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Mudança do perfil atendido pelas políticas públicas habitacionais e aumento dos bens não de uso: endividamento, retomada de imóveis e mais impacto na população de baixa renda

Resumo

O crédito foi usado como ferramenta de acesso à moradia no Brasil, e a consequência desse fenômeno foi a perda de imóveis por endividamento. Estudam-se aqui os imóveis retomados pela Caixa Econômica Federal (CEF) nos distritos de Campo Limpo e Vila Andrade, em São Paulo, caracterizados respectivamente por população de baixa e alta renda. O levantamento de dados dos lançamentos imobiliários da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) explicitou o redirecionamento dos recursos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para as maiores rendas, fato que excluiu a baixa renda do acesso à moradia. Por meio de dados da CEF acerca dos bens não de uso (imóveis retomados e em estoque), compara-se o impacto da retomada entre populações de perfis socioeconômicos diferentes. A partir dos dados de Campo Limpo e Vila Andrade, constatou-se que as rendas mais baixas sofrem mais impacto das retomadas.

Palavras-chave:
Crédito; Endividamento; Perfil socioeconômico; Retomada de imóveis; Bens não de uso

Abstract

In Brazil, credit was used as a facility for the access of housing, resulting in the loss of real estate due to indebtedness. In this article, we studied the real estate repossessions by the Brazilian bank Caixa Econômica Federal (CEF) in the districts of Campo Limpo and Vila Andrade, in São Paulo, characterized by low-income and high-income populations, respectively. The data collected from the real estate launches of the Brazilian Patrimony Studies Company (EMBRAESP) describe how housing resources of Minha Casa, Minha Vida Program (PMCMV) were redirected to the higher-income population. A fact that excluded low-income citizens from access to housing. Through the CEF data on Non-Current Assets (repossessions and in-stock real estate), we aim to compare the impact of repossessions among inhabitants with different socioeconomic profiles. Data from Campo Limpo and Vila Andrade proved that the higher impingement of foreclosures occurs in the lowest-income population.

Keywords:
Credit; Indebtedness; Socioeconomic profiles; Real estate repossessions; Non-Current assets

Resumen

El crédito ha sido utilizado como herramienta de acceso a la vivienda en Brasil, trayendo como consecuencia la pérdida de propiedades por endeudamiento. En este texto, se estudian los inmuebles embargados por la Caixa Econômica Federal (CEF) en los distritos de Campo Limpo y Vila Andrade en São Paulo, caracterizados por una población de bajos y altos ingresos, respectivamente. La recolección de datos de los lanzamientos inmobiliarios de la Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) dejó explícito el redireccionamiento de los recursos habitacionales del Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) para personas con mayores ingresos, hecho que excluyó a la población de bajos ingresos del acceso a la vivienda. A través de los datos de CEF sobre bienes no de uso (bienes adjudicados y en existencia), se comparó el impacto de la adjudicación entre poblaciones con diferentes perfiles socioeconómicos. Con base en datos sobre Campo Limpo y Vila Andrade, se verificó que el mayor impacto ocurre en los ingresos más bajos.

Palabras clave:
Crédito; Endeudamiento; Perfiles socioeconómicos; Adjudicación de inmuebles; Bienes no de uso

Introdução

O presente artigo busca analisar o lançamento e a retomada de imóveis nos distritos do Campo Limpo e da Vila Andrade em São Paulo. São distritos com perfis socioeconômicos distintos e foram escolhidos para expressar comparativamente a desigualdade social do território. Campo Limpo caracteriza-se por uma população de baixa renda e Vila Andrade, de alta renda (IBGE, 2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Rio de Janeiro, 2010. ).

Para compreender que perfil socioeconômico mais atraiu o interesse das construtoras ao longo dos anos, mapearam-se com o banco de dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) os lançamentos imobiliários em ambos os distritos. Além disso, para verificar onde estão situados os lançamentos e qual foi o distrito (perfil socioeconômico) que mais perdeu imóveis com o endividamento, foram mapeados os imóveis retomados nos dois distritos com base nos dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal (CEF).

O artigo contextualiza os instrumentos jurídicos da legislação brasileira que dão respaldo à retomada de imóveis e em seguida contextualiza o cenário socioeconômico que o país viveu a partir da década de 2000, explicitando sua inserção nas finanças globais e sua adesão ao crédito como mecanismo de consumo, sobretudo na habitação. Analisa o Estado nas políticas habitacionais e seu papel-chave nos investimentos público-privados que são ou não direcionados às baixas rendas. Expõe a importância do Estado na atração de investimentos privados para áreas periféricas e analisa os dados dos lançamentos e das retomadas em relação a sua distribuição, mostrando para qual distrito foram os recursos e os investimentos em lançamentos (Vila Andrade), assim como que parcela da população mais acordou com as dívidas dos financiamentos (Campo Limpo).

A partir disso, detalha os dados mencionados acima e busca compreender qual foi o impacto das políticas habitacionais pautadas no crédito como via de acesso à moradia. Compreende o papel público e privado diante da disponibilidade de lançamentos em determinadas áreas e analisa a territorialização do índice de imóveis retomados.

As ferramentas jurídicas do sistema de financiamento imobiliário (SFI)

Visando ampliar a captação e destinação de recursos às políticas habitacionais, foi criado em 1964, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). O sistema busca aumentar os investimentos habitacionais baseados na concessão de crédito imobiliário com fontes próprias de recursos. São suas fontes: o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o qual parte do depósito voluntário das cadernetas de poupança e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), depósito obrigatório dos trabalhadores. O SFH visou abrir o mercado para a colocação de títulos do governo, viabilizando financiamentos de longo prazo (até 35 anos) principalmente para a população de baixa renda (Eloy, 2013ELOY, C. M. O papel do Sistema Financeiro da Habitação diante do desafio de universalizar o acesso à moradia digna no Brasil. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi: https://doi.org/10.11606/T.16.2013.tde-14082013-111122.
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).

Nas décadas seguintes a sua criação, o SFH encontrou dificuldade quanto à origem de seus recursos públicos e, em 1997, foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) (Brasil, 1997BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm . Acesso em: 13 maio 2022.
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). O SFI tem por objetivo articular um sistema de mercado independente dos fundos públicos. Visa captar recursos via livre mercado por meio da emissão de títulos de dívida que partem dos financiamentos imobiliários e são destinados aos investidores. A remuneração desses títulos de dívida é atrelada ao pagamento das parcelas dos financiamentos, ou seja, aos juros que são aplicados a essas parcelas (Royer, 2009ROYER, L. O. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi: https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-19032010-114007.
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; Abreu; Melazzo; Ferreira, 2020ABREU, M. A.; MELAZZO, E. S.; FERREIRA, J. V. S. Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil. Confins, n. 47, 2020. doi: https://doi.org/10.4000/confins.33013.
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).

