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A polícia como testemunha: A construção dos discursos contra adolescentes em sentenças do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

The Police as a Witness: The Construction of Discourses against Adolescents in Sentences of the Court of Justice of the State of Rio De Janeiro

Resumos

Este artigo objetiva discutir a construção dos discursos de policiais militares em sentenças emitidas contra adolescentes autores de atos infracionais. A partir de um conjunto de decisões emitidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), enfatizamos os argumentos oficiais para avaliar os testemunhos como perpetuadores de certos determinismos sobre espaços urbanos e sujeitos sociais. Advogamos que há um padrão discursivo entre os oficiais, que descreve a hostilidade como justificativa para a ostensividade, além de uma prevalência dos testemunhos policiais ante o processamento das decisões.

Palavras-chave:
adolescentes autores de atos infracionais; sentenças; sistema socioeducativo; sujeição criminal; TJRJ


The Police as a Witness: The Construction of Discourses against Adolescents in Sentences of the Court of Justice of the State of Rio De Janeiro aims to discuss the construction of military police discourses in sentences issued against adolescent perpetrators of infractions. From a set of decisions issued by the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro (TJRJ), we emphasize the official arguments to evaluate the testimonies as perpetuators of certain determinisms about urban spaces and social subjects. We advocate that there is a discursive pattern among officers, which describes hostility as a justification for ostensiveness, in addition to a prevalence of police testimonies in the processing of decisions.

Keywords:
adolescents who commit infractions; criminal subjection; sentences; socio-educational system; TJRJ


Introdução

Historicamente, o campo da sociologia da violência tem abarcado uma gama de estudos que privilegiam a compreensão e análise das trajetórias das facções criminosas no cenário intra e extra muros (BIONDI, 2009BIONDI, Karina. Junto e misturado: imanência e transcendência no PCC. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009.), das relações construídas nos territórios a partir da intercambialidade com o crime e o ilegalismo, sobretudo popular (GRILLO, 2013GRILLO, Carolina Christoph. Coisas da vida no crime: tráfico e roubo em favelas cariocas. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Antropologia Cultural) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.; HIRATA, 2010HIRATA, Daniel Veloso. Sobreviver na adversidade: entre o trabalho e a vida. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.), das instituições prisionais (GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.) e jurídicas (ADORNO, 2002ADORNO, Sérgio. Crise no sistema de justiça criminal. Cienc. Cult., São Paulo, v. 54 n. 1, p. 50-51, 2002.) e de processos como a acumulação social da violência e a sujeição criminal1 1 A acumulação social da violência pode ser entendida como “um complexo de fatores, uma síndrome, que envolve circularidade causal acumulativa” (MISSE, 1999, p. 379), compreendendo a importância de “reconhecer as formas concretas pelas quais as práticas e suas representações sociais combinam, em cada caso, processos de acusação e justificação, criminação e descriminação, incriminação e discriminação” (MISSE, 1999, p. 379). A sujeição criminal, por sua vez, pode ser compreendida a partir da relação concebida socialmente entre as práticas criminais e tipos sociais específicos, culturalmente lidos como potenciais criminosos. Segundo Misse (2010), é algo que se inicia no indivíduo - o tipo social -, mas que também tem a capacidade de espraiamento pelo território e, consequentemente, por seus iguais. Para mais, ver Misse (1999, 2008, 2010). (MISSE, 1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.). No campo da socioeducação, merecem destaque os estudos sobre as unidades e a rotina dos adolescentes autores de atos infracionais (NERI, 2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: a experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; VINUTO e ALVAREZ, 2018VINUTO, Juliana. ALVAREZ, Marcos Cesar. O adolescente em conflito com a lei em relatórios institucionais: pastas e prontuários do “Complexo do Tatuapé” (Febem, São Paulo/SP, 1990-2006). Tempo Social, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 233-257, 2019.), a justiça juvenil no Brasil (CIFALI, CHIES-SANTOS e ALVAREZ, 2020CIFALI, Ana Claudia; CHIES-SANTOS, Mariana; ALVAREZ, Marcos César. Justiça juvenil no Brasil: continuidades e rupturas. Tempo Social, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 197-228, 2020.), a dinâmica de trabalho de agentes socioeducativos (VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. O outro lado da moeda: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.), entre outros. Contudo, poucos estudos até o momento têm priorizado um aspecto, um objeto importante e caro ao campo: os discursos construídos nesses espaços e suas ressonâncias para além dos espaços institucionais.

Ao sinalizarmos a existência dessa lacuna, especialmente nos debates sobre infância e juventude, também destacamos a importância de avaliarmos os processamentos institucionais e suas formas de falar. Estas estão disponíveis a nós não somente por meio da oralidade do momento presente, mas também, e sobretudo, das análises documentais. Peças processuais, sentenças, decisões no âmbito da execução penal, relatórios interdisciplinares etc. são objetos ricos e que nos permitem avaliar não somente a categoria discurso, mas uma gama de relações e atravessamentos que influenciam diretamente os sujeitos sociais e suas formas de vida.

Este artigo, portanto, surge dessa necessidade, compreendendo a importância de se construir uma sociologia da fala cada vez mais consolidada e que tenha condições de apurar essas questões no campo que se revela (SCOTT e LYMAN, 2006). A partir de um recorte na pesquisa de mestrado2 2 A pesquisa tratou de analisar um conjunto de 25 sentenças emitidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) entre 2012 e 2018, em casos cujos réus foram adolescentes considerados em conflito com a lei. O objetivo era avaliar como se construíam os discursos de juízes, policiais militares e familiares dos adolescentes, de modo a perfilar as decisões judiciais e possíveis tendências institucionais. Para mais, ver Machado (2022). desenvolvida pela autora (MACHADO, 2022MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022.), procederemos com a categoria discurso para avaliarmos os testemunhos de policiais militares em sentenças emitidas contra adolescentes. A proposta se construiu e consolidou mediante sua originalidade, uma vez que são poucos os estudos locais que privilegiam os discursos de sentenças em casos envolvendo adolescentes autores de atos infracionais - destacamos como trabalho correlato o desenvolvido por Maria Gorete Marques de Jesus (2016JESUS, Maria Gorete Marques de. O que está no mundo não está nos autos: a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., 2019).

A partir da construção verbal que se traduz na escrita, mediante a utilização de um vocabulário de motivos (WRIGHT MILLS, 2016WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 15, n 44, pp. 10-21, 2016.), observamos não apenas as diferentes expressões sobre os adolescentes, mas também sobre seus espaços e famílias, que incidem diretamente nas decisões judiciais. Isto, tendo como objeto um conjunto de 13 sentenças, extraídas do conjunto original da pesquisa. O critério para a seleção baseou-se na necessidade de haver arrolada a presença de policiais militares como testemunhas de acusação. Outro elemento que nos ajudou a perfilá-las foi a existência de citações à Súmula no703 3 A súmula no 70 é um documento emitido pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (PJERJ) utilizado em determinados processos para validação do testemunho policial como elemento suficiente para a condenação do réu. , jurisprudência emitida e utilizada internamente pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) em alguns casos. Além disto, recorremos à literatura especializada para consolidarmos nossa intelecção.

A apresentação dos resultados seguirá da seguinte forma: após esta breve introdução, abordaremos questões mais detidas à metodologia utilizada para a avaliação das 13 sentenças, seguidas de uma explanação das principais características dos documentos - recorte territorial, período em que foram emitidos, infrações cometidas, medidas socioeducativas aplicadas etc. Isso nos permite vislumbrar uma espécie de retrato daquilo que analisamos. Ato contínuo, trataremos dos casos avaliados para este artigo. Traremos breves narrativas de cada um deles e, em seguida, analisaremos a questão dos testemunhos policiais, tendo em vista algumas variantes importantes que identificamos em seus discursos: a hostilidade policial, o envolvimento do adolescente, a verdade e o padrão.

