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GOVERNANÇA COMPARADA DA ÁGUA 1 1 Pesquisa financiada pelo edital CNPq n. 12/2017.

Resumo

É fundamental pensar na crise da água como sendo de escala planetária, no contexto de uma crise ambiental também global. Assim, este trabalho debruçou-se sobre a questão da governança comparada da água selecionando aleatoriamente alguns modelos de países que não o Brasil. Portanto, o objetivo aqui perseguido é descrever e analisar os modelos de governança da água de Israel, África do Sul, México, Austrália, Espanha e Estados Unidos, como parte de uma pesquisa maior, que foi realizada recentemente. Utilizou-se o método dedutivo, com análise documental e estudo bibliométrico e revisão bibliográfica. Verificou- se a complexidade da governança da água em virtude de seus múltiplos usos e por haver diversos atores públicos e privados envolvidos. O problema da escassez, seja pela ausência da água, seja por sua existência em uma forma poluída, é fato em diversas nações, sendo necessária a aplicação de soluções integradas e supranacionais.

Palavras-chave:
crise da água; governança da água; meio ambiente

Abstract

It is essential to think of the water crisis as being on a global scale, in the context of an environmental crisis that is also global. In this way, the present work looked at the issue of comparative water governance by randomly selecting some models from countries other than Brazil. Therefore, the objective pursued here is to describe and analyze the water governance models of Israel, South Africa, Mexico, Australia, Spain and the United States, as part of a larger survey that was conducted recently. It used the deductive method, with document analysis and bibliographic study and bibliographic review. The complexity of water governance was verified due to its multiple uses and because there are several public and private actors involved. The problem of scarcity, whether due to the absence of water or to its existence in a polluted form, is a fact in several nations requiring the application of integrated and supranational solutions.

Keywords:
water crisis; water governance; environment

Resumen

Es fundamental pensar en la crisis del agua a escala planetaria, en el contexto de una crisis ambiental también global. Así, este trabajo abordó la cuestión de la gobernanza comparada del agua seleccionando de forma aleatoria algunos modelos de países distintos de Brasil. Por lo tanto, el objetivo que se persigue es describir y analizar los modelos de gobernanza del agua de Israel, Sudáfrica, México, Australia, España y Estados Unidos, como parte de una investigación más amplia que se ha llevado a cabo recientemente. Se utilizó el método deductivo, con análisis documental y estudio bibliométrico y revisión bibliográfica. Se comprobó la complejidad de la gobernanza del agua debido a sus múltiples usos y a que hay varios actores públicos y privados involucrados. El problema de la escasez ya sea por la ausencia de agua o por su existencia de forma contaminada, es un hecho en varias naciones, y es necesaria la aplicación de soluciones integradas y supranacionales.

Palabras clave:
crisis del agua; gobernanza del agua; medio ambiente

Introdução

Uma das questões cruciais com a qual os gestores e tomadores de decisão em geral se deparam é a necessidade de planejamento e governança das crises contemporâneas. Nesse ínterim, é possível elencar uma grave crise ambiental marcada pelo processo de mudanças climáticas. Paralelamente a essa crise maior, ou fazendo parte dela, tem-se a crise da água, expressando-se especificamente em sua escassez, qualidade e distribuição.

A meta da universalização do acesso a esse líquido vital está longe de ser alcançada, principalmente considerando o desafio presente nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), a saber: proporcionar água para todas as pessoas do planeta, em especial para cerca de 3 bilhões de pessoas que atualmente se encontram sem acesso à água, objetivo difícil de ser alcançado até 2030.

Entretanto, a meta existe para nortear as ações políticas de governantes. Sendo assim, a partir dos estudos desenvolvidos junto ao mestrado em Gestão e Regulação e Recursos Hídricos e financiados pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNPq), entende-se como fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes compreender como ocorre a gestão e governança da água em outros países, que foram escolhidos aleatoriamente para o desenvolvimento de uma pesquisa bibliográfica e documental, que visou orientar a decisão de membros do Sistema Nacional de Gestão em Recursos Hídricos (SIGREH).

Portanto, é possível pensar acerca da governança no geral e de seu caráter contemporâneo adaptativo e refletir sobre modelos de governança pública da água. Assim, serão descritos os pontos principais dos modelos de Israel, México, Espanha, África do Sul, Austrália e Estados Unidos da América, finalizando com o modelo adotado pelo Brasil. Tais países foram escolhidos em virtude de sua importância regional e de sua relação direta com problemas referentes à água. Outrossim, é trazida à baila da discussão a imprecisão do conceito de governança como a causa para alguns problemas na implementação de políticas ambientais e, mais especificamente, de políticas de água, ou seja, de elementos para construir um modelo de governança.

É importante frisar que a intenção não é apresentar um modelo fechado, que seja exitoso e inquestionável, uma vez que já se pode começar com a premissa de que não são críveis modelos que possam se adequar a todos os contexto sociais, políticos, econômicos, jurídicos e ambientais, mas é possível extrair dessas experiências diretrizes para construção de modelos de governança adequados, com adaptações e possíveis correções de rumo, conforme fatores geográficos, climáticos, sociais, ambientais, políticos, jurídicos e econômicos. Sendo assim, foram escolhidos sete modelos, considerando o Brasil, de modo a produzir um estudo comparativo relevante e robusto para a reflexão e tomada de decisões no campo jurídico e da gestão hídrico-ambiental. O critério utilizado foi a relevância do país em relação ao contexto regional em face dos recursos hídricos, com método de abordagem dedutivo e hermenêutico, com estudo bibliométrico e análise documental. Este artigo foi organizado com vistas a cumprir seu objetivo central, que foi discorrer sobre os modelos israelense, mexicano, espanhol, sul-africano, australiano e norte-americano, finalizando com as considerações finais.

1 O modelo de Israel

Israel é sempre mencionado, nos meios de informação, como centro de uma disputa secular com os Palestinos. É um importante centro comercial e tecnológico do Oriente e tem relações internacionais muito afinadas com a política norte-americana. Além desse contexto de conflitos, essa região sofre com uma escassez de água, característica de um território de baixos índices pluviométricos. Israel tem 20.325 km² de território, sendo o Norte a região mais úmida. Cabe destacar, ainda, que mais da metade do território é desértico e tem apenas 17% das terras aráveis ( GILAD; MENAHEM, 2013GILAD, S.; MENAHEM, G. Israel’s water policy 1980s-2000s: advocacy coalitions, policy stalemate, and policy change. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 33-50.) e mais da metade por irrigação. Um ponto importante é justamente o controle sobre os recursos hídricos na região, além de que a escassez e distribuição da água existente é causa da disputa entre as comunidades da região.

As quatro principais fontes de água para Israel são o Mar da Galileia, a bacia do rio Jordão, o aquífero nas montanhas e o aquífero costeiro ( BECKER, 2013BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013.). Portanto, a disponibilidade de água de Israel está distribuída dessa maneira, e sua utilização para o ciclo urbano da água e também para agricultura é objeto desse conflito. Abu-Baker ( 2017ABU-BAKER, A. Privados de água. SUR 25, São Paulo, v. 14, n. 25, p. 37-55, 2017., por sua vez, aponta que há violação do direito humano à água dos palestinos, na medida em que se criam obstáculos ao acesso.

Israel distribui a água utilizando-se de uma transposição – um aqueduto que transporta água –, que é utilizada principalmente para a agricultura, a indústrias e o consumo doméstico. Becker ( 2013BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013.) justifica por que o caso de Israel pode ser considerado único:

  • Mistura de aspectos públicos e privados: a água é consumida por famílias, agricultores e indústria. Para estes últimos, certamente, a água representa um valor agregado para o sistema produtivo. Entretanto, como isso pode ser conciliado pelo livre mercado? Essa indagação exige profunda reflexão e sugere uma difícil resolução, o que evidencia a necessidade de estratégia e uma política que estabeleça justiça hídrica;

  • A água como um bem social: apesar do fato de a água poder ser vista como uma mercadoria, também é uma ferramenta para alcançar objetivos sociais que não podem ser quantificados. Esses objetivos não têm valor direto, mas servem como restrições. A exemplo disso, tem-se a água desviada para a periferia, para sustentar as condições de vida dos colonos, a água para os agricultores, em uma quantidade mínima para sustentar seu patrimônio, e a água como um bem básico, em que toda pessoa tem o direito a uma quantidade mínima;

  • Problema do recurso de propriedade comum (RCP): as principais fontes de água em Israel podem ser caracterizadas como RCP. Nesses recursos, existe o problema do bem quase-público. Portanto, o consumo do bem é privado (você obtém o que você bombeou), mas o custo da extração e a qualidade do recurso são determinados pela ação de todos os usuários envolvidos. Em tal situação, há uma falha de mercado conhecida como tragédia dos bens comuns. Assim, sem uma política governamental, haveria ineficiência, o que pode resultar em custos mais altos de extração e mortalidade pelo aumento da poluição que não é regulamentada;

  • Aumento do retorno à escala de monopólio: a maior parte da extração e desvio de recursos hídricos, bem como a distribuição, está associada a grandes instalações de infraestrutura. Logo, um mercado não regulamentado pode resultar em muitas empresas operando com altos custos iniciais. O monopólio natural é característico nas atividades hídricas, no entanto, sem regulamentação pública, um monopólio natural atuará como um monopólio regular;