No fim da década de 1990, a dívida externa causou alta inflacionária, deixando os gastos públicos baixos e subordinados a uma política monetária vinculada aos interesses de agentes privados e internacionais, e não à disposição das necessidades do mercado nacional (Paulani, 2011PAULANI, L. M. A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre o papel do Estado e sobre a situação atual real à luz da história. In: COLÓQUIO LOGROS E RETOS DEL BRASIL CONTEMPORÁNEO, 24-26 ago. 2011, Cidade do México: Unam. Anais... Cidade do México, 2011. Disponível em: https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/06/Leda-PAULANI.pdf. Acesso em: maio 2022.
https://marxismo21.org/wp-content/upload...
; Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

Nesse contexto, o SFI estruturou um mercado secundário de crédito imobiliário, integrando o mercado imobiliário com o mercado de capitais. Nessa integração, inclusive os créditos de função social como o FGTS, entraram no circuito financeiro internacional. As linhas de crédito sociais receberam subsídios a fim de padronizar as taxas de juros e os recebíveis que eram cobrados - entre os créditos habitacionais de mercado e sociais19 19 Por crédito habitacional “social” entendem-se as faixas mais baixas do PMCMV, como a 1, que incluía renda de até R$ 1.800 e tem subsídio de 90%, ou as linhas do FGTS, que captam recursos dos trabalhadores e são destinados à primeira moradia. -, como forma de permitir a securitização dos títulos de dívidas em grandes pacotes (Abreu; Melazzo; Ferreira, 2020ABREU, M. A.; MELAZZO, E. S.; FERREIRA, J. V. S. Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil. Confins, n. 47, 2020. doi: https://doi.org/10.4000/confins.33013.
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; Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Det...
). Além disso, a partir de 2003, as legislações do SFI, como a alienação fiduciária (Brasil, 1997BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm . Acesso em: 13 maio 2022.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
), puderam ser aplicadas a imóveis adquiridos por meio do FGTS. O SFI deu mais segurança ao credor, permitindo a ampliação da carteira de crédito no país.

A alienação fiduciária, principal instrumento jurídico que estimulou o empréstimo pelas credoras, reduziu os riscos das instituições financeiras nas operações de crédito imobiliário ao dar a posse do imóvel ao devedor somente ao final do pagamento da dívida junto ao agente financeiro. Em caso de inadimplência de três parcelas, o imóvel pode ser levado a leilão extrajudicial e, em apenas seis meses, ser retomado. Além disso, as ferramentas jurídicas do SFI aumentaram a liquidez do negócio imobiliário, sendo favoráveis à securitização dos títulos de dívidas dos financiamentos. Como explicam Abreu, Melazzo e Ferreira (2020ABREU, M. A.; MELAZZO, E. S.; FERREIRA, J. V. S. Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil. Confins, n. 47, 2020. doi: https://doi.org/10.4000/confins.33013.
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), houve uma:

[...] nova função histórica a um conjunto de inovações financeiras capazes de converter ativos imóveis, extremamente diferenciados entre si e muitas vezes de baixa liquidez para circularem livremente através de títulos homogêneos e de fácil transação no mercado financeiro como estratégia para a captura cada vez mais refinada de seus rendimentos.

Imóveis acima de R$ 1,5 milhão são necessariamente enquadrados no SFI, enquanto o SFH tem limites de taxa de juros ao ano, de teto do valor do imóvel (R$ 1,5 milhão) e mais normas de financiamento, justamente para permitir financiamentos de longo prazo para uma população antes não incluída no sistema de financiamento habitacional do país.

A constituição do SFH, nascido de uma conjuntura de intervenção do Estado na economia, regulação de mercados e direcionamento de recursos onerosos a partir de critérios políticos é bastante distinta da formatação do SFI, criado em 1997 em pleno período de consecução do ajuste neoliberal no Brasil, que pressupõe livre negociação entre as partes, limitando-se o Estado [...] (Royer, 2009ROYER, L. O. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi: https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-19032010-114007.
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, p. 43).

A contradição da função original do SFH - financiar imóveis mais baratos - é que as normas do SFI, instrumentos e ferramentas em prol do credor e dos investidores, foram institucionalizados também para o SFH (inclusive para o PCMVM), fato que deixou esses mutuários de baixa renda à mercê das legislações que foram criadas para o livre mercado (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Det...
).

Medidas anticíclicas e acumulação de capital

No início do governo do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2003, se manteve o tripé econômico20 20 Metas de inflação; câmbio flutuante e superavit primário. de poucos gastos públicos instaurado na gestão Fernando Henrique Cardoso. Com poucos gastos públicos e o fortalecimento da economia primário-exportadora, tal gestão teve facilidade para alavancar pautas do governo, como a questão da moradia (Filgueiras; Gonçalves, 2007FILGUEIRAS, L. A. M.; GONÇALVES, R. A economia política do governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal/osal26/20lula.pdf . Acesso em: 13 maio 2022.
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/a...
). A grande entrada de recursos internacionais no país permitiu que políticas públicas fossem direcionadas para o setor habitacional, como o PMCMV, criado em 2009. Os incentivos públicos somados à dinamização do mercado de trabalho e o aumento real do salário estimularam o mercado imobiliário e incentivaram não só a aquisição de moradia pelas populações de baixa renda, mas também os investimentos das grandes incorporadoras.

O PMCMV veio como medida anticíclica para alavancar a economia mediante a crise financeira mundial de 2008 e foi responsável por impulsionar a economia (Ferraz, 2011FERRAZ, C. A. Crédito, exclusão financeira e acesso à moradia: um estudo sobre financiamento habitacional no Brasil e o Programa Minha Casa Minha Vida. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.ie.ufrj.br/images/IE/PPGE/dissertações/2011/Camila Araujo Ferraz.pdf . Acesso em: 13 maio 2022.
https://www.ie.ufrj.br/images/IE/PPGE/di...
; Volochko, 2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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; Shimbo, 2012SHIMBO, L. Z. Habitação social, habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e capital financeiro. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Escolha de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010. Disponível em: Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18142/tde-04082010-100137/publico/tese_lucia_shimbo_jun10_final.pdf . Acesso em: 13 maio 2022.
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). A crise de 2008 não estagnou a economia e nem a produção imobiliária; foi, na verdade, o motivo da implementação de mais mecanismos de propulsão econômica, como o crédito.

Mas é interessante notar que a crise de 2008 [...] não alterou essencialmente o modelo de negócio imobiliário voltado à produção de moradias mais ou menos populares em áreas mais periféricas [...]. Inclusive, a articulação política de muitas destas empresas [...] em relação à elaboração de um grande plano habitacional [...] em conjunto com o governo federal para combater a crise foi responsável por revigorar e reaquecer os investimentos daquelas e de muitas outras empresas do macrossetor da construção (Volochko, 2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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, p. 68).

Antes, entre 2006 e 2008, visando ampliar os mercados consumidores e de investidores, as principais incorporadoras do Brasil abriram seu capital na Bolsa de Valores, fato que gerou competição e aquisição de um imenso banco de terrenos.21 21 O banco de terrenos foi usado como lastro para provar a capacidade produtiva das incorporadoras, atraindo investidores na Bolsa. Estes, muitas vezes situados em áreas periféricas das cidades, foram onde, em conjunto com políticas federais, se instalou a maioria dos conjuntos habitacionais do PMCMV.

