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Policiamento de manifestações: Repertório da ação policial em São Paulo (2013-2016)

Policing Demonstrations: Repertoire if Police Action in São Paulo (2013-2016)

Resumos

Após o ciclo de protestos que levou multidões às ruas em 2013 e demonstrou o caráter violento da polícia com os manifestantes, as práticas policiais em manifestações passaram a ser monitoradas pela sociedade civil. Esta pesquisa analisa o campo do policiamento de manifestações e o contexto dos protestos ocorridos de 2013 a 2016, em São Paulo, com base nos relatórios da ONG Artigo 19, a fim de apresentar as táticas utilizadas pela polícia. Assim, foi possível concluir que a polícia se especializou nas táticas de detenção e vigilantismo, além de utilizar da "incapacitação estratégica" com movimentos autonomistas.

Palavras-chave:
policiamento de manifestações; ação policial; polícia; protesto; São Paulo


After the cycle of protests that brought crowds to the streets in 2013 and demonstrated the violent character of the police with protesters, police practices in demonstrations began to be monitored by civil society. Policing Demonstrations: Repertoire if Police Action in São Paulo (2013-2016) analyzes the field of policing demonstrations and the context of the protests that occurred in São Paulo, based on the reports of the NGO Article 19, in order to present the tactics used by the police. Thus, it was possible to conclude that the police specialized in detention and vigilantism tactics, as well as using "strategic incapacitation" with autonomist movements.

Keywords:
policing protest; police action; police; demonstration; São Paulo


Policiamento de manifestações em São Paulo: o desenho da pesquisa

As manifestações de rua integram um conjunto de maneiras dos cidadãos demonstrarem seu descontentamento, tornando pública alguma questão social e/ou política. O direito a esse tipo de manifestação é uma das salvaguardas da democracia, pois impede que medidas sejam impostas verticalmente e a relação com os governantes seja reduzida apenas ao voto. No entanto, a garantia do direito de reunião nas democracias tem mobilizado um ator que gera controvérsias na sua atuação: a polícia.

A forma como a polícia realiza sua função nas manifestações influencia a percepção dos cidadãos a respeito de como o Estado respeita suas liberdades (COMPARATO, 2015COMPARATO, Bruno Konder. “O policiamento nas manifestações e a qualidade da democracia na América Latina”. Anais do 39º Encontro Anual da Anpocs, 2015.), visto que o protesto é um recurso político utilizado pelos impotentes, como dizia Lipsky (2010)LIPSKY, Michael. Street-level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Servisse. 30th anniversary expanded edition. New York: Russell Sage Foundation, 2010., e ainda é uma das únicas possibilidades concretas que a esmagadora maioria das pessoas dispõe para fazer com que suas reivindicações cheguem ao conhecimento das autoridades.

No Brasil, apesar do policiamento de manifestações estar no corpus de atuação da polícia, os olhares se voltaram para a maciça divulgação pela mídia das repressões policiais ao ciclo de protestos de junho de 2013, organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL). As manifestações que, inicialmente, contestavam o aumento da tarifa do transporte público, se alastraram por todo o país e tiveram suas demandas modificadas ao longo dos anos.

Este artigo é um resumo da pesquisa de mestrado intitulada Policiamento de manifestações: repertório da ação policial em São Paulo (2013-2016) desenvolvida em 2021. O objetivo da pesquisa foi compreender como se deu a evolução dos repertórios da ação policial utilizados na cidade de São Paulo entre 2013 e 2016. Para isso, foi mobilizado o conceito de repertório de Tilly (1978)TILLY, Charles. From Mobilization to Revolution. Newberry Award Records, 1978., um levantamento bibliográfico sobre a polícia e os movimentos sociais, e, por fim, a análise dos relatórios da ONG Artigo 19, que acompanhou a série de acontecimentos durante os três anos.

Para Tilly (1978)TILLY, Charles. From Mobilization to Revolution. Newberry Award Records, 1978., o conceito de “repertório” designava um conjunto de ações que os atores engajados na ação coletiva dispunham para expressar suas demandas. Esses repertórios são variados historicamente, de acordo com o sucesso que uma determinada ação pode surtir. São exemplos de repertório da ação coletiva: passeatas, barricadas, abaixo-assinados, entre outros. A partir dessa concepção, o conceito de “repertório” foi estendido para as ações policiais que também ocorrem durante as manifestações de rua.

Assim como os atores engajados em ações coletivas desenvolvem ‘protótipos’ de atuação, as instituições policiais igualmente constituem um repertório de ação nas interações com os ativistas, as organizações de movimentos sociais e a ação coletiva de modo geral (FERNANDES, 2020FERNANDES, Eduardo Georjão. "O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil". Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020., p. 113).

O uso de bombas de gás lacrimogêneo, a detenção de ativistas e a técnica de envelopamento são algumas das táticas disponíveis no repertório da ação policial. Assim como no repertório da ação coletiva, as táticas podem ser combinadas, usadas de acordo com a conveniência da situação, ou seja, é possível utilizar a detenção de ativistas em conjunto com a dispersão por bombas de gás lacrimogêneo. A utilização do conceito de “repertório” visa facilitar o agrupamento de táticas, tornando possível a compreensão da estratégia de controle desenvolvida pela corporação.

O conceito de “ciclo” utilizado para analisar o período de manifestações de 2013 a 2016 foi desenvolvido por Tarrow (2009TARROW, Sidney. Poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009., p. 182):

Uma fase de conflito acentuado que atravessa um sistema social, com uma rápida difusão da ação coletiva de setores mais mobilizados para outros menos mobilizados; com um ritmo rápido de inovação nas formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos da ação coletiva, novos ou transformados; com uma combinação de participação organizada e não organizada; e com sequências de fluxos intensificados de informação e de interação entre os desafiantes e as autoridades.

Após 2013, os ativistas foram às ruas, em 2014, para protestar contra os gastos da Fifa para a Copa do Mundo no Brasil. Em 2015, os protagonistas foram os estudantes de Ensino Médio da rede pública de São Paulo, que ocuparam escolas e universidades contra as reformas do sistema educacional promovidas pelo governo estadual. No ano seguinte, 2016, as ruas foram tomadas por manifestantes contrários e favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.; CAMPOS et al., 2020CAMPOS, Antonia M.; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Márcio M. Escolas de luta. São Paulo: Veneta, 2016.; RIBEIRO, 2016).

Devido à importância desses acontecimentos para a história da democracia e da liberdade de expressão no Brasil, a ONG Artigo 19 publicou relatórios para analisar a série de ocorridos nos protestos das principais capitais, incluindo São Paulo, e, consequentemente, as violações ao direito de protesto e expressão.

A ONG nasceu em Londres, em 1987, com a missão de defender e promover a liberdade de expressão, para isso desenvolve campanhas, oficinais e formações, além de atuar em processos legislativos e ações de políticas públicas. No Brasil, ela chegou em 2007, com sede em São Paulo, a partir da associação de advogados e jornalistas, para promover a campanha em torno da elaboração e aprovação da Lei de Acesso à Informação, aprovada em 2011.