Objeto e metodologia

Chamamos de objeto o conjunto de sentenças selecionadas para a análise; como categoria, compreendemos a dimensão do discurso que nelas se registram. Embora esse recorte tenha raízes em uma pesquisa pregressa, nosso objetivo é aprofundar de maneira responsiva o debate sobre a participação de oficiais como testemunhas de acusação e seus rebatimentos no processamento das condenações, tendo em vista a atuação do TJRJ. Visamos, portanto, compreender suas posturas, argumentos, possíveis padrões e o modo como suas narrativas se associam - ou não - ao elemento julgador, influenciando as decisões finais.

Para tanto, utilizaremos um conjunto de 13 sentenças, que foram localizadas mediante a utilização de chaves de busca. A partir da constituição de um primeiro conjunto de documentos, fizemos alguns recortes sob a égide de certos determinantes, a fim de elaborarmos novas discussões. Para selecioná-las dentre as demais, valemo-nos de um critério simples: as sentenças deveriam ter alguma citação aos policiais como testemunhas de acusação - havendo ou não uma citação direta4 4 Chamamos de testemunho direto aqueles que podem ser considerados excertos das falas oficiais, sem alterações ou interferências; já os indiretos são recontados a partir de uma terceira pessoa, geralmente o juiz do caso, que remonta o argumento dos oficiais a partir de sua própria leitura. aos seus depoimentos - ou então à Súmula no 70, o que nos levaria a crer na possível consideração da fala policial para elaboração da decisão. Esse método levou-nos a vislumbrar o seguinte panorama: das 13 sentenças, oito tinham um registro direto ou indireto do depoimento policial. Uma quantidade minoritária continha citação direta à súmula citada5 5 As sentenças que traziam somente uma menção à fala policial e à necessidade de conceder-lhe veracidade, em sua maioria, não traziam muitos detalhes dos casos. Eram documentos de revisão do processamento jurídico que, ao final, traziam a decisão judicial. (5).

À medida que as primeiras leituras eram feitas, pensávamos no recorte, tendo em vista que as sentenças como documentos dados nos revelam muito, mas mais nas entrelinhas do que no que é explicitamente dado. A atenção com que nos detivemos nas falas das personagens das decisões, sobretudo dos policiais militares, nos levaram, primeiro, a uma análise da verdade (FOUCAULT, 2013FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2013.) e, posteriormente, necessidade de compreender como os discursos se construíam, a partir das posições de poder e da própria oratória. Era primordial compreender como a violência se estabelecia por meio de algo muito simples, a fala (SCOTT e LYMAN, 2006). Consolidar a categoria analítica no discurso deu-nos o entendimento de que boa parte das ações ostensivas da polícia não se iniciam no uso desproporcional da força (WERNECK, TALONE e TEIXEIRA, 2020) em um espaço urbano; antes, seu preâmbulo está justamente no discurso.

Destacamos como aporte teórico fundamental o conceito de “ética policial”, trabalhado por Kant de Lima, Eilbaum e Pires (2017KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017., p. 24), que, para além da dimensão clássica da verdade e do elemento da fala, permitiu-nos compreender o discurso como produto de um “conjunto especial de regras e práticas que serve como fundamento para o exercício autônomo da lei e que, como tal, imprime à aplicação da lei uma característica particular, própria das práticas policiais”. Ou seja, ao tratarmos dessa construção argumentativa, entendemos que ela também faz parte de uma “ética corporativa” (KANT DE LIMA, EILBAUM e PIRES, 2017KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017.), de uma gama de ações e tomadas de decisão no âmbito do trabalho que se constituem a partir de valores cativos à ordem policial.

Como elemento auxiliador na análise das sentenças e dos discursos proferidos, lançamos mão da noção de vocabulário de motivos, de Wright Mills (2016)WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 15, n 44, pp. 10-21, 2016., como forma de nortear a organização dos argumentos e também de nossas interpretações. O que nos chama a atenção nas considerações do autor é justamente a pretensão de avaliar um processo linguístico que não é uníssono, imutável; ao contrário, ele centraliza suas considerações a partir de uma linguagem que se autorregula, a depender das relações de um determinado campo. Partimos, portanto, dos mesmos preceitos elaborados pelo sociólogo: ao tratarmos os motivos, primeiro demarcamos as condições em que eles emergiram como tal para, em seguida, compreendermos a razão pela qual os sujeitos - policiais militares - utilizaram aquele argumento específico, e não outro.

O perfil das sentenças

Para perfilarmos as sentenças, elencamos como características principais: ano do caso; local de ocorrência; infração cometida; medida socioeducativa aplicada; abordagem policial - variedade firmada nos estudos de Romano e Silva (2021)ROMANO, Pedro Machado de Melo; SILVA, Bráulio Figueiredo Alves. Sujeição ou evidência: a excepcionalidade do flagrante por tráfico de drogas. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 711-730, 2021.; citação à Súmula no 70; tipo de testemunho - direto ou indireto. O que observamos a partir dessa representação das 12 sentenças foi que os casos foram registrados entre 2012 e 2017. A maior parte aconteceu na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) (7), mas também no Sul Fluminense (2), na Região dos Lagos (1), na Região Serrana (2) e no Norte Fluminense (1). A infração proeminente nesse conjunto de sentenças foi o tráfico de drogas (11), seguido por receptação (1) e homicídio qualificado (1). Das medidas socioeducativas aplicadas, prevaleceu a internação (6), medida mais gravosa, seguida por liberdade assistida (4), em alguns casos cumulativa com prestação de serviços à comunidade (2), semiliberdade (1) e improcedência por ausência de provas (1).

Quando nos concentramos nos dados referentes à participação de policiais militares ao longo dos casos e também das sentenças, constatamos que a maior parte das abordagens policiais aconteceu mediante uma operação ou patrulhamento de rotina da corporação (9). Outras ocorrências sinalizaram abordagens a partir de denúncias anônimas (4). Os testemunhos contidos nas sentenças eram tanto de cunho direto (6), ou seja, o conteúdo que consta nos documentos é um recorte fiel da fala do policial quando prestara depoimento, quanto indireto (7). Das 13 sentenças que destacamos, algumas tinham citações diretas à Súmula no 70 (6) no momento posterior à fala dos policiais.

Alguns dos dados expostos são particularmente interessantes e merecem destaque - e posterior aprofundamento - para pensarmos o impacto do teor dos testemunhos policiais no interior dos processos decisórios. Primeiramente, enfatizamos que boa parte dos casos culminou na internação dos adolescentes em unidades de socioeducação - medida mais gravosa prevista pela legislação especializada e que, destacamos, não era conivente com alguns dos casos que estudamos por não atenderem aos requisitos estabelecidos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Art. 122, a internação só pode ocorrer em casos de grave ameaça, reincidência e/ou descumprimento de medida anterior. Por vezes, foi-nos ausentado o requisito cabível aos adolescentes para procederem com a internação. Em segundo lugar, destacamos o fato de a maior parte dos testemunhos policiais terem sido registrados em casos de tráfico de drogas - e que traziam em seu escopo um conteúdo explicitamente criminalizante. Por fim, merece destaque a descentralização dos atos - uma vez que trabalhamos com registros para além da cidade do Rio de Janeiro e seus entornos - e a quantidade de relatos de “operações de rotina”.

Sobre esse destaque último, recorremos ao trabalho de Jesus (2019)JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019. para pensarmos a utilização desse tipo de aspas como categoria nativa, mas também como aporte de um repertório de crenças que abrange não somente os oficiais, mas outros sujeitos das sentenças, como os juízes. A autora salienta que a utilização de terminologias como “operação de rotina”, “patrulhamento”, “denúncia anônima” - localizados nas sentenças estudadas - entre outras, como “entrada franqueada”, constituem um vocabulário de motivos tomado como verdades absolutas, em detrimento de outras versões dos casos que figuram nas decisões. Ou seja, são narrativas construídas em um fundo de verdade inquestionável aos olhos dos responsáveis pela decisão.