Com o auxílio do poder público, os agentes privados foram capazes de perseguir seus planos de expansão mesmo com a crise de 2008. Redirecionaram investimentos para o mercado imobiliário popular (papel chave do PMCMV) e por meio do crédito foram capazes de vender muitas unidades (Volochko, 2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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). Camilo, diretor de novos negócios da HM Engenharia S.A., concedeu entrevista a Volochko (2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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, p. 71), afirmando:

[...] aonde refletiu essa crise no mercado imobiliário? No médio padrão [...], no alto padrão, agora o popular na verdade não é bem de consumo, é necessidade de moradia, então, assim, ele vai querer comprar independente da situação que esteja, por que assim ele vai sair do aluguel, então a dívida ele já tem, ou é o aluguel ou ele prefere pagar então algo que seja dele.

E o autor explica:

Quando Camilo esclarece que para o segmento popular a moradia não deve ser encarada como um bem de consumo mas como um bem de necessidade, e que na verdade se trata de trocar a “dívida” do aluguel pela “dívida” do pagamento de prestações da casa própria - prestações estas com valores similares aos do aluguel -, entendemos que a nova estratégia do setor imobiliário e do capital financeiro tinha como condição e como base sólida um contexto de empobrecimento da população e em parte até de um déficit habitacional, que produziu um enorme mercado a ser explorado capitalisticamente (Volochko, 2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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, p. 71, grifo nosso).

Explicitando a estratégia intensificada a partir da primeira década dos anos 2000, a qual vinculava diretamente as famílias e as dívidas, Oliveira (2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 107) complementa:

Outro elemento deste modelo de crescimento, de especial importância [...] é o uso do crédito como instrumento de provisão, via mercado, de bens e serviços sociais. O endividamento das famílias como ferramenta para alavancar a demanda marcou todas as gestões petistas [...].

O crédito, portanto, foi via para a elevação do consumo em massa. Segundo Lavinas (2015LAVINAS, L. A financeirização da política social. Politika, n. 2, p. 34-51, 2015. Disponível em: Disponível em: https://issuu.com/fjmangabeira/docs/revista_politika_-_portugues . Acesso em: 13 maio 2022.
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), quando há esse estímulo do consumo em massa, há uma “exportação” da nossa renda. O recurso do trabalhador é investido, seja diretamente ou por meio de créditos, num sistema financeiro que está fora do país. Há uma exportação não só da renda do trabalhador, mas sobretudo dos subsídios do próprio Estado a esse consumo em massa. “No caso do PMCMV, o mecanismo de transferência é agravado, já que os subsídios públicos [...] são, com execução da garantia, transferidos a terceiros” (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 150). Trata-se de uma acumulação rentista pautada na mundialização dos capitais, na qual os países centrais são exploradores da mão de obra, do consumo e da rentabilidade dos países superexplorados (Chesnais, 2001CHESNAIS, F. Mundialização: o capital financeiro no comando. Outubro Revista, n. 5, p. 7-28, 2001. Disponível em: hDisponível em: http://outubrorevista.com.br/mundializacao-o-capital-financeiro-no-comando/ . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

O Estado assume um papel-chave nesse processo quando deixa de investir em bens e serviços à população, levando ao maior consumo de serviços privados como saúde e educação, que se tornam fonte de acumulação de capital. O sucateamento de serviços básicos de (sobre)vivência leva ao endividamento via crédito para tornar possível o acesso ao mercado privado. O Estado de bem-estar social exime-se e permite a financeirização das políticas sociais, expandindo o mercado privado para os nichos de serviços básicos (Lavinas; Gentil, 2018LAVINAS, L.; GENTIL, D. L. Brasil anos 2000: a política social sob regência da financeirização. Novos Estudos - Cebrap, v. 37, n. 2, p. 191-211, 2018. doi: https://doi.org/10.25091/S01013300201800020004.
https://doi.org/10.25091/S01013300201800...
). O Estado, portanto, tem influência direta no projeto de nação que sustenta e legitima a acumulação de capital (dos mais abastados) por meio da dívida (dos mais vulneráveis) (Chesnais, 2001CHESNAIS, F. Mundialização: o capital financeiro no comando. Outubro Revista, n. 5, p. 7-28, 2001. Disponível em: hDisponível em: http://outubrorevista.com.br/mundializacao-o-capital-financeiro-no-comando/ . Acesso em: 13 maio 2022.
ttp://outubrorevista.com.br/mundializaca...
; Lavinas, 2015LAVINAS, L. A financeirização da política social. Politika, n. 2, p. 34-51, 2015. Disponível em: Disponível em: https://issuu.com/fjmangabeira/docs/revista_politika_-_portugues . Acesso em: 13 maio 2022.
https://issuu.com/fjmangabeira/docs/revi...
).

Crise econômica e mudança no enquadramento do PMCMV

De 2009 a 2014, houve uma melhora nos índices da economia, no setor imobiliário e na disponibilidade de crédito para habitação, perdurando até 2015, quando a economia brasileira e o mercado imobiliário sofreram forte impacto, principalmente após o golpe parlamentar sofrido por Dilma Rousseff em agosto de 2016 (Paulani, 2017PAULANI, L. M. Não há saída sem a reversão da financeirização. Estudos Avançados, São Paulo, v. 31, n. 89, 2017. doi: https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.31890004.
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). O governo de Dilma foi marcado pela austeridade fiscal, com ajustes que colocaram em xeque diversas políticas públicas, como as que subsidiavam a habitação.

Com a crise e o aumento da taxa básica de juros (Selic), o número de financiamentos e aquisições de imóveis por meio do SBPE diminuiu drasticamente devido à queda nos depósitos voluntários, enquanto os financiamentos com recursos do FGTS aumentaram.

A partir da crise de 2015 e no governo Temer, houve uma redução dos saldos do FGTS devido ao aumento dos saques emergenciais e à alta taxa de desemprego. Em 2014, as unidades financiadas pelo SBPE alcançaram 538 mil unidades, chegando a 175 mil em 2017. Já o FGTS, em 2014 financiava 160 mil unidades, passando para 442 mil em 2018 (Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC). Além disso, como Camilo relatou a Volochko (2011VOLOCHKO, D. Novos espaços e cotidiano desigual nas periferias da metrópole. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-10082012-183616.
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), na crise, as famílias de classe baixa são as que mais compram imóveis, ou seja, usufruem do saque do FGTS para moradia, reduzindo a poupança desse Fundo.

A diferença entre as destinações dos recursos do SBPE para os do FGTS é que este se dirige à aquisição de primeiro imóvel, apenas por pessoas físicas, com objetivo estritamente residencial, enquanto o SBPE adquire outros imóveis (que não o primeiro) e pode ser usado também para fins comerciais, sobretudo por pessoas jurídicas.