De caráter qualitativo, o estudo enfatiza “as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser” (HAGUETTE, 1987HAGUETTE, Maria Tereza. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987., p. 63). Ao utilizar a análise documental, foi organizado o material coletado - os relatórios da Artigo 19 - de acordo com o objetivo de pesquisa - os repertórios da ação policial. Com a análise de conteúdo desse material, os dados foram organizados em tabelas, possibilitando a classificação dos repertórios em ação naquele período. A importância de se conhecer o papel social da polícia para a sociedade, de respeito ou repressão às reivindicações - uma vez que a polícia representa a resposta mais imediata do poder político às demandas dos cidadãos -, pode ser concebida como uma “burocracia ao nível da rua” que representa o governo para os manifestantes (COMPARATO, 2015COMPARATO, Bruno Konder. “O policiamento nas manifestações e a qualidade da democracia na América Latina”. Anais do 39º Encontro Anual da Anpocs, 2015.; DELLA PORTA e DIANI, 1998DELLA PORTA, Donatella; DIANI, Mario. Social Movements: an Introduction. Oxford: Blackwell Publishing, 1998.). “Uma vez que os policiais são a encarnação do governo, eles são os professores mais permanentes dos valores cívicos da sociedade” (BAYLEY, 2006BAYLEY, David. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., p. 212). Para a literatura acadêmica, essa pesquisa representa um avanço no entendimento do funcionamento da polícia paulista, visto que pretende delimitar os padrões de atuação em protestos e as direções para as quais o modelo de policiamento está caminhando.

O campo da polícia e dos movimentos sociais

Segundo Bayley (2006BAYLEY, David. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., p. 229), a “polícia é como um grupo de pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro de uma comunidade, através da aplicação da força física”. Algumas de suas funções sociais são o controle do crime, o serviço social, a manutenção da ordem e a repressão política. Essas tarefas de policiamento costumam surgir em emergências, geralmente com um elemento de conflito social em potencial. O ideal é que a polícia recorra a uma variedade de meios para manter a paz, sem necessitar dar início a procedimentos legais ou, eventualmente, usar a força. O bom policiamento é a arte de lidar com confusões sem recorrer à coerção (REINER, 2004REINER, Robert. A política da polícia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.).

As ações que a polícia realiza precisam de respaldo na sociedade. A autorização para policiar uma dada polity está sob o controle coletivo, ou seja, submetida às aprovações dos indivíduos ali presentes (MUNIZ e PROENÇA, 2014MUNIZ, Jaqueline; PROENÇA JR., Domício. “Mandato policial” In: LIMA, Renato Sérgio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli (Orgs.), Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo, Contexto, 2014, p. 491-501.). Portanto, as técnicas utilizadas pela polícia são aprovadas por aquela comunidade política. Para Comparato (2015)COMPARATO, Bruno Konder. “O policiamento nas manifestações e a qualidade da democracia na América Latina”. Anais do 39º Encontro Anual da Anpocs, 2015., o que caracteriza uma polícia democrática é o consentimento dos cidadãos em relação à suas ações, a legitimidade policial depende de sua autonomia em relação ao governo, para que suas soluções não sejam atreladas a uma estratégia política.

No caso brasileiro, a polícia foi criada para a repressão. Num primeiro momento, em 1808, para reprimir o crime de “vadiagem”, considerado uma transgressão da ordem. Durante o século XIX, as forças policiais estavam autorizadas a punir escravos e membros das classes mais vulneráveis (VALENTE, 2015VALENTE, Júlia Leite. Unidades de Polícia Pacificadora: pacificação, território e militarização. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Já a estrutura e a configuração da Polícia Militar em vigor nos dias de hoje foram herdadas da ditadura militar. Esse sistema policial foi criado em 1969, durante a ditadura militar, com o objetivo de combater os "subversivos" ou “terroristas”, termos empregados pelas autoridades policiais para se referir aos inimigos do regime, utilizando-se de todos os meios possíveis, incluindo a tortura e a execução. Assim, com técnicas sofisticadas e testadas por anos, que incluem a censura aos meios de comunicação e a repressão às mais diversas formas de manifestação, a Polícia Militar foi criada para responder em primeira instância aos interesses do Estado. A falta de reformas no aparato de segurança resultou no que alguns autores chamam de “Estado policial securitário” (TELES, 2018TELES, Edson. “O Doi-Codi do século XXI”. Blog da Boitempo, 2018. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/12/13/o-doi-codi-do-seculo-xxi/?fbclid=IwAR2A638Oy7mmQkh9ptzrbThsr1-2FOgxpEgLH0-ewNfV1ZGpzRXFQG6xqJg. Acesso: 5 jul. 2022.
https://blogdaboitempo.com.br/2018/12/13...
), em que a tortura e o desaparecimento de corpos por agentes públicos, práticas comuns no regime militar, foram institucionalizados e persistem mesmo depois da redemocratização.

No policiamento de manifestações, a polícia tem tido um papel central. Em Portugal, por exemplo, o número de operações realizadas pela polícia, entre 2009 e 2012, para garantir o direito de reunião, mais do que triplicou (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Steevan. A tropa de choque e as manifestações de rua. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.). Do ponto de vista do trabalho policial, contudo, essa é umas das tarefas mais complicadas, se for considerada a dificuldade em obter legitimidade para suas ações, vide os confrontos de 1999, em Seattle. Segundo o Police Executive Research Forum, não existe desafio maior para os policiais, no contexto democrático, do que atuar em manifestações públicas (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Steevan. A tropa de choque e as manifestações de rua. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.). Essa atividade exige preparo físico, psicológico e a tomada de decisões imediatas, característica inerente à atividade policial, que podem causar conflitos e deslegitimar o direito de reunião. Além disso, a visibilidade das ações policiais é maior nos momentos de protesto, principalmente quando há cobertura da mídia.

Importante notar que quando se fala em polícia, não se trata de um sujeito único, mas sim de uma multiplicidade que se expressa por meio de diversos departamentos, assim como de diferentes posições hierárquicas. Essa diversidade é capaz de gerar conflitos e alianças entre determinados setores. A partir dessas diferenças existentes em uma mesma instituição, formam-se coalizões com grupos da sociedade civil e atores políticos. Della Porta e Reiter (1998)DELLA PORTA, Donatella, REITER, Herbert (orgs.) Policing Protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998. apresentam duas coalizões principais nesse meio: aqueles que defendem o endurecimento da ação policial, tornando-a mais repressiva, e aqueles que defendem os direitos humanos, promovendo a liberdade de expressão e reunião, e condenam as formas mais violentas de ação policial. Essa disputa reflete no repertório da ação policial.

Outra variável que influencia o repertório da ação policial é o poder político institucional. Della Porta (1995)DELLA PORTA, Donatella. Social Movements, Political Violence, and the State: a Comparative Analysis of Italy and Germany. New York: Cambridge University Press, 1995. argumenta que, por exemplo, governos que se situam à esquerda do espectro ideológico tendem a desaprovar ações policiais repressivas, enquanto governos à direita as favorecem. Essa não é uma regra, tendo em vista a autonomia das instituições policiais mediante o poder político (WADDINGTON, 1998WADDINGTON, Peter Anthony James “Controlling Protest in Contemporary Historical and Comparative Perspective” In: Policing Protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1998.).

