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Conflitos ambientais territoriais e produção cultural em comunidades tradicionais: Um olhar sobre as arquiteturas vernáculas

Resumos

O modo de construir é uma forma de produção cultural que expressa valores societários tangíveis e intangíveis. Para povos e comunidades tradicionais, os territórios são a base material fundamental para sua reprodução cultural. Sabemos, entretanto, que essas populações são historicamente vulnerabilizadas por conflitos ambientais territoriais que, muitas vezes, as expulsam de seus locais de pertencimento. O que acontece, então, quando esses sistemas culturais são submetidos a processos de disputa? É o que investigaremos neste artigo analisando conflitos em curso no norte de Minas Gerais a partir da arquitetura vernácula.

Palavras-chave:
comunidades tradicionais; produção cultural; arquitetura vernácula; conflito; Minas Gerais


The way of building is a form of cultural production that expresses tangible and intangible societal values. For traditional peoples and communities, territories are the fundamental material base for their cultural reproduction. We know, however, that these populations are historically made vulnerable by territorial environmental conflicts that, many times, expel them from their places of belonging. What happens, then, when these cultural systems are subjected to processes of dispute? This is what we will investigate in Territorial Environmental Conflicts and Cultural Production in Traditional Communities: A Look at Vernacular Architectures by analyzing ongoing conflicts in the north of the state of Minas Gerais, Brazil, from the vernacular architecture.

Keywords:
traditional communities; cultural production; vernacular architecture; conflict; Minas Gerais


Introdução

Se algo pode definir um grupo social, certamente é sua produção cultural. Nela, formas de organização social, hábitos, valores, modos de fazer e uma infinidade de variáveis caracterizam uma diversidade cultural que, ao mesmo tempo, qualifica os seres humanos como seres culturais e é qualificada por eles. Logo, para conhecer as sociedades humanas ou determinado grupo social, é imprescindível que se conheça, antes, a cultura que esses povos produzem e pela qual são produzidos. É por meio dela que a organização societária é revelada, pois expressa comportamentos e saberes característicos de uma coletividade, adquiridos “(...) através de um processo de aprendizagem, e transmitidas ao conjunto de seus membros” (LAPLANTINE, 2003LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 95). A cultura é, então, o conjunto social em contínua evolução.

Tantas particularidades só poderiam resultar em uma multiplicidade de formas culturais de existência. Em cada uma delas, encontram-se especificidades que tanto as diferenciam de outras culturas, como caracterizam-nas como únicas e irreplicáveis. Em consequência, são também numerosos os fatores que influenciam a composição de uma cultura. Aspectos históricos, ambientais, técnicos, econômicos, entre outros, podem ser considerados como condicionantes culturais, uma vez que influenciam diretamente os modos de ser, viver e fazer dos grupos sociais. As características econômicas de uma sociedade, por exemplo, podem muito bem delinear e estruturar dinâmicas ou formas de relacionamento entre os indivíduos que a compõem. As condições climáticas, da mesma maneira, podem influenciar os modos de vestir. E, ainda, as características físicas do ambiente podem estar diretamente relacionadas a um saber tradicional específico, como conhecer o local ideal para o plantio de cada cultura.

Partindo dessas considerações, neste estudo dedicaremos especial atenção ao caso das arquiteturas vernaculares, produtos culturais moldados por condicionantes que operam em um grupo cultural. Definidas como construções que empregam materiais, técnicas e conhecimentos particulares de um lugar/povo, elas são essencialmente territorializadas ou, em outras palavras, absolutamente vinculadas ao território e suas condicionantes locais. Dadas as suas particularidades, o campo disciplinar da arquitetura vernácula tem sido objeto de estudos sistemáticos desde a década de 1960, que compreendem essas construções não somente a partir de sua materialidade e tecnologia construtiva, mas - e talvez principalmente - das “interações entre as origens psicoculturais das formas do habitar humano e suas inter-relações” (REZENDE, 2021REZENDE, Marco Antônio Penido. Da arquitetura à tecnologia vernáculas. Texto produzido para a disciplina “Arquitetura Vernácula e Interdisciplinaridade”, ministrada no âmbito do PPG-ACPS/UFMG, Belo Horizonte, 2021., p. 1), entre as quais podem ser incluídas as relações territoriais.

Para compreender tais assertivas, entretanto, devemos ampliar a noção habitualmente vinculada ao termo território. Isso porque, especialmente a partir da crescente intersecção entre as ciências sociais e os demais campos do saber, o território deixou de ser interpretado como uma simples circunscrição administrativa e assumiu um caráter estreitamente vinculado aos fatores culturais. Como bem definiu Chivallon (1999CHIVALLON, Christine. Fin des territoires ou necessite d’une conceprualisation autre? Géographies et Cultures, n. 31, p. 127-138, 1999., p. 5), sob a ótica mais atual, território pode ser definido como “espaço bem circunscrito pelo limite entre exterior e interior, entre o Outro e o semelhante”. Não seria um equívoco, assim, afirmar que território e produção cultural - ou, no caso deste artigo, território e produção vernácula - são indissociáveis.

Torna-se clara nesse cenário a relevância da preservação dos territórios e de seus atributos como conjuntos culturais essenciais à produção e reprodução de culturas. Apesar da inquestionável importância, por numerosas razões essa proteção nem sempre é efetiva. Há quem defenda, por exemplo, que o gradual e ininterrupto processo globalizante seja um potencial agente massificador de culturas e, logo, homogeneizador de territórios. A globalização se estabelece, dessa perspectiva, como um primeiro desafio imposto à preservação territorial e cultural (FRÓIS, 2004FRÓIS, Katja Plotz. Globalização e cultura: A identidade no mundo de iguais. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, n. 62, p. 1-9, 2004.). Em contraponto, posição com a qual concordamos, surge um movimento contrário, coetâneo e proporcional que incita a “implementação da[s] cultura[s] ou criação de novas formas culturais” (XAVIER, 2020XAVIER, Celiane Souza. Paisagem da destruição: Autobiografia do desastre de Fundão no contexto de Mariana/MG. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) -Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020., p. 56), moldando reestruturações que reclamam a valorização dos territórios e dos respectivos sistemas culturais a que estão vinculados, estimulando, por consequência, sua preservação.

Contudo, é preciso reconhecer dificuldades adicionais quando se trata da continuidade das práticas e produções culturais. Como exemplo, podemos citar inserções territoriais impostas por agentes externos - geralmente hegemônicos - cuja ação quase sempre resulta na dissolução de relações/dinâmicas/práticas sociais “antigas e cristalizadas” (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004., p. 21). Essas situações frequentemente ocorrem em razão da introdução de agentes econômicos em territórios já consolidados, muitas vezes em prol do desenvolvimento local, regional e/ou nacional a partir de uma perspectiva etnocêntrica, tecnocrática e excludente.

O risco desse movimento é que ele provoque, proposital ou despretensiosamente, transformações sociais tão intensas que terminem por reconfigurar drasticamente o modelo cultural local e possam, desse modo, apagar importantes vestígios culturais da sociedade que habita o lugar. Considerando tais “processos homogeneizadores do desenvolvimento”, Gallois (2006GALLOIS, Dominique.Tilkin. O que é patrimônio cultural imaterial? In: GALLOIS, Dominique Tilkin. Patrimônio cultural imaterial e povos indígenas. São Paulo: Iepé, 2006. p. 8-27., p. 13) identifica que esse risco é especialmente evidente no caso de grupos sociais considerados menos desenvolvidos “na perspectiva dos que privilegiam o desenvolvimento tecnológico como padrão para a apreciação da qualidade de vida” (GALLOIS, 2006GALLOIS, Dominique.Tilkin. O que é patrimônio cultural imaterial? In: GALLOIS, Dominique Tilkin. Patrimônio cultural imaterial e povos indígenas. São Paulo: Iepé, 2006. p. 8-27., p. 13), podendo ser incluídos nesses grupos comunidades rurais e periféricas, inclusive as aqui notabilizadas comunidades tradicionais e indígenas.

Voltemos, então, ao caso da produção vernacular. Associada a outros fatores, a chegada de uma grande olaria em uma comunidade que tradicionalmente constrói utilizando técnicas como adobe ou taipa pode tanto provocar uma rápida substituição dos materiais e técnicas construtivas locais - a despeito das vantagens e desvantagens de cada modo de construir -, quanto fomentar uma intensiva revalorização das práticas locais diante da possibilidade de apagamento da tradição. De qualquer forma, em constante evolução, o modelo cultural não permanecerá inalterado diante da chegada desse novo agente econômico.