Os questionamentos que levantamos anteriormente e a conformidade com alguns outros trazidos por Jesus (2019)JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019. reafirmam o conceito de “ética policial” e “ética corporativa” defendidos por Kant de Lima, Eilbaum e Pires (2017)KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017.. Mas, mais do que pensar nessa construção ética como um conjunto de ações coordenadas a partir de valores e interesses de um conjunto, é importante que saibamos a quem essa ética se direciona, uma vez que ela, embora uníssona, pode ser aplicada de inúmeras formas, a depender de quem é o receptor da ação policial. Os autores utilizam a categoria da “espacialização”6 6 Essa categoria utilizada pelos autores nos auxilia na compreensão dos dados que apontam a RMRJ como território de maior incidência de casos. Contudo, como nosso intuito é o de perscrutar os discursos, não nos ateremos a essa questão com riqueza de detalhes. para pensar nessa conduta diferenciada dos policiais militares, conduzida a partir da “ideia de que espaços diferenciados da cidade - idealmente sumarizados enquanto “morro” e “asfalto” - são merecedores de políticas e ordens distintas” (KANT DE LIMA, EILBAUM e PIRES, 2017KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017., p. 22).

Os casos

Compreendendo a importância de tornar conhecidas as narrativas dos casos, passaremos a dispô-las. Durante a avaliação de pares-cega, foi-nos sugerido que utilizássemos citações diretas das sentenças, como forma de tornar a descrição mais “interessante”. Contudo, a transcrição direta de trechos dos documentos vai de encontro às questões éticas que impusemos para a elaboração da pesquisa, razão pela qual manteremos a narração indireta dos fatos. Para nomearmos cada caso, atribuiremos um pseudônimo aos adolescentes. Nas situações em que não identificamos claramente as passagens dos policiais, por ausência, apenas remontamos os dados contidos nas sentenças.

Caso 1: Artur

2014. Artur estava em uma praça da cidade em que morava, portando maconha, cocaína, dinheiro em espécie e um telefone celular. Foi abordado por policiais que faziam um patrulhamento de rotina nas imediações, que já tinham informações de que ele talvez comercializasse substâncias ilícitas. A polícia não apenas encontrou todos os elementos citados; quando abordavam Artur, o telefone celular tocou. Era um comprador que aguardava sua entrega. Os policiais foram até ele e, por fim, confirmaram que se tratava de uma situação de tráfico.

O policial cujo depoimento fora colhido e registrado na sentença disse que havia encontrado o adolescente com drogas na companhia de uma menina que se dizia fazer parte da traficância local. Artur estava com um celular que tocou no momento da abordagem e, segundo o oficial, “não sei se fui eu ou outro policial que atendeu e que se tratava de alguém querendo comprar droga”. Os policiais negociaram com a pessoa que havia ligado, organizando um encontro em uma praça próxima com esse suposto comprador. Na delegacia, o “comprador” confirmou a ligação para a obtenção de drogas, porém, o policial não confirmou se houve confissão do adolescente quanto à venda objetiva.

Caso 2: Luís

Era o início de uma tarde de janeiro de 2017. Luís era acusado de portar quase 63g de maconha e pouco mais de 54g de cocaína. Disseram as testemunhas que o adolescente estava aliado à uma facção criminosa, junto com outras pessoas. A apreensão aconteceu porque policiais militares receberam uma denúncia anônima informando que Luís e outros “traficantes” - termo utilizado na sentença - estariam armados próximos a casa de outro policial. Luís foi abordado no momento em que os oficiais se dividiram para cercar o local, havendo a afirmação de que o adolescente seria vapor e radinho da facção que ali operava.

Luís relatou que há pouco largara o plantão e estava em casa para descansar. Nisto, foi acordado e agredido por policiais militares que, ao revistarem o espaço, não encontraram nada que o pudesse incriminar, apenas os rádios. Em sua versão, disse que haviam muitos policiais em sua casa, que não os conhecia e que, quanto ao tráfico, estava como vapor e gerente, sendo responsável pela venda de maconha e pó. Estava ali na localidade por escolha própria, tendo um lucro semanal de pouco mais de R$200,00.

Os três policiais envolvidos no caso deram relatos similares. O primeiro disse que não participou da apreensão do adolescente, mas que havia pedido apoio de outros oficiais ao vislumbrar a presença de traficantes armados. O segundo relatou que colegas localizaram Luís enquanto subiam um morro; ele estava com um rádio, fazendo uma comunicação e uma mochila, que continua drogas. O terceiro endossou as falas anteriores, sobretudo esta última.

Caso 3: Pedro e Ana

Ainda em 2017, Pedro e Ana mantinham consigo 110g de maconha e menos de 0,5g de cocaína, que, segundo as autoridades, tinham por finalidade o tráfico. Em patrulhamento de rotina na localidade dos adolescentes, policiais militares avistaram ambos e, ao realizarem uma revista, encontraram um dichavador, erva seca e pouco mais de R$20,00. Os policiais foram até a casa de Pedro, mas foram impedidos por sua mãe de entrar. Finalmente entrando, encontraram pouco mais de 75 sacolés de maconha, sete de cocaína e R$230,00. O policial militar que testemunhou no caso disse que os adolescentes já acumulavam denúncias nos canais oficiais da PM por possível envolvimento com o tráfico de drogas local.

Caso 4: Orácio

A partir de uma denúncia anônima que reportava possível ato de traficância, policiais militares apreenderam Orácio. Ele guardava consigo 20g de cocaína. O adolescente relatou que foi abordado por oficiais ao chegar à casa e portava alguns sacolés com a droga. Contudo, sua intenção era o uso, não o comércio. Estava no local porque queria jogar videogame com os amigos.

O policial relatou de forma breve que havia encontrado Orácio com oito sacolés contendo uma pequena quantidade de cocaína/crack e que, ao ser abordado, acabou lhe entregando a quantidade de tóxicos destinada a seu próprio consumo.

Caso 5: Fernando

Em 2017, Fernando foi apreendido por policiais por possível envolvimento com o tráfico de drogas ao ir à rua para comprar um lanche. Ao descer da casa da tia, encontrou conhecidos e foi autuado pela polícia como envolvido. Fernando relatou que estava com outros meninos do bairro - alguns estavam portando drogas. A polícia chegou quando estava junto desse grupo, e o adolescente endossou que a abordagem dos oficiais foi ostensiva, uma vez que chegaram atirando. Todos que estavam na rua correram, inclusive moradores. Disse que não conhecia o policial responsável pela sua prisão, e também não compreendeu a razão pela qual o oficial afirmou que ele estava portando um rádio. Fernando confessou que havia mentido em outro momento do depoimento porque os policiais o ameaçaram com uma arma na cabeça. Sua prima, que deporia em seu favor, declinou porque também teve medo dos policiais.

A tia de Fernando, que chamaremos de Ana, foi depoente de defesa. Ela disse que a família mudou de residência após o ocorrido. Sobre Fernando, Ana relatou que ele sempre foi um menino obediente, frequente nas atividades escolares - faltando somente em dias de tiroteio - e, de um modo geral, um bom menino. O fato de ele ser essa pessoa foi o que a surpreendeu no momento em que soube da apreensão, visto que o comportamento do adolescente jamais deu indícios de desvio. Na ocasião da apreensão, Fernando a havia dito que estava com o rádio, mas Ana insistiu para que ele não mentisse. Ele, então, confessou que havia mentido porque houve ameaça de agressão por parte do policial.

Os policiais relataram uma certa correria quando chegaram à comunidade, seguida de perseguição que levou à apreensão de Fernando. Moradores que estavam na rua se abrigaram, mas era possível saber quem era morador e quem não era, quem estava envolvido. Outro policial disse que somente os meninos que estavam neste grupo correram. O suposto rádio estava com o adolescente, sintonizado com o tráfico. O maior que estava com o grupo foi apreendido com drogas. Segundo os oficiais, Fernando disse que ganhava R$50 para trabalhar no tráfico. Sobre a comunidade, informaram que o local é conhecido como de tráfico, de boca, lugar de pessoas armadas.

Caso 6: Roger e Daniel

Os adolescentes foram acusados pela prática de tráfico de drogas. Em seus testemunhos iniciais, negaram qualquer envolvimento. Estavam no local da apreensão porque queriam comprar para consumo próprio. Roger disse que estava comprando drogas quando os policiais chegaram. Os traficantes, ao fugirem, deixaram as sacolas com a mercadoria no chão, que os policiais apontaram como sendo dos adolescentes. Daniel estava com Roger naquele momento e salientou que não trabalhava para o tráfico, tampouco conhecia o chefe da facção local.