Para entender o que é repressão podemos adotar a definição que a associa a “uma ação estatal ou privada dirigida a prevenir, controlar ou constranger a ação coletiva não institucional, incluindo sua iniciação.” (EARL, 2011EARL, Jennifer. “Political Repression: Iron Fists, Velvet Gloves and Diffuse Control”. Annual Review of Sociology, EUA, v. 37, p. 261-284, 2011., p. 263). Essa definição tem a vantagem de evidenciar a importância da diferenciação entre a demonstração de força, como o uso de gás lacrimogêneo, e o poder de forma indireta, tal como a prática de vigilância dos ativistas (EARL, 2011EARL, Jennifer. “Political Repression: Iron Fists, Velvet Gloves and Diffuse Control”. Annual Review of Sociology, EUA, v. 37, p. 261-284, 2011.). No entanto, o uso do conceito de repressão, seja esse desenvolvido por qualquer um dos autores que buscaram sua definição, pressupõe que a ação policial tem como objetivo dificultar a realização dos protestos. O aumento do custo da ação coletiva não é, a priori, o objetivo das forças policiais, esses atores, ativistas e policiais, não estão necessariamente de lados opostos em todas as ocasiões. Por isso, o conceito, ao longo dos anos, foi sendo substituído por “controle social de protesto” (social protest control) (EARL, 2006EARL, Jeniffer. “Introduction: Repression and the Social Control of Protest”. Mobilization: an International Journal, v. 11, n. 2, p. 129-143, 2006., p. 130), permitindo um olhar mais dinâmico sobre as formas de policiar os protestos, para evitar a “heterogeneidade” do conceito de repressão.

As táticas da ação policial combinadas são denominadas por Fernandes (2020)FERNANDES, Eduardo Georjão. "O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil". Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020. como “estratégias policiais de controle” e são baseadas no modelo de policiamento. Essas estratégias são formuladas previamente por aqueles que estão no comando e colocadas em prática pelos policiais que estão nas ruas, de hierarquia mais baixa. No entanto, essa passagem do alto comando para a linha de frente sofre com a “burocracia ao nível da rua” (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Servisse. 30th anniversary expanded edition. New York: Russell Sage Foundation, 2010.), ou seja, a estratégia não é implementada em inteira conformidade com o planejamento. Os modelos de policiamento, que administram essas estratégias, foram se modificando ao longo dos anos.

A partir dos anos 1980, a aposta dos Estados tem sido o controle negociado (negotiated management), no qual a comunicação entre os manifestantes e a polícia é considerada elemento básico para a condução pacífica do protesto. Antes dos protestos, os representantes da manifestação se encontravam com a polícia para combinar os detalhes de rotas e a conduta utilizada pelos manifestantes no protesto, com isso os acordos dificilmente eram quebrados (DELLA PORTA, 1995DELLA PORTA, Donatella. Social Movements, Political Violence, and the State: a Comparative Analysis of Italy and Germany. New York: Cambridge University Press, 1995.). No entanto, essa estratégia de negociação sempre foi seletiva, a força escalonada seguiu sendo utilizada às margens, como no controle do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A pesquisa de Della Porta (1956) aponta para a distinção entre o “bom” e o “mau” manifestante, segundo a ótica policial, que tem como base especificamente o caráter disruptivo da manifestação. Essa distinção fica mais clara quando analisamos o artigo de Gilham e Noakes (2007)GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007. sobre o fracasso que esse modelo - o de controle negociado (negotiated management) - teve nas batalhas de Seattle (1999). Para os autores, o controle negociado, que surgiu com a força escalonada (escalated force), caindo em desuso a partir dos anos 1970, foi funcional durante muitos anos para diminuir o enfrentamento entre policiais e manifestantes, pois os grupos de protestos eram contidos, previsíveis e faziam acordos com a polícia.

No entanto, com a erupção dos protestos transgressivos (em sua maioria realizada pelos movimentos autonomistas), o modelo negociado perdeu sua utilidade com os manifestantes que não realizavam acordos com a polícia. A saída encontrada foi a elaboração de um novo modelo de policiamento, nomeado de “incapacitação estratégica”, responsável por aplicar táticas que visam incapacitar temporariamente os manifestantes. Esse modelo tem três pilares como base: vigilância e compartilhamento de informações; policiamento proativo e o controle espacial (GILHAM, NOAKES, 2007GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007.). É importante notar, entretanto, que esse modelo foi elaborado para os grupos transgressores, a polícia seguiu utilizando a gestão negociada com os movimentos que não faziam uso da ação direta e aceitavam a negociação. Mas, táticas como a vigilância, por exemplo, se estenderam para ambos os grupos.

A imprevisibilidade da situação gera respostas mais violentas por parte da polícia, e essa é uma das bases estruturais dos movimentos autonomistas. O trajeto, por exemplo, é decidido no ato do protesto. Tendo em vista essa imprevisibilidade, a polícia começou a investir mais em vigilância e bases de dados, passando por avanços tecnológicos. O policiamento proativo é a utilização de leis e prisões para interromper a organização de manifestações (GILHAM e NOAKES, 2007GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007.).

Esse binômio de passividade-violência se fez presente no Brasil também. A partir do ciclo de protestos de junho de 2013, movimentos disruptivos ocuparam as ruas e o debate público. O Movimento Passe Livre (MPL), responsável pelas primeiras manifestações na cidade de São Paulo nesse período, é autônomo, descentralizado, sem lideranças e horizontal. Com o uso da ação direta nas manifestações, uma minoria de manifestantes se inspirou na tática black bloc, que se tornou conhecida e alvo de diversas críticas. O principal objetivo dessa tática é exprimir sua crítica radical ao sistema econômico e político, por isso, os alvos costumam ser as vitrines de bancos e lojas, principais representantes do sistema capitalista. Ela é também uma maneira de se comportar nos protestos de rua e sua expressão marcante é o uso de máscaras, roupas pretas e ostentação de bandeiras anarquistas, como forma de manter o anonimato (DUPUIS-DÉRI, 2014DUPUIS-DÉRI, Francis. Black Blocs. São Paulo: Veneta, 2014.). O que é importante compreender é que não se trata de um grupo específico de pessoas que podem ser considerados um movimento social, mas sim uma tática que ocorre durante o protesto e que qualquer pessoa pode adentrar no momento.

A manifestação de rua é uma forma legítima de ação política, sendo caracterizada pela ocupação temporária da rua por um grupo de pessoas que, direta ou indiretamente, inclui a expressão de opiniões políticas (FILLIEULE, 2012FILLIEULE, Olivier. “The independent psychological effects of participation in demonstrations”. Mobilization, v.13, n. 3, p. 489-502, 2012.). Nesta pesquisa, os protestos inclusos são as passeatas, enquanto ocupações da rua diretamente, como tática dos movimentos sociais. A organização das manifestações costuma ocorrer por intermédio dos movimentos sociais, daí a importância de aproveitarmos a reflexão sobre eles para entender como se dá o confronto entre manifestantes e policiais. Os movimentos sociais para Maria Glória Gohn (2011)GOHN, Maria da Glória. “Movimentos sociais na contemporaneidade”. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 47, maio-ago. 2011. são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes, para compreendê-los é necessário buscar suas redes de articulações na prática cotidiana. Para Mario Diani (1992DIANI, M. “The concept of social movement”. The Sociological Review, v. 40, n. 1, 1992., p. 1), os movimentos sociais são “redes de interações informais entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajadas em conflitos políticos ou culturais, com base em identidades coletivas compartilhadas.”

O campo dos movimentos sociais que será tratado neste artigo diz respeito à Teoria do Processo Político, que surge com o objetivo de analisar os macroprocessos históricos no Ocidente, tendo como principal autor Charles Tilly. A mobilização será analisada como um processo no qual um grupo ligado pela solidariedade organiza coletivamente os recursos necessários para a ação, “a mobilização baseia-se num conflito entre as partes, uma delas momentaneamente ocupando o Estado, enquanto a outra fala em nome da sociedade” (ALONSO, 2009ALONSO, Angela. As teorias dos movimentos sociais: um balanço do debate. Lua Nova, São Paulo, v. 76, p. 49-86, 2009., p. 56). Essa dicotomia se faz presente nos termos “detentores do poder” (aqueles que têm acesso ou controle ao governo) e “desafiantes”.