  • Mudança na demanda e na oferta: vem ocorrendo muito rapidamente em Israel nas últimas duas décadas. Do lado da demanda, pode-se observar um grande aumento na população urbana e no padrão de vida; também se observa uma mudança nas preferências, que resulta no crescimento da relevância dada à água que serve à conservação da natureza. Do lado da oferta, por sua vez, observa-se queda no nível de precipitação anualmente. Portanto, a diferença entre demanda e oferta aumenta drasticamente de ambos os lados. Embora, em um mercado regular, isso não seja motivo de preocupação (do ponto de vista da política), uma vez que o aumento de preços é ajustado, aqui não seria o caso. O mercado é regulado, logo, o preço não reflete necessariamente a escassez e, como tal, os formuladores de políticas devem decidir o melhor a ser feito;

  • Incerteza: a água pode ser pensada como uma variável de fluxo, mas também como estoque. As três principais fontes de água em Israel estão sendo usadas como tampões. Como tal, elas podem ser usadas para suavizar as flutuações na oferta para atender a uma demanda constante, tanto quanto possível. No entanto, o esgotamento do estoque não vem sem um custo. Desse modo, uma boa política deve fomentar algumas regras bem definidas que possam associar o uso extra de água ao custo;

  • A dimensão internacional: uma quantidade significativa de água que Israel usa origina-se de áreas disputadas. Israel não é uma ilha isolada (atentando para a política de água que não leva em consideração os vizinhos), o que não contribui na avaliação geral de eficiência, equidade e justiça. O Reino Hachemita da Jordânia e a Autoridade Palestina estão lutando por água em condições mais estressantes que Israel. Parte dos recursos hídricos de Israel é compartilhada com essas entidades vizinhas e espera-se a melhora com o avanço da paz.

Segundo Feitelson ( 2013FEITELSON, E. The four eras of Israeli water policies. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 15-32.), a política de águas de Israel, o que inclui a gestão, contempla, resumidamente, quatro etapas: (1) o período da missão hidráulica; (2) o momento de uma gestão mais racional; (2) a etapa das decisões reflexivas; e a última, que foi (4) a dessalinização e privatização. A informação é basilar para traçar linhas de governança e com Israel não foi diferente, visto que a primeira etapa constou de um vasto investimento na coleta de informações acerca do potencial extrativo de água, para, a partir disso, ter condições de planejamento do ciclo urbano da água e para agricultura. É importante dizer que a dessalinização não era uma primeira opção em virtude de seu elevado custo ( FeitElson, 2013FEITELSON, E. The four eras of Israeli water policies. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 15-32.).

Essas etapas foram seguidas por uma intensa discussão sobre o sistema existente e sobre a qualidade da água e a possibilidade de reuso. Na década de 1980, sucessivas secas pressionaram o debate público sobre o uso da água, principalmente o custo dela na agricultura e os subsídios do governo. Com a grande seca de 1999-2001, a porta para a dessalinização foi aberta.

As seguidas crises climáticas, que faziam parte do cotidiano israelense, pressionaram para que se tomassem providências no sentido de elaborar um modelo de governança. Sendo assim, passaram a adotar a Advocacy Coalition Framework (ACF), tratando-se da junção de diversas arenas de grupos de interesse na gestão da água, usuários diretos, que passaram a pensar num arcabouço normativo para enfrentar a questão da governança da água em contexto de escassez ( GILAD; MENAHEM, 2013GILAD, S.; MENAHEM, G. Israel’s water policy 1980s-2000s: advocacy coalitions, policy stalemate, and policy change. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 33-50.). Porém, Gorostiza ( 2000GOROSTIZA, J. L. R. Economía del agua y análisis institucional: Canarias, Israel y los Regadíos Manchego y Almeriense. Estudios Agrosociales y Pesqueros, n. 188, p. 93-134, 2000.) aponta que a gestão da água em Israel foi marcada por um forte lobby dos produtores agrícolas.

A governança da água em Israel é centralizada e baseada na Lei de Água de 1959, sendo a água considerada um bem de propriedade pública e dividida em três entes: Tahal, Mekorot e a Comissão de Água. O planejamento contínuo do uso da água para todo o país é realizado pela entidade pública Tahal (Planejamento de Água para Israel, Ltda), assistida pela Comissão de Água do Ministério da Agricultura. Com base em suas diretrizes, o braço executor – que realiza o gerenciamento efetivo no dia a dia – é a Companhia Nacional de Água (Mekorot), criada em 1937 e atualmente estatal. A Mekorot cuida da extração, construção de instalações, dessalinização, transporte e distribuição, purificação, atividades de P&D (Produção e Desenvolvimento) etc. Desde 1994, a Mekorot é obrigada a autofinanciar suas atividades sem depender do orçamento público. Gorostiza ( 2000GOROSTIZA, J. L. R. Economía del agua y análisis institucional: Canarias, Israel y los Regadíos Manchego y Almeriense. Estudios Agrosociales y Pesqueros, n. 188, p. 93-134, 2000.) elenca os seguintes pilares da governança, na avaliação dele positiva, da água:

  1. O estabelecimento de quotas de uso de água para cada setor, ou seja, para os produtores agrícolas, para a indústria e os usuários urbanos, havendo penalizações para o uso excessivo, bem como pelo não uso do recurso autorizado;

  2. A tarifação é um vetor fundamental, tendo valores diferentes de acordo com o tipo de uso, que não varia conforme a distância do usuário à fonte ou o local de distribuição da água. Portanto, é um sistema de “solidariedade”, em que o Norte está subsidiando o custo da água para o centro e, especialmente, para o sul do deserto.

Entretanto, é importante mencionar as três arenas de Advocacy que exercem pressão e influenciam nas decisões dessa política: a coalizão hidroagrária, a coalização dos economistas profissionais e a coalização dos novos ambientalistas. Desde a formação do país, em 1948, que a primeira coalizão a se estruturar para direcionar e coordenar a política de águas em Israel foi a hidroagrária, que acabou sendo hegemônica em virtude de sua importância econômica para todo o território de Israel. Tanto o Conselho de Água como o Comitê Parlamentar pela Água, outros dois atores fundamentais na construção dessa política, tinham a maioria de seus membros provenientes do meio agrário. Gilad e Menahem ( 2013GILAD, S.; MENAHEM, G. Israel’s water policy 1980s-2000s: advocacy coalitions, policy stalemate, and policy change. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 33-50.) apontam que esse design da gestão proporcionou uma maior alocação da água disponível para o setor agrícola, uma consequência lógica de todo esse processo.

Os valores primordiais de segurança nacional, soberania e assentamento de terras estavam relacionados a outras crenças centrais da coalizão hidroagrária: a necessidade de envolvimento do governo central no desenvolvimento de recursos naturais e em programas públicos de grande escala; uma abordagem centralista ao planejamento, desenvolvimento e gerenciamento; primazia da esfera pública sobre a privada; e uma visão dos recursos naturais, incluindo a água, como ativos estratégicos na luta nacional e da natureza como reservatório de recursos a serem utilizados para uso humano e desenvolvimento econômico ( GILAD; MENAHEM, 2013GILAD, S.; MENAHEM, G. Israel’s water policy 1980s-2000s: advocacy coalitions, policy stalemate, and policy change. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 33-50.).

Durante a década de 1980, a participação de economistas profissionais ligados ao Ministério das Finanças e à academia passou a ter proeminência nesse setor da gestão de águas, influenciados pela busca de eficiência econômica. Isso significou avançar na busca por eficiência, privatização e menos intervenção do governo. Essas crenças centrais foram baseadas em um paradigma de gestão eficiente dos setores público e privado, sendo todo o plano nacional de desenvolvimento baseado numa lógica de custo e benefício.

Eles definiram a má gestão da demanda de água, incentivando que o uso excessivo e irracional são a fonte do problema; sua solução política, portanto, foi adotar a alocação ideal de água com base nos preços e na análise de custo-benefício, em vez de investir em projetos para melhorar o suprimento. Como a coalizão hidroagrária via a regulamentação como o principal mecanismo de imposição, a coalizão dos economistas dependia de incentivos econômicos, usando os preços como o principal mecanismo de imposição.

A década de 1990 foi marcada pela entrada de um novo “jogador” nesse cenário de gestão das águas. O setor ambientalista passa a ganhar mais protagonismo e influência com uma agenda de proteção dos recursos naturais e preservação desses recursos para futuras gerações. No caso da água, a defesa desse grupo foi em torno da conservação da água e sua produção, sem descuidar do reaproveitamento das águas utilizadas. Consistente com as coalizões ambientais em outras partes do mundo, essa compartilhou algumas das preferências políticas da ala hidroagrária e dos economistas, mas sua motivação a colocava à parte das demais. Entretanto, a despeito da importância do objeto dessa coalizão, ela não exercia tanta influência sobre a tomada de decisão.

Outrossim, acerca da dinâmica na governança da água em Israel, Ash e Lavee ( 2013ASH, T.; LAVEE, D. Wastewater supply management. In: BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013, p. 83-99.) apontaram a necessidade de inserir novos instrumentos, pois o uso de água, a população e a demanda por alimentos aumentam, sendo necessário o reaproveitamento da água, assim como inseri-la no âmbito da governança, entrelaçando três variáveis importantes: quantidade, qualidade e tecnologia. O uso de águas residuais pode ter muitas aplicações. Nesse ínterim, Ash e Lavee ( 2013ASH, T.; LAVEE, D. Wastewater supply management. In: BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013, p. 83-99.) justificaram esse uso em dois princípios:

Parafechar o balanço hídrico: as águas residuais tratadas podem ser consideradas um novo recurso hídrico e substituem a água convencional (água potável) usada para irrigação e outros fins. Isso pode ajudar a fechar um balanço hídrico positivo em um país em que todos os recursos hídricos convencionais são explorados até sua capacidade máxima;

Paraproteger os recursos hídricos da poluição: os recursos hídricos explorados até sua capacidade máxima resultam em pequenos corpos hídricos e curtos tempos de retenção, geralmente acompanhados de deterioração da qualidade e poluição da água. A reutilização de águas residuais melhora a qualidade dos recursos hídricos convencionais.