Os policiais tiveram breves relatos citados nas sentenças. Disseram que os adolescentes foram abordados em uma escola abandonada, onde também apreenderam o material. Segundo os oficiais, Roger e Daniel haviam dito que trabalhavam para o tráfico e recebiam R$10,00 por carga.

Caso 7: Antônio

Antônio foi apreendido por policiais militares após a localização de 205g de cocaína. Na descrição do caso, o adolescente teria se aliado a outras duas pessoas de seu bairro para fins de tráfico de drogas. Para além da substância encontrada com ele, os policiais apreenderam um revólver Taurus, calibre 38, com numeração raspada, contendo quatro cartuchos. Não havia qualquer autorização legal para o porte. Ao ver a aproximação dos oficiais, Antônio tentou fugir pelo quintal das casas da vila, chegando a um terreno baldio. Policiais iniciaram a perseguição até apreendê-lo.

Antônio afirmou que estava com a arma, mas que a droga não lhe pertencia, uma vez que ela fora encontrada em um lugar diferente do da apreensão. Neste sentido, disse também que o flagrante havia sido forjado pelos oficiais. Sobre a arma, Antônio contou que há tempos tem sido ameaçado por um possível envolvimento com a facção local, o que foi desmentido, motivo pelo qual os meninos da localidade lhe deram uma arma. Eles sabiam das ameaças e buscaram um jeito de protegê-lo. Como estava com a arma na cintura, quando viu os policiais tentou fugir.

O policial que testemunhou sobre o caso disse que estava patrulhando o local quando avistou alguém na rua - no caso, era Antônio - e que essa pessoa estava só. Ao iniciarem a perseguição na vila, viram outras pessoas fugirem, e um deles pulou o muro com a mesma finalidade. O oficial fez o mesmo movimento e viu o adolescente abaixado, abordando-o logo em seguida. A sacola com drogas foi encontrada em uma árvore próxima.

Caso 8: Saulo e Tania

Policiais militares relataram que, por meio de denúncia anônima, foi-lhes informado que três “traficantes” procurados pela polícia estariam escondidos em uma casa. Ao realizarem a diligência no local, viram um grupo de pessoas em “atitude suspeita”, em que estavam também os adolescentes Saulo e Tania. Em busca no imóvel, encontraram drogas, armas e um caderno de anotações contendo informações de vendas de drogas.

O policial informou que a informação chegou por meio de comunicado anônimo, que dizia que a boca era administrada por Tania. Sua mãe relatou que ela era uma pessoa importante no contexto de traficância por ser menor de idade, o que facilitava o transporte de armas e drogas para a localidade. Nas palavras do PM ouvido e relatado na sentença, “moradores afirmaram que havia uma boca, e que já não suportavam a presença de marginais”.

Caso 9: Sebastião

Em 2014, Sebastião trazia consigo 32g de maconha e 1,7g de cocaína acondicionados em unidades. Ele estava desembarcando em uma estação de trem quando foi abordado por policiais militares em patrulhamento de rotina. Os oficiais mantiveram a atenção em Sebastião devido a uma “atitude suspeita”. O adolescente disse que estava com o material que havia comprado na favela. Para fazê-lo, “recebeu R$41,00 para comprar a maconha e ficaria com parte da carga, além de R$20,00 de pagamento”. O policial, porém, disse que estava em um patrulhamento de rotina na estação quando “teve a atenção voltada para Sebastião, que ao desembarcar, aparentou estar nervoso ao nos ver”. Na abordagem, encontraram as drogas no bolso da bermuda do adolescente.

Caso 10: Júlio

Em 2014, Julio foi apreendido por policiais militares, em patrulhamento de rotina, portando 28g de cocaína. Ao avistar os oficiais, o adolescente fugiu em direção a um terreno abandonado. Deixou para trás uma sacola que continha a cocaína. Ao alcançarem-no, os policiais afirmaram que ele era parte do tráfico e atuava como vapor. Não havia menção de depoimentos dos policiais militares.

Caso 11: Jorge

Em 2017, Jorge foi autuado por possível participação no tráfico de drogas. No momento em que estava indo para casa, os policiais iniciaram um tiroteio. Ao ser abordado por dois oficiais, Jorge foi questionado a respeito de seu papel no tráfico, se era gerente ou não. Ele negou. Disse que não era da localidade, e morava ali há apenas uma semana. Os policiais, contudo, disseram que Jorge deveria afirmar que era atividade, entregando-lhe um rádio. Jorge disse que se mudou para trabalhar “nas drogas” durante todo o dia, retornando para casa apenas para descansar. Relatou ainda que o fez porque precisava comprar comida para seu filho, mas que quer trabalhar no programa Jovem Aprendiz.

O pai de Jorge foi arrolado como testemunha de defesa. Ele disse que o filho nunca foi privado do convívio familiar, tendo um ambiente de carinho, orientação e equilíbrio, em que tudo lhe era oferecido a fim de ter uma “boa vida”. Jorge, porém, saiu de casa há dois anos e se envolveu com o tráfico. Ele tem um filho de dois anos e atualmente mora com a família da namorada. Nunca disse a verdade para os pais, afirmando sempre que estava trabalhando.

Os policiais que participaram da abordagem disseram que, embora tenham reconhecido Jorge, não o conheciam anteriormente. Ao organizarem o cerco e entrarem na comunidade, revidaram os tiros. O adolescente nos avistou quando estávamos já próximos, afirmando ser radinho e que estava no movimento. Portava um rádio que estava ligado. Com outro acusado, que estava caído, encontraram uma pistola, drogas e uma quantidade de dinheiro. Os policiais viram uma foto de Jorge ainda na delegacia, em que empunhava uma arma. Disseram que o local da apreensão é conhecido como de drogas e de pessoas armadas.

Caso 12: Guilherme e Heitor

2013. Os adolescentes são acusados de receptação. Uma testemunha relatou haver presenciado um disparo, mas não um roubo. Ao passar pela praça, percebeu a presença do carro e, logo em seguida, o tiro. Ele reportou aos policiais a suposta culpa de Guilherme.

O primeiro policial disse que “reconheceu o adolescente como autor da infração”. Quando foi informado sobre o roubo, encaminhou-se para o posto. Após o descumprimento da ordem para que o carro parasse, “fizeram um cerco com outra guarnição”. O policial não efetuou a apreensão dos adolescentes envolvidos, cujas “vítimas e funcionários reconheceram”. Eles foram mencionados como infratores por conta de uma série de indícios.

O segundo reconheceu os adolescentes como autores, e disse que estava em seu carro particular no momento da perseguição. Na apreensão, viu que Guilherme estava dirigindo, enquanto Heitor estava como carona. O terceiro endossou os anteriores dizendo que diversos oficiais estavam envolvidos no caso, e seu agrupamento estava no posto quando soube da perseguição. Enquanto o segundo policial localizou Heitor, este terceiro localizou Guilherme, que estava com uma quantia superior a R$1.000,00. Uma pessoa disse que este havia feito o disparo com arma de fogo, no que o adolescente confessou.

Caso 13: Edson e Armando

Em 2012, Edson, juntamente com outro adolescente, atirou contra a vítima, que chamaremos de T., com vontade de matar. T. foi abordado quando estava sentado na rua, sem condições de defesa. O homicídio foi motivado por vingança, uma vez que Edson e T. pertenciam a facções rivais. Após o ocorrido, Edson e Armando mantiveram em posse compartilhada dois revólveres calibre 32. Durante patrulhamento de rotina, policiais militares que investigavam o homicídio foram até a casa de Armando e encontraram as armas no quintal de casa, dentro de uma sacola plástica.