Além de o número de financiamentos SBPE ter diminuído depois de 2015 (e só voltado ao mesmo patamar em 2020), a partir desse período, políticas públicas como o PMCMV passaram a ser brutalmente cortadas, não apenas em valor disponível, mas em tipologia de imóvel financiado nessa linha. Começaram a ser financiados imóveis de padrão arquitetônico diferente (menores) e com tetos de valor superior. Imóveis de menor metragem, em arranha-céus e em localizações mais centrais, servidas por infraestrutura urbana, passaram a fazer parte do escopo do PMCMV. Os preços dos lançamentos de imóveis no centro da cidade de São Paulo conseguiram ficar dentro do enquadramento do Programa, mas agora para um público-alvo de classe média e alta (Carvalho; Santos, 2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.).

Em 2009, o limite de valor do imóvel financiado era de R$ 130 mil, indo em 2020 para R$ 300 mil. Ao longo dos anos, houve enquadramentos de acordo com a renda familiar e o valor do imóvel. A renda máxima para o enquadramento no programa era de R$ 4.560 em 2009, passando para R$ 9.000 em 2020. São determinados de acordo com as faixas de renda: as taxas de juros, o limite de subsídio e o prazo para pagamento, sendo o auxílio progressivo conforme menor a renda familiar.22 22 São tomados como referência os limites máximos de renda e de valores de imóvel na metrópole de São Paulo.

Por mais que o preço da habitação agora seja inferior (devido à menor metragem), o público-alvo dessas moradias não são as faixas mais vulneráveis do PMCMV, como a faixa 1, que em 2009 contemplava renda de até R$ 1.600. Nesse cenário, o FGTS, por exemplo, passou a ser direcionado a imóveis mais caros do que era o planejado em 2009 (considerando a inflação), abarcando renda familiar superior.23 23 Embraesp. As faixas do PMCMV tiveram suas rendas alteradas, as famílias de estrato social inferior ficaram fora do programa e de possíveis soluções habitacionais (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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; Carvalho; Santos, 2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.). No governo Temer, em 2016, o enquadramento da faixa 3 do PMCMV foi de R$ 6.000 para R$ 9.000. No mesmo sentido, em 2018 foram instituídos diversos normativos24 24 Do n. 40 ao n. 43. que cortaram os subsídios para as faixas 1 e 1,5, cenário que piorou até 2021.

O período recente, a partir de 2015, indica ajustes na política habitacional. Esses ajustes ocorreram pelo corte de subsídios e pela mudança da precificação da habitação, sua localização e tipologia. As habitações de preço acessível cresceram, e a faixa 3 do PMCMV foi ampliada (teto do valor do imóvel subiu para R$ 300 mil), por isso, os números mostram expansão do programa, desconsiderando a quase extinção da faixa 1 (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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; Carvalho; Santos, 2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.). O programa foi se distanciando de sua função social, e seus recursos foram direcionados agora para outros públicos-alvo. O Gráfico 1 mostra a evolução das faixas de renda e unidades contratadas pelo PMCMV, onde se vê o declínio do subsídio à faixa 1:

Gráfico 1 -
Unidades contratadas PMCMV, por faixa de renda

Para Carvalho e Santos (2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.), o levantamento de dados da Embraesp mostra uma tendência à concentração metropolitana do PMCMV. O percentual de unidades residenciais lançadas fora da cidade de São Paulo (Região Metropolitana) foi de 43% em 2015 para 15% em 2019.

A abertura de capitais na Bolsa permitiu a compra de terrenos em lugares periféricos da cidade de São Paulo, onde desde o início do PMCMV, massiva parte de seus lançamentos foi realizada. É possível correlacionar os dados de lançamentos imobiliários com a produção de unidades do PMCMV voltadas às baixas rendas. Houve uma mudança no perfil socioeconômico atendido pelo programa e a distribuição dos lançamentos revela um fato: quando são lançados imóveis nas áreas centrais da Região Metropolitana de São Paulo, as populações de baixa renda ficam fora das oportunidades de aquisição de imóvel.

A alteração na localização dos lançamentos permite conectar a contextualização ao objeto de estudo da presente pesquisa, que são os imóveis retomados pela CEF. Analisar a distribuição desses imóveis permite compreender a localização e a evolução do número de imóveis que foram financiados e, com o passar dos anos, retomados. Se o acesso aos financiamentos escasseou para as baixas rendas, qual a população e a localização dos imóveis que foram retomados nos últimos anos?

Imóveis retomados pela Caixa Econômica Federal

Devido ao aumento na venda e financiamento de imóveis a partir de 2006 e seguido pela crise econômica em 2015, houve um declínio no pagamento das parcelas dos empréstimos. Um maior número de imóveis foi retomado pela CEF, principal banco credor do país, por meio da lei de alienação fiduciária. Em 2014, foram retomados no estado de São Paulo 4.883 imóveis, em 2015, 7.949, em 2016, 9.578, em 2017, 16.849 e em 2018, 28.898 (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

A alienação fiduciária é um processo extrajudicial extremamente rápido. O prazo de carência antes da intimação para retomada de um imóvel é de três prestações em atraso. É o credor (no caso, a CEF) que requer a retomada junto a um Oficial de Registro de Imóveis e, com isso, o devedor tem até 15 dias para pagar, podendo prorrogar o prazo para mais 30 dias, no caso de financiamentos habitacionais. Na jurisdição desse processo, o devedor não é em nenhum momento tratado como “morador”, mas sim como “devedor-fiduciário” (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

Para trazer luz à atual dinâmica da política habitacional brasileira, foram analisados dados que espacializam os imóveis retomados pela CEF25 25 Para enriquecer a pesquisa, foram tentadas entrevistas com mutuários que perderam sua casa. Apenas um retornou o contato e havia aceitado conversar, mas ainda estava em processo com a CEF, que tentou retomar o imóvel em 2021, durante a pandemia. Entre o primeiro contato e a data da entrevista (março de 2022), a CEF recorreu judicialmente ao pedido de não reintegração de posse que o mutuário havia ganhado. Com isso, o mutuário, que estava disposto a conversar, se sentiu muito ameaçado e desistiu da entrevista. nos distritos do Campo Limpo e da Vila Andrade, em São Paulo. Os dados foram coletados26 26 Via Lei de Acesso à Informação, junto à CEF. a partir dos anos 2000, porém o espaço temporal que nos vale para análise abarca de 2014 a 2019,27 27 Os anos de 2020 e 2021 foram desconsiderados na análise, pois a partir de 2020, com a pandemia, houve um “recesso” na lei de alienação fiduciária, que só voltou a valer no fim de 2021. período em que se constatou relevante o advento da retomada.

Ambos os distritos ficam na Zona Sul da cidade de São Paulo, e a renda per capita da Vila Andrade é maior que a do Campo Limpo (Mapa 1).

Mapa 1 -
Renda per capita (R$), por distrito da cidade de São Paulo

A Vila Andrade é também o distrito com maior área, número de habitantes e densidade demográfica (Tabela 1).