O reuso das águas residuais tornou-se um elemento muito importante na governança de águas em Israel. Tal constatação reflete o fato de o país chegar a reutilizar 75% de suas águas, sendo o maior percentual mundial, em que maior parte desse volume é utilizado na agricultura ( ASH; LAVEE, 2013ASH, T.; LAVEE, D. Wastewater supply management. In: BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013, p. 83-99.). Esse é um importante traço para a governança contemporânea de águas, notadamente com o crescente uso pela agricultura, somando a isso às mudanças climáticas. Porém, a despeito da quantidade de reuso, a variável qualidade é fundamental na governança de águas, incluindo as águas residuais.

Esse padrão ajudou a reduzir os impactos ambientais e sobre a saúde decorrentes do uso de águas residuais. No entanto, as estações de tratamento dessas águas em Israel continuaram a descarregar efluentes contendo vários poluentes e altos níveis de sal, levantando várias questões que levaram à necessidade de introduzir padrões mais rigorosos.

Outra dimensão a ser considerada complementar é o processo de dessalinização como mais uma alternativa a ser inserida no sistema de governança de água. A motivação por trás da dessalinização da água do mar em Israel decorre do fato de a demanda atual e a demanda futura projetada não poderem ser atendidas apenas por fontes naturais de água doce, uma disparidade que resulta do crescimento populacional, consumo excessivo, má alocação e poluição ( LIPCHIN; SPIRITOS, 2013LIPCHIN, C.; SPIRITOS, E. Desalination in Israel. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 101-123.).

Isso está sendo possível pelo desenvolvimento de tecnologia e o aumento da escala de produção dessa água, o que ocasiona a queda do valor do metro cúbico da água dessalinizada, de 2,50 dólares o metro cúbico para 0,50 dólares. Esse é um fator decisivo para influenciar no processo de tomada de decisão e formulação de normas para o setor. Basicamente, o tratamento dessa água é originado a partir de reservatórios subterrâneos (água salobra) e do próprio mar. Porém, outra variável importante que deve compor também o contexto de governança e a tomada de decisões é o suprimento de energia necessário para a dessalinização, que é alto. A maior parte da energia produzida em Israel advém do carvão e do gás natural, cerca de 90% do total produzido, complementando com o uso do diesel ( LIPCHIN; SPIRITOS, 2013LIPCHIN, C.; SPIRITOS, E. Desalination in Israel. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 101-123.). Uma outra possibilidade promissora de produção de energia para a dessalinização é a matriz solar. Entretanto, a arena ambiental tem se movimentado no sentido de medir os impactos dessa extração de água do mar para os ecossistemas marinhos.

Nesse modelo centralizado de governança ( Israel Water Authority – IWA) da água em Israel, a parceria com o setor privado está presente, embora sua lei das águas estabeleça o seguinte: “Os recursos hídricos do Estado são de propriedade pública, sujeitos ao controle do estado e destinados às necessidades dos habitantes e ao desenvolvimento do país” ( ISRAEL, 1959ISRAEL. Water Law, 5719-1959. Israel: 1959. Disponível em: https://faolex.fao.org/docs/pdf/isr1321.pdf. Acesso em: 12 dez. 2021.
https://faolex.fao.org/docs/pdf/isr1321....
). Isso não impede que se estabeleçam parcerias público-privadas, principalmente nas plantas de dessalinização ( LIPCHIN; SPIRITOS, 2013LIPCHIN, C.; SPIRITOS, E. Desalination in Israel. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 101-123.).

Abbo e Furman ( 2013ABBO, H.; FURMAN, A. Groundwater management in Israel. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 125-136.) observaram, porém, que esse modelo de governança vem obtendo insucessos que ainda estão sendo avaliados e estudados, resultando na queda dos níveis dos aquíferos e sua contaminação, especialmente sua salinização e concentração de nitrato. Há aí um problema de quantidade e qualidade que pode inviabilizar, futuramente, o uso dessas fontes. Os autores dão o tom da complexidade da governança dessa água subterrânea mesmo com todo o aparato de Israel:

Vimos também como a urbanização intensiva sobre um aquífero freático leva rapidamente à sua poluição. Consciente e inconscientemente, as atividades industriais e domésticas em todos os níveis podem e causam poluição do aquífero. O gerenciamento de aquíferos não é apenas o controle apropriado das operações de bombeamento, mas também a regulamentação de atividades agrícolas, domésticas e industriais na superfície, monitorando e corrigindo os problemas existentes ( ABBO; FURMAN, 2013ABBO, H.; FURMAN, A. Groundwater management in Israel. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 125-136., p. 135, tradução livre) 2 2 We have seen also how intensive urbanization over a phreatic aquifer rapidly leads to its pollution. Knowingly and unknowingly, industrial and domestic activities at all levels may and do cause pollution of the aquifer. Aquifer management is not only the appropriate control of pumping operations but also regulating agricultural, domestic, and industrial on-surface activities, monitoring, and remediating existing problems. .

Livshitz e Issar ( 2013LIVSHITZ, Y.; ISSAR, A. S. a state of uncertainty regarding the impact of future global climate calls for creating groundwater storage. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 209-226.) apontam outra variável que deverá alçar a qualidade da governança pública da água a um grau de extrema necessidade, uma vez que os estoques de água estão em declínio e a perspectiva é de diminuição das precipitações, sendo provável que o consumo de água em Israel seja baseado na dessalinização e reuso de águas residuais. Livshitz e Issar ( 2013LIVSHITZ, Y.; ISSAR, A. S. a state of uncertainty regarding the impact of future global climate calls for creating groundwater storage. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 209-226.) apontam os seguintes cenários a serem levados em conta pela governança pública da água:

  1. O aquecimento global ascendente dominará e, portanto, a continuação da aridização regional que pode resultar em uma série de secas.

  2. Uma diminuição no número de manchas solares até seu desaparecimento total, seguido pelo resfriamento do globo, causando abundância de chuvas e inundações no Oriente Médio.

  3. “O cenário das ondas” como resultado de uma combinação dos itens anteriores. As ondas trarão vários anos quentes de seca severa, alternando com um período de anos frios, chuvosos e, consequentemente, inundações.

Um fator que pode reunir todos os pontos supramencionados é o desenvolvimento de uma metodologia de gestão das bacias, fundamental para qualquer realidade de governança pública da água, não sendo diferente em Israel ( LIVNEY; LASTER, 2013LIVNEY, D.; LASTER, R. Basin management in the context of Israel and the palestine authority. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 227-242.). A solução encontrada para uma gestão de bacias hidrográficas foi pensar e desenhar uma gestão integrada dos recursos dessa bacia. Segundo Livney e Laster ( 2013LIVNEY, D.; LASTER, R. Basin management in the context of Israel and the palestine authority. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 227-242.), os países com visão de futuro desenvolveram uma abordagem mais abrangente à gestão das águas superficiais, conhecida como Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH).

A ideia por trás dessa abordagem era tentar desenvolver todo o potencial do rio. A GIRH começa com a premissa de que, para gerenciar as atividades do homem em uma bacia, é preciso entender e “controlar” essas atividades em favor de um melhor ambiente da bacia. Seu objetivo é melhorar a bacia a partir de uma perspectiva econômica, ambiental, histórica, cultural, social e jurídica combinadas. Assim, Livney e Laster ( 2013LIVNEY, D.; LASTER, R. Basin management in the context of Israel and the palestine authority. In: BECKER, N. Water policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 227-242., p. 229) destacam que:

Atingir um equilíbrio de todos esses interesses leva todos os participantes à mesa, cada um com seus próprios requisitos “dietéticos”, para ouvir e ser ouvido. Este é um processo sem fim e, dependendo do tamanho da bacia, é esmagador. Todos e tudo são partes interessadas. Mas é claro que é isso que é engenhoso sobre o processo; é a democracia de base em um mundo baseado em uma democracia distante. Também requer o reconhecimento de cientistas e formuladores de políticas de que aqueles que vivem na bacia também entendem seu funcionamento e têm sua própria visão de futuro para si e para seus filhos (tradução livre) 3 3 Achieving a balance of all these interests brings all stakeholders to the table, each with its own “dietary” requirements, to hear and be heard. This is a never-ending process and, depending on the size of the basin, an overwhelming one. Everyone and everything is a stakeholder. But that, of course, is what is ingenious about the process; it is grassroots democracy in a world based on far removed democracy. It also requires recognition by scientists and policy makers that those living in the basin also understand its workings and have their own vision of its future for themselves and their children. .