Observado esse fato, a motivação do presente estudo reside na pretensão de contribuir para a produção de conhecimento científico no que se refere a como os modos de construir podem ser alterados ou, em muitos casos, substituídos, quando da introdução de novos agentes em uma dinâmica socioterritorial preestabelecida. Aqui, direcionaremos nosso olhar para casos de comunidades tradicionais da região do norte de Minas Gerais que vivem ameaçadas pela ação de agentes hegemônicos em seu território. A escolha se deu pela intenção de evidenciar o acirramento corrente dos conflitos ali instaurados e, em especial, pela pertinência do estímulo aos debates a eles relativos.

É importante destacar ainda que, em razão da pandemia de Covid-19 durante o desenvolvimento desta pesquisa, o trabalho de campo foi inviabilizado. Desse modo, o percurso metodológico adotado partiu primordialmente da revisão bibliográfica de estudos já produzidos sobre os povos e comunidades analisados neste estudo. A partir deles, construiremos uma discussão teórica fundamentada em estudiosos(as) clássicos(as) e contemporâneos(as), dedicando especial atenção ao risco de apagamento da arquitetura vernacular como produção cultural dessas comunidades quando da chegada de novos grupos sociais em seu território. Antes disso, entretanto, é fundamental a ampliação da compreensão sobre o aspecto cultural inerente aos modos tradicionais de construir. Vejamos.

Arquitetura vernácula como produção cultural

Entre os tantos resultados do processo de produção cultural, a arquitetura pode ser interpretada como uma “atividade cultural tangível” (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Vinicius. A arquitetura é uma atividade cultural tangível: Arquitetura e cultura andam juntas, sem arquitetura a cultura é incompleta. Vinicius Ribeiro, Artigos, 5 dez. 2017. Disponível em: https://www.viniciusribeiro.com.br/artigo/a-arquitetura-e-uma-atividade-cultural-tangivel
https://www.viniciusribeiro.com.br/artig...
). Como tal, registra o legado de um povo por meio de valores visíveis. Na história brasileira, por exemplo, cidades históricas como Ouro Preto, em Minas Gerais, e Paraty, no Rio de Janeiro, contam, por meio de sua materialidade, a trajetória colonial de um país que importou estilos construtivos dos europeus que aqui se instalaram e os mesclou com técnicas construtivas dos povos africanos e populações indígenas escravizados.

Dessa perspectiva, vemos que os materiais que utilizamos, as técnicas e estilos construtivos que empregamos, a orientação das construções e, até mesmo, a forma como os espaços são dispostos nos edifícios dizem muito sobre nossa história e nossos hábitos culturais. Essa é a razão que explica por que as únicas entradas das construções do povo Xavante são voltadas para o centro da aldeia indígena1 1 Ver (on-line): https://mirim.org/pt-br/como-vivem/casas . Ou o porquê de ser comum nas construções dos distritos do município mineiro de Mariana a existência de duas cozinhas internas: uma mais acolhedora, onde se utiliza o fogão à lenha, e outra mais funcional, onde fica o fogão a gás. Assim como são também culturais as razões que imprimiram na arquitetura do período colonial a “educação regrada e de reclusão” (TOMÉ et al., 2012TOMÉ, Dyeinne Cristina; QUADROS, Raquel dos Santos; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A educação feminina durante o Brasil colonial. Anais da Semana de Pedagogia da UEM, Maringá, p. 1-12, 2012., p. 1) imposta às mulheres, expressa por meio da disposição de cômodos dentro de outros cômodos, sobretudo quartos dentro de outros quartos, permitindo um controle espacial sobre a rotina feminina em suas próprias habitações.

Do mesmo modo como produzimos coletivamente as nossas cidades [e edificações], também produzimos coletivamente a nós mesmos. Projetos que prefigurem a cidade que queremos são, portanto, projetos sobre [nossas] possibilidades humanas, sobre quem queremos vir a ser - ou, talvez de modo mais pertinente, em quem não queremos nos transformar (HARVEY, 2000HARVEY, David. Spaces of Hope. Berkeley, CA: UC Press, 2000., p. 159).

Por meio do espaço arquitetônico, torna-se possível experimentar a cultura de um povo. E cabe ressaltar que essa afirmação não trata apenas das construções tidas como “tradicionais ou vernáculas”, mas da produção arquitetônica como um todo ou, dizendo de outra forma, da cultura traduzida em modo de morar/construir. Por óbvio, as arquiteturas vernáculas expressam com maior nitidez os hábitos culturais de uma população. À sua maneira, comunicam “as relações entre os indivíduos e o ambiente na constituição do habitar” (REZENDE, 2021REZENDE, Marco Antônio Penido. Da arquitetura à tecnologia vernáculas. Texto produzido para a disciplina “Arquitetura Vernácula e Interdisciplinaridade”, ministrada no âmbito do PPG-ACPS/UFMG, Belo Horizonte, 2021., p. 1) e do ocupar. Mas o que caracteriza, de fato, uma arquitetura como vernácula?

A tradição é característica essencial, já que o modo de construir é marcado por “um conjunto de precedentes conhecidos e de uso consagrado, parcialmente repetidos, parcialmente modificados” (STROETER, 1986STROETER, João Rodolfo. Arquitetura e teorias. São Paulo: Nobel, 1986., p. 109) ao longo do tempo. Apesar disso, por si só, a tradição não é capaz de classificar uma arquitetura como vernacular (TEIXEIRA, 2017TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Arquitetura vernacular: Em busca de uma definição. Vitruvius, Arquitexto, ano 17, fev. 2017. Disponível em: https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/17.201/6431
https://vitruvius.com.br/index.php/revis...
). Nesse sistema equilibrado de produção cultural vernácula, também é indispensável que a arquitetura seja construída por seu próprio usuário ou outros membros daquele grupo social, compondo fortes traços de arquitetura autoconstruída ou, simplesmente, “arquitetura sem arquitetos” (TEIXEIRA, 2017TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Arquitetura vernacular: Em busca de uma definição. Vitruvius, Arquitexto, ano 17, fev. 2017. Disponível em: https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/17.201/6431
https://vitruvius.com.br/index.php/revis...
, p. 2).

Profundamente territorializada, a produção vernácula também expressa um valor cultural fundamental: o respeito às possibilidades oferecidas pelo ambiente por meio da utilização de materiais e técnicas locais. Assim, poderíamos definir como vernácula a arquitetura tradicionalmente autoconstruída que se utiliza de materiais disponíveis no ambiente local e técnicas construtivas particulares. Por tais características, essa arquitetura pode ter raízes culturais bem mais profundas que a não vernácula, essencialmente porque traz em seu âmago aspectos culturais tradicionais cuja perenização e inalterabilidade são desejáveis para sua perpetuação.

Essas características nos permitem compreender por que, em grande medida, a produção vernacular é amplamente identificada nos territórios habitados por povos e comunidades tradicionais, indígenas e não indígenas. Estas últimas, em geral, são caracterizadas como populações camponesas e “fruto de intensa miscigenação entre o branco colonizador, o português, a população indígena nativa e o (...) [escravizado] negro” (DIEGUES, 2008DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Nupaub/USP; Hucitec, 2008., p. 18), sendo denominadas, atualmente, como Povos e Comunidades Tradicionais. A definição do termo é dada pelo decreto federal no 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais:

grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto no 6.040 de 7 de fevereiro de 2007: Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília: Presidência da República, 2007., art. 3º).

Tais grupos são, muitas vezes, autodenominados a partir da sua relação com os espaços naturais em que estão inseridos, utilizando-se termos como geraizeiros(as), para grupos que ocupam os campos gerais dos cerrados, caatingueiros(as), para ocupantes da caatinga, veredeiros(as), vazanteiros(as), além de populações ribeirinhas e caiçaras, por exemplo. Para essas populações, o território é espaço essencial à sua reprodução social (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto no 6.040 de 7 de fevereiro de 2007: Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília: Presidência da República, 2007.) e, consequentemente, arquitetônico-cultural. De tal maneira, assim como as comunidades tradicionais e indígenas são populações profundamente territorializadas, sua produção cultural também o é. Do ponto de vista material, para ilustrar, Florit (2019FLORIT, Luciano Félix. Dos conflitos ambientais à ética socioambiental: Um olhar a partir dos povos e comunidades tradicionais. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, p. 261-283, 2019., p. 265) destaca alguns elementos analíticos relevantes sobre a definição proposta no decreto:

a referência explícita à dependência do uso direto da natureza para a realização das necessidades materiais e culturais desses povos, a qual acontece em territórios específicos ocupados tradicionalmente através de usos diversos, que seguem regras coletivas próprias, e que expressam uma continuidade transgeracional.

