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Procedimentos de valvotomia mitral percutânea repetidos: mais uma vez a escolha certa

EDITORIAL

Procedimentos de valvotomia mitral percutânea repetidos: mais uma vez a escolha certa

Ted Feldman

Evanston Hospital - Divisão de Cardiologia, Evanston, IL, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Ted Feldman Evanston Hospital, Cardiology Division Walgreen Building - 3 rd Floor - 2650 Ridge Avenue Evanston, IL, USA - 60201 E-mail: tfeldman@northshore.org

Gomes et al.1, em artigo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, descrevem a experiência de vários anos com um segundo e um terceiro procedimentos de valvotomia mitral percutânea. Esse trabalho merece destaque, uma vez que, para se conseguir uma experiência significativa de pacientes submetidos a novos procedimentos, há necessidade de uma população constituída por grande número de indivíduos. Esses autores analisaram mais de 1.500 procedimentos de valvotomia mitral percutânea, e em 90 desses pacientes foi necessária a realização de segunda e/ou terceira dilatação.

Os resultados são surpreendentes no que se refere a um aspecto importante. Os pacientes submetidos a mais de um procedimento eram mais jovens que os submetidos a apenas um procedimento. Os autores atribuem esse fato à maior probabilidade de novos episódios de doença reumática nesse grupo mais jovem, o que ressalta a importância da instituição de profilaxia para febre reumática em pacientes mais jovens submetidos a valvotomia mitral percutânea2.

Aproximadamente 6% da população total foi submetida a um novo procedimento de valvotomia mitral percutânea. Esse dado é compatível com outros relatos, em que 5% a 15% dos pacientes tratados retornaram para repetição da valvotomia mitral percutânea na primeira década após o procedimento inicial3-8. Essa proporção relativamente pequena decorre, em parte, do grande sucesso do procedimento na maioria dos pacientes, que conseguem resultado duradouro, e da natureza da doença progressiva, em que muitos dos pacientes que retornam apresentam doença valvar ou regurgitação mitral progressiva com necessidade de cirurgia como segundo procedimento. No estudo em avaliação não é determinada a proporção de pacientes efetivamente submetida a cirurgia durante o período de acompanhamento.

Várias técnicas de dilatação foram utilizadas nos dois grupos de pacientes (duplo-balão convencional, balão único de Inoue e comissurótomo metálico de Cribier), sendo a técnica do duplo-balão utilizada também com a técnica de guia único (sistema Multi-Track). Há vários relatos apresentando resultados semelhantes, independentemente da técnica ou do tipo de balão utilizados para realizar a valvotomia mitral percutânea9. A variedade de abordagens nesse estudo, portanto, não tem impacto relevante nas conclusões ou nos resultados. Pode-se afirmar que, independentemente do método de realização, incluindo-se as abordagens cirúrgicas, a comissurotomia é sempre uma comissurotomia.

A durabilidade do procedimento é bem caracterizada no grupo de pacientes submetidos a apenas uma dilatação (grupo B), com tempo médio de aproximadamente 10 anos até o desenvolvimento da primeira reestenose. É interessante observar que, no grupo de pacientes submetidos a mais de um procedimento (grupo A), o tempo até a primeira reestenose foi de aproximadamente 5 anos, e que a durabilidade com um segundo e um terceiro procedimentos de dilatação foi semelhante à obtida pelos pacientes do grupo B. A estratégia de repetição das dilatações, portanto, é útil para adiar a necessidade de tratamento cirúrgico pelo maior tempo possível, o que reforça as conclusões dos autores de que a estratégia de múltiplas dilatações é positiva.

Os autores observam, no segundo parágrafo da introdução do artigo, que a anatomia da válvula geralmente é avaliada pelo escore de Wilkins10. O escore é um sistema de classificação impreciso para caracterizar o grau de deformidade da válvula e tem sido utilizado como ferramenta subjetiva para a tomada de decisão na seleção de pacientes para valvotomia mitral percutânea. Esse uso do escore é inadequado. Como observam os autores, o uso do escore é importante para fins prognósticos, mas é apenas uma de muitas variáveis utilizadas para se decidir a respeito da realização da valvotomia mitral percutânea. Escores maiores que 8 são caracterizados, em muitos artigos, como a causa de maus resultados. Essa é uma avaliação incorreta da ampla literatura disponível sobre esse assunto. Está claro que os pacientes com escores maiores que 8, e, portanto, com maior deformidade da válvula, tendem a ser mais idosos, a ter mais comorbidades e a ter mais hipertensão pulmonar. Seus resultados não são tão bons quanto os dos pacientes com escores menores que 8, mas isso também é válido se esses pacientes mais idosos, com maior número de complicações e apresentando mais doenças forem submetidos a cirurgia para substituição da válvula como primeira medida11-13. A valvotomia mitral percutânea, portanto, é segura na maioria dos pacientes com estenose mitral predominante, independentemente do escore ecocardiográfico. Muitos dos pacientes idosos permanecerão assintomáticos por vários anos após a realização do procedimento, com muito pouca morbidade, ficando preservada a opção pela cirurgia.

É importante observar que pode haver melhora da hipertensão pulmonar, de forma que, se houver necessidade de cirurgia, esses pacientes terão menor risco ao realizar a intervenção para substituição da válvula.

Em resumo, o artigo explica os efeitos da prática de repetição da valvotomia mitral percutânea após primeira terapia bem-sucedida, ficando clara a utilidade da estratégia de repetição do procedimento em pacientes com reestenose mitral predominante que requerem a realização de nova valvotomia mitral percutânea.

CONFLITO DE INTERESSES

O autor declarou inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 16/6/2009

Aceito em: 16/6/2009

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  • Correspondência:

    Ted Feldman
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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