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A Situação Ambiental e a Administração das Unidades de Conservação em Campo Grande-MS, na Visão de seus Gestores

Environmental Situation and Management of the Conservation Units in Campo Grande, MS, in the View of its Managers

RESUMO

Objetivou-se avaliar a situação ambiental e a gestão das Unidades de Conservação de Campo Grande-MS. Para alcançar esta finalidade, entrevistas com os gestores das Unidades foram realizadas. Os resultados mostraram que, de modo geral, não há planejamento para estas áreas, os mecanismos de gestão existentes são deficientes e todas as Unidades apresentam problemas ambientais. A ausência de recursos financeiros foi a maior dificuldade levantada pelos gestores.

Palavras-chave:
gestão; unidades de conservação; manejo ambiental.

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the environmental situation and management of the conservation units in Campo Grande, State of Mato Grosso do Sul. To this end, interviews with the managers of these units were carried out. The results showed that, in general, there is no planning for those areas, the managing mechanisms are defective, and all the units present environmental problems. The lack of financial resources was the greatest difficulty reported by the managers.

Keywords:
management; conservation units; environmental management.

1. INTRODUÇÃO

O estabelecimento de áreas protegidas é um dos principais mecanismos de conservação da biodiversidade utilizado em grande parte do mundo. Entretanto, apenas o estabelecimento destas áreas não é suficiente para se alcançarem os objetivos previstos em seus atos de criação. Embora cada vez mais o número de áreas protegidas aumente, nem sempre a sua criação é seguida de uma administração eficiente, o que resulta em sérios problemas em sua gestão e sua consolidação.

O Brasil apresenta um histórico de áreas protegidas que remonta à época da Coroa Portuguesa e do Governo Imperial, ainda que com o objetivo de garantir o controle sobre o manejo de determinados recursos (Medeiros, 2006Medeiros R. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no Brasil. Ambiente e Sociedade 2006; 9(1).).

O termo “áreas protegidas” é bastante amplo e, técnica e juridicamente, pode incluir áreas com finalidades totalmente distintas. Nesse sentido, Pereira & Scardua (2008)Pereira PF, Scardua FP. Espaços territoriais especialmente protegidos: conceitos e implicações jurídicas. Ambiente e Sociedade 2008; 11(1):81-97. fazem uma boa distinção entre as expressões “espaço territorial especialmente protegido”, “área protegida” e “unidade de conservação”. As áreas protegidas que têm maior visibilidade são as Unidades de Conservação (UCs), instauradas pela aprovação da lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000. Com a finalidade de abarcar um número maior de tipologias de áreas protegidas, foi aprovado em 2006 o Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas (PNAP), o qual, segundo Irving & Matos (2006)Irving MA, Matos K. Gestão de parques nacionais no Brasil: projetando desafios para a implementação do Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas. Floresta e Ambiente 2006; 13(2):89-96., representa um avanço significativo no âmbito da política ambiental no País.

Com relação ao percentual de UCs no Brasil, Fonseca & Ribeiro (2005)Fonseca LN, Ribeiro EP. Preservação ambiental e crescimento econômico no Brasil. In: Anais do 8th Encontro de Economia da Região Sul - ANPEC SUL; 2005; Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS; 2005. [cited 2011 jul. 6]. Available from: http://www.ufrgs.br/ppge/pcientifica/2004_08.pdf>.
http://www.ufrgs.br/ppge/pcientifica/200...
apontaram a região Nordeste como a que possui a maior porcentagem do território protegida, em relação às outras regiões do País. Na região Centro-Oeste, ainda segundo os mesmos autores, o Estado do Mato Grosso do Sul é apontado como o que possui menor porcentagem de cobertura do território protegido por UCs. Teixeira et al. (2010)Teixeira DR, Machado CJS, Farias OLM, Dupas FA. Descrição e análise quantitativa da composição e grau de participação dos atores públicos e privados nos conselhos de unidades de conservação e mosaicos federais segundo o arcabouço legal. In: Anais do 5th Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade - ANPPAS, 2010, Florianópolis. Florianópolis: ANPPAS; 2010. apresentam dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) sobre as UCs federais que apontam a região Norte como a que possui um maior número de conselhos gestores, em relação às outras regiões do País. Novamente, a região Centro-Oeste é apontada como a região com menor número de conselhos gestores, segundo os mesmos dados.