Portanto, é essencial para essa governança em perspectiva integrada que haja o mapeamento, incluindo a atuação dos atores, sua localização e sua influência sobre a bacia. Deve-se ter em mente que a economia da água impacta o desenvolvimento do Estado de Israel e deve servir como um meio para a realização de metas nacionais, como acordos de paz com países vizinhos, desenvolvimento da agricultura e da periferia, assim como o aprimoramento do assentamento do país e a conservação do meio ambiente e da paisagem (Feinerman ; FRENKEL; SHANI, 2013FEINERMAN, E.; FRENKEL, H.; SHANI, U. The water authority: the impetus for its establishment, its objectives, accomplishments, and the challenges facing it. In: BECKER, N. Water Policy in Israel: content, issues and options. New York: Springer, 2013. p. 267-286.). Os dados mais recentes dão conta de que 40% da água consumida em Israel vem de lagos e aquíferos, 25% de água dessalinizada, 25% de água de esgoto tratada e 10% de outras fontes ( Szklarz, 2019SZKLARZ, E. Vida no deserto: a guerra de Israel contra a falta d’água. Revista Super Interessante, 13 set. 2019. Disponível em: https://super.abril.com.br/tecnologia/vida-no-deserto-a-guerra-de-israel-contra-a-falta-dagua/. Acesso em: 2 abr. 2023.
https://super.abril.com.br/tecnologia/vi...
).

2 O Modelo do México

Outra região que necessita de uma gestão da escassez de água é o México, um país muito importante no contexto global e, principalmente, regional, representando um território estratégico para a economia da região. É importante, aqui, apontar que os antepassados históricos indígenas pré-hispânicos, maias e astecas tinham uma ligação espiritual com a água, pois viam nela uma característica transcendental da criação do homem, suplantando a percepção de que a água seria fundamental para o desenvolvimento humano ( ROJAS, 2019ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019.). O território mexicano é marcado por diferenças em sua constituição climática, sendo mais árido e semiárido ao norte, ao centro clima temperado e um clima mais úmido ao sul, que é a região mais chuvosa ( SALMÓN-CASTELO; ARIAS-ROJO, 2019SALMÓN-CASTELO, R. F.; ARIAS-ROJO, H. M. Mexican Water Sector: a brief review of its history. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 19-51.; SERRANO, 2007SERRANO, J. D. La gobernanza del agua en México y el reto de la adaptación en zonas urbanas – el caso de la Ciudad de México. Anuario de Estudios Urbanos, UAM-Azcapotzalco, 2007.).

Assim como para Israel, as águas subterrâneas são fundamentais para o desenvolvimento econômico mexicano. Porém, sobre a exploração, ao que parece, sem um planejamento adequado, como tem sido feito em Israel – com a projeção dos cenários futuros –, têm-se apresentado como resultados baixas drásticas no potencial de bombeamento desses aquíferos, atingindo também o consumo urbano de uma das mais importantes metrópoles do mundo, a cidade do México, capital ( SALMÓN-CASTELO; ARIAS-ROJO, 2019SALMÓN-CASTELO, R. F.; ARIAS-ROJO, H. M. Mexican Water Sector: a brief review of its history. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 19-51.).

São 653 aquíferos que representam cerca de 20% do suprimento de água. Essa exploração começou em 1940 e tornou-se a base da segurança hídrica local e regional. Em 1975, havia 32 aquíferos com excesso de bombeamento; na década de 1980, havia 80. Atualmente, existem 105 aquíferos com estresse hídrico com falta de água, dos quais 17 já têm intrusão salina e 32 são responsáveis pela salinidade do solo e/ou com regimes de baixa qualidade ( SALMÓN-CASTELO; ARIAS-ROJO, 2019SALMÓN-CASTELO, R. F.; ARIAS-ROJO, H. M. Mexican Water Sector: a brief review of its history. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 19-51.). Além disso, 94% dos rios apresentam índice de contaminação ( FLORES, 2008FLORES, C. A. C. La gobernanza del agua en México: abundancia y escasez. Tesis (Maestría en Ciencias en Desarrollo Sustenible) – Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Monterrey, 2008.).

Flores ( 2008FLORES, C. A. C. La gobernanza del agua en México: abundancia y escasez. Tesis (Maestría en Ciencias en Desarrollo Sustenible) – Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Monterrey, 2008.) já apontava que essa crise vinha sendo causada principalmente pela exploração, ou seja, 77% do uso agrícola, 9% da indústria e 14% para o abastecimento público. A Comisión Nacional del Agua ( CONAGUA, 2016CONAGUA – COMISSIÓN NACIONAL DEL AGUA. Estadísticas del Agua en México. México: DF: Conagua, 2016.) tem alertado para o decréscimo substancial dos estoques de água ano a ano. Para complicar mais o panorama para uma governança pública da água, a região que mais tem população é a centro norte, que representa parte substancial da economia nacional, tendo 31% da disponibilidade de água e 77% da população nacional. Em 2007, o Banco Mundial já alertava para a alta vulnerabilidade do México no processo de mudanças climáticas.

A governança mexicana, baseada em regras legais, não é tão recente, visto que data de 1926, com a Lei de Irrigação e a Lei de Águas, de 1929, que foram as primeiras relacionadas com a questão da água ( MORAES; LICEA, 2013MORAES, D. S.; LICEA, D. M. El péndulo de la gobernabilidad y la gobernanza del agua en México. Tecnología y Ciencias del Agua, Jiutepec, v. 4, n. 3, p. 149-163, 2013.). A própria constituição mexicana fala que as águas superficiais, todas, são de propriedade da nação (art. 27). A Lei de Águas do México ( MÉXICO, 1929MÉXICO. Ley sobre irrigación con aguas federales. Congreso de los Estados Unidos Mexicanos, 1929a. Disponível em: https://aguaparatodos.org.mx/wp-content/uploads/Leyes-de-aguas-nacionales-y-sus-reformas-1910-1992.pdf. Acesso em: 20 abr. 2023.
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) regulamenta o art. 27 da constituição, apresentando o conceito de caudal ambiental, que é um elemento jurídico-ambiental muito importante para a definição da governança e do planejamento das bacias hidrográficas. Os arts. 4º 4 4 Todos têm o direito de acessar, descartar e higienizar a água para consumo pessoal e doméstico de forma suficiente, saudável, aceitável e acessível. O Estado garantirá esse direito e a lei definirá as bases, apoios e modalidades para o acesso e uso equitativos e sustentáveis dos recursos hídricos, estabelecendo a participação da Federação, das entidades federativas e dos municípios, bem como a participação dos cidadãos para a consecução desses fins (tradução livre). , 27 5 5 As águas dos mares territoriais na extensão e nos termos estabelecidos pelo Direito Internacional são de propriedade da Nação; águas marinhas do interior; as das lagoas e estuários que se comunicam permanente ou intermitentemente com o mar; os de lagos interiores de formação natural que estão diretamente ligados a correntes constantes; as dos rios e seus afluentes diretos ou indiretos, desde o ponto do canal em que começam as primeiras águas permanentes, intermitentes ou torrenciais, até a foz no mar, lagos, lagoas ou estuários de propriedade nacional; os das correntes constantes ou intermitentes e seus tributários diretos ou indiretos, quando o canal daqueles em toda a sua extensão ou em parte deles, serve de limite ao território nacional ou a duas entidades federativas, ou quando passa de uma entidade federativa para outra ou cruzar a linha divisória da República; a de lagos, lagoas ou estuários cujas embarcações, zonas ou margens são atravessadas por linhas divisórias de duas ou mais entidades ou entre a República e um país vizinho, ou quando a fronteira dos bancos serve como fronteira entre duas entidades federativas ou República com um país vizinho; as nascentes que brotam nas praias, áreas marítimas, canais, embarcações ou margens dos lagos, lagoas ou estuários de propriedade nacional e as extraídas das minas; e os canais, leitos ou margens dos lagos e correntes interiores na extensão estabelecida por lei. As águas do subsolo podem ser livremente extraídas por obras artificiais e apropriadas pelo proprietário, mas quando exigidas pelo interesse público ou outros usos são afetadas; O Executivo Federal pode regular sua extração e uso e, ainda, estabelecer áreas fechadas, como em outras águas de propriedade nacional. Quaisquer outras águas não incluídas na enumeração acima devem ser consideradas parte integrante da propriedade das terras por onde correm ou onde estão localizados seus depósitos, mas se estiverem localizadas em duas ou mais propriedades, o uso dessas águas será considerado de utilidade pública e estará sujeito às disposições ditadas pelos Estados (tradução livre). e 115 6 6 III Os Municípios serão responsáveis pelas seguintes funções e serviços públicos: Água potável, drenagem, esgoto, tratamento e disposição de suas águas residuais; […] (tradução livre). da Constituição do México são fundamentais e estruturantes da política das águas desse país.

Porém, considera-se que, do ponto de vista de uma governança ambiental intimamente integrada com uma governança da água, a legislação mexicana agregou os conceitos de “uso ambiental” ou “uso para conservação ecológica” em sua política de águas por meio da lei geral de águas, reformada em 1992, que estabeleceu, no art. 3º, LIV, que “o volume ou volume mínimo exigido nos corpos receptores, incluindo correntes de vários tipos ou reservatórios, ou a taxa de descarga natural mínima de um aquífero, que deve ser conservada para proteger as condições ambientais e o equilíbrio ecológico do sistema” 7 7 El caudal o volumen mínimo necesario en cuerpos receptores, incluyendo corrientes de diversa índole o embalses, o el caudal mínimo de descarga natural de un acuífero, que debe conservarse para proteger las condiciones ambientales y el equilibrio ecológico del sistema (tradução livre). ( MÉXICO, 1992MÉXICO. Ley de Aguas Nacionales de 1992. La presente Ley es reglamentaria del Artículo 27 de la Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos en materia de aguas nacionales. México, DF: Gobierno de la Republica, 1992. Disponível em: https://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/131792/37._LEY_DE_AGUAS_NACIONALES.pdf. Acesso em: 1 fev. 2022.
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). Expressamente, a proteção ecológica faz parte da governança das águas em território mexicano, estabelecendo quota mínima para a manutenção da vida das diversas espécies que dependem da água. Isso, inevitavelmente, deverá estar nos planejamentos das bacias.