Desta forma, entende-se que as arquiteturas vernáculas, quando identificadas em comunidades tradicionais e indígenas, são parte expressiva da realização das necessidades materiais e culturais dessas populações, estando nelas registrados importantes traços de seus hábitos, tradições e orientações culturais. Muitas vezes, os materiais utilizados para sua produção são oriundos do extrativismo de baixo impacto e do manejo das espécies locais realizado por meio do profundo e ancestral conhecimento dessas.

Essas arquiteturas são, portanto, produção cultural sensível a toda e qualquer modificação que vier a ocorrer no território ao qual estão vinculadas. Ora, alterações provocadas por um desequilíbrio ambiental poderiam muito bem provocar demérito na notável qualidade climática das edificações construídas com terra ou, ainda, resultar na indisponibilidade do material tradicionalmente utilizado para construir. O mesmo pode ocorrer com as técnicas de construção indígenas, essencialmente caracterizadas pela estruturação em madeira por meio de sistemas de encaixe, diante do avanço desmedido do desmatamento sobre áreas de proteção e assim sucessivamente. Mas e diante de metamorfoses por vezes mais sutis e não necessariamente materiais, como se comportaria a cultura vernacular? É o que investigaremos nas seções a seguir.

Conflitos ambientais territoriais e produção cultural vernácula

Não é novidade que a introdução de atividades que se sobrepõem à territorialidade de grupos sociais preestabelecidos leva, muitas vezes, ao surgimento de conflitos que podem causar a fragilização e/ou desterritorialização de comunidades atingidas tanto em aspectos físico-materiais como em dimensões simbólico-culturais. Desse modo, fruto de “territorializações desterritorializadoras” (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.) caracterizadas pela “sobreposição de reivindicações de diversos grupos sociais, portadores de identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial” (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens. Conflitos ambientais. Textos analíticos do Mapa de Conflitos Ambientais. Gesta/UFMG, 2010. Disponível em: https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2014/04/ZHOURI__LASCHEFSKI_-_Conflitos_Ambientais.pdf
https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.b...
, p. 7), os conflitos aqui abordados são identificados por muitos(as) estudiosos(as) como conflitos ambientais territoriais. Nesses, para Florit (2019FLORIT, Luciano Félix. Dos conflitos ambientais à ética socioambiental: Um olhar a partir dos povos e comunidades tradicionais. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, p. 261-283, 2019., p. 265):

o que está em jogo é a sobreposição da territorialidade de grupos mais poderosos em territórios de grupos subalternizados, como no caso da remoção de atingidos sem que seja oferecida condições de reproduzir suas relações socioambientais.

É importante considerar que a condição de “subalternizados” trazida pelo autor não guarda relação com uma colocação social natural de determinados grupos societários. A territorialização instituída dos grupos mais poderosos condena à subalternização todo e qualquer grupo tido como inferior na lógica cultural daqueles que se impõem. No caso brasileiro, a ocorrência desses conflitos se dá, muitas vezes, em razão da introdução imperante de práticas econômicas hegemônicas em territórios já consolidados, como quando da implantação de vastas áreas de monocultura ou de complexos mineradores/agroindustriais em recortes territoriais já habitados.

Pela dita indispensabilidade dessas práticas ao desenvolvimento tecnológico e econômico, tais inserções quase sempre ocorrem com arbítrio tal que acabam por expulsar comunidades inteiras de seus locais de pertencimento ou, quando não, por fragilizar profundamente as relações socioculturais desses povos com seus territórios. Fato é que os territórios não permanecem neutros a essas introduções.

Para além das óbvias alterações físicas que podem ocorrer na paisagem material, com o passar do tempo essas práticas podem se inserir nos territórios de maneira tão profunda que, por sua onipresença, tornem-se naturalizadas, sendo “formadoras de expressões e relações culturais” (XAVIER e TEIXEIRA, 2019XAVIER, Celiane Souza. TEIXEIRA, Maria Cristina Villefort. Minas Gerais e os desafios para proteção de um patrimônio em campo minado. Anais do 3º Simpósio Científico do Icomos Brasil, Belo Horizonte, maio 2019., p. 7). Nesse sentido, ver gerações de uma mesma família vendendo sua força de trabalho para a grande empresa que ali se instalou pode se tornar comum. Um modo de fazer tradicional pode passar a ser visto, diante dessa inserção, como ultrapassado. Ou, até mesmo, importantes vestígios da história daquele povo/local podem ser simplesmente apagados por ação dessa nova territorialidade (MELLO e VOGEL, 2004MELLO, Marco Antônio da Silva.; VOGEL, Arno. Gente das areias: História, meio ambiente e sociedade no litoral brasileiro, Maricá-RJ - 1975 a 1995. Niterói: Eduff, 2004.).

Logo, se compreendermos as arquiteturas vernáculas como “causa e consequência de modos de produção do espaço e reprodução social caracterizados por uma alta interdependência ou mesmo pela total indissociabilidade entre espaço e sociedade, materialidade e imaterialidade e cultura e natureza” (TOFANI e BRUSADIN, 2019TOFANI, Frederico de Paula.; BRUSADIN, Leandro Benedini. A arquitetura vernácula enquanto patrimônio cultural: Contribuições para sua preservação e uso sustentável. Anais 2º Seminário Arquitetura Vernácula, Recife, p. 1-23, 2019., p.02), conflitos ambientais territoriais podem interferir diretamente na continuidade dessa produção cultural. Isso por colocarem em risco a manutenção do vínculo das comunidades atingidas com seus territórios e, assim, também as condições de reprodução das relações socioambientais das quais a arquitetura vernácula é causa e consequência.

Para vislumbrar as formas por meio das quais a ocorrência de conflitos ambientais territoriais pode causar danos à produção cultural vernacular, pelas condições metodológicas mencionadas na introdução deste texto, identificamos estudos de pesquisadores(as) que investigam esses conflitos em Minas Gerais2 2 Destacam-se estudos realizados no âmbito do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta); no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social (PPGDS) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes); e no âmbito do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). . Trata-se de trabalhos que contemplam estudos sobre os modos de viver de comunidades atingidas por grandes empreendimentos, centrados na indissociabilidade dessas formas de vida com o território. Apesar de abordar muitos aspectos dos modos de vida, a ótica de leitura aqui abordada procurou enfatizar os efeitos dos conflitos sobre a produção de arquiteturas vernáculas nessas comunidades.

Um primeiro estudo para o qual lançaremos olhares é aquele elaborado por Zhouri e Zucarelli (2008)ZHOURI, Andréa; ZUCARELLI, Marcos Cristiano. Vozes da Resistência: Mapeando os conflitos ambientais no estado de Minas Gerais. Anais do 32º Encontro Anual Anpocs, Caxambu, out. 2008.. Pertinentemente, os autores chamam atenção para a ocorrência contínua de conflitos ambientais territoriais em Minas Gerais, que tem sido palco de intensa exploração econômica desde o período colonial. Os autores identificam um esforço de “modernização recuperadora” da economia do estado a partir do século XX, empenho sustentado principalmente pelo complexo industrial minero-siderúrgico e metropolitano do Vale do Aço. Segundo indicam, além de áreas para exploração mineral, o projeto “demandou um grau extremo de apropriação de vastos territórios (...) para a monocultura do eucalipto que serviria de combustível aos altos-fornos, para a construção de estradas, hidrelétricas etc.” (ZHOURI e ZUCARELLI, 2008ZHOURI, Andréa; ZUCARELLI, Marcos Cristiano. Vozes da Resistência: Mapeando os conflitos ambientais no estado de Minas Gerais. Anais do 32º Encontro Anual Anpocs, Caxambu, out. 2008., p. 3).

Por sua vez, nas décadas de 1970 e 1980, o colapso do esforço desenvolvimentista resultou na intensificação da produção e da exportação de commodities, cujos efeitos eram expressos na mercantilização dos territórios. Tais processos conduziram à emergência de uma miríade de conflitos ambientais, nos quais se envolvem empresas mineradoras, siderúrgicas, produtoras de celulose, distribuidores de energia elétrica, empreiteiras, grandes agricultores, latifundiários, ONGs, camponeses, sociedades indígenas, pescadores, movimentos sociais urbanos etc. (ZHOURI e OLIVEIRA, 2010ZHOURI, Andréa; OLIVEIRA, Raquel. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (Orgs.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 439-462., p. 443).