O ato irredutível que está na base dos movimentos é a ação coletiva de confronto, que pode ser institucionalizada ou disruptiva (TARROW, 2009TARROW, Sidney. Poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.). No entanto, os movimentos sociais possuem relações complexas com o aparato estatal, nem sempre estão de lados opostos, alguns movimentos rejeitam sistematicamente a participação nas arenas oficiais, mas outros utilizam o Estado para dar maior visibilidade às suas demandas (ABERS e BULLOW, 2011ABERS, Rebecca; BULLOW, Marisa von. Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 52-84, 2011.).

O confronto político tem início quando, de forma coletiva, as pessoas fazem reivindicações a outras pessoas cujos interesses seriam afetados se elas fossem atendidas. As reivindicações vão desde súplicas humildes até ataques brutais, passando por petições, reivindicações através de palavras de ordem e manifestos revolucionários. O confronto, portanto, depende da mobilização, da criação de meios e de capacidades para a interação coletiva (MCADAM, TARROW e TILLY, 2009MCADAM, Doug; TARROW, Sidney; TILLY, Charles. “Para mapear o confronto político”. Lua nova, n. 76, São Paulo, p. 11-48, 2009., p. 11).

O ciclo de manifestações no Brasil de 2013 a 2016

Segundo Tarrow (2009)TARROW, Sidney. Poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009., o conceito de ciclo de protestos refere-se ao momento de intensificação de conflitos, quando um grupo diversificado de atores se engaja em manifestações públicas de forma mais intensa ao verificado regularmente, difundindo as pautas para os setores menos mobilizados da sociedade. Com o aumento do engajamento por parte da sociedade, essa dinâmica exige respostas das autoridades, que costumam responder por meio de repressão e/ou incorporação das demandas (TARROW, 2009TARROW, Sidney. Poder em movimento: movimentos sociais e confronto político. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.; TATAGIBA, 2014TATAGIBA, Luciana. “1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protesto e democracia no Brasil”. Política & Sociedade, 13/28, p.35-62, 2014.). Tatagiba (2014)TATAGIBA, Luciana. “1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protesto e democracia no Brasil”. Política & Sociedade, 13/28, p.35-62, 2014. argumenta que as mobilizações coletivas rompem o jogo político rotineiro. Dessa forma, é importante observar os atores envolvidos nessa dinâmica.

As mudanças conjunturais podem ajudar a compreender as causas do ciclo de protestos. De 2011 a 2013 ocorreu uma onda de protestos globais, como Occupy Wall Street, Movimento dos Indignados e a Primavera Árabe, que promoveram o modelo autonomista de mobilização. Além disso, na conjuntura nacional, o Brasil seria sede de megaeventos como a Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Na agenda política, problemas como a corrupção voltaram a ser manchete na mídia, e as políticas públicas de garantia de direitos sociais, feitas pelo governo petista, começaram a dar rápidos resultados com o amplo acesso à educação superior e o poder de consumo, diminuindo a distância entre estratos sociais (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.).

O ciclo de 2013 pode ser analisado, de acordo com Alonso (2017)ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017., em três fases: a eclosão do protesto (6 de junho), a diversificação (11 de junho) e a massificação (17 de junho). A eclosão diz respeito ao início das manifestações convocadas pelo MBL, com a presença do movimento autonomista representado por jograis e queima de catracas. A diversificação reflete a variedade de pautas que passaram a surgir enquanto demandas com a chegada de novos manifestantes, inclusive os partidos políticos de esquerda, movimentos sociais e sindicatos. A massificação representa o aparecimento de movimentos de direita com temas como o combate à corrupção e insatisfação com a política nacional, levando a recordes de mobilização e ao surgimento de novas bandeiras, tais como: adesão de torcidas organizadas, associações de moradores e partidos políticos. O recorde de mobilização ocorreu no dia 20 de junho, quando cerca de 1,5 milhão de brasileiros saiu às ruas (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.).

Alonso e Mische (2017)ALONSO, Angela; MISCHE, Ann. Changing Repertoires and Partisan Ambivalence in the New Brazilian Protests. Bulletin of Latin American Research, 36/1, p. 144-159, 2017. observaram a articulação e o conflito entre três repertórios dos movimentos sociais com características distintas: repertório socialista, autonomista e patriótico. O repertório socialista, historicamente utilizado pelos movimentos sociais da esquerda brasileira, perdeu força nesse ciclo de protestos. A polícia estava acostumada a realizar negociações com os movimentos sociais que utilizavam desse repertório socialista. A novidade foi dois outros repertórios: de um lado, estava o repertório autonomista, que faz uso de ação violenta e não violenta; de outro, o repertório patriótico, que faz uso de símbolos nacionais e marchas festivas.

Com a crise que se alastrava nas instituições, os atos, com menos adesão da população, continuaram nas ruas em 2014. Esse antagonismo entre a esquerda autonomista e socialista versus o setor patriota e reacionário também continuou. Mas a frente patriota cresceu e se organizou em 43 grupos, as lideranças eram o Vem pra Rua, ala mais liberal; Movimento Brasil Livre (MBL) e o Revoltados Online, este último mais reacionário (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.).

Ainda nos primeiros meses de 2014, houve uma grande mobilização contra o megaevento da Copa do Mundo no país, liderada pelos grupos de esquerda e movimentos sociais. No entanto, o megaevento significava para os manifestantes a corrupção, gastos desnecessários e o desgoverno. Os adeptos da tática black bloc voltaram às ruas também (PINTO, 2017PINTO, Célia R. J. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil (2013-2015). Lua Nova, 100, São Paulo, p.119-153, 2017.).

Após a reeleição de Dilma, em 2014, os ânimos voltaram a se exaltar. Cerca de 10 mil pessoas voltaram à Av. Paulista com gritos de ordem contra a corrupção, o PT e em defesa do juiz Sérgio Moro e da PM. Soma-se à análise conjuntural desse período o partido adversário do PT nas eleições de 2014, o PSDB, ter ido ao TSE alegar fraude nas apurações da eleição. Os protestos, de verde e amarelo, chegaram a contabilizar 210 mil pessoas, segundo o Datafolha. Até que Eduardo Cunha acolheu o pedido de impeachment (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.).

Nesse cenário político, a polarização se tornou mais acirrada nas ruas em 2015. De um lado, o setor socialista se aglutinou em campanhas de apoio a Dilma, como “Não vai ter golpe!”; de outro lado, o setor patriota organizou atos anti-Dilma (ALONSO, 2017ALONSO, Angela. A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos, jun. 2017, p. 49-58, 2017.).

Em 2016, os protestos das duas alas continuaram, mas a ala patriota ganhou adesão do empresariado e de setores organizados da classe alta, contando assim com uma organização profissional e megashows. Não houve incidentes de repressão policial. Já a ala socialista levou 95 mil pessoas às ruas com a presença do ex-presidente Lula (PT) no palanque e contaram com o apoio do setor autonomista. Isto é, os três estilos de ativismo - socialista, patriota e autonomista - estavam presentes ainda em 2016. A polarização entre esses grupos ficou historicamente simbolizada no dia 31 de agosto, no dia do voto pelo impeachment.