Tabela 1 -
Dados dos distritos Campo Limpo e Vila Andrade

O Campo Limpo é um distrito de ocupação datada do começo do século XX, já por populações de baixa renda que migraram para São Paulo em busca de emprego e precisaram habitar regiões periféricas. Diferentemente, a Vila Andrade foi loteada, e sua ocupação data da década de 1950, estando boa parte de sua história com loteamentos vazios e pertencentes a grandes proprietários. Isso permitiu, por volta de 1960, a formação de uma das maiores favelas de São Paulo, a Paraisópolis. Sua ocupação tem origem na mão de obra que trabalhava para casas de luxo do Morumbi.28 28 A Paraisópolis aproxima as estatísticas da Vila Andrade em relação ao Campo Limpo. Entretanto, foi realizado um levantamento de dados por meio das unidades de informações territorializadas (UIT) (Emplasa) que fragmentou os distritos de acordo com suas características. A Paraisópolis é uma UIT isolada, e os dados da Vila Andrade que permitem afirmar que sua renda é elevada incluem as UIT Vila Suzana e Vila Andrade.

Tendo a população da Vila Andrade maior poder aquisitivo, foi esse o território que mais atraiu os investimentos das incorporadoras. O Gráfico 2 mostra o número de lançamentos imobiliários na Vila Andrade e como foi mais expressivo que no Campo Limpo, principalmente a partir do aumento do investimento das incorporadoras na Bolsa de Valores.

Gráfico 2 -
Lançamentos imobiliários

Analisando os dados, observou-se que a Vila Andrade não tinha lançamentos que se enquadravam nos valores do PMCMV (voltado à baixa renda), passando a ser enquadrado nesses benefícios expressivamente só a partir de 2017 (Gráfico 3).

Gráfico 3 -
Enquadramento dos lançamentos no PMCMV (Vila Andrade)

A Vila Andrade teve forte diminuição no total de lançamentos após a crise de 2015 e passou a se enquadrar no PMCMV. Já o Campo Limpo mostrou, ao longo dos anos, valores de imóvel que se enquadravam nos benefícios do programa (Gráfico 4).

Gráfico 4 -
Enquadramento dos lançamentos no PMCMV (Campo Limpo)

A escolha dos distritos para estudo de caso busca expressar a desigualdade social do território, a fim de analisar como se dão as retomadas dos imóveis ao longo dos anos, em distritos com perfis socioeconômicos diferentes. Quem mais sofre com a retomada de imóveis nos momentos de crise é uma parcela específica da população?

Com os dados obtidos junto à CEF, foi produzido o Gráfico 5, referente ao número de retomadas de imóveis em ambos os distritos ao longo dos anos.

Gráfico 5 -
Imóveis retomados pela CEF

Ao analisar o número de imóveis retomados pela CEF e sua distribuição nos distritos, é expressivo o maior número de imóveis retomados no Campo Limpo do que na Vila Andrade.

Ao observar a evolução das retomadas ao longo dos anos, vê-se a primeira elevação de retomadas no Campo Limpo entre 2012 e 2013, enquanto na Vila Andrade o maior número de retomadas só ocorre entre 2015 e 2019. Intervalo que também viu o aumento de retomadas no Campo Limpo. As retomadas aumentaram na crise de 2015.

A classe média/alta passou a ter mais acesso aos financiamentos públicos com o passar dos anos (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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; Carvalho; Santos, 2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.). Tendo acesso a esses financiamentos, posteriormente ao público-alvo original em 2009, tem sentido que a classe média/alta tenha mais imóveis retomados nos anos recentes do que nos anteriores. A Vila Andrade é mais próxima ao centro da cidade de São Paulo e, sobretudo, apresenta inúmeros lançamentos de imóveis de alto padrão, inclusive o Panamby, primeiro FII (Fundo de Investimento Imobiliário) da região. A tipologia dos lançamentos na Vila Andrade se enquadra no explicitado por Carvalho e Santos (2021CARVALHO, H.; SANTOS, C. R. S. The production of residential buildings in the metropolis of São Paulo: new typological and geographic tendencies in a critical context. São Paulo, 2021. Mimeo.) acerca do maior acesso ao crédito para maiores rendas e em áreas mais valorizadas, diferente do que ocorria antes. Além disso, ao analisar os dados da Embraesp, nota-se que a área útil (média anual das unidades lançadas) era de 103 m² em 2011, passando para 62 m² em 2017.

Já a população do Campo Limpo, considerando uma menor disponibilidade de crédito nas áreas menos centrais, continuou tendo alto índice de imóveis retomados com o passar dos anos, mesmo não sendo mais contemplada pelas menores faixas do PMCMV. A maioria dos imóveis retomados já em 2011 faz parte das baixas rendas que tiveram acesso ao crédito nos “anos dourados” de 2009/2010.

Na análise das matrículas dos imóveis29 29 11º Cartório de Registro de Imóveis de SP. Matrículas de 2017. O acesso tornou-se pago, e está sendo tentado o acesso gratuito às demais matrículas. e dos dados CEF, constatou-se que o valor médio de avaliação (na época em que foram adquiridos) dos imóveis retomados pela CEF no Campo Limpo era de R$ 190 mil, enquanto na Vila Andrade era de R$ 345 mil (fora do escopo do programa). O valor de avaliação refere-se à média anual dos imóveis retomados no ano e foi calculado no ano de compra e venda do imóvel, não no ano de retomada (Gráfico 6).

Gráfico 6 -
Valor de avaliação dos imóveis retomados

A média do valor de avaliação de todos os imóveis retomados pela CEF no Campo Limpo entre os anos 2000 e 2021, foi de R$ 225.997,00, enquanto na Vila Andrade, foi de R$ 586.030,00. Ao longo dos anos, o financiamento de imóveis no Campo Limpo foi mais passível de enquadramento no PMCMV do que na Vila Andrade, que só passou a se enquadrar mais expressivamente em 2017 (Gráfico 3).

Se os valores de avaliação dos imóveis da Vila Andrade são tão superiores aos do Campo Limpo, como, ainda assim, foi essa a parcela da população que passou a ter acesso ao financiamento habitacional subsidiado? Mudou o perfil atendido pelos subsídios dos financiamentos, fato que ficou claro no início do aumento das retomadas de imóveis na Vila Andrade a partir de 2015. O Campo Limpo teve imóveis retomados já em 2012, apenas três anos após o início do PMCMV, enquanto, nos anos seguintes, o perfil do programa foi mudando e incluindo os lançamentos da Vila Andrade.

Nesse contexto, tanto fora da cidade de São Paulo como em distritos periféricos e com menor investimento em infraestrutura, como o Campo Limpo, diminuiu o número de imóveis adquiridos por financiamentos voltados às baixas rendas. A população de renda média/baixa que habita o Campo Limpo deixou de se enquadrar no programa, dando lugar aos estratos sociais médio/alto da Vila Andrade.30 30 A CEF não disponibiliza dados do número de financiamentos em cada distrito. O número de imóveis baseia-se nos retomados.