A avaliação da gestão ambiental e do planejamento de áreas protegidas e de unidades de conservação tem sido objeto de investigação já há algum tempo. Souza (2002 apud Marques & Nucci, 2007bMarques AC, Nucci JC. Planejamento, gestão e manejo em unidades de conservação. Revista Ensino e Pesquisa (União da Vitória) 2007b; 4:33-39.) diferencia o termo “planejamento” - associado com práticas maléficas e autoritárias - do termo “gestão” - que carrega uma visão mais democrática. Diversos autores, nos últimos anos, têm apresentado diferentes abordagens para avaliar a efetividade de manejo, a gestão ambiental e a eficácia na conservação da natureza nas unidades de conservação (Padovan, 2002Padovan MP. Formulação de parâmetros e de um procedimento para certificação do manejo de unidades de conservação. In: Anais do 3th Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação; 2002; Fortaleza. Fortaleza: Rede nacional Pró-UCs, Fundação O Boticário; 2002.; Padovan & Lederman, 2004Padovan MP, Lederman MR. Análise da situação do manejo das unidades de conservação do estado do Espírito Santos, Brasil. In: Anais do 4th Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação; 2004; Curitiba. Curitiba: Instituto Ambiental do Paraná; 2004. vol 1: trabalhos técnicos.; Silva et al., 2004Silva FHA, Bonilla OH, Oliveira CSF. Efetividade das unidades de conservação de proteção integral na manutenção da biodiversidade do Ceará. In: Anais do 4th Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação; 2004; Curitiba. Curitiba: Instituto Ambiental do Paraná; 2004. vol 1: trabalhos técnicos.; Lima et al., 2005Lima GS, Ribeiro GA, Gonçalves W. Avaliação da efetividade de manejo das unidades de conservação de proteção integral em Minas Gerais. Revista Árvore 2005; 294:647-653.). O modo brasileiro de proteção da natureza, que, segundo Irving & Matos (2006)Irving MA, Matos K. Gestão de parques nacionais no Brasil: projetando desafios para a implementação do Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas. Floresta e Ambiente 2006; 13(2):89-96., é consolidador de práticas de gestão centralizadas do Poder Público, tem sido mudado gradualmente nos últimos anos.

O artigo 225 da Constituição Federal já atribui ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado. É nesse sentido que os conselhos gestores surgem como uma forma de governança participativa. Nos conselhos gestores, a situação é complexa, tanto pelo seu ineditismo quanto pela falta de normatização e de assimilação de seus preceitos entre as instâncias gestoras das unidades e a própria sociedade (Brasil, 2004Brasil. Ministério do Meio Ambiente - MMA. Programa Áreas Protegidas da Amazônia. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; 2004.).

Loureiro & Cunha (2008)Loureiro CFB, Cunha CC. Educação ambiental e gestão participativa de unidades de conservação: elementos para se pensar a sustentabilidade democrática. Ambiente & Sociedade 2008; 11(2):237-253. apontam que somente a existência destes conselhos não deve ser vista como garantia de participação e de democracia, alertando para o fato de que nem sempre a multiplicidade de instâncias significa maior capacidade de gestão democrática, quer pelo pouco tempo de existência e pela falta do domínio da melhor forma de funcionamento, quer pelo histórico de conflitos e pela ausência de estratégias de diálogo entre órgãos ambientais e agentes sociais envolvidos.

É válido ressaltar que, mesmo com os conselhos instaurados ou não, as unidades de conservação são criadas por atos do Poder Público e, dessa forma, são geridas por este até que se implemente o conselho. Mesmo com os conselhos instaurados, os órgãos públicos têm um representante nestes e, em geral, é este representante que assume a figura do presidente do conselho ou do gestor da unidade.

Bensusan (2006)Bensusan N. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 176 p. aponta que, em geral, existem duas grandes dificuldades na implementação e na gestão das unidades: a de natureza financeira, que inclui sua efetiva implantação após a criação, e a de natureza ecológica, que implica, entre outros aspectos, a falta de conhecimento sobre a totalidade dos processos que geram e mantêm a biodiversidade.

Dourojeanni (2002)Dourojeanni MJ. Vontade política para estabelecer e manejar parques. In: Terborgh J, Davenport L, Rao M, organizadores. Tornando os parques eficientes: estratégias para a conservação da natureza nos trópicos. Curitiba: Ed. da UFPR, Fundação O Boticário; 2002. assume que grande parte do processo de criar e gerir parques está relacionada com a manifestação da vontade política e que, mesmo assim, existe mais vontade política para estabelecer parques do que para manejá-los.