Figura 1
A polarização entre o setor socialista e patriota em 31 de agosto, em Brasília

A principal inovação que Tatagiba (2014TATAGIBA, Luciana. “1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protesto e democracia no Brasil”. Política & Sociedade, 13/28, p.35-62, 2014., p. 55) aponta para os protestos de junho é a presença de estratégias violentas de confronto:

Desde os primeiros protestos, a estética da violência se destacou nas ruas e na cobertura da imprensa. Pneus e latas de lixo incendiados, fachadas de bancos destruídas, estações de metrô depredadas, carros de emissoras de televisão atacados, tentativa de invasão de sede dos governos e legislativo, confronto aberto com a polícia. Nesse contexto, deu-se uma das mais belas imagens do protesto, a ocupação da fachada externa do Congresso Nacional, com a sombra dos manifestantes ampliando-se sobre um dos nossos principais símbolos do poder.

Tanto Tatagiba (2014)TATAGIBA, Luciana. “1984, 1992 e 2013. Sobre ciclos de protesto e democracia no Brasil”. Política & Sociedade, 13/28, p.35-62, 2014. quanto Silva e Fernandes (2017)SILVA, Camila Farias da; FERNANDES, Eduardo G. “Ciclo de protestos de 2013: construção midiática das performances de contestação”. Revista Ciências Sociais Unisinos, 53, p. 202-215, 2017. afirmam que as performances violentas foram a novidade no ciclo de protestos de 2013. Doubor e Szwako (2013DOWBOR, Monika; SZWAKO, José. “Respeitável público... performance e organização dos movimentos antes dos protestos de 2013”. Novos Estudos, 97, p. 43-55, 2013.) indicam que a dramaturgia da violência pelos atores foi central para a emergência do ciclo de protestos. “Assim, a violência, enquanto recurso cênico, também pode ser mobilizada pelos ativistas a seu favor, demarcando personagens emblemáticos como heróis, vilões e vítimas.” (PEREIRA e SILVA, 2020PEREIRA, Matheus Mazzilli; SILVA, Camila Farias da. “Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances”. Sociologia e Antropologia, v.10, n.2, Rio de Janeiro, p. 615-645, 2020., p. 630).

Para Secco (2013)SECCO, Lincoln. “As jornadas de junho” In: Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, p. 71-78, 2013. a polícia teve um papel decisivo para aumentar a adesão popular nas ruas, uma vez que após a violenta repressão policial ocorrida em 13 de junho, foi registrado um maior número de manifestantes nas vias públicas. Aráujo, Biar e Bastos (2017ARÁUJO, Etyelle P.; BASTOS, Liliana C. A repressão policial como choque moral: uma análise de narrativas de manifestantes de junho de 2013. Forum linguistic, Florianópolis, v.14, n.3, p. 2197-2213, jul.-set. 2017.) mobilizaram o conceito de choque moral, de James Jasper, para explicar esse movimento de empatia. O choque moral é quando um evento pessoal ou público provoca indignação, captura a atenção e mobiliza diferentes indivíduos, mesmo sem planejamento prévio, em torno da causa. Não é incomum que repressões violentas em protestos pacíficos causem esse choque moral, segundo os autores. Em 2013, não só a pauta em relação à redução da tarifa, mas também a dura repressão policial vivida pelos manifestantes mobilizou a população a ir para as ruas.

Relatórios da Artigo 19

A Artigo 19 é uma organização não governamental internacional de defesa dos direitos humanos, nasceu em 1987, em Londres, e está no Brasil desde 2007. Tem como missão a promoção da liberdade de expressão e seu nome tem origem no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além dessa agenda quanto à liberdade de manifestação em protestos, a ONG trabalha em outras frentes, como a proteção dos comunicadores, a promoção do acesso à informação e aos direitos digitais. Os relatórios que serão analisados possuem, portanto, informações como a condição dos comunicadores nos protestos e o avanço da garantia da liberdade de expressão nos tribunais. Essas informações não fazem parte da análise feita por esta pesquisa, pois nosso foco é o comportamento policial e os repertórios que ele mobiliza.

Foram analisados três relatórios da ONG: o primeiro é sobre os protestos de 2013; o segundo, sobre 2014 e 2015, e o terceiro relata a articulação entre os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - na violação ao direito de protestos, entre 2015 e 2016. É importante notar que esses relatórios não trazem separadamente os acontecimentos em cada cidade, mas sim um conglomerado de algumas capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Apesar disso, todas as táticas citadas foram utilizadas em São Paulo, conforme é possível concluir por intermédio de notícias da época e por relatório que se mostrou eficiente pela elaboração de análises sobre as táticas disponíveis. Com a falta de informações do próprio governo a respeito das ações policiais, foi necessário recorrer aos dados de um ator que não trabalha com pesquisas científicas, mas faz parte da disputa pela narrativa das manifestações.

Para analisar o repertório policial e a sua mobilização durante o período, foram separadas e tabeladas as táticas utilizadas pela polícia em cada ano. É possível notar uma continuidade das táticas ao longo dos anos, com o acréscimo de novas formas de repressão e controle.

De 2013 a 2016, foram utilizadas armas letais e menos letais, revista, e o aprimoramento do vigilantismo e das detenções arbitrárias. Ao longo desse período, foram incluídas novas táticas como as táticas internacionais (caldeirão de Hamburgo e envelopamento). No relatório de 2014, a ONG apontava para uma atuação mais estratégica e planejada por parte das forças de segurança. Muitas vezes, a ação policial se deu na tentativa de impedir que o protesto nem sequer iniciasse (ARTIGO 19, 2015ARTIGO 19. As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2015. Disponível em: https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-sob-ataque-protestos-2014-e-2015/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-...
). Em 2013, enquanto os protestos eram novidade tanto para a população como para sociedade civil, em 2014, eles faziam parte do cotidiano de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. A seguir, trataremos com mais detalhes sobre as táticas utilizadas.

As armas menos letais são utilizadas com a finalidade de dispersar a multidão, conter danos ao patrimônio e imobilizar os manifestantes por meio da dor (Coletivo Menos Letais). As principais armas de baixa letalidade utilizadas durante os protestos são o spray de pimenta, o cassetete, a bala de borracha, a bomba de gás lacrimogêneo e a bomba de efeito moral. No entanto, o uso indiscriminado dessas armas aumenta potencialmente o seu caráter letal, ferindo gravemente as pessoas que não estão envolvidas diretamente nos protestos. A Artigo 19 apresenta o fato de que o uso desse armamento foi tão potente no Rio de Janeiro, em 2013, que a Secretaria de Segurança teve de comprar emergencialmente bombas de gás lacrimogêneo, visto que o estoque da polícia ficou vazio.

As armas de baixa letalidade faziam parte do programa de armas químicas desde a Primeira Guerra Mundial, mas a utilização em manifestações começou na década de 1960. O governo norte-americano necessitava de novos tipos de armamento capazes de dispersar a multidão, mas sem ferir o mesmo tanto que as armas comuns. O gás lacrimogêneo, por exemplo, que era jogado na Guerra do Vietnã, passou a ser utilizado contra os cidadãos nas manifestações. Até a década de 1990, esse tipo de armamento já havia sido implantado ao redor do mundo para conter os protestos.

Interessante notar que, inicialmente, a nomenclatura era “armas não letais”, como se não pudessem ferir ou matar as suas vítimas. No entanto, utilizadas indiscriminadamente, podem causar sérios danos e até levar à morte. Por exemplo, a orientação dada à polícia é de que as balas de borracha têm de ser usadas a pelo menos 20 metros de distância da vítima e na direção das pernas. Isso, no entanto, não é o que ocorre. Um caso exemplar é o do fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha lançada pela Polícia Militar de São Paulo, que o fez perder a visão.