No campo da ecologia política, autores como Lander (2017)LANDER, Edgardo. Neo-extractivismo y alternativas: Debates y conflictos en los países con gobiernos progresistas en Suramérica. In: ALIMONDA, Héctor et al. Ecología política latinoamericana: Pensamiento crítico, diferencia latinoamericana y rearticulación epistémica. Cidade do México: Clacso, 2017. p. 79-92. e Svampa (2013)SVAMPA, Maristella. “Consenso de los Commodities” y lenguajes de valoración en América Latina. Revista Nueva Sociedad, n. 244, p. 30-46, 2013. consideram que, a partir dos anos 2000, a proliferação desses conflitos foi ainda mais agravada na América Latina devido ao direcionamento econômico voltado para a reprimarização da economia visando à exportação. Esse movimento latino-americano foi identificado como o consenso das commodities (SVAMPA, 2013SVAMPA, Maristella. “Consenso de los Commodities” y lenguajes de valoración en América Latina. Revista Nueva Sociedad, n. 244, p. 30-46, 2013.) e se estabeleceu em vários países, inclusive no Brasil. A dependência dessas atividades - notadamente o agro-hidronegócio3 3 De acordo com a definição de Thomaz Júnior (2017, p. 2), o termo “agrohidronegócio” considera as atividades por meio das quais “o capital, quando busca terras planas, férteis, com logística favorável, também requer disponibilidade hídrica e expropria populações camponesas, tradicionais e originárias. Assim, (...) a água está no centro das disputas e conflitos territoriais (...) por exemplo, a soja, a cana-de-açúcar, o eucalipto, o milho, o monocultivo de frutas, a frigorificação de carnes.” e a mineração - implica a vasta demanda por terras e, em consequência, o avanço das fronteiras do espaço agrário e minerário brasileiro.

Em grande parte, as terras demandadas são também territórios de povos e comunidades tradicionais e indígenas, frequentemente consideradas terras devolutas. Em disputa, esses territórios tornam-se alvo do setor econômico, provocando uma reação de reivindicação territorial por parte das comunidades que os habitam. É o caso explícito do que ocorre atualmente com comunidades indígenas de diversas etnias no Brasil, como os(as) Yanomami mobilizados(as) contra o avanço do garimpo ilegal sobre seu território em Roraima - ver, por exemplo, Domenici (2021)DOMENICI, Thiago. “A 12 Km”: Indígenas Yanomami isolados nunca viram o garimpo tão próximo: Documentos e imagens inéditas obtidos pela Pública confirmam que os Moxihatëtëma da terra Yanomami estão em risco por contato forçado do garimpo ilegal. El País, Brasil, 18 set. 2021. Disponível (on-line) em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-18/a-12-km-indigenas-yanomami-isolados-nunca-viram-o-garimpo-tao-proximo.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09...
e o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado por pesquisadores do Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde (Neepes) da Escola Nacional da Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)4 4 Disponível (on-line) em: http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/rr-invasao-de-posseiros-e-garimpeiros-em-terra-yanomami/ .

Muitos processos de territorialização hoje em curso são processos de luta pelo significado e pela apropriação do meio ambiente (quilombolas, indígenas, vazanteiros, geraizeiros etc.) contra a apropriação global pelo capital, que transforma territórios sociais (LITTLE, 2018LITTLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia territorialidade. Anuário Antropológico, v. 28, n. 1, p. 251-290, 2018.) em espaços abstratos, ou seja, lugares em espaços que contêm recursos naturais para a exploração capitalista. Entretanto, os grupos sociais sujeitados à desterritorialização não são vítimas passivas e expressam outras formas de existência nos lugares. Reivindicam direito à memória e a sua reprodução social. (ZHOURI e OLIVEIRA, 2010ZHOURI, Andréa; OLIVEIRA, Raquel. Quando o lugar resiste ao espaço: colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens (Orgs.). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 439-462., p. 445, grifo no original).

Convém também destacar a controversa ocorrência de conflitos resultantes da criação de algumas unidades de conservação (UCs) de proteção integral que, em sua implantação, não incorporam a interação secular das comunidades tradicionais com seus territórios. Tais conflitos, inclusive, estão no cerne do desenvolvimento do próprio conceito de comunidades tradicionais, dada a necessidade de reconhecer a presença humana desses grupos em áreas protegidas diante de conflitos derivados de sua proteção (FLORIT, 2019FLORIT, Luciano Félix. Dos conflitos ambientais à ética socioambiental: Um olhar a partir dos povos e comunidades tradicionais. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 52, p. 261-283, 2019.). Nesse contexto, as UCs são frequentemente implantadas justamente em áreas “ecologicamente bem conservadas pelo modo de vida dessas culturas e de nenhum modo eram ‘desabitadas’” (DIEGUES, 2008DIEGUES, Antônio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Nupaub/USP; Hucitec, 2008., p. 19). Além disso, a implantação dessas unidades é, por vezes, resultante da execução de medidas compensatórias oriundas da implantação de atividades econômicas predatórias. Por conseguinte, povos e comunidades tradicionais e indígenas ficam “encurralados”, de um lado, pela expansão dessas atividades exploratórias e, de outro, pela implantação desregulada de UCs que, a depender de suas diretrizes, podem inviabilizar a continuidade de suas práticas tradicionais.

Por um ou outro motivo, conflitos ambientais territoriais preenchem o território brasileiro e, em especial, o mineiro. A Figura 1 a seguir representa o mapeamento dos conflitos identificados em Minas Gerais pela pesquisa do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Figura 1
Mapeamentos dos conflitos ambientais territoriais no território de Minas Gerais

O estudo do Gesta/UFMG comprova a constatação de Zhouri e Zucarelli (2008)ZHOURI, Andréa; ZUCARELLI, Marcos Cristiano. Vozes da Resistência: Mapeando os conflitos ambientais no estado de Minas Gerais. Anais do 32º Encontro Anual Anpocs, Caxambu, out. 2008.: o estado mineiro tem uma grande variedade de conflitos ambientais territoriais em seu território. Nos dedicaremos a analisar casos específicos no norte de Minas Gerais, principalmente pela contemporaneidade de alguns dos conflitos ali instaurados. Para tanto, os estudos utilizados como referência se debruçaram sobre conflitos derivados de atividades como: o plantio de monoculturas de eucalipto, que teve forte impacto nas comunidades geraizeiras (NOGUEIRA, 2009NOGUEIRA, Mônica Celeida Rabelo. Gerais a dentro e a fora: Identidade e territorialidade entre Geraizeiros do Norte de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009.); a criação de polos agroindustriais de fruticultura irrigada, que atingiram diretamente as dinâmicas das comunidades quilombolas e vazanteiras na região da bacia do Rio Verde Grande (SILVEIRA, 2014SILVEIRA, Dayana Martins. Comunidades tradicionais do Norte de Minas: Estratégias de luta e acesso a direitos territoriais. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2014.; BRITO, 2013BRITO, Isabel Cristina Barbosa de. Ecologismo dos Gerais: Conflitos socioambientais e comunidades tradicionais no Norte de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.); a criação de UCs que atingiram comunidades vazanteiras (ANAYA, 2012ANAYA, Felisa. De “encurralados pelos parques” a “vazanteiros em movimento”: As reivindicações territoriais das comunidades vazanteiras de Pau Preto, Pau de Légua e Quilombo da Lapinha no campo ambiental. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012.); a consequência da mineração de ouro no município de Riacho dos Machados (LIMA e PRATES, 2014); e os grandes projetos para a implantação de mineração de ferro nas microrregiões de Salinas e Grão Mogol, entre outros.