O Gráfico 1 mostra, a partir de 2013, a diminuição das unidades contratadas pelo PMCMV na faixa 1, quase extinguindo-se os recursos direcionados às baixas rendas.

Com o desenrolar da crise econômica, houve atendimento crescente às faixas mais altas, ampliação do limite de renda e avanço para a população que já estaria coberta pelo SBPE. [...] A prioridade então, passou a ser a maximização do número de unidades edificadas a partir do mesmo montante de subsídios. [...] o objetivo era injetar recursos no financiamento habitacional para ampliar a produção o máximo possível, para a parcela da população que possa pagar, qual fosse (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 132).

As finanças das retomadas

O novo padrão do mercado imobiliário provou ser capaz de capturar os benefícios do esforço público e do trabalhador (FGTS) por meio dos financiamentos do SFH. Perfis socioeconômicos elevados agora têm acesso aos créditos de origem do SBPE, do FGTS e dos subsídios de Estado ao PMCMV (Abreu; Melazzo; Ferreira, 2020ABREU, M. A.; MELAZZO, E. S.; FERREIRA, J. V. S. Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil. Confins, n. 47, 2020. doi: https://doi.org/10.4000/confins.33013.
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; Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

Além disso, a securitização das dívidas dos financiamentos permite a transferência da renda do trabalhador não somente por meio do financiamento de imóveis mais caros que agora fazem parte do escopo do SFH, mas também por meio de investimentos no livre mercado (Royer, 2009ROYER, L. O. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi: https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-19032010-114007.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
; Paulani, 2011PAULANI, L. M. A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre o papel do Estado e sobre a situação atual real à luz da história. In: COLÓQUIO LOGROS E RETOS DEL BRASIL CONTEMPORÁNEO, 24-26 ago. 2011, Cidade do México: Unam. Anais... Cidade do México, 2011. Disponível em: https://marxismo21.org/wp-content/uploads/2012/06/Leda-PAULANI.pdf. Acesso em: maio 2022.
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). Oliveira (2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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) aborda a “dupla espoliação” que ocorre no processo de retomada do imóvel. Primeiro, captura-se a renda dos trabalhadores por meio do pagamento das parcelas (que circulam no mercado financeiro por meio dos títulos de dívida desses financiamentos). Depois, há uma espoliação patrimonial por meio do imóvel retomado, quando as melhorias que foram feitas nele (investimentos) são diretamente transferidas ao arrematante que compra esse imóvel, seja em leilões ou na venda direta do estoque do banco (BNDU).31 31 Bens não de uso são os inativos financeiros.

A alienação fiduciária foi fundamental para o mercado de securitização e para a captação privada de fundos imobiliários. A padronização dos títulos de dívidas permite empacotá-los, fazendo com que a securitização das dívidas tire os riscos da inadimplência do agente financeiro, passando este risco, supostamente, para o mercado. Supostamente, pois a partir da instauração das legislações do SFI, esse risco foi quase anulado. A execução da retomada por meio da lei de alienação fiduciária retorna o ativo rapidamente para as mãos do credor, podendo revendê-lo e torná-lo novamente um ativo financeiro. Diferentemente, quando o financiamento se refere ao segmento social, não é o agente financeiro nem o mercado que arca com os riscos e eventuais prejuízos, mas sim o Estado (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

No caso dos créditos lastreados no mercado, a partir da criação do aparato jurídico que permite rápida retomada, na verdade, o ônus desse processo recai sobre o mutuário, e não sobre o investidor de mercado. Não há mais o Estado para proteger o mutuário da perda do imóvel, e nem os imóveis do PMCMV estão ilesos (até então, apenas os da faixa 1 passaram ilesos)32 32 Nenhum imóvel da faixa 1 havia sido retomado até outubro de 2020 (Oliveira, 2021). (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

O reajuste das políticas públicas habitacionais é visto como um dispositivo relacionado à rentabilidade do negócio imobiliário, muito mais do que como um provedor de soluções para os problemas sociais relativos à moradia. Royer (2009ROYER, L. O. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese (Doutorado em Habitat) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. doi: https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-19032010-114007.
https://doi.org/10.11606/T.16.2009.tde-1...
, p. 26) complementa: “A racionalidade das novas arquiteturas de financiamento imobiliário no Brasil reproduz [...] as possibilidades de manipulação do sistema de crédito a serviço da acumulação de capital e da redistribuição da riqueza e da renda aos grupos de maior poder aquisitivo”.

Os percentuais de ativos problemáticos33 33 “São consideradas como ativos problemáticos as operações de crédito em atraso há mais de noventa dias e as operações nas quais existem indícios de que respectiva obrigação não será integralmente honrada [...] quando [...] reconhecer contabilmente deterioração significativa da qualidade do crédito do tomador [...]” (Bacen, [s.d]). vinculados ao FGTS mostram-se superiores aos índices de inadimplência. Em 2020 o índice de inadimplência foi de 1,75%, frente a 9% de ativo problemático do FGTS, o que significa que muitos imóveis são retomados rapidamente ao invés de entrarem para a estatística da inadimplência. Tendo o FGTS um índice de inadimplência tão inferior ao de ativos problemáticos, conclui-se que os compradores que usufruem desse financiamento (baixa renda), têm, na retomada do imóvel, o fator social ignorado (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

Para avaliar os processos de retomada de imóveis não basta, portanto, analisar os dados acerca da inadimplência, mas sim os BNDU, que são justamente os imóveis retomados em estoque do banco (objeto de estudo da pesquisa). Segundo dados do Banco Central, os BNDU mostraram expressivo aumento, o que explicita o número crescente de imóveis retomados. O montante chegou a quase R$ 24 bilhões em estoque em 2019, crescimento que ocorreu sobretudo a partir de 2015. Os dados referem-se a imóveis retomados e que não foram vendidos na primeira ou na segunda praças dos leilões, indo assim para o BNDU - estoque.

São muito eficientes os instrumentos legais que rapidamente tornam a dívida do financiamento um ativo financeiro para o banco. Por pouco tempo fica registrada a inadimplência, sendo logo convertida em ativo financeiro (monetização) ou em BNDU, deixando de constar nas parcelas em atraso.

A baixa inadimplência, os elevados valores de BNDU e o aumento explosivo das Execuções efetuadas mostram que a Caixa tem aplicado bem o instrumento de alienação. [...] a consequência das políticas de crédito e subsídio dos anos 2000 à luz dos impactos da utilização da alienação como garantia (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 180).

Entre 2008 e 2019, a CEF retomou no Brasil 83.960 imóveis, dos quais 37 mil no segmento de mercado do PMCMV. Nesse período, a inadimplência da faixa 1 atingiu 50% dos contratos. O ápice de retomadas foi em 2018 (28.898) (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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). Considerando todas as retomadas entre 2000 e 2021, só no estado de São Paulo foram 21.235, das quais 244 ocorreram no distrito do Campo Limpo e 107 no distrito da Vila Andrade (CEF).