Em 2014, as armas menos letais contaram com um grande investimento estatal por conta da Copa do Mundo. Segundo apuração realizada pelo Exército, a União adquiriu da empresa Condor S/A R$ 46,5 milhões em armas menos letais destinadas às cidades-sede da Copa do Mundo. Foram distribuídos kits operacionais, com espingardas de bala de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, armas de eletrochoque, entre outros aparatos. Segundo o levantamento, a munição química adquirida seria suficiente para efetuar 797 disparos de bala de borracha e 819 lançamentos de granadas de gás por dia entre junho de 2013 e julho de 2014 (DINIZ e LACAVA, 2016DINIZ, Eduardo Saad; LACAVA, Luíza Veronese. “Entre junhos”: das manifestações aos megaeventos, a escalada da repressão policial. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, Franca, ano 19, n. 29, p. 1-17, jan-jul. 2016.; G1, 2014).

O uso de armas de fogo foi citado em todos os relatórios, sendo utilizadas emao menos nove protestos monitorados pela Artigo 19 só em 2013. Esse uso contraria o Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 17 de dezembro de 1979. Com o objetivo de orientar os governos em questões sobre os direitos humanos e o sistema de justiça criminal, esse código de conduta prevê que os Encarregados da Aplicação da Lei só poderão empregar a força quando for estritamente necessário, em momentos excepcionais, não podendo ultrapassar o limite razoavelmente necessário. Dessa forma, o uso da arma de fogo é uma medida extrema. A justificativa dada para o seu uso é apenas em casos de legítima defesa própria ou de outrem, quando há ameaça à vida. Sendo assim, o emprego de armas de fogo nas proporções aqui levantadas - nove manifestações no período de um ano -, em um país que não se encontra em guerra civil, sugere algum tipo de abuso de autoridade.

As detenções arbitrárias são outra tática do repertório policial, e foram amplamente utilizadas em 2013 e aprimoradas até 2016. Em um único dia na capital paulista, a polícia militar prendeu cerca de 230 pessoas, entre elas manifestantes e jornalistas, sob acusação de estarem “portando vinagre”, apesar de não existir qualquer norma que proíba o seu uso (EXTRA, 14/06/2013EXTRA. Repórter é preso em São Paulo por portar vinagre durante manifestações. Extra, Notícias, 14 jun. 2013. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/reporter-preso-em-sao-paulo-por-portar-vinagre-durante-manifestacoes-8689239.html. Acesso em: 7 jul. 2021.
https://extra.globo.com/noticias/brasil/...
). O vinagre começou a ser utilizado em 2013, por atenuar os efeitos do gás lacrimogêneo. Em algumas manifestações, a ordem era levar todos os jovens que estivessem usando mochilas para averiguação, o que também não consta no Código Penal Brasileiro.

Nas detenções de uma forma geral, observou-se uma série de ilegalidades cometidas pelos agentes policiais: impedimento da presença de advogado; omissão de informação de direito ao silêncio; uso desproporcional de algemas; criação de situações em que os indivíduos ficaram incomunicáveis; imposição aos indivíduos que os obrigavam a prestar depoimentos; prisão irregular, imotivada e falta de justa causa (ARTIGO 19, 2013ARTIGO 19. Protestos no Brasil 2013. Artigo 19 (on-line) São Paulo, 2013. Disponível em: https://artigo19.org/2014/06/23/relatorio-protestos-no-brasil-2013/. Acesso: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2014/06/23/relatori...
, p. 119).

Segundo o relatório, os principais tipos penais que foram aplicados pela polícia em todo o país contra os manifestantes foram: a formação de quadrilha (associação criminosa); dano ambiental; dano ao patrimônio público; desacato; incêndio; ato obsceno; posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além de casos em que foi aplicada a Lei de Segurança Nacional, lei do período ditatorial amplamente utilizada para repressão política a opositores (ARTIGO 19, 2013ARTIGO 19. Protestos no Brasil 2013. Artigo 19 (on-line) São Paulo, 2013. Disponível em: https://artigo19.org/2014/06/23/relatorio-protestos-no-brasil-2013/. Acesso: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2014/06/23/relatori...
).

A utilização de tipos penais inadequados aos protestos sociais e às suas particularidades demonstra uma tentativa de criminalizar o ato de protestar por meio de “malabarismos jurídicos”. Esses tipos penais são genéricos e não individualizados como “vandalismo”, o que eventualmente gera a prisão de indivíduos de forma aleatória, num processo de incriminação. As prisões que são realizadas apenas para conter os manifestantes e não apresentam acusações formais de crimes são consideradas “prisões para averiguação”, uma ação ilegal na legislação brasileira (ALMEIDA e LOPES, 2019ALMEIDA, Frederico de; LOPES, Rodrigo Cruz. Movimentos sociais, instituições judiciais e instituições políticas nas estratégias de resistência à repressão aos protestos de junho de 2013 em São Paulo. Trabalho apresentado no 43º Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2019.). Em 2015, o relatório aponta para a utilização de novas tipificações utilizadas para deter os manifestantes, como o “dano tentado”, ou seja, a tentativa de dano ao patrimônio, crime de menor potencial lesivo. Foi utilizada também a tipificação de corrupção de menores, no caso de manifestantes maiores de 18 anos, em ocupações de escolas secundaristas.

Além disso, os procedimentos criminais resultantes da manifestação sugerem uma conclusão de que a justiça criminal atua predominantemente na defesa da propriedade (crime de dano), da circulação de riquezas e de concepções autoritárias de ordem (crime de desacato) (LIMA, SINHORETTO e BUENO; 2015LIMA, Renato Sérgio; SINHORETTOS, Jacqueline; BUENO, Samira. “A gestão da vida e da segurança pública no Brasil”. Revista Sociedade e Estado, v. 30, n. 1, 2015.; ALMEIDA, MONTEIRO e SMIDERLE, 2020ALMEIDA, Frederico de; MONTEIRO, Filipe Jordão; SMIDERLE, Afonso. “A criminalização dos protestos do Movimento Passe Livre em São Paulo (2013-2015)”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-24, 2020.).

A importância de entender o processo de criminalização dos protestos está no fato de que essa é uma disputa entre diferentes atores, como os militantes, policiais, advogados, juízes, entre outros, pela classificação dos atos como crime ou como manifestação legítima. Além disso, os autores apontam a importância simbólica da prisão nos protestos, por meio do caráter performático e estético carregado de emoções nas manifestações, a prisão é uma forma de sanção aos acusados, independente do resultado do processo (ALMEIDA, MONTEIRO e SMIDERLE, 2020ALMEIDA, Frederico de; MONTEIRO, Filipe Jordão; SMIDERLE, Afonso. “A criminalização dos protestos do Movimento Passe Livre em São Paulo (2013-2015)”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-24, 2020.).

Almeida, Monteiro e Smiderle (2020, p. 12) realizaram entrevistas com advogados, um deles aponta que junho de 2013 serviu como um laboratório para a polícia, e a ação de dispersão seguida de prisão seria o resultado desse aperfeiçoamento da repressão policial. O objetivo não é a prisão, mas sim evitar o reagrupamento dos manifestantes, o termo correto para essa ação seria “prisão para desmobilização”. Para os autores, isso ajuda a explicar o aumento no número de prisões em protestos com o passar dos anos. De 2013 para 2015 ocorreu um aperfeiçoamento do trabalho policial, de repressão desordenada e prolongada que causava confrontos diretos entre os policiais e os manifestantes passou para atos que eram encerrados e a polícia saía com um ônibus cheio de manifestantes detidos.