Nesse contexto, este trabalho destinou-se a investigar a situação das Unidades de Conservação de Campo Grande-MS quanto a diversos aspectos administrativos e ambientais, por meio de pesquisa junto aos gestores das unidades ou a um representante da instituição responsável por tal unidade de conservação.

2. MÉTODOS

Neste trabalho, para analisar o modo como a administração das Unidades de Conservação da cidade tem sido conduzida, um questionário próprio semiestruturado com questões abertas e fechadas foi desenvolvido com base no foco de investigação e também em outros trabalhos semelhantes anteriormente realizados. Este questionário continha 36 questões, que se dividiam em seis centros de interesse: gestão, conhecimento acerca da unidade, planejamento, ferramentas e parcerias, infraestrutura e situação ambiental.

Entre os dias 10 e 31 de outubro de 2008, todas as Unidades de Conservação de Campo Grande-MS foram visitadas e os questionários foram aplicados aos gestores da área, sob a forma de uma entrevista aberta e com o registro em áudio. No caso das unidades que não apresentavam gestor, um membro técnico da instituição responsável pela unidade foi indicado para responder ao questionário. Os entrevistados tinham a opção de não responder a qualquer pergunta caso entendessem tal procedimento como o melhor a ser adotado.

As respostas das questões fechadas foram tabuladas e as outras respostas foram consideradas numa análise separada. A comparação entre as unidades foi realizada por meio da análise desse conjunto de dados tabulados e/ou relatados.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A capital do Estado de Mato Grosso do Sul possui seis Unidades de Conservação (UCs) localizadas em seu domínio, sendo três delas de âmbito estadual - o Parque Estadual do Prosa (PEP), o Parque Estadual Matas do Segredo (PEMS) e a Reserva Particular do Patrimônio Natural da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (RPPN/UFMS) - e outras três unidades de âmbito municipal - a Área de Proteção Ambiental (APA) dos mananciais do córrego Guariroba (APA Guariroba), a APA da bacia do córrego Ceroula (APA Ceroula) e a APA dos mananciais do córrego Lajeado (APA Lajeado). Juntas, essas unidades totalizam pouco mais que 110 mil ha. É interessante notar que somente 0,32% desse total é representado pelas unidades do grupo de proteção integral, mesmo que estas representem quase a metade das UCs da cidade. Este resultado local assemelha-se à situação nacional, segundo Marques & Nucci (2007a)Marques AC, Nucci JC. As unidades de conservação e a proteção da natureza. Revista de Estudos do Vale do Iguaçu 2007a; 8-9:167-180..

Os resultados deste trabalho indicam que os gestores de unidades de proteção integral receberam algum tipo de formação para gerir estas áreas, enquanto que aqueles de áreas de uso sustentável não receberam formação alguma. Dentre os gestores que receberam algum tipo de formação, tais atividades variaram, em relação à duração, desde semestral a eventualmente. Em nenhum destes casos, a participação nestes eventos foi motivada pela instituição gestora da unidade.

Apenas em uma das unidades (PEMS), a gestão atual chegou a conhecer os projetos da gestão anterior e seguiu dando continuidade a alguns deles. Este procedimento tem implicações óbvias e práticas na gestão das UCs, quando analisadas sob uma ótica gerencial de longa data. Araújo & Pinto- Coelho (2004) avaliam que a elevada ingerência política - externa e interna - e a descontinuidade administrativa que marca a administração pública brasileira podem ser resultado da forma como evoluiu essa administração sob um pano de fundo cultural.

Os gestores dos parques avaliaram o grau de dificuldade do processo de gestão como alto. O gestor da RPPN/UFMS considerou a dificuldade como inexistente. Com relação às APAs, o grau de dificuldade do processo de gestão não foi informado pelos gestores. A avaliação dos gestores em relação aos seus conhecimentos acerca da unidade pode ser visualizada na Figura 1.

Entre as maiores dificuldades no processo administrativo, apontadas pelos gestores, a ausência de recursos financeiros foi o fator de maior destaque, sendo citada por 83,3% dos entrevistados, seguida de número de funcionários insuficiente (50%) e falta de apoio institucional e de infraestrutura, perfazendo 33,3% cada um destes âmbitos. Ainda foram elencadas a situação fundiária e a falta do Conselho como dificuldades relevantes no processo administrativo.