Das entrelinhas da retomada de imóveis que prejudicam os mutuários, há a não devolução das prestações já pagas, sendo consideradas indenização pela ocupação do imóvel. O mutuário deve pagar também uma taxa de ocupação de 1% do valor do imóvel ao mês, pelo tempo que permanecer no imóvel após a intimação da inadimplência. Outro fato marcante é que, mesmo o mutuário tendo pagado, por exemplo, 90% do imóvel (inclusive no PMCMV), não há impedimento à execução da garantia, muito menos devolução do valor pago ou das melhorias realizadas no imóvel (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

Ao ser retomado por ação extrajudicial, o imóvel vai para primeiro leilão, no qual o ex-mutuário tem preferência na sua compra. Se o arrematar, arca com todas as despesas do banco (ITBI, IPTU, condomínio etc.). No caso de ninguém adquirir o imóvel, ele vai para o segundo leilão e, se não for vendido, vai para o estoque do banco. Os BNDU são estoque inativo na carteira do banco, gerador de despesas, por isso, visa-se que os imóveis sejam vendidos nas primeiras praças.

Contudo, a análise do processo de retomada de imóveis pela CEF, com rápida ação extrajudicial e poucas brechas para o mutuário sair sem prejuízo, é fundamental para entender as consequências mais drásticas do processo de financeirização que ocorreu a partir da década de 1990. Como defende Lavinas (2015LAVINAS, L. A financeirização da política social. Politika, n. 2, p. 34-51, 2015. Disponível em: Disponível em: https://issuu.com/fjmangabeira/docs/revista_politika_-_portugues . Acesso em: 13 maio 2022.
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) e explicitam os dados, a habitação tornou-se um elemento de valorização financeira acima de sua função social de uso. Há a financeirização da política social habitacional no Brasil, sobretudo a partir do crédito como via de acesso à moradia e da consequente inserção no circuito internacional das finanças. Foi essa inserção que acarretou famílias atoladas em dívidas e com sua moradia retomada.

Considerações finais: a “indústria do despejo”

A cidade de São Paulo, principal metrópole do país, é exemplo de como se produz a cidade e como os investimentos privados e do Estado visam áreas mais centrais e com maior potencial lucrativo. O processo de expansão da cidade paulista apresenta um padrão de crescimento periférico que obriga as populações de baixa renda a irem para as margens da cidade, pouco abastecidas de infraestrutura.

Antes da produção de unidades do PMCMV em áreas periféricas, as incorporadoras se interessavam pelas áreas centrais da cidade. A mudança da localização dos investimentos foi causada pela compra de terrenos na abertura de capitais na Bolsa, em 2006, fato que guinou o processo expansionista-periférico tendo o Estado como principal agente da periferização da população (Santos, 2013SANTOS, C. R. S. A nova centralidade da metrópole: da urbanização expandida à acumulação especificamente urbana. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-28032013-122800.
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). O PMCMV foi o meio de o Estado facilitar a movimentação dos investimentos privados no mercado imobiliário.

Recentemente, assim como na década de 1990, tornaram a se repetir os investimentos em áreas centrais da cidade. Após o boom do PMCMV, os recursos para a habitação voltaram a se centralizar. Continua a lógica de as populações de baixa renda, agora fora dos enquadramentos do PMCMV, ficarem às margens da cidade, longe das infraestruturas e dos lançamentos.

A centralização do capital e o retorno desse processo após o PMCMV acentuam o movimento dos recursos e investimentos em habitação no país. São Paulo é um exemplo dos limites da acumulação do capital, que, para dar continuidade a seu excedente, oscila esse movimento imobiliário entre as periferias e o centro.

No entanto, os investimentos na periferia só se realizaram devido ao financiamento do Estado. Quando os recursos públicos se mostram limitados (como na década de 1990 ou agora, depois da crise de 2015), as faixas de renda baixa se veem à mercê de um mercado de habitação que os exclui - mas agora uma exclusão que significa, além da ausência dos financiamentos, o não pagamento das dívidas já contraídas.

Nos momentos de crise econômica, se não há uma ação anticíclica do Estado (como o PMCMV), os investimentos ficam voltados às altas rendas. Mas, se há ações anticíclicas e os investimentos conseguem abranger, por meio de crédito, as classes de menor renda, que segurança têm os mutuários no longo prazo?

Os dados do Campo Limpo e da Vila Andrade explicitam o padrão geográfico de investimento e o interesse em centralidades com maior potencial lucrativo. Mostram as importantes dinâmicas sociais e avançam no debate sobre a atual política habitacional brasileira. A Vila Andrade apresentou mais lançamentos e, consequentemente, nos anos recentes, atraiu a mudança nas faixas de renda do PMCMV. Nos últimos anos, o orçamento para habitação nas políticas de governo não foi prioritário, e o Estado deixou de subsidiar moradia para as baixas rendas; tampouco as incorporadoras investiram nas periferias, pois é preciso interesse público e privado para que se viabilize a construção de unidades capazes de gerar lucro. Campo Limpo e Vila Andrade expressam o deslocamento geográfico do fundo público investido.

Trata-se do momento em que a urbanização, por meio da produção do espaço urbano, cede lugar à reprodução do espaço como parte da estratégia de acumulação, [...] novas oportunidades de investimento e recapitalização. A consolidação de uma nova centralidade, a realização mercadoria imobiliária para uma outra classe (de maior poder aquisitivo) e toda a dinâmica de produção de novos espaços [...] (Santos, 2013SANTOS, C. R. S. A nova centralidade da metrópole: da urbanização expandida à acumulação especificamente urbana. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-28032013-122800.
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, p. 206).

O movimento anticíclico dos recursos veio no momento de crise, em 2009, para fomentar a economia; desde o seu início, visava uma remediação de curta duração (Santos, 2013SANTOS, C. R. S. A nova centralidade da metrópole: da urbanização expandida à acumulação especificamente urbana. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-28032013-122800.
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; Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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). Os investimentos públicos na habitação não foram pensados como soluções de longo prazo. Hoje, 13 anos depois, já vemos muitos imóveis retomados, mas, se o problema não for equacionado, daqui a duas décadas, quando findarem os contratos iniciados em 2009, quantos imóveis terão sido adquiridos integralmente pelos mutuários e quantos terão sido retomados?

Além de ser um aparato jurídico que proporciona liquidez e maior facilidade no manejo da dívida e de seus juros, a retomada de imóveis por meio da alienação fiduciária cria um mercado de lucros imobiliários. Forma-se um mercado de investidores que adquirem esses imóveis retomados a preços inferiores ao de avaliação de mercado (Lima, 2019LIMA, G. R. B. Casa própria pra quem? O processo de endividamento e retomada de imóveis. Monografia (Graduação em Geografia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.; Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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). A retomada deixa de ser mera questão jurídica, tornando-se uma possibilidade de investimento e lucros gigantescos (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).