Nessa região é também identificada a mobilização política e social de grupos tradicionais pela reivindicação de seus territórios e modos de viver. Tal característica é evidenciada pela formação do movimento social denominado Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais (AR), constituída formalmente em 20116 6 Segundo Dayrell (2019), o movimento social originou-se em meados da década de 2000, a partir da articulação de lideranças regionais que formaram uma comissão regional para a participação em encontros nacionais que resultaram na construção da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (decreto no 6.040/2007). Apesar de a AR ter se constituído formalmente em 2011, o processo de mobilização das comunidades é histórico e vem contando com o apoio de “redes sociotécnicas” formadas pela interação dos grupos tradicionais com pesquisadores, pastorais, ONGs, setores da academia, assessoria jurídica, entre outros (DAYRELL, 2019). Entre esses, destaca-se a atuação do CAA-NM. , e da qual participam hoje os indígenas Xakriabá, Tuxá, comunidades quilombolas sanfranciscanas, comunidades de geraizeiros(as), vazanteiros(as), veredeiros(as), catingueiros(as) e apanhadores(as) de flores (DAYRELL, 2019DAYRELL, Carlos Alberto. De Nativos e de caboclos: Reconfiguração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2019.). Parte desse grupo organizado, a comunidade geraizeira do Sobrado7 7 A comunidade de Sobrado, como parte de suas reivindicações após a chegada do eucalipto, se destacou por conquistar a promulgação de uma lei municipal que a reconhece como comunidade tradicional geraizeira (lei municipal no 1.629/2015). Segundo Cordeiro (2015 apudDAYRELL, 2019, p. 135), “[e]ssa é a primeira Lei Municipal do país a tratar do tema, abrindo precedentes para outras iniciativas similares. Embora a Lei não tenha assegurado a demarcação da área reivindicada, a mesma valida o autorreconhecimento da comunidade de Sobrado e prevê compromissos do Poder Público Municipal para avançar na demarcação do território.” se localiza na cidade de Rio Pardo de Minas (Figura 2) e foi uma das muitas comunidades impactadas pelas plantações de eucalipto a partir da década de 1970 (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Moisés Dias de. Autodefinição identitária e territorial entre os geraizeiros do norte de Minas Gerais: O caso da comunidade sobrado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017.).

Figura 2
Localização da comunidade geraizeira do Sobrado

Dentre as implicações causadas pela implantação de vastas áreas de plantio de eucalipto estão aquelas associadas ao comprometimento da produção cultural das comunidades que habitam o lugar. Além de a região ser contraditoriamente classificada como prioritária para conservação da biodiversidade (BRASIL DE FATO, 2020BRASIL DE FATO. BdF lança série de reportagens “Grande Sertão Ameaçado”. Brasil de Fato, YouTube, 9 dez. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hrD7ttpbi8c
https://www.youtube.com/watch?v=hrD7ttpb...
), depoimentos de geraizeiros(as) enfatizam impactos nos modos de construir tradicionais devido ao intenso desmatamento de matas nativas, de onde extraíam a matéria-prima para as moradias, benfeitorias e edificações acessórias. Os danos dessa ordem, segundo essas pessoas, não apenas alteram a tradição, mas levam a um processo de perda de autonomia nas construções por razões como a diminuição da disponibilidade hídrica, a depender do plano de manejo da monocultura.

O acesso qualificado a recursos hídricos, aliás, é condição imprescindível para a garantia do direito à moradia, conforme definem os parâmetros definidos pela Relatoria Especial da ONU para moradia adequada (ONU, 26/12/2019ONU. Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Directrices para la Aplicación del Derecho a una Vivienda Adecuada: Informe de la Relatora Especial sobre una vivienda adecuada como elemento integrante del derecho a un nivel de vida adecuado y sobre el derecho de no discriminación a este respecto. ONU, Documents, Informes Temáticos, 26 dez. 2019. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G19/353/93/PDF/G1935393.pdf
https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDO...
). Desse modo, a indisponibilidade hídrica caracteriza mais uma forma de violar e/ou inviabilizar o processo de reprodução cultural das comunidades geraizeiras por meio dos modos de construir, como indica o relato a seguir, de Joelice (PEREIRA et al., 2016PEREIRA, Lia Soares; AGUIAR, Pablo Andres Penteado; MELLO, Ana Cecília Romano de; DAYRELL, Luana Santos; SOLDATI, Gustavo Taboata; TEIXEIRA, Reinaldo Duque Brasil Landulfo; SCHAEFER, Carlos Ernesto; COELHO, France Maria Gontijo. Cartilha 4: Geraizeiros do Sobrado: Sua história, saberes e práticas com plantas alimentares. Viçosa, MG: UFV; MEC/Sesu, 2016. (Coleção Norte de Minas), p. 14):

Há 60 anos atrás as propriedades tinha muito nativo, árvores de grande porte. Aí eles desmatavam 20% da propriedade e fazia pastos, quintais, chácaras e o resto ficava pros filhos. A madeira de grande porte ficava com os filhos pra construir as suas casas. Os filhos foi crescendo, e precisava da madeira, foi desmatando. Foi desmatando a mata de reserva, que eles falava mata de reserva que eles deixava, árvores de grande porte de 7 até 10 metros. Nós já encontramos na região, em casa de enchimento, produzida pelos filhos dos antepassados, que destruíram como o pau do ói, a braúna, o pau de ferro, que eles achava, o pau brasil que foi encontrado em muitas casas de enchimento. Isso foi reconhecido. Aí o pessoal, os mais novato de 30 anos atrás, chegaram e... não, isso é bestage, não existe isso. Vai vir novas técnicas pra construir as casas futuramente. Pegaram, derrubaram as mata de reserva que os antepassados deixaram e substituíram pelo eucalipto. Aí foi a grande preocupação da comunidade, porque os eucalipto, eles não observavam, que qualquer lugar que eles iam. Eles faziam pasto e eucalipto. Foi quando os eucaliptos fluíram nas nascentes da água, né? Quando eles deixaram o grande porte, como cê viu, na casa de tio Manel tem até hoje, aquele pedacinho lá, (...) havia doze nascentes de água na comunidade do Sobrado. Aí a comunidade era toda cortada por cachoeira e grandes nascentes de água, muitos rios de água. Hoje você pode encontrar duas, dois corgos corta a comunidade, e três nascentes.

Além das questões relativas ao acesso qualificado à água, o depoimento também demonstra que, mesmo que a construção das moradias geraizeiras já demandasse certo nível de desmatamento, ele era de baixo impacto, o que o diferencia do desmatamento promovido para implantação da monocultura, já que a velocidade e a escala de destruição das chamadas “matas de reserva” foram intensificadas. Sem o estoque da matéria-prima tradicionalmente utilizada, o processo construtivo se torna cada vez mais vulnerável à substituição por novas formas de construir.

A propósito, os impactos da implantação e operação do empreendimento agrário também afetam as técnicas construtivas locais. Oliveira (2017)OLIVEIRA, Moisés Dias de. Autodefinição identitária e territorial entre os geraizeiros do norte de Minas Gerais: O caso da comunidade sobrado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017., morador da Comunidade do Sobrado e mestre em sustentabilidade junto a povos e terras tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB), em sua pesquisa, comenta a descrição que geraizeiros(as) fazem sobre a arquitetura tradicional na região:

São casas de enchimento feitas a partir de mutirões, iniciados na coleta de madeiras específicas para a construção, além da coleta de capim agreste ou pindoba de coco catulé até a preparação do barro, amassado com os pés. Ademais, o mutirão também enche as paredes, lasca e amarra as pindobas (...) todos estes recursos eram coletados em áreas de uso comum na própria comunidade. (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Moisés Dias de. Autodefinição identitária e territorial entre os geraizeiros do norte de Minas Gerais: O caso da comunidade sobrado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017., p. 47).

Não obstante, na Figura 3 a seguir podemos observar a substituição das paredes de barro estruturadas em pindoba de coco pelo tijolo cerâmico. Contudo, apesar da crescente utilização de novas técnicas e materiais para a construção das casas na comunidade em detrimento de técnicas e materiais tradicionais, Oliveira (2017)OLIVEIRA, Moisés Dias de. Autodefinição identitária e territorial entre os geraizeiros do norte de Minas Gerais: O caso da comunidade sobrado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017. identifica que a tradição da autoconstrução por meio de mutirões se mantém e se constitui, ainda hoje, como característica marcante no modo de construir local.

Figura 3
Mutirão para cobertura de casa na comunidade geraizeira de Sobrado, Rio Pardo de Minas

Importante traço na tradição construtiva das comunidades geraizeiras, a autoconstrução é uma ferramenta de mobilização social que guarda relações não somente com a materialidade das construções, mas - talvez principalmente - com sua imaterialidade. Se, de um lado, construir o próprio espaço de morada permite maior autonomia sobre questões culturais como o dimensionamento e a disposição dos cômodos, de outro, os tradicionais mutirões refletem a relevância do trabalho coletivo auto-organizado para essas populações.

Apesar dessa forma de resistência, as comunidades da região permanecem submetidas à pressão do capital sobre seus territórios. Além de terem sido atingidas pela implantação de monoculturas de eucalipto a partir das décadas de 1970 e 1980, atualmente algumas comunidades são também foco de novos conflitos derivados do licenciamento de grandes projetos de mineração. É o caso, por exemplo, da Comunidade do Lamarão (Figura 4), localizada no Vale das Cancelas, no município de Padre Carvalho, microrregião de Grão Mogol.

