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TANINOS CONDENSADOS DE ESPÉCIES DE PLUMBAGINACEAE

CONDENSED TANNINS OF PLUMBAGINACEAE SPECIES

RESUMO

A família Plumbaginaceae é constituída por ervas ou subarbustos perenes de distribuição cosmopolita. O presente estudo visou avaliar o teor de taninos condensados em folhas de duas espécies de Plumbaginaceae: Plumbago auriculata Lam. e Plumbago scandens L. A extração dos taninos foi realizada através de hidrólise ácida e a quantificação foi feita através de análise colorimétrica em comparação com um padrão (epicatequina). Os resultados obtidos indicam uma produção maior de taninos condensados em Plumbago auriculata, em detrimento da sua baixa produção em P. scandens, indicando essa classe metabólica como importante marcador diferencial dessas plantas.

Palavras-chaves:
Taninos condensados; Plumbago auriculata Lam.; Plumbago scandens L.

ABSTRACT

Plumbaginaceae is composed by perennial herbs or subshrubs of cosmopolitan distribution. The present study aimed to evaluate the content of condensed tannins from leaves of two Plumbaginaceae species Plumbago auriculata Lam. e Plumbago scandens L. The tannin extraction was carried out by acid hydrolysis and the quantification was obtained through colorimetric analysis using epicatechin as standard sample. The results indicated a high tannin production in Plumbago auriculata while the slight content was found in P. scandens, indicating these metabolites as important differential markers of these plants.

Key words:
Condensed tannins; Plumbago auriculata Lam.; Plumbago scandens L.

INTRODUÇÃO

Taninos são macromoléculas do metabolismo secundário presentes em vários grupos vegetais, sendo classificados segundo sua estrutura química em dois grandes grupos: taninos hidrolisáveis e taninos condensados. Os taninos hidrolisáveis apresentam na sua constituição monômeros de ácido gálico (tanino gálico) ou ácido elágico (tanino elágico), enquanto os taninos condensados são formados pela polimerização de unidades de catequina. Do ponto de vista biológico, os taninos apresentam propriedades relevantes como é o caso do seu poder tanante e de sua adstringência (Santos & Mello, 1999SANTOS, S.C.; MELLO, J.C.P. de. Taninos. In: Farmacognosia da planta ao medicamento. Porto Alegre, Florianópolis: Editora Universidade/UFRGS, Editora da UFSC,.1999. p.517-544.).

O uso de taninos em artefatos de couro remonta desde a antiguidade (Gonçalves & Lelis, 2001GONÇALVES, C. A.; LELIS, R.C.C. Teores de taninos da casca e da madeira de cinco leguminosas arbóreas. Floresta e Ambiente, Seropédica, V.8, n. 1, p.167-173, 2001). A propriedade de formar complexos com proteínas e certos polióis explica a sua atuação sobre o colágeno, permitindo então transformar a pele dos animais, facilmente putrescível, em couro, conferindo, portanto resistência ao apodrecimento.

A mesma capacidade de formação de complexos fornece a base para a segunda grande propriedade dos taninos: a adstringência, tornando os tecidos não palatáveis, através da precipitação de proteínas salivares ou imobilização de enzimas, inibindo dessa forma a invasão de parasitas nos tecidos vegetais, bem como a ação de herbívoros (Bate-Smith, 1973BATE-SMITH, E.C. Haemanalysis of tannins: the concept of relative adstringency. Phytochemistry, Oxford, V.12, p.907-912, 1973.).

Outro aspecto dos taninos que os caracterizam como importantes substâncias de defesa química vegetal está relacionado ao forte poder antioxidante dessas moléculas. Todo ferimento celular em qualquer organismo acelera a formação de unidades ativas de oxigênio, na forma de radicais superóxido (O2-) bem como peróxidos de hidrogênio (H2O2). Essas formas ativas, mesmo em plantas sadias, são responsáveis por suberização e lignificação das paredes celulares e ligação oxidativa cruzada de proteínas das paredes celulares. Nas condições de ferimento vegetal, o radical hidroxila pode ser gerado em resposta às quantidades substan-cialmente grandes de peróxido de hidrogênio e reage muito rapidamente com qualquer molécula de uma célula viva (Gottlieb et al., 1996GOTTLIEB, O.R.; KAPLAN, M.A.C.; BORIN, M.R.de M.B. Biodiversidade: Um Enfoque Químico- Biológico. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 267 p.). Taninos, por apresentarem ação antioxidante, são moléculas que podem atuar no processo de estabilização desses radicais.