A vigilância é uma das novidades no repertório policial. Como visto em Gilham e Noakes (2007)GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007. a vigilância foi uma das novidades que serviu de pilar para a elaboração de um novo modo de policiar. No entanto, a vigilância enquanto tática é pouco estudada nesse campo (FERNANDES, 2020FERNANDES, Eduardo Georjão. "O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil". Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020.). O conceito de vigilância é utilizado aqui no seu âmbito negativo foucaultiano, ou seja, como uma forma de controle disciplinar dos corpos. A vigilância é construída com base em um polo dominante, que tem a total visibilidade, sobre um polo dominado, que é visto, mas não pode ver, configurando a estrutura panóptica de Foucault (2002)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2002.. Por mais que atualmente a literatura acadêmica dos movimentos sociais esteja trabalhando com a ideia de Estado e sociedade civil como atores não necessariamente opostos, mas com fronteiras fluídas (ABERS, SILVA e TATAGIBA, 2018ABERS, Rebecca Neaera; SILVA, Marcelo Kunrath; TATAGIBA, Luciana. Movimentos sociais e políticas públicas: repensando atores e oportunidades políticas. Lua Nova, v. 105, p.15-46, 2018.), nesta pesquisa levamos em consideração a trajetória histórica de oposição entre manifestantes e forças policiais, acreditando que temos mais a ganhar em termos de análise científica com a teoria foucaultiana que demonstra essa dominação do Estado sob a sociedade.

O tema da vigilância traz dificuldades como o acesso a atividades secretas, porém, a vigilância, enquanto agentes infiltrados nos movimentos sociais se faz presente desde 1956, nos Estados Unidos (CUNNINGHAM, 2004CUNNINGHAM, David. There’s Something Happening Here: The New Left, the Klan, and FBI Counterintelligence. Berkeley: Univ. Calif. Press, 2004.). Quanto à proliferação de tecnologias de vigilância, se deu com a incapacitação estratégica após 11 de setembro (GILHAM e NOAKES, 2007GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007.; FERNANDES, 2020FERNANDES, Eduardo Georjão. "O repertório da ação policial: contribuições da literatura sobre policiamento a protestos para o estudo da repressão política no Brasil". Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 102-127, 2020.). A captura de imagens dos manifestantes impede o livre desenvolvimento da liberdade de expressão, visto que possui um caráter intimidatório, além de violar o direito à privacidade.

O monitoramento de dados pessoais interfere gravemente na privacidade e autonomia dos processos de comunicação entre os manifestantes. Em 2013, a Agência Brasileira de Inteligência teve de se organizar rapidamente para montar operações de monitoramento da movimentação dos manifestantes pelo Facebook, Instagram e WhatsApp. Além disso, ocorreram denúncias de que policiais estavam coagindo manifestantes detidos a entregarem suas senhas de redes sociais nas delegacias.

Acredita-se que o intuito desses monitoramentos pela internet seja a criação de bancos de dados sobre os manifestantes, incluindo informações pessoais encontradas nas redes, como manifestações que participaram, grupos e páginas frequentadas pelos manifestantes, bem como seus posicionamentos políticos e comentários e publicações por eles postadas (ARTIGO 19, 2013ARTIGO 19. Protestos no Brasil 2013. Artigo 19 (on-line) São Paulo, 2013. Disponível em: https://artigo19.org/2014/06/23/relatorio-protestos-no-brasil-2013/. Acesso: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2014/06/23/relatori...
, p. 102).

A Artigo 19 questionou a polícia de São Paulo e Rio de Janeiro sobre a captura de imagens, com base na Lei de Acesso à Informação, e obteve respostas genéricas como a garantia de captura de imagens públicas e que registros audiovisuais poderiam ser parte da estratégia de policiamento.

A tática do vigilantismo se sofisticou ao longo dos anos por meio das “rondas virtuais”, nomenclatura essa utilizada nos autos dos inquéritos. Os policiais checavam perfis do Facebook de pessoas associadas às páginas que apoiavam os protestos e que eventualmente defendiam a depredação de patrimônio ou eram contra policiais. Essa tática, aliada às detenções, refinou as informações que a polícia teve acesso, facilitando a definição de alvos de investigação (ARTIGO 19, 2015ARTIGO 19. As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2015. Disponível em: https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-sob-ataque-protestos-2014-e-2015/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-...
). Em 2016, com a chegada das Olímpiadas no Rio de Janeiro, o vigilantismo passou a contar com a Lei Antiterrorismo (no 13260/2016), que apresenta brechas para a criminalização do direito de protesto e para o monitoramento de ativistas. As ações de vigilantismo foram justificadas em nome da segurança nas Olímpiadas e contra casos de terrorismo, no entanto, desde 2013, essa prática já vinha sendo utilizada.

As Olimpíadas, assim como a Copa do Mundo, geraram uma onda de protestos com ações violentas por parte da polícia. Em São Paulo, no dia da abertura dos Jogos Olímpicos, 105 manifestantes foram detidos sem qualquer evidência de cometimento de crime (ARTIGO 19, 2017ARTIGO 19. Nas ruas, nas leis, nos tribunais: violações ao direito de protesto no Brasil 2015-2016. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2016. Disponível em: https://artigo19.org/2017/02/10/nas-ruas-nas-leis-nos-tribuinais-violacoes-ao-direito-de-protesto-no-brasil-2015-2016/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2017/02/10/nas-ruas...
).

A tática do Caldeirão de Hamburgo (Kettling) foi uma das principais novidades ao longo do período. Utilizada pela primeira vez em São Paulo no dia 22 de fevereiro de 2014, consiste em cercar e isolar pessoas dentro de um cordão policial. Em São Paulo, essa tática foi utilizada com dezenas de manifestantes aleatoriamente, independente de terem cometido qualquer ato contrário à lei, sob a alegação de que “haveria quebra da ordem”; ninguém poderia entrar ou sair e as pessoas foram surpreendidas com bombas de gás lacrimogêneo (TARDELLI, 13/01/2016TARDELLI, Brenno Tática policial utilizada em repressão é condenada pelo próprio manual da PM. RBA, Cidadania, 13 jan. 2016. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/tatica-policial-utilizada-em-repressao-e-condenada-pelo-proprio-manual-da-pm-7161/ . Acesso em: 6 fev. 2023.
https://www.redebrasilatual.com.br/cidad...
). A tática foi criada na Alemanha, em 1986, quando policiais cercaram aproximadamente 800 manifestantes, durante 13 horas, deixando-os sem comida e água. A tática foi considerada ilegal por um tribunal de justiça alemão e a polícia foi condenada a pagar indenizações ao Estado e aos manifestantes (ARTIGO 19, 2015ARTIGO 19. As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2015. Disponível em: https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-sob-ataque-protestos-2014-e-2015/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-...
, p. 31). Essa tática já foi utilizada em diversas partes do mundo, inclusive no Canadá, como é possível notar na Figura 5. Em São Paulo, no Manual de Distúrbios Civis da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), essa tática também é condenada.

Figura 2
Caldeirão de Hamburgo (Kettling) na reunião do G20, no Canadá, em 2010.