O modelo de governança pública da água no México também é baseado na centralização da organização do sistema composto por 12 regiões hidrográficas e numa descentralização da regulação das águas e seus múltiplos usos aos comitês de bacia, que são os organismos colegiados de base no sistema de governança pública da água ( MORAES; LICEA, 2013MORAES, D. S.; LICEA, D. M. El péndulo de la gobernabilidad y la gobernanza del agua en México. Tecnología y Ciencias del Agua, Jiutepec, v. 4, n. 3, p. 149-163, 2013.). A centralização do sistema é representada pelo Conselho Nacional de Águas (CONAGUA). Outrossim, a bacia hidrográfica acaba sendo uma unidade territorial natural que ultrapassa o limite geográfico de muitos municípios e estados ( FLORES, 2008FLORES, C. A. C. La gobernanza del agua en México: abundancia y escasez. Tesis (Maestría en Ciencias en Desarrollo Sustenible) – Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Monterrey, 2008.).

Nesse sentido, a Constituição estabeleceu a prioridade da gestão das águas e ações programáticas para a concretização da governança e delegou ao legislador infraconstitucional a responsabilidade por elaborar uma lei geral de água que estabelecesse o sistema de governança e as atribuições de seus componentes. A base dessa governança é a participação dos interessados, os usuários, sendo importante lembrar que, para uma governança ser bem-sucedida, ela, inicialmente, precisa ser justa e equilibrar a potencialidade das partes ( LÓPEZ, 2016LÓPEZ, O. M. S. V. Gobernanza del agua en México 1984-2014: derecho humano al agua, relaciones intergubernamentales y la construcción de ciudadanía. Tese (Doutorado) – Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2016.). É preciso ter clareza que a água pode ser um recurso natural, com seu valor bioquímico e de manutenção ecossistêmica, assim como um recurso político. Destarte, López ( 2016LÓPEZ, O. M. S. V. Gobernanza del agua en México 1984-2014: derecho humano al agua, relaciones intergubernamentales y la construcción de ciudadanía. Tese (Doutorado) – Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2016., p. 37-38) pontua que:

A água como recurso natural possui uma série de funções biofísicas e de serviço para atividades naturais e antropogênicas. É no caso da manipulação de comportamentos, ações e atividades que vemos que certos atores buscam controlar o acesso ao suprimento, distribuição e consumo do líquido vital, a fim de exercer um efeito de controle sobre alguns grupos sociais. Por exemplo, muitos autores documentaram batalhas pelo controle da distribuição de recursos hídricos em contextos agrícolas. No caso de atividades de produção de alimentos, é essencial que os agricultores tenham acesso a um volume adequado de água, em quantidade suficiente e de ótima qualidade para a produção vegetal de frutas, vegetais, forragens e animais. Portanto, é prioritário que exista uma estrutura reguladora robusta que garanta o acesso ao líquido vital, estabelecendo precisamente regras e regulamentos sobre como a água deve ser distribuída em áreas tão heterogêneas quanto as existentes em todo o território do México (tradução livre) 8 8 El agua como recurso natural tiene una serie de funciones biofísicas y de servicio para las actividades tanto naturales como antropogénicas. Es en el caso de la manipulación de comportamientos, acciones y actividades donde vemos que determinados actores buscan controlar el acceso al suministro, distribución y consumo del vital líquido para con ello poder tener un efecto de control sobre algunos grupos sociales. Por ejemplo, muchos autores han documentado las batallas por el control de la distribución del recurso hídrico en contextos agrícolas. En el caso de las actividades productivas de alimentos, para los agricultores es fundamental tener acceso a un volumen adecuado de agua, en cantidad suficiente, y de óptima calidad para la producción vegetal tanto de frutas, verduras, forraje, como animal. Por ende resulta prioritario que exista un marco regulatorio robusto que garantice el acceso al vital líquido, precisamente estableciendo reglas y normas sobre cómo debe de distribuirse el agua en zonas tan heterogéneas como las que se tienen a lo largo del territorio en México. .

O modelo de governança dependerá muito do equilíbrio de fatores e de que maneira a água é reconhecida pelo tomador de decisão e os demais atores interessados, públicos e privados. Nesse ínterim, há um processo de conflito de interesses, somado a uma multiplicidade de usos da água e sua essencialidade para o desenvolvimento humano e econômico, o que ajuda a transformar em arenas os grupos de interesses, com grande potencial conflitivo. Assim, pode-se apontar os seguintes paradigmas da governança da água no México ( LÓPEZ, 2016LÓPEZ, O. M. S. V. Gobernanza del agua en México 1984-2014: derecho humano al agua, relaciones intergubernamentales y la construcción de ciudadanía. Tese (Doutorado) – Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2016.; FLORES, 2008FLORES, C. A. C. La gobernanza del agua en México: abundancia y escasez. Tesis (Maestría en Ciencias en Desarrollo Sustenible) – Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Monterrey, 2008.; MORAES; LICEA, 2013MORAES, D. S.; LICEA, D. M. El péndulo de la gobernabilidad y la gobernanza del agua en México. Tecnología y Ciencias del Agua, Jiutepec, v. 4, n. 3, p. 149-163, 2013.; PACHECO-VEGA, 2014PACHECO-VEGA, R. Ostrom y la gobernanza del agua en México. Revista Mexicana de Sociología, México, DF, v. 76, n. especial, p. 137-166, set. 2014.; JACOBI et al., 2014 JACOBI, P. R. et al. Reforming water governance structures. In: WILLAARTS, B. A.; GARRIDO, A.; LLAMAS, M. R. (ed.). Water for food and wellbeing in Latin America and the Caribbean: social and environmental implications for a globalized economy. New York: Routledge, 2014. p. 286-315.; SOARES, 2007SOARES, D. Crónicas de un fracaso anunciado: la descentralización en la gestión del agua potable en México. Agricultura, Sociedad Y Desarrollo, San Pedro Cholula, v. 4, n. 1, p. 19-37, 2007.):

  • tem um modelo de controle centralizado para organização do próprio sistema;

  • conta com base participativa nas bacias hidrográficas com seus comitês;

  • duas questões que causam conflitos: a água ser um recurso comum e a escassez;

  • há duas visões que podem ser encontradas, sendo uma técnica que afirma ser a tecnologia a saída para os problemas de governança da água, e outra sociotécnica, que considera a tecnologia, porém prioriza a inclusão das pessoas, principalmente dos usuários mais vulneráveis;

  • as comunidades difusas, pessoas que moram no campo e índios ainda têm problemas de acesso;

  • é preciso adaptar o atual modelo para outro que considere em suas ações: o aproveitamento da água da chuva, o reuso das águas e que permita diversas soluções;

  • o modelo busca administrar a demanda;

  • a busca por integração física e institucional;

  • a descentralização muitas vezes ficou somente no papel e não ocorreu de maneira multinível;

  • o Estado tem importância fundamental na governança, mas nem sempre a exerce;

  • a experiência mexicana demonstra a necessidade de concretizar o que está na norma, pois, do contrário, não surtirá efeito a descentralização da governança.

Pacheco-Vega ( 2014PACHECO-VEGA, R. Ostrom y la gobernanza del agua en México. Revista Mexicana de Sociología, México, DF, v. 76, n. especial, p. 137-166, set. 2014.) aponta a necessidade de instituições fortes para adotar uma governança eficiente da água. Talvez tenha sido esse o problema do México, cujo modelo não alcançou bons frutos. O México tem um problema grave a ser enfrentado nos próximos anos: a seca e a baixa pluviosidade ao norte, região que mais concentra população no país, cerca de 77% da população está ao norte ( FLORES, 2008FLORES, C. A. C. La gobernanza del agua en México: abundancia y escasez. Tesis (Maestría en Ciencias en Desarrollo Sustenible) – Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Monterrey, Monterrey, 2008.). Isso leva a um quadro de estoques de água baixos, principalmente na cidade do México, que depende, em especial, da água subterrânea, cuja exploração tem causado um fenômeno de rebaixamento do nível do solo da cidade. O perímetro urbano sofre de uma reacomodação do solo em virtude da retirada de água do subsolo e da própria constituição geomorfológica do solo argiloso, uma vez que a cidade foi construída sobre uma superfície lacustre e a bacia se encontra bastante danificada pela urbanização e extração de recursos hídricos. Esse mesmo processo está ocorrendo em Teerã.

Soares ( 2007SOARES, D. Crónicas de un fracaso anunciado: la descentralización en la gestión del agua potable en México. Agricultura, Sociedad Y Desarrollo, San Pedro Cholula, v. 4, n. 1, p. 19-37, 2007.) apontou, ainda, as seguintes necessidades para uma governança pública da água no México: viabilidade operativa; legitimidade e prestação de contas; transparência nos processos técnicos e financeiros; sustentabilidade financeira; sistema regulador independente.