Figura 4
Localização da Comunidade do Lamarão

De maneira semelhante ao ocorrido na comunidade de Sobrado, o depoimento de Valdete, moradora da Comunidade do Lamarão, concedido em 2017, também denuncia o dano causado pelas plantações de eucalipto nos seus modos de construir:

Agora a plantação de eucalipto nos prejudicou demais. Sabe por que prejudicou? Prejudicou porque todo mundo aqui criava na chapada; todo mundo tirava um pau para fazer uma casa e eles acabou com tudo, eles desmatou tudo. Hoje em dia se nós tiver o dinheiro para nós ir fora para comprar madeira para pôr na casa é bom, se for de eucalipto nós não pode tirar porque é deles (...) (BORGES, 2018BORGES, Júlio César Território Geraizeiro de Vale das Cancelas: direitos humanos e segurança alimentar no norte de Minas Gerais. Anais da 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, Brasília, 2018., p. 16).

Além disso, a região do Vale das Cancelas faz parte de uma área de grande interesse para a mineração. Ela compreende, principalmente, as microrregiões de Grão Mogol e Salinas, marcadas pela presença de jazidas de minério de ferro. Tais ocorrências são conhecidas desde os anos 1970 (FONSECA, 2014FONSECA, G.L. Mineração no Norte de Minas: Gerais e Geraizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo na Microrregião de Grão Mogol - MG. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2014.), mas tiveram uma exploração mais tardia porque, se comparadas às jazidas anteriormente exploradas, as atuais têm baixa concentração de minério - teor aproximado de 20% de ferro. Contudo, ao contrário do que se possa imaginar, isso não desestimulou a exploração mineral na região, uma vez que a alta demanda internacional e a escalada no preço do minério no início do segundo milênio conjecturaram, da perspectiva dos empreendedores, um cenário ideal para a ampliação das fronteiras minerárias (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Gabriel Costa. Lutar com os pés no chão para continuar caminhando: Uma ecologia política da megamineração de ferro no distrito do vale das cancelas (Grão Mogol/MG). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território) - Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, 2018.).

Nesse contexto, o Norte de Minas passou a ser identificado como uma nova fronteira mineral, atraindo investimentos de grandes corporações mineradoras9 9 Segundo Borges (2018, p. 4), “[t]rês grandes empresas têm interesses de exploração: Vale S/A, Mineração Minas Bahia (MIBA), do grupo cazaquistanês Eurasian Natural Resources Corporation, e Sul Americana de Metais S/A (SAM), controlada pela Votorantim Novos Negócios em parceria com a chinesa Honbridge Holdings Limited”. que assinaram, em 2011, contratos de intenções para a exploração mineral com o Governo do Estado de Minas Gerais (FONSECA, 2014FONSECA, G.L. Mineração no Norte de Minas: Gerais e Geraizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo na Microrregião de Grão Mogol - MG. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2014.). Entre as empresas que abriram processos de licitação, abordaremos aqui o conflito resultante do projeto inicialmente denominado Projeto Salinas/Projeto Vale do Rio Pardo, proposto pela Sul Americana de Metais S.A. (SAM), que atinge diretamente a Comunidade do Lamarão.

Além dos componentes básicos de uma planta mineradora - como a cava, as barragens para contenção de rejeitos/água e a usina de beneficiamento do minério extraído -, o projeto também pretende implantar um mineroduto ou rejeitoduto de 482km, estrutura estimada como o segundo maior mineroduto do mundo. Conforme a proposta, a tubulação passará por 21 municípios (nove mineiros e 12 baianos), viabilizando o transporte de minério/rejeito até um porto em Ilhéus, na Bahia, de onde seguiria para exportação para países importadores de matéria-prima brasileira, como a China (DOTTA, 2020DOTTA, Rafaella. Justiça Federal suspende licenciamento de mineradora no Norte de MG e Bahia: Empresa SAM tenta terceirizar a construção do segundo maior mineroduto do mundo. Brasil de Fato, Vitória, 16 jan. 2020. Disponível em: https://www.brasildefatomg.com.br/2020/01/16/justica-federal-suspende-licenciamento-de-mineradora-no-norte-de-mg-e-bahia
https://www.brasildefatomg.com.br/2020/0...
).

Após ser vetado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2016, em razão do dano que sua implantação trará ao meio ambiente e às comunidades atingidas nos dois estados brasileiros, o projeto passou por tentativas de fragmentação do licenciamento10 10 Sobre a fragmentação de processos de licenciamento, ver Ribeiro (2018). com vistas ao favorecimento do processo.

A fragmentação do licenciamento de grandes empreendimentos é prática frequente, que assume um sentido bastante simples e claro: diminuir as exigências jurídico-administrativas relativas à avaliação dos impactos e à formação do juízo de viabilidade ambiental do empreendimento; subsumir ou ocultar efeitos conjuntos, conexos ou transfronteiriços (SANTOS, 2014SANTOS, Ana Flávia Moreira. Não se pode proibir comprar e vender terra: Terras de ocupação tradicional em contexto de grandes empreendimentos. In: ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma (orgs). Formas de matar, de morrer e de resistir: Limites da resolução negociada de conflitos ambientais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014., p. 146).

Nesse caso, a fragmentação do empreendimento resultou em dois projetos “distintos”. O primeiro deles, denominado Bloco 8 - correspondente à implantação do complexo minerário -, alcançou recentemente uma importante aprovação junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre o Plano Integrado de Aproveitamento Econômico, passo fundamental para obtenção das licenças prévia e de instalação do empreendimento. O segundo projeto, derivado do processo de fracionamento do projeto Salinas/Vale do Rio Pardo, é o chamado Lotus 1, correspondente à implantação do mineroduto/rejeitoduto. Entre as informações mais atuais sobre essa fração do projeto inicial, está a publicação do edital de abertura de prazo para a solicitação de audiência pública sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) relativos ao empreendimento (SAM/BRANDT, 2022SAM/BRANDT. EIA/RIMA Projeto Lotus 1 Mineroduto Grão Mogol - Ilhéus. Belo Horizonte. 2022. Disponível em: https://www.lotuslogistica.com.br/eia-rima/
https://www.lotuslogistica.com.br/eia-ri...
). Segundo o chamamento público publicado em 9 de junho de 2022 (DOU, 2022DOU. Diário Oficial da União. Publicado no D.O.U. de 9 de junho de 2022. Disponível em: http://jornal.iof.mg.gov.br/xmlui/handle/123456789/267246
http://jornal.iof.mg.gov.br/xmlui/handle...
), o prazo para o requerimento é de 45 dias a contar da data de publicação, o que demonstra que os empreendedores seguem buscando o licenciamento ambiental por meio do processo no02271/2022BRASIL. Publicação no 08 1646562 - 1: Torna público que o Empreendimento Lotus Brasil Comércio e Logística LTDA / Projeto Lotus 1 solicitou licenciamento ambiental através do processo nº 02271/2022. Brasília: Diário Oficial da União, 9 jun. 2022. protocolado junto à Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram) como projeto prioritário.

Apesar dos esforços movidos na direção ao licenciamento do empreendimento, um fato importante é que o baixo teor de minério identificado pelos estudos significa, na prática, que a maior parte do material extraído será rejeitado pelo processo de beneficiamento, demandando uma grande área para sua deposição final, seja ela onde for.

Portanto, 80% do produto a ser extraído é classificado como material estéril, ou seja, sem valor comercial. Para armazenar esse volume de rejeito serão necessárias duas barragens, ocupando, juntas, uma área de 2.596 hectares: a maior barragem de rejeitos do Brasil, tendo 104 vezes o tamanho da área da Barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, e 99 vezes mais em termos de volume de rejeitos (OLIVEIRA e NICOLAV, 2020OLIVEIRA, Caroline; NICOLAV, Vanessa. Grande Sertão Ameaçado: os geraizeiros diante do megaprojeto de mineração chinês: A população tradicional geraizeira, do norte de Minas Gerais, está na luta pela preservação local desde a década de 1970. Brasil de Fato, Direitos Humanos, 9 dez. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/12/09/grande-sertao-ameacado-os-geraizeiros-diante-do-megaprojeto-de-mineracao-chines
https://www.brasildefato.com.br/2020/12/...
, p. 1).