A construção do discurso

Ao observarmos os testemunhos dos policiais militares, encontramos diversos elementos que constituem a já citada “ética corporativa” (KANT DE LIMA, EILBAUM e PIRES, 2017KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017.). Diversos aspectos da vida dos adolescentes são colocados em perspectiva sob um crivo de criminalização, enquanto as ações policiais são fomentadas como inerrantes. Para pensar o “depoimento policial”, optamos por uma análise das narrativas que privilegie expressões nativas caracterizantes para com o adolescente e tudo o que lhe concerne. Observamos como eram tratados os territórios, os próprios adolescentes, seus familiares e sociabilidades em geral, para então compreendermos o conjunto. A ideia de vocabulários de motivos (WRIGHT MILLS, 2016WRIGHT MILLS, Charles. Ações situadas e vocabulários de motivos. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 15, n 44, pp. 10-21, 2016.) tornou-se elemento fundamental na identificação e posterior contextualização ante a estrutura.

Para organizarmos esses motivos de forma lógica e setorizada, partimos do conceito central de “repertório de crenças”, elaborado por Jesus (2019)JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019.. Em sua pesquisa, a autora buscou observar a construção de justificativas de aceite aos depoimentos policiais, valendo-se dessa organização das crenças como forma de avaliar as diversas formas de consolidação da argumentação jurídica. Compreendemos que os argumentos empreendidos pelos policiais não são somente “motivos” de seus testemunhos, mas parte integrante de uma complexa construção de crenças coletivas, que perpassam não somente os interesses da corporação, mas também as dinâmicas morais de cada indivíduo. Aqui, nosso objetivo é expor as diferentes nuances do depoimento policial a partir de quatro pontos fundamentais: a hostilidade territorial, o envolvimento do adolescente, o padrão e a verdade.

A hostilidade territorial

Ao conhecermos o território dos adolescentes a partir da fala de policiais militares, somos confrontados com uma realidade hostil. Os motivos que o caracterizam tomam-no como um território violento, já que “quando entramos na comunidade, fomos recebidos a tiros e revidamos”. É, também, um “local conhecido como boca de fumo”, “de venda de drogas”, “como de tráfico de drogas”. Em dias de operação, há registros de que “houve disparos na parte de cima do morro”. Alguns moradores, segundo os policiais, são responsáveis por denunciar que “o local era de fato uma boca de fumo”, logo, “já não suportavam a presença de marginais”. Nessa possibilidade de distinção dos espaços, distinguem também as pessoas, uma vez que “a gente sabe quem é morador e quem não é, quem é envolvido”.

A questão da hostilidade territorial, que se consolida no pêndulo entre sujeitos e espaço urbano, é algo presente. Por vezes, a caracterização de uma realidade violenta, como os relatos de tiroteios, é utilizada como um meio de justificar não somente as ações naquele espaço, mas também a apreensão do adolescente. E, quando falamos desses motivos, dessas crenças a respeito de um território baseado no trânsito do perigo, destacamos que raras foram as vezes em que houve o registro de uma contrapartida dos próprios moradores, dos adolescentes, a esses argumentos. Isso consolida o entendimento de que a sentença é alvo de um processo de seletividade em sua construção, em que nem todas as informações das audiências são inseridas nas decisões. É um procedimento que possibilita não somente o registro daquilo que apraz à Justiça, mas que também manipula a própria disposição dos sujeitos (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019.).

Aqui, é evidente a importância de enxergarmos essa elaboração sobre espaços urbanos a partir de uma perspectiva racial (CRUZ, 2020CRUZ, Monique Carvalho. Aqui a bala come, não tem aviso prévio: favela, necropolítica e a resistência das mulheres-mães guardiãs da memória. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.). A construção sócio-histórica brasileira nos revela que, sobretudo no início do século XX, temos um movimento na cidade do Rio de Janeiro baseado na expropriação da população, predominantemente negra, que ocupava os cortiços das áreas centrais. Esse movimento de retirada e de consequente realocação nos morros propiciou a criação de “espaços de vida que passaram a ser criminalizados desde então” (CRUZ, 2020CRUZ, Monique Carvalho. Aqui a bala come, não tem aviso prévio: favela, necropolítica e a resistência das mulheres-mães guardiãs da memória. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020., p. 36). São, até os dias de hoje, alvos da ausência de incentivo estatal e de excesso de intervenção de suas instituições, “que faz com que a violência seja tacitamente autorizada por conta de um ideário historicamente construído de que esses lugares são violentos” (CRUZ, 2020CRUZ, Monique Carvalho. Aqui a bala come, não tem aviso prévio: favela, necropolítica e a resistência das mulheres-mães guardiãs da memória. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020., p. 38).

Apesar de as sentenças não sinalizarem informações importantes como a questão de raça, estudos direcionados ao perfilamento dos adolescentes inseridos no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro nos ordenam nesse sentido. É o caso do survey desenvolvido por Mendes e Julião (2019)MENDES, Claudia Lucia Silva; JULIÃO, Elionaldo Fernandes (Coords.). Trajetórias de vida de jovens em situação de privação de liberdade no Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Degase, 2019., aplicado entre adolescentes que atualmente cumprem alguma medida socioeducativa no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), órgão estadual responsável pela operacionalização das decisões judiciais. Ao questionarem sobre a questão de raça, os autores do estudo sublinharam que pouco mais de 76% dos internos são adolescentes negros.

Isso nos leva a considerar dois pontos que, embora não sejam explícitos, fazem parte de seu escopo e da própria ação policial: o racismo estrutural e a seletividade penal. Ainda que os debates posteriores tenham o objetivo de aprofundar essas e outras perquisições, a construção de um perfil, como fazemos aqui, deve considerá-las desde já. De acordo com Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Pólen, 2019., p. 32), o racismo pode ser compreendido como “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”.

O racismo institucional - conceito que também está contido na análise - extrapola as perspectivas individuais, passando a ser parte integrante do funcionamento institucional com o objetivo de relacionar uma rede de vantagens e desvantagens baseadas na questão da raça (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Pólen, 2019.). O autor avalia que, na medida em que as instituições absorvem preceitos da vida social, seu ordenamento, suas regras, passam também a definir os indivíduos como sujeitos - ou não. Assim, conforme essa definição se estabelece, consolidam-se também os “parâmetros discriminatórios baseados na raça” (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Pólen, 2019., p. 40), utilizados com o objetivo de manutenção de grupos raciais em suas determinadas esferas de atuação.

Almeida (2020ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Pólen, 2019., p. 47) considera que, havendo uma transição das ações individuais para movimentos coletivos e institucionalizados, há de se convir que “a imposição de regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira vinculada à ordem social que ela visa resguardar”. Logo, não se estabelece integralmente no interior das instituições, mas advém de uma conjectura anterior a ela, sendo o racismo a consequência da própria estrutura social, das relações que se estabelecem nos mais diversos âmbitos. Portanto, ao falarmos da manutenção de privilégios de grupos raciais, falamos também de classes.

Para Baratta (2003)BARATTA, Alessandro. Princípios do direito penal mínimo: para uma teoria dos direitos humanos como objeto e limite da lei penal. In: Doctrina penal: Teoría e prática en las Ciências Penais. Buenos Aires: Depalma, ano 10, n. 87, 2003[1987]. p. 623-650., a seletividade penal pode ser compreendida como uma demarcação de certos tipos sociais pelos operadores legais, tendo como ponto de partida elementos de seletividade que se baseiam, entre outras coisas, na estratificação desses grupos que têm sua raça e classe definidas pelo sistema, inevitavelmente, e a possibilidade de execução de práticas criminosas. Ao nos depararmos com a realidade de um sistema socioeducativo majoritariamente composto por adolescentes negros, atinamos para a realidade de uma ação policial detida, específica, seletiva, em que seus alvos já são demarcados antes mesmo de qualquer indicação de delito.

É por isso que, ao perfilarmos as sentenças e entrecruzarmos certos dados obtidos com outros já produzidos pelo campo, não podemos deixar de compreender que a ação dos policiais militares não se traduz somente como consequência do processo de sujeição criminal (MISSE, 1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.) ou expoente manifesto da seletividade penal no sistema brasileiro. Suas ações “operativas” (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019.) e sua “ética corporativa” (KANT DE LIMA, EILBAUM e PIRES, 2017KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017.) não são apenas traduções de uma rotina particularizada das corporações, e não podemos interpretá-las como se o fossem. São ações que se consolidam a partir de uma estrutura social eminentemente racista, e que traduz seus rebatimentos nas ações policiais e nas decisões institucionais.