São os recursos públicos somados à poupança dos trabalhadores (FGTS) que permitem os ganhos lucrativos tanto das construtoras (com os lançamentos do PMCMV) quanto dos investidores (Abreu; Melazzo; Ferreira, 2020ABREU, M. A.; MELAZZO, E. S.; FERREIRA, J. V. S. Produzindo casas de papel: as engrenagens da securitização de ativos imobiliários residenciais no Brasil. Confins, n. 47, 2020. doi: https://doi.org/10.4000/confins.33013.
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). Investidores lucram aplicando em títulos de dívidas ou adquirindo, abaixo do valor de mercado, os imóveis retomados.

O Estado agiu como propulsor do lucro e da renda do circuito imobiliário. Foi o crédito [...] que assegurou a onda de acumulação do circuito imobiliário no Brasil e contribuiu para a financeirização do setor, com a abertura de capitais das empresas do setor impulsionada pelo boom imobiliário, pela alavancagem de instrumentos financeiros com recursos do FGTS [...] e pela organização de uma estrutura regulatória que permite a rápida retomada do imóvel frente à inadimplência (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 134).

Segundo Oliveira (2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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), os imóveis do PMCMV retomados pela CEF entre 2009 e 2021 alcançaram o total dos subsídios investidos, de R$ 846,7 milhões. A maior parte desse montante foi vendida para investidores34 34 Em sua tese, Oliveira (2021) entrevista agentes do processo de retomada, e fica claro que a maioria dos adquirentes dos leilões são investidores em busca de revenda para lucro ou de aluguel para renda. ou ainda está no estoque do banco. Trata-se de uma transferência de subsídio a terceiros que nem sequer deveriam ser beneficiados pelo programa; há uma acumulação patrimonial: “Assim, recursos fiscais que viabilizaram a contemplação de beneficiários dentro das normas do programa, após o despejo reconcentram-se em prol dos arrematantes, seja qual for a renda” (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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, p. 185).

Cria-se a “indústria do despejo”. São investidores que adquirem imóveis mais baratos que o preço de avaliação,35 35 O preço do imóvel no leilão baseia-se no valor de avaliação do ano em que foi alienado e costuma ser menor do que o valor de mercado no ano em que é retomado e colocado à venda. Além disso, se o imóvel fica no estoque do banco, geralmente é colocado à venda por valor inferior para acelerar o processo de retirada do inativo financeiro da carteira do banco. aproveitando para acumular capital nos momentos contracíclicos, de crise. A acumulação de capital parte da despossessão de imóveis que em sua maioria eram moradias; capturam-se os subsídios investidos nas políticas públicas e a renda do trabalhador investida no imóvel.

A crise da retomada de imóveis é um problema conjuntural, é preciso pensar que os mutuários que em 2009 tiveram acesso ao crédito levarão três décadas para pagar a dívida. Quem contraiu essa dívida por volta de 2010 terminará de pagar as parcelas em 2040. O problema visto recentemente é a ponta do iceberg, afinal, existem inúmeros imóveis ainda financiados. A política habitacional só acaba quando o mutuário termina de pagar as parcelas do financiamento. Como serão o cenário macroeconômico e a estabilidade financeira do país para permitir ou prejudicar cada vez mais o pagamento dessas dívidas? Como o Estado pretende agir para que não haja uma avalanche de imóveis retomados?

90,5% dos imóveis do PMCMV ainda não tiveram sua dívida quitada, o que representa 4,2 milhões de famílias que ainda correm o risco de perder sua moradia (Oliveira, 2021OLIVEIRA, M. R. Da corrosão patrimonial aos despejos: os limites do financiamento no combate do problema da moradia no brasil. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em: Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/1236740 . Acesso em: 13 maio 2022.
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).36 36 Em entrevista, uma família relatou que adquiriu um imóvel via PMCMV em 2011 em Itaquera/SP, que a dívida inicial era de R$ 45 mil e hoje, devido aos juros, atrasos no pagamento e acordos com a CEF, está em torno dos R$ 75 mil. A família está na parcela 186 de 420, pagando R$ 330,00 por mês, e conta que o valor das parcelas aumentou conforme foram atrasando.

Todavia, os incentivos do Estado para habitação são mecanismos de inserção das famílias no circuito das finanças globais. Por mais que signifique acesso a bens duráveis, cada pessoa que financia algum bem está inserida nesse circuito e paga juros que alimentam capitais internacionais.

Foi no setor imobiliário que o Estado, com ações anticíclicas e somado aos agentes privados, viu brechas para expansão econômica mesmo em meio à crise. Por meio do acesso à moradia, surgiu o horizonte para o acúmulo do capital excedente que beirava seus limites (Harvey, 2005HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. Disponível em: Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/02_babel/textos/harvey-producao-capitalista-espaco.pdf . Acesso em: 13 maio 2022.
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). O Estado é fundamental na reprodução do espaço urbano em prol do capital. Cria dispositivos financeiros e manipula a reprodução do espaço para permitir a contínua valorização do capital; se necessário, desapropriando moradores de sua casa (Santos, 2013SANTOS, C. R. S. A nova centralidade da metrópole: da urbanização expandida à acumulação especificamente urbana. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. doi: https://doi.org/10.11606/T.8.2013.tde-28032013-122800.
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).

As moradias que estão sendo produzidas no Brasil visam solucionar a questão habitacional ou apenas gerar lucro? Vimos aqui que a questão macroeconômica é o motor desse processo e, nos momentos de produção habitacional subsidiada, foram ainda os interesses macroeconômicos e privados que motivaram essas produções. Como afirma Bolaffi (1982BOLAFFI, G. Habitação e urbanismo: o problema e o falso problema. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa Ômega, 1982. p. 37-70. Disponível em: Disponível em: https://erminiamaricato.files.wordpress.com/2012/03/a-produccca7acc83o-capitalista-da-casa-e-da-cidade-no-brasil-industrial.pdf . Acesso em: 13 maio 2022.
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), a questão habitacional no Brasil também é um “falso problema”.

É preciso pensar nas consequências das políticas habitacionais de longo prazo. O crédito não é a saída ideal para a crise e para o acesso universal à moradia. O que se fará para que nos próximos anos as famílias não sejam prejudicadas por esses encargos? As estruturas conjunturais e macroeconômicas brasileiras devem permitir o pagamento dessas dívidas. Por mais que se alie aos interesses privados, o Estado precisa pensar políticas públicas que em situações de instabilidade econômica protejam as famílias mutuarias; por exemplo: congelamento dos juros para as baixas rendas, mesmo com atraso nas parcelas; maior prazo para atraso sem a rápida execução extrajudicial; ou, como houve na pandemia, congelamento da aplicabilidade da lei de alienação fiduciária. Os governos devem dar prioridade à pauta da moradia e do orçamento para habitação, sobretudo reformulando as legislações que envolvem alienação fiduciária, deixando o mutuário menos à mercê de leis criadas para beneficiar o mercado de capitais.

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Editado por

Editor do artigo:

César Simoni Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
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