A tática de envelopamento também foi inaugurada nos protestos contra a Copa do Mundo ocorridos em São Paulo. em 2014. O envelopamento consiste em deslocar tropas policiais para acompanhar os protestos por todos os lados, isto é, posicionadas não somente no entorno próximo dos manifestantes, mas também nas ruas paralelas e ainda nos locais para onde os protestos podem se dirigir. Existem inúmeros questionamentos a essa tática. O primeiro deles é a necessidade de tropas alocadas nas ruas paralelas, visto que, conforme mencionado anteriormente, a função das forças de segurança é garantir a proteção dos manifestantes e isolar eventuais conflitos que ocorram. O posicionamento nas ruas ao redor do protesto não condiz com esse objetivo. Além disso, agentes de segurança armados e em grande quantidade criam uma sensação de intimidação nos manifestantes (ARTIGO 19, 2015ARTIGO 19. As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2015. Disponível em: https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-sob-ataque-protestos-2014-e-2015/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2015/09/10/as-ruas-...
, p. 59).

Em 2015, a tática acrescentada pela polícia ao seu repertório foi a intimidação sexual, ou violência relacionada ao gênero, como casos de abuso psicológico e intimidação sexual por parte de agentes de segurança pública. As manifestantes relataram ouvir ofensas sexistas nas abordagens policiais, em especial as estudantes secundaristas, que ainda são menores de idade. Também houve relatos de revistas ilegais por agentes do gênero oposto, dado que nem sempre há contingente policial feminino durante as manifestações (ARTIGO 19, 2017ARTIGO 19. Nas ruas, nas leis, nos tribunais: violações ao direito de protesto no Brasil 2015-2016. Artigo 19 (on-line), São Paulo, 2016. Disponível em: https://artigo19.org/2017/02/10/nas-ruas-nas-leis-nos-tribuinais-violacoes-ao-direito-de-protesto-no-brasil-2015-2016/. Acesso em: 5 jul. 2022.
https://artigo19.org/2017/02/10/nas-ruas...
). Na mídia alternativa circularam entrevistas com secundaristas do gênero feminino que acusaram policiais de revistas ilegais e intimidação sexual (PONTE, 24/11/2016PONTE. Secundarista diz que PMs a ameaçaram de estupro. Ponte, 24 nov. 2016. Disponível em: https://ponte.org/secundarista-diz-que-pms-a-ameacaram-de-estupro/. Acesso em: 11 ago. 2021.
https://ponte.org/secundarista-diz-que-p...
).

Por fim, é importante notar que, desde 2013, boa parte das táticas não deixaram de ser utilizadas pela polícia, mas novas táticas foram agregadas e, as antigas, remodeladas. Como foi possível analisar, o vigilantismo e as detenções arbitrárias foram as táticas que mais se especializaram desde 2013, tornando possível uma estratégia de controle social mais focada nos manifestantes. A incapacitação estratégica entrou em pauta na polícia paulista com os movimentos autonomistas, cujo olhar estava voltado para a incapacitação dos manifestantes por meio da vigilância e detenção. A legitimidade da ação policial depende dessa credibilidade que a população tem em relação às ações; a incapacitação estratégica visa diminuir os confrontos entre a polícia e os manifestantes, para que assim a legitimidade policial possa prevalecer.

Conclusão

Para Bayley (2006)BAYLEY, David. Padrões de policiamento: uma análise comparativa internacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006., países em que as forças policiais foram criadas para combater violências coletivas, ou os chamados protestos de oposição, desenvolvem sistemas policiais que respondem primariamente às necessidades do Estado, e não da população. Esse é o caso brasileiro, cuja estrutura policial foi herdada da ditadura militar, além dos resquícios escravagistas, sendo difícil, nessas condições, que haja uma polícia com princípios democráticos. Os agentes da lei que hoje lidam com o trabalho policial são os mesmos que antes eram designados para combater a subversão e os adversários do regime militar. Diante disso, acreditam que assim como ocorreu no fim da ditadura, em que foram anistiados, não serão punidos e não devem, portanto, prestar contas à população. Dessa forma, a prestação de contas (accountability) é baixa e a população não tem absoluta confiança nas ações policiais.

No Brasil, a Polícia Militar foi encarregada de realizar o policiamento de manifestações. Essa atividade exige preparo físico, psicológico e a tomada de decisões imediatas, características essas inerentes à atividade policial, que podem causar conflitos e deslegitimar o direito de reunião. Além do que, a visibilidade das ações policiais é maior nos momentos de protesto, principalmente quando há cobertura da mídia. Isso ficou claro com os protestos de junho de 2013, amplamente abordados nesta pesquisa. A novidade eram os movimentos que utilizavam ações diretas e violentas e, de outro lado, a polícia pouco preparada para essa ocorrência.

Com a erupção dos protestos transgressivos (em sua maioria realizada pelos movimentos autonomistas) em muitas partes do mundo, o modelo negociado, aquele nos quais os policiais firmavam acordos com os movimentos sociais, perdeu sua utilidade com os manifestantes que não realizavam acordos com a polícia. A saída encontrada foi a elaboração de um novo modelo de policiamento, nomeado de “incapacitação estratégica”, responsável por aplicar táticas que visam incapacitar temporariamente os manifestantes. Esse modelo tem três pilares como base: vigilância e compartilhamento de informações; policiamento pró-ativo e o controle espacial (GILHAM e NOAKES, 2007GILHAM, Patrick A; NOAKES, John A. “More than a march in a circle: transgressive protests and the limits of negotiated management”. Mobilization, v.12, n.4, p. 341-357, 2007.).

Mediante esse contexto, a pesquisa se aprofundou em observar o repertório utilizado pela polícia nos protestos de 2013 a 2016. Repertório é um “cardápio plural” de táticas disponíveis, isto é, de formas de ação que são deliberadamente escolhidas para influenciar os oponentes, o público e os ativistas (PEREIRA e SILVA, 2020PEREIRA, Matheus Mazzilli; SILVA, Camila Farias da. “Movimentos sociais em ação: repertórios, escolhas táticas e performances”. Sociologia e Antropologia, v.10, n.2, Rio de Janeiro, p. 615-645, 2020.). Conclui-se que, desde 2013, boa parte das táticas não deixaram de ser utilizadas pela polícia, mas novas táticas foram agregadas e as antigas foram remodeladas, apontando para uma especialização da estratégia policial. O vigilantismo e as detenções arbitrárias foram as táticas que mais se especializaram desde 2013, tornando possível uma estratégia de controle social mais focada nos manifestantes. Por intermédio da vigilância anterior à manifestação, a polícia saia às ruas com pouca possibilidade de ser surpreendida e, muitas vezes, com alvos já escolhidos. As detenções arbitrárias tinham o objetivo de desmobilizar os ativistas, impedir e intimidar uma nova reunião. Enquanto com as armas menos letais, presente em todos os anos desse estudo, ocorreu um maior aporte do Estado para adquirir mais munições. Táticas internacionais como Caldeirão de Hamburgo e envelopamento passaram a fazer parte do repertório da polícia paulista, agregada às outras táticas aqui citadas; assim como a intimidação psicológica e sexual com recorte de gênero.

Com a passagem dos anos e a experiência adquirida pela polícia nos protestos ocorridos de 2013 a 2016, é possível notar, portanto, uma especialização das táticas de controle de manifestações, com o objetivo de impedir o direito de reunião. A falta de accountability e transparência da polícia traz dificuldades para o entendimento das ações policiais nas ruas, com isso a sociedade civil precisa se mobilizar para conseguir compreender os acontecimentos. Além disso, os documentos operacionais públicos não refletem a realidade nas ruas. A necessidade de esclarecimento, prestação de contas e transparência por parte das forças policiais em relação às práticas do policiamento de manifestações, é urgente. Só assim será possível construir um debate na sociedade sobre a atuação da polícia e a reforma de suas práticas arbitrárias.

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Fontes da imprensa

Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2022
  • Aceito
    16 Jan 2023
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