O envolvimento do adolescente

Envolvimento é uma categoria nativa dos policiais militares que aparece com frequência em seus depoimentos. É comumente utilizada como forma de marcar uma espécie de ligação direta entre os adolescentes e as infrações - na maioria das vezes, ao tráfico de drogas - de modo a unificá-los, condensá-los em uma relação simbiótica, sendo o envolvimento o produto automático, direto, da aliança entre crime e território. É, também, elemento de distinção entre culpados e inocentes, já que “é possível diferenciar quem é morador e quem está envolvido”. Pretendemos, futuramente, avançar nas investigações a respeito do uso desse termo, como forma de compreender melhor a sua operacionalização no cotidiano policial.

Embora o envolvimento possa ser considerado um motivo mobilizado pelos policiais militares, existem outros que são direcionados aos adolescentes que também carecem de atenção, como: “o colega o prendeu com um rádio em funcionamento. O outro estava com um saco na mão, mochila nas costas” e, na mesma ocasião, “apreendemos dois rádios que não me lembro com quem estava”. “Ele estava com um rádio na mão na frequência do tráfico”. “Somente havia um rádio que estava ligado”. “Tive a atenção voltada para ele (...) que aparentou estar nervoso ao nos ver”. “Em uma esquina, encontramos com uma mochila e um rádio transmissor na mão”. “As drogas estavam na mochila e o rádio, sintonizado”.

As falas registradas nos depoimentos policiais demonstram uma necessidade objetiva de vinculação do adolescente a elementos considerados “suspeitos”, a fim de que o relato ganhe veracidade. Os objetos, especialmente a mochila, a sacola e o radinho, são citados como forma de agravar a condição dos adolescentes acusados. É um meio de os oficiais demarcarem que aquele adolescente, em certa medida, pertence ao tráfico. Especialmente a mochila, item utilizado na vida comum, ganha um tom acusador não apenas na condição de objeto; há algo ainda mais grave que perpassa o sujeito julgado. Vianna e Farias (2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011., p. 104) atestaram a mesma construção discursiva em sua pesquisa sobre a luta política das mães de jovens mortos pela violência de Estado. Em uma das audiências em que estiveram, as autoras registraram a fala de um dos acusadores que comparava o filho de uma das mães, objeto da audiência, e o caso da fuga de traficantes da Vila Cruzeiro, em 2010: “O que ele levava nas costas? Uma mochila! E todos vimos agora na televisão os traficantes fugindo da Vila Cruzeiro. E o que eles levavam nas costas? Mochilas!”.

Contudo, a acusação de envolvimento por parte dos policiais e a associação dos adolescentes a itens que demarcariam a sua participação nos mercados ilegais são confrontadas pelas falas dos acusados. Em certos momentos, vislumbramos relatos dos adolescentes que diziam que “o flagrante foi forjado pelos policiais” ou que “foi acordado e agredido por policiais que, ao revistarem o espaço, não encontraram nada que o pudesse incriminar, apenas os rádios”, ou ainda que “estava com os garotos de lá, e com eles tinha drogas”. No momento da perseguição, “não demorou muito e o policial me pegou. Não o conhecia. Não sabia porque disse que eu estava com rádio”, relatando também que “não falei a verdade porque colocaram arma na minha cabeça”.

A denúncia do flagrante forjado e do abuso de poder por parte dos policiais norteia algumas das falas dos adolescentes em defesa própria. Predominantemente, essas contrapartidas são descartadas na construção da decisão judicial, uma vez que a crença nas instituições do Estado e na fé pública que carregam os policiais tornam obsoletas quaisquer formas de redirecionamento da culpa. Logo, “os juízes não parecem conceber a violência como um procedimento adotado pelos policiais durante as abordagens” (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019., p. 6). Isso fortalece a narrativa dos oficiais e enfraquece quaisquer possibilidades de os adolescentes terem suas falas consideradas. Muitos deles, por terem vivenciado o descrédito das instituições a respeito de suas versões, optam por fazer “justiça com as próprias mãos” ou pelo silêncio diante das audiências (NERI, 2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: a experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.).

Essa realidade de contato diário com uma rotina ilegal proposta pelos policiais é conflitante, por exemplo, com as versões de familiares. Embora estes não tenham suas versões registradas nas sentenças com certa constância e densidade, suas versões trazem outro aspecto da vida dos adolescentes: por vezes, as testemunhas falam sobre um adolescente com frequência escolar, bom comportamento no interior de suas relações, de convívio pacífico com aqueles que constroem as sociabilidades ao redor do bairro - em geral, obedientes. Moradores, quando testemunhas, negam a existência de tráfico em seus bairros na qualidade imposta pelos oficiais. Mas essas versões raramente são acolhidas pela Justiça, porque falamos de atores que são incapazes de oporem à altura o sistema de justiça criminal (MIRAGLIA, 2005MIRAGLIA, Paula. Aprendendo a lição: uma etnografia das Varas Especiais da Infância e Juventude. Novos Estudos, São Paulo, n. 72, p. 79-100, 2005.).

A realidade da descrença na fala dos adolescentes e familiares em detrimento da narrativa policial também se explica pelo conceito de humanidade disputada, proposto por Freire e Teixeira (2017). Em suas elaborações, os autores argumentam a respeito de um processo de desumanização, por meio do qual certos sujeitos não são vistos como detentores de direitos. A pauta dos direitos humanos é problematizada, inclusive, como um “direito de bandido” pelos policiais abordados nas pesquisas. O que queremos salientar ao acionarmos esse determinante teórico é o fato de que os adolescentes não são vistos como sujeitos ilibados para a comunicação dos fatos. Na medida em que são descartados ou desacreditados, são também desumanizados. A humanidade disputada, que se estabelece sobretudo na relação entre policial versus acusado na pista, passa a ter um ponto inicial no território institucionalizado.

A verdade

Embora não seja o objetivo deste trabalho analisar prioritariamente a posição da Justiça, fato é que sua conduta se interliga diretamente à dos policiais, em uma relação de retroalimentação. É notória a predominância dos discursos policiais como elementos basilares das decisões finais. Mas, outro ponto interessante relacionado à Justiça diz respeito às suas justificativas: em sua maioria, fala-se da importância de se preservar uma “ordem social coesa e harmônica”, “mantendo os adolescentes distantes das formas múltiplas de crime”, “havendo a necessidade de resguardá-los da criminalidade de forma a recuperá-los”.

Retomamos o trabalho de Jesus (2019)JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019. e o repertório de crenças para avaliarmos que os juristas são munidos de uma confiança para com o trabalho dos policiais militares que os impede de enxergar quaisquer dúvidas a seu respeito. Isso os levou, em diversos momentos, a tomarem para si os testemunhos policiais como parte protagonista de suas conduções finais, como elementos basilares das decisões judiciais. Ainda que a defesa argumentasse o contrário aos policiais, o benefício da dúvida jamais foi colocado em questão nas sentenças. O depoimento policial foi, maciçamente, acatado.

Segundo Egon Bittner (2003), os juízes apresentam certa resistência em fiscalizar o trabalho da polícia, talvez porque precisem acolher o trabalho policial para que seu próprio seja realizado. Não se questiona também a forma como os agentes policiais conseguem confissões e provas, pois os juízes precisam desses elementos nos processos. A crença de que policiais cumprem suas funções no estrito limite da lei é compatível com o pressuposto de que somente em alguns casos individualizados há sinais de sua “má conduta”, estes sim, reprováveis (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019., p. 6).

Sobre a fusão entre o testemunho policial e a decisão judicial, há um aspecto importante que merece destaque: a presença da Súmula no 70 como meio de justificar a escolha do Tribunal pela fala dos policiais. Sancionada pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (PJERJ), o documento assevera que a condenação de um réu é possível mesmo que os depoimentos estejam restringidos a falas de oficiais. Na citação direta ao termo: “o fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação” (PJERJ, 2019, s/p).