Soares ( 2007SOARES, D. Crónicas de un fracaso anunciado: la descentralización en la gestión del agua potable en México. Agricultura, Sociedad Y Desarrollo, San Pedro Cholula, v. 4, n. 1, p. 19-37, 2007.) avalia que o modelo de governança sofre pressões para mudanças à medida que o conceito de água como bem comum muda para um recurso que tem valor econômico. Além disso, a lei geral de águas do México, de 1992, introduziu expressões relevantes para a governança da água como o sentido para gestão pública, no item XXVIII do art. 3º:

Processo baseado no conjunto de princípios, políticas, atos, recursos, instrumentos, normas formais e não formais, bens, recursos, direitos, poderes e responsabilidades, através dos quais, em coordenação com o Estado, usuários da água e organizações da sociedade, promover e implementar para alcançar o desenvolvimento sustentável em benefício dos seres humanos e seu ambiente social, econômico e ambiental, (1) o controle e o gerenciamento de águas e bacias hidrográficas, incluindo aquíferos, daí sua distribuição e administração (2). ) a regulamentação da exploração, uso ou uso da água e (3) a preservação e sustentabilidade dos recursos hídricos em quantidade e qualidade, considerando os riscos em caso de fenômenos hidrometeorológicos extraordinários e danos aos ecossistemas vitais e ao meio ambiente. A gestão da água compreende toda a administração governamental da água; […] ( MÉXICO, 1992MÉXICO. Ley de Aguas Nacionales de 1992. La presente Ley es reglamentaria del Artículo 27 de la Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos en materia de aguas nacionales. México, DF: Gobierno de la Republica, 1992. Disponível em: https://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/131792/37._LEY_DE_AGUAS_NACIONALES.pdf. Acesso em: 1 fev. 2022.
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, tradução livre) 9 9 Proceso sustentado en el conjunto de principios, políticas, actos, recursos, instrumentos, normas formales y no formales, bienes, recursos, derechos, atribuciones y responsabilidades, mediante el cual coordinadamente el Estado, los usuarios del agua y las organizaciones de la sociedad, promueven e instrumentan para lograr el desarrollo sustentable en beneficio de los seres humanos y su medio social, económico y ambiental, (1) el control y manejo del agua y las cuencas hidrológicas, incluyendo los acuíferos, por ende su distribución y administración, (2) la regulación de la explotación, uso o aprovechamiento del agua, y (3) la preservación y sustentabilidad de los recursos hídricos en cantidad y calidad, considerando los riesgos ante la ocurrencia de fenómenos hidrometeorológicos extraordinarios y daños a ecosistemas vitales y al medio ambiente. La gestión del agua comprende en su totalidad a la administración gubernamental del agua; […]. .

Outra expressão inserida nessa importante lei das águas foi “gestão integrada dos recursos hídricos”, definida da seguinte maneira no inc. XXIX do mesmo artigo citado:

Processo que promove o gerenciamento e o desenvolvimento coordenado de água, terra, recursos relacionados a eles e ao meio ambiente, a fim de maximizar o bem-estar social e econômico de forma equitativa, sem comprometer a sustentabilidade dos ecossistemas vitais. Essa gestão está intimamente ligada ao desenvolvimento sustentável. Para a aplicação desta Lei em relação a este conceito, água e floresta são consideradas principalmente; […] (tradução livre) 10 10 Proceso que promueve la gestión y desarrollo coordinado del agua, la tierra, los recursos relacionados con éstos y el ambiente, con el fin de maximizar el bienestar social y económico equitativamente sin comprometer la sustentabilidad de los ecosistemas vitales. Dicha gestión está íntimamente vinculada con el desarrollo sustentable. Para la aplicación de esta Ley en relación con este concepto se consideran primordialmente agua y bosque; […]. .

Ao que parece, o legislador equivocou-se no uso das expressões “gestão pública” e “integração”, quando não reforça a regulação para uma efetiva aplicação desse modelo. Entretanto, é interessante observar que o termo governança vai além de uma gestão pública, que passa a compreensão de que a centralidade está no governo, quando, no caso da água, essa gestão é multicêntrica, devendo implicar todos os interessados, que deverão participar direta e indiretamente da governança ( RENDÓN; BUSTILLOS, 2019RENDÓN, G. A. O.; BUSTILLOS, L. E. R. Water management instruments in the National Waters Law. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 187-211.). A lei mexicana contribuiu para uma maior centralização quando, na verdade, deveria ser o contrário. Desse modo, Rendón e Bustillos ( 2019RENDÓN, G. A. O.; BUSTILLOS, L. E. R. Water management instruments in the National Waters Law. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 187-211., p. 191) asseveram:

Evidentemente, qualquer ato de gestão pode estar contido em um contexto mais amplo de “gestión del agua” e vice-versa, mas é importante diferenciar atos que pertencem exclusivamente às autoridades hídricas daqueles localizados em um contexto mais amplo de participação de outros atores e setores com respeito à gestão da água. É nesse contexto mais amplo que faz sentido diferenciar os dois conceitos em direção a uma implementação mais eficiente das políticas públicas de água (tradução livre) 11 11 Evidently, any management act can be contained in a broader context of “gestión del agua” and vice versa, but it is important to differentiate acts that belong exclusively to water authorities of those located in a broader context of participation of other actors and sectors with respect to water management. It is in this broader context that it makes sense to differentiate both concepts toward a more efficient implementation of water public policy. .

Os estudos de Rendón e Bustillos ( 2019RENDÓN, G. A. O.; BUSTILLOS, L. E. R. Water management instruments in the National Waters Law. In: ROJAS, H. R. G. G. Water policy in Mexico. New York: Springer, 2019. p. 187-211., p. 208) encaminham as seguintes propostas para que se implante uma governança da água no México, com base num modelo factível e financiável, uma vez que a lei estabelece a estrutura, mas na prática os serviços e a participação não funcionam:

  • Atualizar a metodologia para o cálculo das taxas governamentais, considerando os custos ambientais;

  • Estabelecer tarifas de bacias hidrográficas atendendo à disponibilidade e valor econômico proporcionado pela água para a produção de bens e serviços;

  • Começar a cobrar taxas governamentais pelo uso da água no setor agrícola que atualmente não paga nada;

  • Fornecer suporte e incentivos para aumentar a cobertura de macro e micromedição;

  • Melhorar as capacidades das autoridades hídricas para inspeção, controle e cobrança de taxas governamentais, que podem incluir a assinatura de acordos para a exclusão de certos atos nos níveis estaduais e / ou municipais do governo;

  • Desenvolver estratégias e metodologias para aumentar a lucratividade na cobrança de taxas governamentais;

  • Consolidar uma cultura de pagamento de taxas governamentais e do valor econômico e ambiental da água;

  • Alocar as taxas governamentais derivadas da água e seus recursos para as obras e ações específicas na bacia do rio correspondente, através de um fundo específico a ser construído em cada região hidrológica;

  • Apoiar uma transferência de tecnologia de incentivo para tecnologias mais eficientes, limpas e de economia de água através da dedução de outros impostos, por exemplo, imposto de renda; Alocar pelo menos 1% da arrecadação total de impostos ou taxas em água para pesquisas e desenvolvimento do setor de água.

3 Modelo espanhol

A Espanha foi escolhida pelo fato de também sofrer com a crise hídrica em boa parte de seu território, com um processo de desertificação que atinge 70% de sua área. Há uma irregularidade das chuvas, muito baixas ao centro, ao nordeste e ao sudeste do país. As chuvas acabam sendo escassas também a sudoeste e a oeste do território, sendo o Norte a porção mais propícia a chuvas. As zonas mais áridas da Espanha ocupam o equivalente a 2,6% do território do país, sendo Almería, Alicante e Múrcia, com precipitações que chegam a patamares menores que 300 mm.

Boa parte da Espanha está inserida num processo considerável de desertificação ( Ruíz-Puga et al., 2013 RUÍZ-PUGA, P. et al. Los procesos de desertificación y las regimens áridas. Revista Chapingo, Chapingo, v. 19, n. 1, p. 45-66, 2013.; Valderrama; MARTÍNEZ; IBÁNEZ, 2012VALDERRAMA, J. M.; MARTÍNEZ, S.; IBÁNEZ, J. Un sistema de alerta temprana (SAT) de la desertificación en España mediante modelos de dinámica de sistemas. In: X CONGRESO LATINOAMERICANO DE DINÁMICA DE SISTEMAS, 10., 2012, Buenos Aires. Anales […]. [S.l.]: Asociación Colombiana de Dinámica de Sistemas, 2012. p. 33-41. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/354061095_Un_Sistema_de_Alerta_Temprana_SAT_de_la_Desertificacion_en_Espana_mediante_modelos_de_Dinamica_de_Sistemas. Acesso em: 17 abr. 2023.
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). Não diferentemente, a Espanha também é um país cujo maior uso da água é na agricultura e que tem uma produtividade crescente e infraestrutura hídrica com um foco econômico ( GARRIDO et al., 2010 GARRIDO, A. et al. Water footprint and virtual water trade in Spain. New York: Springer, 2010.).

Nesse contexto de escassez, deve-se redobrar os cuidados com o modelo de governança pública da água. Assim, a Espanha seguiu algumas diretrizes aprovadas em documentos internacionais, entre eles a Carta Europeia da Água, de 1968, que destacou a importância da bacia hidrográfica como unidade territorial para planejamento hídrico que estaria além dos limites políticos e administrativos estabelecidos; e a Declaração de Dublin, de 1992 ( CASAFONT, 2010GARRIDO, A. et al. Water footprint and virtual water trade in Spain. New York: Springer, 2010.).