A presença de taninos na composição química vegetal muitas vezes está diretamente relacionada à atividade biológica descrita para determinada espécie. Podem-se citar as atividades antiinflamatória (Duwiejua et al., 1994DUWIEJUA, M.; ZEITLIN, I.J.; WATERMAN, P.G.; GRAY, A.I. Anti-inflammatory activity of Polygonum bistorta, Guaiacum officinale and Hamamelis virginiana in rats. J. Pharmacol., Kansas, V.46, n.4, p.286-290, 1994.), antiviral (Erdelmeier et al., 1996ERDELMEIER, C.A.; CINATL, J.JR.; RABENAU, H.; DOERR, H.W.; BIBER, A.; KOCH, E. Antiviral and antiphlogistic activities of Hamamelis virginiana bark. Planta Medica, New York, V.62, n.3, p.241-245,1996.) e moluscicida (Marston & Hostettmann, 1985MARSTON, A.; HOSTETTMANN, K. Plant molluscicides. Review. Phytochemistry, Oxford, V.24, p.639-652, 1985.)

A distribuição maciça de taninos está restrita a determinados táxons e representa um desvio metabólico, o que faz com que a planta apresente grande produção de representantes dessa classe química em detrimento de outros metabólitos (Gottlieb & Kaplan, 1990GOTTLIEB, O.R.; KAPLAN, M.A.C. Busca Racional de Princípios Ativos em Plantas. Interciência, Caracas, V.15, n.1, p.26-29, 1990.). Os taninos condensados apresentam um padrão de distribuição mais vasto do que os demais, sendo encontrado em diversas famílias de angiospermas como Anacardiaceae, Annonaceae, Apocynaceae, Malvaceae, Moraceae, Mimosaceae, entre outras (Mole, 1993MOLE, S. The systematic distribution of tannins in the leaves of angiosperms: a tool for ecological studies. Biochem. Syst. Ecol., Oxford, V.21, n. 8, p. 833-846, 1993.). Dentro da superordem Malviflorae (Dahlgren, 1980DAHLGREN, R.M.T. A revised system of classification of the angiosperms. Bot. J. Linn. Soc., London, V.80, n.2, p.91-124, 1980.), situa-se a ordem Plumbaginales, onde se encontra a família Plumbaginaceae. Essa família compreende cerca de 12 gêneros e aproximadamente 400 espécies (Cronquist, 1981CRONQUIST, A. An Integrated system of classification of flowering plants. New York: Columbia University Press, 1981. 1262p.) de distribuição cosmopolita. Nas restingas do sudeste brasileiro, Plumbaginaceae é representada por duas espécies, Plumbago scandens L. e Limonium brasiliensis (Boiss.) Kuntze. Essas espécies apresentam usos na medicina popular. P. scandens é utilizada no tratamento de dores em geral, pruridos, lepra, reumatismo, entre outros, enquanto L. brasiliensis tem ação contra asma, bronquite, catarros e resfriados (Duke & Beckstrom-Sternberg, 2002DUKE, J.A.; BECKSTROM-STERNBERG, S.M. Phytochemical Database. Disponível em: <http://www.ars-grin.gov/duke/ethnobot.html>. Acesso em: 10 nov. 2002.
http://www.ars-grin.gov/duke/ethnobot.ht...
). A família Plumbaginaceae apresenta uma posicionamento taxonômico muito incerto e todo estudo químico, etnofarmacológico ou farmacológico contribuirá de modo significativo no progresso do seu estudo sistemático.