Nas sentenças em que houve registro de depoimento policial, localizamos a citação direta à Súmula em seis decisões. Nestas, as medidas aplicadas foram as de internação (3), liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade (2) e semiliberdade (1). A questão em relação ao uso da Súmula no 70, para além do debate jurídico, dizia respeito ao modo como era colocado. Quando a súmula era citada pelos juízes, percebia-se que aquele era um meio formal, institucionalizado, de se escolher um testemunho em detrimento de outro. Por vezes, precedendo a escolha, falava-se sobre uma “ausência de desavença pretérita” e, em seguida, utilizava-se do Verbete como meio de justificar a escolha pelo testemunho policial, tido como “coerente e dentro da realidade” em detrimento dos demais.

A questão da desavença pretérita se vincula a uma crença dos magistrados na conduta policial (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019.), asseverando que suas atitudes como oficiais são balizadas pela lei e ordem, em detrimento de qualquer elemento moral privado. Aqui, isso pode ser percebido na medida em que a afirmam, restando “evidente” que não haveria razão para o policial consolidar sua denúncia senão pelo “bem comum”. Isso se dá, inclusive, em sentenças cujos adolescentes falam da existência de um flagrante forjado pelos policiais. A provável pessoalidade, na interpretação jurídica, inexiste. Bugnon e Duprez (2015)BUGNON, Géraldine; DUPREZ, Dominique. As relações entre jovens infratores e a polícia sob a ótica das lógicas penais, policiais e territoriais. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 46, n. 1, p. 165-198, 2015., todavia, afirmam que as detenções ocorrem justamente pela existência de um conhecimento prévio entre policiais e adolescentes.

Alguns estudiosos procuraram elaborar investigações centralizadas no uso da Súmula no 70 em processos judiciais, como foi o caso de Melo e Medina (2020)MELO, Robert George Otoni de; MEDINA, Lucas Ariech Bezerra. Um estudo sobre a viabilidade epistemológica da Súmula n. 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Revista Transgressões - Ciências Criminais em debate, v. 8, n. 1, p. 78-95, 2020.. Os autores são categóricos ao afirmar que os depoimentos policiais não são isentos de pessoalidades, havendo uma possibilidade considerável de que suas falas sejam construídas a partir de concepções pessoais. Afirmam que o sistema de justiça se constrói por estratégias de poder que consolidam uma espécie de teatro, em que a padronização em todas as suas instâncias determina a verdade.

O padrão deveria ser um ponto de interrogação junto à interpretação jurídica, um elemento “não confiável” que carece de averiguação (MELO e MEDINA, 2020MELO, Robert George Otoni de; MEDINA, Lucas Ariech Bezerra. Um estudo sobre a viabilidade epistemológica da Súmula n. 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Revista Transgressões - Ciências Criminais em debate, v. 8, n. 1, p. 78-95, 2020.), em detrimento das falas familiares que, em certa medida, têm o know-how para falar sobre seus adolescentes. Mas o que ocorre é o oposto: o desconhecido ao réu se torna confiável, e o conhecido, desconfiável. Ao colocar a decisão judicial neste lugar de inversão, o uso da Súmula se torna uma “redução da complexidade do Direito, feita de forma unilateral, descontextualizada” (STRECK, 1995, p. 322 apudMELO e MEDINA, 2020MELO, Robert George Otoni de; MEDINA, Lucas Ariech Bezerra. Um estudo sobre a viabilidade epistemológica da Súmula n. 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Revista Transgressões - Ciências Criminais em debate, v. 8, n. 1, p. 78-95, 2020., p. 85).

Ao analisar 2.951 sentenças contidas na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ), Amaral (2019)AMARAL, Lane dos Santos. A Súmula 70 do TJRJ e sua utilização nas condenações por tráfico de drogas: uma análise nas varas criminais estaduais de Volta Redonda/RJ. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, 2019. observou que policiais militares eram testemunhas principais em 53,79% dos casos. Havia o registro de uma testemunha de defesa em quase 24%. Em aproximadamente 95% dos casos analisados, o depoimento policial foi o balizador da decisão judicial, junto à determinação da Súmula no 70 como forma de embasar a escolha. Quanto aos argumentos utilizados pelos oficiais, Amaral registrou que em 40,92% das decisões os policiais utilizavam de terminologias criminalizantes contra o réu ou seus locais de moradia, pontuados como “dominado por determinada facção e conhecido como ponto de venda de drogas” (AMARAL, 2019AMARAL, Lane dos Santos. A Súmula 70 do TJRJ e sua utilização nas condenações por tráfico de drogas: uma análise nas varas criminais estaduais de Volta Redonda/RJ. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, 2019., p. 55).

O padrão

Entre todos os aspectos identificáveis nas sentenças em que há depoimentos policiais, um se destaca por sua importância e complexidade: a presença de um padrão nos discursos policiais. Veja, aqui falamos de processos que não têm relação entre si e que tiveram decisões emitidas em momentos diferentes. Esse padrão, inclusive, só nos restou claro nos momentos finais da pesquisa, quando colocamos em perspectiva algumas semelhanças entre os motivos policiais. Salvo algumas pequenas mudanças narrativas de tempo, espaço e sujeitos presentes na ação, a maior parte dos depoimentos tece o seguinte: os policiais iniciam um patrulhamento de rotina ou ronda em um bairro que, como já vimos, é nomeado como “de tráfico”. Quando avistam um sujeito ou um grupo tido como “suspeito”, iniciam uma perseguição homérica no interior do território - perigoso - até o momento em que o adolescente é apreendido.

É importante ter em mente que, nessas sentenças, não houve nenhum caso em que a palavra dos militares foi colocada em dúvida ou desacreditada. Isso aconteceu, mas não com eles: os testemunhos de familiares dos adolescentes eram comumente qualificados como insuficientes, fantasiosas, sem relação com a realidade. De forma prática, é possível explicar a adesão ao depoimento policial justamente porque se observa um padrão. Nos casos em que há registro, dificilmente se percebe alguma discordância ou informação que fuja ao que é posto como motivo. Por essa razão, como as próprias infrações seguem um padrão descritivo - territorial e infracional - qualquer informação que fuja da ideia de território hostil, adolescentes traficantes, más companhias, objetos criminalizadores é colocada em dúvida.

Notamos que o padrão policial se baseia unicamente em seus motivos, em suas crenças em relação aos adolescentes em questão e aos territórios em que se inserem como parte integrante do Estado. A ação dos juízes nesse caso é tão somente produto de suas crenças sobre a conduta policial, em um sentido carregado de veracidade (JESUS, 2019JESUS, Maria Gorete Marques de. Verdade policial como verdade jurídica: narrativas do tráfico de drogas no sistema de justiça. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-15, 2019.). No interior do debate a respeito da “ética corporativa”, de Kant de Lima, Eilbaum e Pires (2017)KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lênin dos Santos. Lógicas corporativas, particularismos e os processos de administração institucional de conflitos no Rio de Janeiro. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 19, n. 2, p. 18-35, 2017., que temos utilizado ao longo dessa exposição, consideramos que ela não se consolida somente no interior das corporações como um modus operandi, mas em todo um sistema servido pela ética policial.

Ao avaliarmos a existência consistente desse padrão e do modo como a Justiça se relaciona com ele, torna-se evidente que a “ética” se espraia por outros setores e instituições como um elemento coletivo, que excede a unicidade corporativa dos policiais militares. Trata-se de uma “ética” que também é cúmplice, carregada de crenças e valores compartilhados e que, em certa medida, é estabelecida a partir de um sentimento de conivência com as ações dos oficiais. Apesar dessa “ética cúmplice”, é certo que “a simples suposição de que o policial, como agente público que é, irá agir estritamente dentro da legalidade e não será suscetível ao erro é, no mínimo, ilusória” (AMARAL, 2019AMARAL, Lane dos Santos. A Súmula 70 do TJRJ e sua utilização nas condenações por tráfico de drogas: uma análise nas varas criminais estaduais de Volta Redonda/RJ. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal Fluminense, Volta Redonda, 2019., p. 51).