Segundo a ficha técnica do Observatório dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais do Gesta/UFMG11 11 Disponível (on-line) em: https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=552 , os moradores da Comunidade do Lamarão afirmam que os rumores de que a mineração seria implantada na região são antigos. Apesar disso, a presença efetiva das empresas mineradoras só se deu a partir de 2006, tendo inicialmente boa aceitação dos moradores. O descontentamento com a condução das ações das empresas começou em 2010, quando a comunidade passou a denunciar abordagens consideradas inadequadas, desrespeitosas e invasivas, como a medição desautorizada de propriedades, o recolhimento de assinaturas sem os devidos esclarecimentos sobre sua finalidade e afirmações impositivas de que o empreendimento seria consolidado independentemente da concordância da comunidade. Diante dessas ações, as famílias passaram a se sentir inseguras e receosas de perder suas terras, o que as levou a desacreditar nas promessas de desenvolvimento disseminadas quando da chegada dos grupos mineradores12 12 Informações fornecidas pelo Gesta/UFMG na ficha técnica Resistência e luta contra a instalação de projetos de mineração de ferro nas microrregiões de Grão Mogol e Salinas, publicada em 18 de janeiro de 2022. Disponível (on-line) em: https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=552 .

No conflito, um dos principais dissensos está relacionado ao direito ao território. Como o processo de regularização fundiária dessa comunidade ainda não foi consolidado, ela se encontra vulnerável à desterritorialização, já que o projeto minerador prevê a implantação de barragens justamente onde se localiza a comunidade. Para além da ameaça de desvinculação física e cultural com seus territórios, a comunidade também vem enfrentando outros riscos, como os aqui sublinhados danos ao modo tradicional de construir.

Ao estudar a situação de geraizeiros(as) ameaçados pelo projeto, Fonseca (2014)FONSECA, G.L. Mineração no Norte de Minas: Gerais e Geraizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo na Microrregião de Grão Mogol - MG. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2014. identificou e registrou (ver figuras 5 e 6) características do processo construtivo no território:

Nas construções em adobe, ainda muito comuns nas comunidades, e no madeiramento do telhado, os materiais vêm da apropriação de matéria-prima encontrada no meio ambiente local. O conhecimento do seu ambiente, apreendido e transmitido de geração a geração, permite a classificação das potencialidades dos recursos da natureza à sua disposição. Nas técnicas de construção, esse conhecimento oferece a capacidade de seleção dos materiais mais adequados: a utilização da terra “colenta”, retirada nos “barreiros”, mais adequada para a fabricação do adobe feito pelos próprios moradores; e a seleção do “Pau Rego” para o madeiramento (ripas, travas e caibros) e “pau margoso, que não caruncha”, madeira boa que “cupim não vai nela”. Esse conhecimento na seleção da matéria-prima mais adequada para as construções é um elemento que demonstra o alto grau de inter-relacionamento ecológico do grupo (FONSECA, 2014FONSECA, G.L. Mineração no Norte de Minas: Gerais e Geraizeiros ameaçados em função do Projeto Vale do Rio Pardo na Microrregião de Grão Mogol - MG. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2014., pp. 77-78, grifo nosso).

Figura 5
Casa geraizeira construída em adobe, com telha de barro e pé direito baixo

Figura 6
Casa geraizeira construída em adobe com telhado de amianto e pé direito baixo

Na comunidade do Lamarão, assim como na de Sobrado, o emprego de técnicas vernáculas na construção das arquiteturas é característico (figuras 7, 8, 9 e 10). Autoconstruídas, as edificações revelam aspectos culturais do modo de morar/construir que reforçam a vinculação das pessoas com o território, como o emprego de matéria-prima local na construção ou a frequente presença de edificações acessórias (como galinheiros) e cultivos no entorno das edificações.

Entretanto, conforme registrado pela série de reportagens Grande Sertão Ameaçado (BRASIL DE FATO, 2020BRASIL DE FATO. BdF lança série de reportagens “Grande Sertão Ameaçado”. Brasil de Fato, YouTube, 9 dez. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hrD7ttpbi8c
https://www.youtube.com/watch?v=hrD7ttpb...
), realizada pelo site de notícias e radio agência Brasil de Fato, a continuidade de tais práticas culturais se vê ameaçada pela presença dos grandes empreendimentos agrários e de mineração. É o que torna evidente o relato de Dona Adelina (cuja casa está representada nas figuras 7 e 8), que relata preocupação e insegurança quanto ao direito de permanecer em seu território.

Eu tenho 81 anos. Nasci e me criei no meu lugar. Criei meus filhos, casei. E está mais eu, e estou com Deus em minha casa. E não penso em sair de canto nenhum de minha casa. Não tenho outro lugar. Eu tenho meu lugar aqui que Deus me deu. (...) E eu tô bem. Eu não tô bem só com o minério. Meu coração não dá para receber eles aberto. Eu estou vendo que ele está me botando porta afora da minha casa. E, para mim, se eu pudesse não assuntar, eu não assuntava. Porque pra mim isso é destruição.” (MORAIS, Adelina Xavier de: Entrevista s/n [s/d] inOLIVEIRA, NICOLAV, 2020OLIVEIRA, Caroline; NICOLAV, Vanessa. Grande Sertão Ameaçado: os geraizeiros diante do megaprojeto de mineração chinês: A população tradicional geraizeira, do norte de Minas Gerais, está na luta pela preservação local desde a década de 1970. Brasil de Fato, Direitos Humanos, 9 dez. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/12/09/grande-sertao-ameacado-os-geraizeiros-diante-do-megaprojeto-de-mineracao-chines
https://www.brasildefato.com.br/2020/12/...
).

Figura 7
Terreno de Dona Adelina

Figura 8
Dona Adelina em sua casa

Figura 9
Geraizeiro da região do Vale das Cancelas apoiado em parede com revestimento em terra

Figura 10
Valdir Gouveia, de 58 anos de idade, ao lado de construções geraizeiras

Seja em razão da mineração ou do cultivo de monoculturas de eucalipto, moradores(as) das comunidades geraizeiras também temem os danos ao meio ambiente, já que estes, de forma mais ou menos direta, certamente impactarão seu modo de vida e, consequentemente, seu modo de construir. Entre eles, desde o risco de contaminação da água subterrânea/solo ou de poluição das águas superficiais - essenciais ao desenvolvimento da agricultura familiar - em razão do manejo mineral e do uso de agrotóxicos da monocultura, os relatos de geraizeiros(as) também revelam insegurança sobre a liberação de poeiras e ruídos em suas comunidades.

Cabe acrescentar, ainda, que a chegada de atividades desse porte resulta no aumento acentuado do fluxo de maquinário e caminhões no entorno do empreendimento. Como já ocorre em outras regiões atingidas pela mineração em Minas Gerais, como no município de Barra Longa ou nas comunidades do município Esmeraldas situadas à calha do Paraopeba13 13 Municípios onde a autora Celiane Souza Xavier tem experiência profissional como assessora técnica junto às comunidades atingidas e, portanto, conhecimento dos casos empíricos. , tais situações podem ser danosas às edificações já existentes - causando, por exemplo, danos estruturais em razão do aumento do fluxo de veículos pesados - ou, até mesmo, influenciar a “escolha” dos locais para implantação de novas construções - decisão que pode passar a ser guiada em função da distância do empreendimento, e não mais pelas lógicas culturais e saberes tradicionais até então operantes.

Como se vê, os impactos dessas práticas no território Geraizeiro são multiescalares, situação que se repete em diversas outras regiões do estado e do país instaurando conflitos de variadas naturezas. Seja na implantação de projetos hidrelétricos, na construção de obras viárias ou de infraestrutura urbana, na instalação de complexos esportivos ou, como nos casos aqui tratados, na implantação de projetos minerários ou grandes áreas projetos agrícolas, em um modelo de economia que privilegia o capital em detrimento da vida, o avanço de atividades econômicas hegemônicas sobre o meio ambiente - sobretudo aquelas vinculadas ao neoextrativismo - tem fragilizado as comunidades atingidas por esses empreendimentos. Acometidas multiformemente, essas populações têm suas relações socioterritoriais, culturais, espaciais e rentárias profundamente alteradas quando da transformação de seu território de pertencimento em um espaço de disputa entre elas e o capital.

Os fatos aqui trazidos demonstram que, além das complexas transformações culturais e ambientais que podem promover nos territórios, os conflitos ambientais territoriais são capazes de provocar alterações até mesmo nos modos de construir e se relacionar com as construções. No caso de Sobrado, observou-se o impacto por meio da desterritorialização in situ (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.) causada pela destruição das condições ambientais de reprodução social dos modos de viver, provocando desde impacto hídrico - que afeta, inclusive, a segurança alimentar - até danos ao modo de construir - como a disponibilidade de materiais tradicionalmente empregados nas construções, o uso de novas técnicas construtivas e a perda de autonomia das edificações. No caso de Lamarão, observou-se a ameaça de desterritorialização literal, ou seja, o risco de remoção da comunidade do território visado pelos agentes mineradores. Além de impactar as condições ambientais da região - com destaque para a segurança hídrica e o risco de contaminação do solo -, isso destrói os vínculos que constituem os modos de viver. Em ambos os casos, para além da materialidade, tais alterações implicam também mudanças culturais, alterações em modos de ser/fazer secularmente praticados nos territórios atingidos.