A Carta de Zaragoza, de 2008ESPANHA. Carta de Zaragoza. Aborda água e desenvolvimento Sustentável. Espanha: Zaragoza, 2008. Disponível em: https://www.heraldo.es/noticias/aragon/2018/06/14/la-carta-zaragoza-busca-aun-destinatario-1249019-300.html. Acesso em: 12 dez. 2021.
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, também foi importante para o contexto espanhol, pois estabeleceu como condição para uma gestão integrada considerar a bacia hidrográfica como unidade básica territorial mais eficiente para gerenciar a água e melhorar a resolução de possíveis conflitos ( ESPANHA, 2008ESPANHA. Carta de Zaragoza. Aborda água e desenvolvimento Sustentável. Espanha: Zaragoza, 2008. Disponível em: https://www.heraldo.es/noticias/aragon/2018/06/14/la-carta-zaragoza-busca-aun-destinatario-1249019-300.html. Acesso em: 12 dez. 2021.
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). A “pegada hídrica” 12 12 The WF of an individual or community is defined as the total volume of freshwater that is used to produce the goods and services consumed by the individual or community (A pegada hídrica de um indivíduo ou comunidade é definido como o volume total de água doce usado para produzir os bens e serviços consumidos pelo indivíduo ou pela comunidade) (tradução livre). nas regiões espanholas tem aumentado substancialmente ao longo do tempo ( GARRIDO et al., 2010 GARRIDO, A. et al. Water footprint and virtual water trade in Spain. New York: Springer, 2010.).

Existe uma diretiva fundamental a ser considerada na governança da água nesse país, a Diretiva Marco da Água 2000/60/CE ( COMUNIDADE EUROPÉIA, 2000/60/CECOMUNIDADE EUROPEIA. Directiva 2000/60/CE. Estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água. Bruxelas: Parlamento Europeu, 2000. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02000L0060-20141120&from=GA. Acesso em: 1 fev. 2022.
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/...
). Esse documento é fundamental para compreender as bases da governança da água na Espanha. O item 13 desta diretiva confirma também a bacia hidrográfica como a unidade de planejamento e gestão de águas. Porém, para além desse dispositivo fundante, é imperioso ressaltar que a Comunidade Europeia se rege pela compreensão de que a água não é um bem econômico como qualquer outro, como está grafado no item 1 desta diretiva: “El agua no es un bien comercial como los demás, sino un patrimonio que hay que proteger, defender y tratar como tal” 13 13 A água não é um bem comercial como os outros, mas uma herança que deve ser protegida, defendida e tratada como tal (tradução livre). . A partir dessa compreensão acerca da natureza da água, decorreram todas as ações de governança na Espanha.

Sabe-se, até agora, que há alguns fatores que influenciam a governança da água, tais como: escassez, exploração, clima, modelo econômico, entre outros. Nessa direção, a participação é outro fator de pressão que é positivo, a exemplo da atuação das associações de defesa da água, ou mesmo de usuários de água, que atuam diretamente na governança ( IZQUIERDO, 2016IZQUIERDO, M. R. Análisis de las acciones colectivas en la gobernanza del agua subterránea en España. Tese (Doutorado em Geologia) – Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2016.).

As 17 comunidades autônomas da Espanha têm governos regionais com grandes competências políticas, econômicas e administrativas. Os governos regionais têm poderes em questões de planejamento do uso da terra, meio ambiente, agricultura, florestas e outras áreas naturais e estão envolvidos, direta e indiretamente, na administração dos recursos hídricos. Para a gestão dos recursos hídricos, a Espanha foi dividida em 15 bacias hidrográficas ou distritos de planejamento hídrico, definidos na Lei da Água de 1985 ( ESPANHA, 1985ESPANHA. Ley 29, de 8 de agosto de 1985. Estabelece as regras para o domínio público hidráulico. Espanha: Palma de Mallorca, 1985. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-16661. Acesso em: 12 dez. 2021.
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) como “o território ao longo do qual as águas fluem para o mar em uma rede de cursos de água secundários que convergem em um leito principal e único do rio” (título II, art. 14 da Lei da Água de 1985) ( ORTEGA; MORA, 2010ORTEGA, C. V.; MORA, N. V. Institutions and institutional reform in the Spanish Water Sector: a historical perspective. In: GARRIDO, A.; RAMÓN LLAMAS, M. (ed.). Water policy in Spain. Leiden: CRC Press, 2010. p. 117-130.).

Na Espanha, as confederações de bacias são os órgãos colegiados de base que permitem que os usuários participem do acompanhamento e implementação da política de água e tem caráter administrativo, o que a faz participar da administração pública (artículo 22, 1, Ley del Agua), aplicando o mesmo regramento estabelecido para outros órgãos estatais, e sua circunscrição deverá alcançar o âmbito de bacia hidrográfica ( ESPANHA, 1985ESPANHA. Ley 29, de 8 de agosto de 1985. Estabelece as regras para o domínio público hidráulico. Espanha: Palma de Mallorca, 1985. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-16661. Acesso em: 12 dez. 2021.
https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE...
). Essas confederações têm amplo poder de atuação nas comunidades autônomas espanholas, podendo estabelecer convênios e outros acordos. Além dessas, existem dois órgãos do governo que participam da gestão, Juntas de Governo e Juntas de Exploração, que são órgãos do governo que auxiliam no processo decisório e de planejamento das confederações de bacia.

Há, ainda, a Junta de Usuários e a Comissão de Desembalse, que cuida do regime dos reservatórios, aquíferos e bacias, acompanhando e respeitando os direitos dos concessionários, além da Junta de Obras, órgão colegiado que recebe e analisa a solicitação de novas obras, e cada confederação tem um conselho de água da bacia. Além disso, é importante dizer que a confederação somente existirá caso a bacia atravesse mais de uma comunidade autônoma. Em caso de bacias intercomunitárias, haverá o Conselho de Autoridades Competentes que funcionará com atribuição de supervisão sobre os demais. Porém, no topo da “pirâmide” de governança da água espanhola encontra-se o Conselho Nacional de Água (CNA) (art. 19, Ley del Agua). Ademais, destaque-se que a governança espanhola está adstrita aos seguintes princípios:

  1. Unidade de Gerenciamento, tratamento abrangente, economia de água, descentralização, coordenação, eficiência e participação do usuário.

  2. Respeito pela unidade da bacia hidrográfica, sistemas hidráulicos e ciclo hidrológico.

  3. Compatibilidade do manejo público da água com o manejo da terra, conservação e proteção do meio ambiente e restauração da natureza.

O legislador espanhol teve o cuidado em fazer uma conexão principiológica com o meio ambiente, deixando essa interconexão explícita. Junto a isso, tem-se o princípio da unidade da bacia hidrográfica com os sistemas hidráulicos e o ciclo hidrológico, que é a origem de todo esse processo, sendo essencial à conservação dos elementos que participam desse ciclo, incluindo nessa dinâmica o ciclo urbano por meio da infraestrutura. Portanto, a governança da água é complexa e multinível ( IZQUIERDO, 2016IZQUIERDO, M. R. Análisis de las acciones colectivas en la gobernanza del agua subterránea en España. Tese (Doutorado em Geologia) – Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2016.).

É importante enfatizar os esforços significativos de modelagem e projeção que estão em andamento. Entretanto, o impacto das mudanças climáticas na disponibilidade futura de recursos hídricos ainda é incerto ( ORTEGA; MORA, 2010ORTEGA, C. V.; MORA, N. V. Institutions and institutional reform in the Spanish Water Sector: a historical perspective. In: GARRIDO, A.; RAMÓN LLAMAS, M. (ed.). Water policy in Spain. Leiden: CRC Press, 2010. p. 117-130.). A demanda futura de água também será afetada por mudanças demográficas e socioeconômicas. A tendência é o aumento do consumo, porém, há a necessidade de investimento maior em novas tecnologias e regulação (normas e instituições) para aprimorar o ciclo urbano da água.

4 Modelo sul-africano

O continente africano está aqui contemplado por meio da África do Sul. Esse país tem dois momentos na história mundial, antes e depois do apartheid. Nessa transição política, foi necessário realizar diagnósticos e revisar políticas, notadamente a política ambiental e das águas ( RAMASAR; NASTAR, 2012RAMASAR, V., NASTAR, M. Transition in South African water governance: insights from a perspective on power. Environmental Innovation and Societal Transitions, Dübendorf, v. 4, p. 7-24, 2012.). Como existia uma seletividade na distribuição de serviços essenciais entre negros e brancos, com a água não seria diferente. Por isso, foi preciso mudar os marcos regulatórios. Desse modo, uma nova lei de águas em 1998 foi editada e promulgada, revogando todos os atos que atentassem contra a igualdade na distribuição desse líquido ( ÁFRICA DO SUL, 1998ÁFRICA DO SUL. Water Services Act n. 18.522. Estabelece os direitos de acesso à água e saneamento básico. Cidade do Cabo: Presidência, 1997. Disponível em: https://www.gov.za/sites/default/files/gcis_document/201409/a108-97.pdf. Acesso em: 20 abr. 2023.
https://www.gov.za/sites/default/files/g...
). Assim, Ramasar e Nastar ( 2012RAMASAR, V., NASTAR, M. Transition in South African water governance: insights from a perspective on power. Environmental Innovation and Societal Transitions, Dübendorf, v. 4, p. 7-24, 2012., p. 8) destacam qual era o espírito reformador da política de águas aquela época pós-apartheid:

A mudança significativa provocada pela nova legislação foi o reconhecimento de que a água é um recurso escasso e desigualmente distribuído, pertencente a todas as pessoas e nenhuma lei discriminatória deve ser estabelecida para impedir o acesso à água e que a sustentabilidade deve ser o objetivo da distribuição através da qual todos os usuários poderiam obter benefícios (tradução livre) 14 14 The significant change brought about by the new legislation was the recognition that water is a scarce and unevenly distributed resource, belonging to all people and no discriminatory law should be established to prevent water access and that sustainability should be the aim in distribution through which all users could derive benefits. .