Figura 1
Nível de conhecimento dos gestores sobre características da Unidade de Conservação em que atuam, em Campo Grande-MS.
Figure 1
Managers’ knowledge level about the characteristics of the conservation unit where they work, in Campo Grande, MS.

Embora a maior dificuldade citada pelos entrevistados tenha sido a ausência de recursos financeiros, Freitas (2003 apud Araújo & Pinto-Coelho, 2004Araújo MAR, Pinto-Coelho RM. Porque as unidades de conservação são precariamente geridas no Brasil? In: Anais do 4th Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação; 2004; Curitiba. Curitiba: Instituto Ambiental do Paraná; 2004. vol 1: trabalhos técnicos. p. 55-61.) demonstrou que as Unidades de Conservação de Minas Gerais - com mais recursos financeiros, humanos e materiais - não são, necessariamente as que apresentam melhores resultados nos quesitos por ele analisados. Rocha (2002 apud Araújo & Pinto-Coelho, 2004Araújo MAR, Pinto-Coelho RM. Porque as unidades de conservação são precariamente geridas no Brasil? In: Anais do 4th Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação; 2004; Curitiba. Curitiba: Instituto Ambiental do Paraná; 2004. vol 1: trabalhos técnicos. p. 55-61.) também demonstrou que a carência de recursos financeiros para a indenização de terras a serem desapropriadas não é o maior problema que afeta a questão da regularização fundiária dos parques nacionais. A existência de recursos humanos, materiais e financeiros não garante um bom desempenho. Brandon et al. (1998 apud Irving & Matos, 2008), em um estudo com parques latinoamericanos, chegaram à conclusão de que, entre outras coisas, a efetividade de manejo de um parque está relacionada com a compreensão do contexto social no qual está inserido.

É interessante notar que, com relação aos recursos financeiros, as APAs deveriam receber maior atenção de seu órgão gestor, no caso a Prefeitura Municipal, uma vez que estas áreas geram arrecadações por meio do ICMS ecológico. Os parques recebem algum tipo de recurso financeiro proveniente de compensação ambiental e, embora não exista uma frequência exata de quando estes recursos serão disponibilizados, dado que são oriundos de processos administrativos, quando estão disponíveis são considerados suficientes pelos gestores. Além disso, o PEP recebe verba proveniente da taxa de visitação. No entanto, este recurso é dividido entre outras unidades do órgão gestor. Desta forma, somente a RPPN/UFMS não possui uma fonte de recursos financeiros. Sendo esta uma reserva particular, seria plenamente possível que a proprietária da área, no caso a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, investisse dinheiro em gestão, implementação, conservação e manutenção.

Com base nas entrevistas, vale ressaltar que embora todos esses aspectos sejam relevantes no processo gerencial, nota-se que somente o PEP possui um plano orçamentário para a unidade, o que muito favorece sua gestão financeira. No PEMS, um plano orçamentário está sendo elaborado. Considerando esses fatores, os parques assumem uma posição de melhor administração orçamentária e melhor visão administrativa e gerencial entre as UCs, uma vez que, além de contar com recursos, ainda que esporádicos, intenciona-se um planejamento para os mesmos, passo fundamental em qualquer processo de gestão.

Somente nos parques, existem funcionários trabalhando e, em ambas as situações, são considerados insuficientes em número pelos gestores entrevistados. Segundos os gestores, a participação destes funcionários é fundamental na gestão dos parques e todos possuem um amplo conhecimento dos problemas gerenciais e ambientais da UC. Essa situação favorece a gestão das unidades e denota uma visão conjunta das necessidades específicas. Isto é, provavelmente, favorecido pelo fato de que os dois parques estão sob a responsabilidade do mesmo órgão e os funcionários, em sua maioria, também pertencem a este órgão. Dessa forma, uma visão de gestão integrada parece estar sendo favorecida pela troca de experiências acerca dos problemas e soluções encontrados em cada unidade.

Todos os gestores afirmam que existem prioridades administrativas nas Unidades de Conservação, embora somente nos parques e na APA Guariroba exista um plano de metas; destes, somente a APA Guariroba monitora a execução deste plano. Isto equivale a dizer que apenas uma UC na cidade monitora a execução das atividades administrativas anteriormente previstas. Ainda em se tratando de planejamento, somente os parques possuem um planejamento global para a unidade, segundo as entrevistas.

