grau, essa incoerência fica evidente. Na ADI 2.240-7, o Ministro invoca Konrad Hesse para falar da força normativa da Constituição em um caso em que justamente nega à Constituição qualquer força normativa- usando Carl Schmitt, um autor cujo decisionismo Hesse rejeitara explicitamente (HESSE, 1991, p. 13). Em seu voto, a única força normativa que lhe interessa reforçar e proteger é a “dos fatos”; mas não os fatos da realidade presente, que justificariam perfeitamente uma modulação dos efeitos da declaração de nulidade da lei, e sim aquela oriunda da “decisão política” que criou o Município, certamente inconstitucional, mas ainda assim “dentro do ordenamento”, por força da exceção decidida pelo próprio Tribunal. A Constituição positiva, para Eros Grau, somente vale somente possui a “força normativa” de que Hesse falava, portanto - se estiver em conformidade com uma etérea “ordem concreta”, cujas feições compete ao STF regular, usando a teoria da exceção.” (CINTRA, 2015, p.87).
  • 19
    O que traça uma certa distinção em relação às pesquisas baseadas e de, sobretudo, Giorgio Agamben e Carl Schmitt. Ver nesse sentido: AGAMBEN, 2005; 2020a; 2020b; SCHMITT, 2009SCHMITT, Carl. Teología Política. Madrid: Editorial Trotta, S.A, 2009.. Ver também: ARENDT, 2013ARENDT, Hannah. The last interview and other conversations. Nova York: Melville House, 2013..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2023
  • Aceito
    31 Jul 2023
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