De forma mais articulada com a teoria, podemos pensar não apenas a partir do conceito de sujeição criminal (MISSE, 1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999., 2010), mas também da ideia foucaultiana de poder como rede (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. 2.ed. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2010.), guardadas as devidas proporções. Em uma audiência, temos distribuídas as nuances de um poder que assim se estabelece, mas que se manifesta de formas diferenciadas por meio de suas relações. A pessoa que o maneja, bem como a relação entre o que é dito e os interesses hierarquicamente concebidos, são pontos fundamentais para que algo seja acatado ou não. Essas relações de poder, de acordo com Deleuze (2013DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2013., p. 81), “não emanam de um ponto central ou de um foco único de soberania, mas vão a cada instante ‘de um ponto a outro’ no interior de um campo de forças, marcando inflexões, retrocessos, retornos, giros, mudanças de direção, resistências”.

Ao tomarmos como elemento a afirmação de Porto (2015)PORTO, Maria Stela Grossi. A violência, entre práticas e representações sociais: uma trajetória de pesquisa. Revista Sociedade e Estado, v. 30, n. 1, p. 19-37, 2015. a respeito da missão policial, que transita entre o legítimo e o ilegítimo, podemos compreender esse modelo de ação como algo que percorre ambos. Legítimo porque segue amparado pelas instituições licenciadas pelo Estado, principalmente a Justiça, cuja conjugação de ações é evidente, assim como seu propósito; e ilegítimo porque aperfeiçoa o uso desproporcional da força (WERNECK, TEIXEIRA, TALONE, 2020WERNECK, Alexandre; TEIXEIRA, Cesar Pinheiro; TALONE, Vittorio. “An Outline of a Pragmatic Sociology of ‘Violence’”. Sociologias, v. 22, n. 54, p. 286-326, 2020.), do discurso à ação, mediante investidas ostensivas que vão da audiência ao território.

Conclusão

Diante da característica construção das sentenças, suas nuances e seu próprio repertório ritualizado, alguns elementos narrativos se tornam quase imperceptíveis; outros, todavia, ficam mais evidentes. Ao longo da análise, observamos um discurso padronizado entre os oficiais alocados como testemunhas. Embora falemos de sentenças emitidas em anos diferentes, ao colocarmos em perspectiva os motivos e as estruturas narrativas pudemos perceber que suas falas seguiam um fio de “perseguição homérica”, algo que se tornou parte integrante da “ética corporativa” dos oficiais, e que baliza suas ações no contexto das audiências.

A identificação desse padrão foi importante para avaliarmos possíveis razões pelas quais as narrativas de familiares - totalmente diferentes das que acabamos de descrever - não eram aceitas em juízo. Há de se convir que uma história, ao ser contada repetidas vezes e por pessoas diferentes, quando alinhadas a lugares de dominação, passa a se tornar um fato pétreo. Nesse caso, desvelamos que a insistência dos oficiais em relatos como esse dirimem as possibilidades de outras testemunhas terem suas versões acatadas - falamos, aqui, de versões que evidenciam a dita boa índole do adolescente, suas boas relações familiares e com seu entorno.

Um segundo ponto evidenciado por esse padrão é a caracterização dos territórios ocupados pelos adolescentes - em que eles geralmente são apreendidos - como lugares de tráfico, da boca, perigosos, do crime. No vocabulário de motivos, foram recorrentes os adjetivos que os colocavam em uma dimensão de perigo, reduzindo toda uma extensão demográfica à ilegalidade. É importante compreendermos que esse reducionismo não atinge somente o espaço, mas também os sujeitos que o ocupam. À medida que policiais militares justificam apreensões de adolescentes, ou quaisquer outros, tendo em vista a periculosidade do território, tornam-se igualmente perigosos os seus ocupantes. Ou seja, converte-se uma justificativa para que as ações ostensivas do Estado continuem a ocorrer.

Essa forma de se construir um argumento acusatório também tem raízes manifestas no racismo estrutural e na seletividade penal, elementos presentes em diversos debates em que privilegiamos como aporte analítico o sistema de justiça criminal. Ao falarmos recorrentemente de uma “ética corporativa”, de uma “ética policial”, há de convir que as atitudes que compõem esse conjunto de ordenamentos práticos e morais também se constituem a partir de outros determinantes, como os pessoais. A visão que um oficial tem de um adolescente como “suspeito”, produzida no interior das academias policiais, mas também a partir dos elementos privados de cada policial, é fruto de uma ótica racista e seletiva, em que apenas determinados sujeitos, tipos sociais, seriam inclinados a práticas delituosas.

Tendo em vista uma legislação específica que visa à proteção integral e à identificação desses adolescentes como sujeitos de direito, nota-se que a ação dos indivíduos envolvidos na condução do rito se distancia cada vez mais desses preceitos. Especialmente nos casos de tráfico de drogas - em que foram localizados, em sua maioria, os depoimentos policiais - um movimento institucional conduz o adolescente a uma condenação custosa. A pesquisa nos mostrou que, quando colocadas em perspectiva com sentenças vinculadas a crimes mais “gravosos”, como homicídio, duas características chamavam a atenção: a ausência de depoimentos e de terminologias criminalizantes. Havia, essencialmente, uma descrição detalhada dos fatos e da decisão judicial.

Considerando-se que os discursos policiais têm uma projeção considerável em detrimento, por exemplo, das falas de familiares - embora as testemunhas estejam definidas, há uma desigualdade manifesta entre suas formas de expressão e interpretação dos juízes quanto à possível veracidade - é crucial que se coloque em perspectiva a importância de processamento jurídico ser mais transparente e imparcial. Como policiais passam a balizar integralmente as decisões judiciais, evoca-se uma urgência de controle sobre os corpos e uma intensificação das noções de biopoder - guardadas as devidas proporções do conceito - em que o objetivo é o encarceramento pelo bem da sociedade. Mas qual?

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    A acumulação social da violência pode ser entendida como “um complexo de fatores, uma síndrome, que envolve circularidade causal acumulativa” (MISSE, 1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999., p. 379), compreendendo a importância de “reconhecer as formas concretas pelas quais as práticas e suas representações sociais combinam, em cada caso, processos de acusação e justificação, criminação e descriminação, incriminação e discriminação” (MISSE, 1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999., p. 379). A sujeição criminal, por sua vez, pode ser compreendida a partir da relação concebida socialmente entre as práticas criminais e tipos sociais específicos, culturalmente lidos como potenciais criminosos. Segundo Misse (2010)MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 15-38, 2010., é algo que se inicia no indivíduo - o tipo social -, mas que também tem a capacidade de espraiamento pelo território e, consequentemente, por seus iguais. Para mais, ver Misse (1999MISSE, Michel. Marginais, malandros e vagabundos & a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Humanas - Sociologia) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999., 2008MISSE, Michel. Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Civitas, Porto Alegre, v. 8 n. 3, p. 371-385, 2008., 2010).
  • 2
    A pesquisa tratou de analisar um conjunto de 25 sentenças emitidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) entre 2012 e 2018, em casos cujos réus foram adolescentes considerados em conflito com a lei. O objetivo era avaliar como se construíam os discursos de juízes, policiais militares e familiares dos adolescentes, de modo a perfilar as decisões judiciais e possíveis tendências institucionais. Para mais, ver Machado (2022)MACHADO, Carla Mangueira Gonçalves. Vozes que condenam: um estudo sobre as condenações de adolescentes no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2022..
  • 3
    A súmula no 70 é um documento emitido pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (PJERJ) utilizado em determinados processos para validação do testemunho policial como elemento suficiente para a condenação do réu.
  • 4
    Chamamos de testemunho direto aqueles que podem ser considerados excertos das falas oficiais, sem alterações ou interferências; já os indiretos são recontados a partir de uma terceira pessoa, geralmente o juiz do caso, que remonta o argumento dos oficiais a partir de sua própria leitura.
  • 5
    As sentenças que traziam somente uma menção à fala policial e à necessidade de conceder-lhe veracidade, em sua maioria, não traziam muitos detalhes dos casos. Eram documentos de revisão do processamento jurídico que, ao final, traziam a decisão judicial.
  • 6
    Essa categoria utilizada pelos autores nos auxilia na compreensão dos dados que apontam a RMRJ como território de maior incidência de casos. Contudo, como nosso intuito é o de perscrutar os discursos, não nos ateremos a essa questão com riqueza de detalhes.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2022
  • Aceito
    06 Dez 2022
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