Os gestores relataram que, embora todas as unidades tenham sido criadas há mais de cinco anos, nenhuma utiliza efetivamente o plano de manejo, quando este existe. No caso da APA Ceroula, este documento é inexistente. O PEP possui um plano de manejo, mas é considerado desatualizado pelo gestor. Tanto PEMS quanto APA Guariroba possuem um plano de manejo que não foi publicado e, portanto, não existe oficialmente. Já a APA Lajeado e a RPPN/ UFMS estão elaborando o plano de manejo, mas não possuem previsão de término deste documento. Esta situação também tem implicações práticas e óbvias na gestão das áreas, além de estar em desacordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Com relação à participação na elaboração do plano de manejo, o gestor do PEMS participou parcialmente do processo de elaboração do plano de manejo da unidade e o gestor da RPPN/UFMS participou ativamente da elaboração do plano.

Esta situação não parece ser um fato isolado, já que Marques & Nucci (2007b)Marques AC, Nucci JC. Planejamento, gestão e manejo em unidades de conservação. Revista Ensino e Pesquisa (União da Vitória) 2007b; 4:33-39. apontaram que desde a década de 1980, época da elaboração dos primeiros planos de manejo de várias florestas nacionais, estes planos já não eram efetivados. Lembram ainda que, embora desde 2001 o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tenha desenvolvido e disponibilizado roteiros metodológicos de planejamento e de elaboração de planos de manejo de diferentes categorias de unidades de conservação, a situação persiste.

Tabela 1
Ferramentas de gestão existentes e utilizadas em Unidades de Conservação em Campo Grande-MS, segundo relato dos entrevistados.
Table 1
Existing management tools used in conservation units in Campo Grande, MS, according report of the respondents.

A Tabela 1 apresenta as ferramentas de gestão disponíveis e utilizadas em cada Unidade de Conservação.

Com relação às parcerias na gestão, foi relatado pelos gestores que as APAs de Guariroba e Lajeado contam com o apoio da atual empresa de abastecimento e saneamento, além da Promotoria do Meio Ambiente. Nos parques, o apoio é da Polícia Militar Ambiental.

Em 66,6% das unidades, o Conselho Gestor não existe ou é inativo. Exceção feita às APAs de Guariroba e Lajeado, que possuem Conselho constituído e com reuniões acontecendo bimestralmente. O PEP possui um Conselho que se encontra inativo e o PEMS aguarda um processo administrativo para reestruturação do antigo Conselho. Mais uma vez, evidencia-se uma situação que possui reflexos diretos nos processos gerenciais dessas unidades. Uma vez que o Conselho Gestor é uma importante conquista no processo histórico de gestão de áreas protegidas e uma ferramenta imprescindível na tomada de decisões acerca da UC, é de se esperar que a gestão destas áreas seja altamente influenciada por este conjunto negativo de situações. Marques & Nucci (2007b)Marques AC, Nucci JC. Planejamento, gestão e manejo em unidades de conservação. Revista Ensino e Pesquisa (União da Vitória) 2007b; 4:33-39. chegam a apontar o plano de manejo e os conselhos administrativos como o centro dos instrumentos de planejamento e gestão de unidades de conservação, previstos no SNUC.

Os autores ainda observaram que as deficiências de planejamento e gestão das unidades são grandes limitações para que as unidades de conservação consigam cumprir suas funções e argumentam que o grande desafio das UCs frente ao SNUC é a concretização da construção participativa do planejamento e da gestão, além da abertura para a participação da comunidade. Irving & Matos (2006)Irving MA, Matos K. Gestão de parques nacionais no Brasil: projetando desafios para a implementação do Plano Nacional Estratégico de Áreas Protegidas. Floresta e Ambiente 2006; 13(2):89-96. apontam que, para a governança democrática estabelecida no PNAP se efetuar, é importante avaliar a qualidade do funcionamento dos Conselhos e a sua efetividade como espaço real de construção de governança democrática.

Somente nos parques, existe algum tipo de infraestrutura, que é considerada pelos gestores como sendo insuficiente no PEMS e satisfatória no PEP. Embora nas propriedades particulares das APAs possa haver alguma modalidade de infraestrutura, esta não foi considerada neste trabalho por não reverter benefícios para a UC de uma forma específica. Com relação à RPPN/UFMS, embora não haja nenhuma infraestrutura, existe interesse em dotar a unidade de estruturas, como cercamento, recepção, banheiros e guarita. Somente o PEMS possui um plano de manutenção ou troca de equipamentos.