O presente trabalho teve como objetivo quantificar mensalmente a presença de taninos condensados, durante dois anos consecutivos, em duas espécies de Plumbaginaceae: Plumbago scandens L., nativa das restingas brasileiras e, portanto, sujeita à condições de estresse devido à baixa disponibilidade hídrica e elevada temperatura e luminosidade e Plumbago auriculata Lam., espécie africana, altamente adaptada e muito cultivada no Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

A análise quantitativa dos teores de taninos condensados de Plumbago auriculata e Plumbago scandens foi realizada mensalmente, durante o período de janeiro de 2000 a dezembro de 2001. Para esse estudo foram realizadas coletas mensais de folhas adultas a partir do terceiro nó, de P. auriculata e P. scandens no campus da Fundação Oswaldo Cruz. Os ramos foram escolhidos ao acaso, desde que expostos à luminosidade, ou seja, ramos do interior do arbusto não foram coletados. As folhas foram previamente secas e moídas, sendo posteriormente submetidas à extração a quente com uma solução metanol:água na proporção de 1:1 (v/ v). Após a filtragem, alíquotas de 0,5 ml do extrato foram tratadas com 4ml de HCl a 5% em n-butanol e deixadas em repouso durante 2 horas a uma temperatura de 95oC. Após esse período procedeu-se a análise colorimétrica em espectrofotômetro ultravioleta/visível Shimadzu modelo UV - 1601 PC, no comprimento de onda de 550nm, em um prazo de 30 minutos (Bate-Smith, 1977BATE-SMITH, E.C. Adstringent tannins of Acer species. Phytochemistry, Oxford, V.16, p.1421-1426, 1977.).

As concentrações de taninos condensados nas espécies em questão foram avaliadas após a elaboração da curva padrão com epicatequina (Figura 1). Os ensaios foram sempre realizados em triplicata.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos (Figura 2) indicaram uma produção elevada de taninos condensados em P. auriculata, principalmente no ano de 2001. Já em P. scandens a concentração é relativamente baixa e apresenta-se praticamente constante em todos os meses.

Nos meses de janeiro e março de 2001, não foi realizada a quantificação do teor de taninos em Plumbago auriculata devido à falta de material vegetal necessário para a dosagem.

P. scandens é uma espécie originalmente sujeita a altas condições de estresse por ter como habitat natural a restinga. Estudos anteriores de Larsson et al. (1986)LARSSON, S.; WIRÉN, A.; LUNDGREN, L.; ERICSON, T. Effects of light and nutrient stress on leaf phenolic chemistry in Salix dasyclados and susceptibility to Galerucella lineola (Coleoptera). Oikos, Lund, V. 47, p. 205-210, 1986. demonstram que as quantidades de substâncias fenólicas aumentam em plantas presentes em locais de elevada luminosidade e baixa disponibilidade de nutrientes, entretanto tal fato não foi evidenciado em P. scandens. A explicação pode ser atribuída à utilização de material botânico proveniente de indivíduos cultivados no horto da Fundação Oswaldo Cruz e, portanto, com solo adubado e condições hídricas favoráveis. Já P. auriculata, apesar de ser uma espécie também cultivada, seu solo não foi preparado, sendo pobre em nutrientes e podas periódicas foram realizadas na população, o que pode ser responsável pela elevação e variabilidade no nível de taninos.

Figura 1
Curva padrão para taninos condensados com diferentes concentrações de epicatequina.
Figure 1.
Standart curve for condensed tannin with different concentrations of epicatechin.

Figura 2
Dosagem de taninos condensados para Plumbago auriculata e Plumbago scandens nos anos de 2000 e 2001.
Figure 2.
Quantitative determination of condensed tannins in Plumbago auriculata e Plumbago scandens during the years of 2000 and 2001.

Comparação da variabilidade observada na produção de taninos condensados com fatores abióticos (temperatura média, precipitação acumulada, umidade relativa do ar e nebulosidade) não mostrou qualquer tipo de correlação.

CONCLUSÕES

A produção de taninos condensados pelas duas espécies de Plumbaginaceae cultivadas na Fundação Oswaldo Cruz, onde apresentam um desenvolvimento apropriado, serve como marcador diferenciador das duas plantas. Essa produção metabólica não sofre rigorosa influência de fatores abióticos, enquanto Plumbago auriculata mostrou flutuações no teor de taninos condensados ao longo de dois anos de experimentação, Plumbago scandens manteve uma baixa produção, porém regular no período avaliado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Maria Beatriz Almeida e Sebastião Costa de Lima, pelos cuidados com o cultivo das plantas e à aluna Shirley da Silva Marques do Programa de Vocação Científica, pela preparação do material botânico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BATE-SMITH, E.C. Haemanalysis of tannins: the concept of relative adstringency. Phytochemistry, Oxford, V.12, p.907-912, 1973.
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  • CRONQUIST, A. An Integrated system of classification of flowering plants New York: Columbia University Press, 1981. 1262p.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2002
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