Esses exemplos nos mostram como os conflitos ambientais territoriais podem causar danos aos modos de vida de grupos historicamente vulnerabilizados pela imposição de processos hegemônicos e neoliberais em seus territórios, notadamente as comunidades tradicionais e indígenas. Não coincidentemente, analisando a situação do estado mineiro, ao cruzarmos os pontos identificados no Mapa dos Conflitos Ambientais elaborado pelo Gesta/UFMG (Figura 1) com o Mapa da Área de incidência da Articulação Rosalino (DAYRELL, 2019DAYRELL, Carlos Alberto. De Nativos e de caboclos: Reconfiguração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2019.), vemos que a ocorrência dessas disputas tem grande incidência em territórios habitados por comunidades tradicionais.

Figura 11
Conflitos socioambientais e comunidades tradicionais no Norte de Minas Gerais

Apesar de termos analisado apenas duas das muitas situações de conflito ambiental territorial registradas no Norte de Minas (como registram as figuras 1 e 7), uma multiplicidade de conflitos de diferentes proporções e naturezas estão ativos na região e em todo o estado. Isso leva a crer que muitas outras comunidades tradicionais e indígenas podem estar vivenciando conflitos semelhantes aos aqui relatados, que ameaçam seus modos de vida e, no caso específico desta pesquisa, seus modos de construir. Nesse sentido, a análise construída a partir do campo da arquitetura vernácula demonstra que, sendo os territórios dessas comunidades o locus de grande parte dessa forma de produção cultural arquitetônica, tais conflitos ameaçam, também, sua continuidade.

Considerações finais

É fato que os conflitos socioambientais atingem diversas dimensões da vida humana. E não apenas por meio das substanciais alterações que provocam na materialidade de nossas paisagens mas também - e talvez principalmente - em sua imaterialidade. Nesse jogo de relações pautadas pelo poder econômico, pouco interessa aos grandes agentes hegemônicos os reflexos de sua inserção arbitrária em territórios já consolidados. Como efeito, comunidades inteiras têm sido obrigadas a lidar, em seu cotidiano, com imposições que subtraem direitos, alteram eminentemente seus modos de ser, viver, fazer e construir e, em muitos casos, terminam por expulsá-las de seus territórios de pertencimento.

Em qualquer dos casos, vemos que, diante dos conflitos socioambientais instaurados, os territórios não permanecem neutros e as transformações sociais que sofrem em decorrência desses conflitos podem trazer notáveis danos. Desterritorializadas “in situ” (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.) - quando fragilizadas em suas relações socioespaciais e culturais - ou em sentido literal - quando removidas de seu local de pertencimento e reprodução cultural -, as comunidades atingidas também não estão passivas. Em resposta aos conflitos, elas tanto podem permitir que essa nova presença territorial dizime relações e dinâmicas socioculturais preestabelecidas, como essa nova inserção pode provocar a revalorização da cultura local, resultando em processos que “ativam identidades” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2003CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade étnica, identificação e manipulação. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 6, n. 2, p. 117-131, 2003.) e reivindicam o direito à memória e a sua reprodução social.

Nesse contexto, como produção cultural de povos e comunidades tradicionais e indígenas, as arquiteturas vernáculas podem ser consideradas elementos de especial interesse patrimonial. Como tal, são dignas de acautelamento por meio de ações que contribuam deliberadamente para a reprodução dos modos de construir dessas populações, caso seja de seu interesse. Para além dos expedientes diretos de acautelamento, como o tombamento e o registro de bens imateriais, torna-se evidente a importância dos expedientes indiretos, como a demarcação de terras, a criação de reservas extrativistas e a certificação de comunidades tradicionais (TOFANI e BRUSADIN, 2019TOFANI, Frederico de Paula.; BRUSADIN, Leandro Benedini. A arquitetura vernácula enquanto patrimônio cultural: Contribuições para sua preservação e uso sustentável. Anais 2º Seminário Arquitetura Vernácula, Recife, p. 1-23, 2019.), ações que contribuem diretamente para a possibilidade de permanência desses grupos em seus territórios. Somente assim, seria garantido aos povos e comunidades tradicionais e indígenas autonomia sobre o destino de suas transformações.

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    Destacam-se estudos realizados no âmbito do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta); no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social (PPGDS) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes); e no âmbito do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM).
  • 3
    De acordo com a definição de Thomaz Júnior (2017THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Degradação sistêmica do trabalho no agrohidronegócio. Mercator, Fortaleza, v. 16, p, 1-20. 2017., p. 2), o termo “agrohidronegócio” considera as atividades por meio das quais “o capital, quando busca terras planas, férteis, com logística favorável, também requer disponibilidade hídrica e expropria populações camponesas, tradicionais e originárias. Assim, (...) a água está no centro das disputas e conflitos territoriais (...) por exemplo, a soja, a cana-de-açúcar, o eucalipto, o milho, o monocultivo de frutas, a frigorificação de carnes.”
  • 4
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  • 6
    Segundo Dayrell (2019)DAYRELL, Carlos Alberto. De Nativos e de caboclos: Reconfiguração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2019., o movimento social originou-se em meados da década de 2000, a partir da articulação de lideranças regionais que formaram uma comissão regional para a participação em encontros nacionais que resultaram na construção da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais (decreto no 6.040/2007). Apesar de a AR ter se constituído formalmente em 2011, o processo de mobilização das comunidades é histórico e vem contando com o apoio de “redes sociotécnicas” formadas pela interação dos grupos tradicionais com pesquisadores, pastorais, ONGs, setores da academia, assessoria jurídica, entre outros (DAYRELL, 2019DAYRELL, Carlos Alberto. De Nativos e de caboclos: Reconfiguração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2019.). Entre esses, destaca-se a atuação do CAA-NM.
  • 7
    A comunidade de Sobrado, como parte de suas reivindicações após a chegada do eucalipto, se destacou por conquistar a promulgação de uma lei municipal que a reconhece como comunidade tradicional geraizeira (lei municipal no 1.629/2015). Segundo Cordeiro (2015 apudDAYRELL, 2019DAYRELL, Carlos Alberto. De Nativos e de caboclos: Reconfiguração do poder de representação de comunidades que lutam pelo lugar. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2019., p. 135), “[e]ssa é a primeira Lei Municipal do país a tratar do tema, abrindo precedentes para outras iniciativas similares. Embora a Lei não tenha assegurado a demarcação da área reivindicada, a mesma valida o autorreconhecimento da comunidade de Sobrado e prevê compromissos do Poder Público Municipal para avançar na demarcação do território.”
  • 8
  • 9
    Segundo Borges (2018BORGES, Júlio César Território Geraizeiro de Vale das Cancelas: direitos humanos e segurança alimentar no norte de Minas Gerais. Anais da 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, Brasília, 2018., p. 4), “[t]rês grandes empresas têm interesses de exploração: Vale S/A, Mineração Minas Bahia (MIBA), do grupo cazaquistanês Eurasian Natural Resources Corporation, e Sul Americana de Metais S/A (SAM), controlada pela Votorantim Novos Negócios em parceria com a chinesa Honbridge Holdings Limited”.
  • 10
    Sobre a fragmentação de processos de licenciamento, ver Ribeiro (2018)RIBEIRO, Gabriel Costa. Lutar com os pés no chão para continuar caminhando: Uma ecologia política da megamineração de ferro no distrito do vale das cancelas (Grão Mogol/MG). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território) - Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, 2018..
  • 11
  • 12
    Informações fornecidas pelo Gesta/UFMG na ficha técnica Resistência e luta contra a instalação de projetos de mineração de ferro nas microrregiões de Grão Mogol e Salinas, publicada em 18 de janeiro de 2022. Disponível (on-line) em: https://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=552
  • 13
    Municípios onde a autora Celiane Souza Xavier tem experiência profissional como assessora técnica junto às comunidades atingidas e, portanto, conhecimento dos casos empíricos.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    13 Jun 2022
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, 1, Sala 109, Cep: 20051-070, Rio de Janeiro - RJ / Brasil , (+55) (21) 3559.1926 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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