Tabela 2
Problemas ambientais encontrados nas Unidades de Conservação de Campo Grande, MS, na visão dos entrevistados.
Table 2
Environmental problems found in conservation units from Campo Grande, MS, in view of the interviewees.

Figura 2
Nível de degradação ambiental encontrado nas Unidades de Conservação de Campo Grande-MS, segundo os gestores.
Figure 2
Level of environmental degradation found in conservation units in Campo Grande, MS, according to the managers.

Em todas as unidades, existem problemas ambientais, segundo os gestores. Para os parques, os principais são as erosões e a qualidade dos recursos hídricos, embora a ocupação do entorno seja também preocupante. Na RPPN/UFMS, foram relatados problemas com a população do entorno, introdução de espécies exóticas e lixo, principalmente. Entre as APAs, os principais problemas citados incluem manejo incorreto do solo, pastagens degradadas e poluição dos recursos hídricos. A Tabela 2 apresenta os problemas ambientais existentes, em qualquer grau, nas Unidades de Conservação de Campo Grande-MS, conforme relato dos entrevistados.

Todos os gestores reconheceram a existência de degradação ambiental ocorrendo nas unidades que, em geral, iniciou-se antes da criação da unidade e persiste até o momento atual. A exceção aplica-se ao PEP, cuja degradação iniciou-se depois da criação da unidade. O nível de degradação no interior das unidades variou entre moderado e alarmante, e pode ser conferido, individualmente, na Figura 2.

Em 66,6% das unidades, os principais fatores que contribuíram para a situação ambiental instaurada incluem ausência de recursos financeiros suficientes, falta de apoio técnico e de fiscalização. Além destes, foi citada a ausência de recursos humanos e de zoneamento.

A educação ambiental só é desenvolvida em duas unidades, o PEP e o PEMS, segundo as entrevistas. As pesquisas científicas são desenvolvidas em todas as unidades do grupo de proteção integral e na RPPN/UFMS. Com relação às APAs, os gestores não souberam responder se tais atividades são desenvolvidas.

De forma geral, os gestores (83,3%) acreditam que as unidades cumprem seus objetivos e avaliam a contribuição da unidade como limitada (66,6%), satisfatória (16,6%) ou relevante (16,6%) para a conservação da natureza.

4. CONCLUSÕES

Com base na análise dos resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que, em geral, poucas técnicas de gestão ambiental são aplicadas no gerenciamento das Unidades de Conservação, a partir das respostas dos entrevistados. O processo é carente inclusive de procedimentos considerados básicos em qualquer procedimento gerencial, como o planejamento, por exemplo. Além disso, a gestão destas áreas é marcada por intensa descontinuidade administrativa.

Apesar de a falta de recursos financeiros ter sido citada como a principal dificuldade na gestão das unidades, pôde-se observar que, em geral, as unidades podem receber algum tipo de recurso financeiro, ainda que insuficiente e esporádico. Ainda assim, nota-se um desprovimento de planejamento gerencial global, plano de metas e planejamento orçamentário nas unidades.

A inexistência prática de um plano de manejo ou do uso deste caracteriza as Unidades de Conservação de Campo Grande-MS. Sendo este um documento oficial, que deveria nortear grande parte dos processos que ocorrem nas Unidades de Conservação, fica evidente o impacto que tal ausência causa diante da gestão ambiental destas áreas. Aliado a isto, soma-se o fato de apenas duas unidades contarem com o Conselho Gestor instituído e funcionando.

Inegavelmente, os parques estaduais possuem mais e utilizam melhor as ferramentas de gestão, recebem maiores investimentos financeiros, apresentam melhor desenvolvimento administrativo e de infraestrutura, e são os únicos a desenvolver atividades de educação ambiental, conforme relato dos entrevistados.

Com base nas entrevistas, na totalidade das unidades, são encontrados problemas ambientais, cujo nível varia de moderado a alarmante. Cabe ressaltar que quase todas as Unidades de Conservação apresentaram todos os problemas ambientais abordados no questionário. Na maioria dos casos, os problemas persistem mesmo após a criação da unidade, conforme os próprios gestores relataram.

Desta forma, conclui-se que, no gerenciamento das Unidades de Conservação de Campo Grande- MS, raramente utilizam-se técnicas de gestão ambiental e isto tem implicações negativas e diretas na situação ambiental dessas áreas protegidas.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2011

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2010
  • Aceito
    02 Ago 2011
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