Diferentemente dos outros sistemas até aqui analisados, a África do Sul teve que mudar todo o sistema legal do apartheid. Toda a governança da água do país africano estava baseada num modelo centralizado e autoritário, fundamentado no direito à terra, isto é, teria maior acesso à água quem tivesse terras ao longo de fontes de água, como rios, resultando em desequilíbrio de acesso à água entre os fazendeiros brancos e os agricultores negros ( FUNKE et al., 2008 FUNKE, N. et al. The evolution of water governance in South Africa: lessons from resilience theory-based analysis of the khoisan and gold mining social-ecological systems. In: BURNS, M.; WEAVER, A. Exploring sustainability science: a southern african perspective. Stellenbosch: African Sun Media, 2008. p. 311-337.; RAMASAR; NASTAR, 2012RAMASAR, V., NASTAR, M. Transition in South African water governance: insights from a perspective on power. Environmental Innovation and Societal Transitions, Dübendorf, v. 4, p. 7-24, 2012.; Olagunju et al., 2019 OLAGUNJU, A. et al. Water governance research in Africa: progress, challenges and an agenda for research and action. Africa: progress, challenges and an agenda for research and action. Water International, London, v. 44, n. 4, p. 382-407, 2019.). A água era utilizada basicamente para projetos de desenvolvimento e agricultura. Até 1994, o paradigma vigente era a separação entre o sistema social e o sistema ecológico, que veio mudar somente com a revisão da legislação pós apartheid. É importante destacar que o modelo adotado pela legislação era o de comando e controle, evoluindo para a inserção do princípio da sustentabilidade na legislação, aplicável ao uso e acesso à água ( FUNKE et al., 2008 FUNKE, N. et al. The evolution of water governance in South Africa: lessons from resilience theory-based analysis of the khoisan and gold mining social-ecological systems. In: BURNS, M.; WEAVER, A. Exploring sustainability science: a southern african perspective. Stellenbosch: African Sun Media, 2008. p. 311-337.).

A governança da água na África do Sul pode ser dividida em três fases. A primeira foi a mudança da legislação e a inclusão de direitos fundamentais na própria Constituição do país. A segunda etapa foi organizar o Estado de modo a contar com a infraestrutura institucional necessária para o mínimo funcionamento da governança da água. A terceira etapa, por sua vez, foi a aceleração das mudanças estruturais; isso marcado pela implantação do princípio da descentralização da governança da água. Além disso, instituiu o princípio da reserva, ou seja, é preciso estabelecer uma quota mínima para consumo humano e manutenção dos ecossistemas.

A realocação da água seria também uma grande questão a ser resolvida, pois a maioria da população não tinha acesso à água e a saneamento ( FUNKE et al., 2008 FUNKE, N. et al. The evolution of water governance in South Africa: lessons from resilience theory-based analysis of the khoisan and gold mining social-ecological systems. In: BURNS, M.; WEAVER, A. Exploring sustainability science: a southern african perspective. Stellenbosch: African Sun Media, 2008. p. 311-337.). Olagunju et al. ( 2019OLAGUNJU, A. et al. Water governance research in Africa: progress, challenges and an agenda for research and action. Africa: progress, challenges and an agenda for research and action. Water International, London, v. 44, n. 4, p. 382-407, 2019.), numa pesquisa recém-publicada, apontam que o continente africano passou por mudanças na governança da água, baseada na capacidade dos envolvidos, na coordenação dos fatores essenciais para todo o processo e no compliance, ou seja, melhorar o sistema de normas, de sanções para aqueles que não estão se adequando, melhorando o monitoramento e sendo implacável com a corrupção.

Além disso, a complexidade da cultura africana torna a governança mais difícil. Porém, ainda sofre a pressão da urbanização descontrolada, ausência de dados, falta de adaptação institucional e diálogo precário. Herrfahrdt-Pahle ( 2010HERRFAHRDT-PAHLE, E. South African water governance between administrative and hydrological boundaries. Climate and Development, n. 2, p. 111-127, 2010.) aponta que uma das grandes dificuldades para a implementação de uma governança integrada foi implementar a lógica administrativa e jurídica da bacia hidrográfica, o que é uma grande barreira. A autora aponta, ainda, os seguintes gargalos na governança da água na África do Sul:

  1. Incompatibilidade na escala espacial e jurisdicional (limites hidrológicos versus administrativos). A nova legislação produziu duas estruturas de governança da água no nível da bacia hidrográfica. O resultado é uma legislação coerente em nível nacional, mas a divisão de competências é transferida do nível nacional para o de bacia hidrográfica e local;

  2. Incompatibilidade na escala temporal. O delineamento das WMAs ( Water Management Areas – Áreas de Gestão de Água) foi realizado sem ser possível estabelecer em tempo oportuno às CMAs ( Catchment Management Agency – Agência de Gerenciamento de Captação), como as organizações de gestão (levando a uma incompatibilidade funcional);

  3. Racionalidades necessariamente diferentes dos CMSs ( Catchment Management Strategy – Estratégia de Gestão de Captação) (sustentabilidade e disponibilidade de água) e dos WSDPs (Demanda de Água e Desenvolvimento local (econômico)) e a necessidade desses documentos de interagirem e se desenvolverem estreitamente ( HERRFAHRDT-PAHLE, 2010HERRFAHRDT-PAHLE, E. South African water governance between administrative and hydrological boundaries. Climate and Development, n. 2, p. 111-127, 2010., p. 123).

Os problemas de gestão da água evidenciaram-se concretamente com a grave crise hídrica da principal cidade sul-africana, Cape Town, que não teve apenas como causa o período de seca, mas a precariedade da governança. Ziervogel e Enqvist ( 2019ZIERVOGEL, G.; ENQVIST, J. P. Water governance and justice in Cape Town: an overview. WIREs Water, Lausanne, v. 6, n. 4, p. 1-15, 2019.) apontam o problema de Cape Town como sendo estrutural, ou seja, um crescimento vertiginoso da metrópole, o que gerou pressão sobre os recursos escassos. Na verdade, Cape Town surgiu de 25 municipalidades existentes antes do apartheid, abastecidas por represas construídas por volta de 1800. Em 2000, a região metropolitana de Cape Town estava praticamente seca ( Ziervogel; Enqvist, 2019ZIERVOGEL, G.; ENQVIST, J. P. Water governance and justice in Cape Town: an overview. WIREs Water, Lausanne, v. 6, n. 4, p. 1-15, 2019.).

Na região mais importante da África em termos populacionais, tinha-se um grande problema baseado na falta de infraestrutura, alta demanda e despreparo técnico para resolver a questão. O uso da água na África do Sul é regulado pela Lei Nacional da Água e pela Lei dos Serviços de Água ( ÁFRICA DO SUL, 1997ÁFRICA DO SUL. Water National Act n. 18.522. Promove reforma legislativa no setor de água sul africano. Cidade do Cabo: Presidência, 1998. Disponível em: https://www.gov.za/documents/national-water-act . Acesso em: 20 abr. 2023.
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; 1998ÁFRICA DO SUL. Water Services Act n. 18.522. Estabelece os direitos de acesso à água e saneamento básico. Cidade do Cabo: Presidência, 1997. Disponível em: https://www.gov.za/sites/default/files/gcis_document/201409/a108-97.pdf. Acesso em: 20 abr. 2023.
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). A primeira determina como a água de uma fonte específica pode ser acessada e usada, ao passo que a segunda se concentra em quais serviços devem ser fornecidos aos cidadãos e por qual autoridade ( Ziervogel; Enqvist, 2019ZIERVOGEL, G.; ENQVIST, J. P. Water governance and justice in Cape Town: an overview. WIREs Water, Lausanne, v. 6, n. 4, p. 1-15, 2019.).

A autoridade principal, DWS ( Department of Water and Sanitation – Departamento de Água e Saneamento), é responsável pelo desenvolvimento, implementação, regulamentação, monitoramento, aplicação e administração de políticas. As fontes de água do país são gerenciadas no nível da bacia hidrográfica; ademais, a água é alocada para a municipalidade conforme sua necessidade por um sistema de licença ou outorga.

Na iminência de grandes desastres com o processo de mudanças climáticas, chuvas fortes, inundações e secas, foi editado, em 2002, o Disaster Management Act (Lei de Gestão de Desastres), que buscou implementar uma sistemática integrada na governança e na gestão da água. A tentativa foi de adotar as melhores práticas existentes em documentos internacionais ( ÁFRICA DO SUL, 2002ÁFRICA DO SUL. Disaster Management Act n. 24252. Estabelece os instrumentos de gestão de desastres. Cidade do Cabo: Presidência, 2002. Disponível em: https://www.gov.za/documents/disaster-management-act. Acesso em: 20 abr. 2023.
https://www.gov.za/documents/disaster-ma...
). Porém, um gargalo da governança da água na África do Sul é justamente a participação da sociedade.

Quanto a isso, a população participa no nível da municipalidade por intermédio das associações de usuários, não existindo comitês de bacias. Existem três esferas na governança da água na África do Sul: Nacional, Bacia Hidrográfica e Município. Na bacia hidrográfica e no município, a sociedade está contemplada, onde existem os fóruns regionais de água e saneamento e os fóruns de gestão de bacias.

A seca mais recente colocou à prova esse sistema de governança em três fases, passando de um grau menos crítico para o mais crítico. Essas ações tiveram no racionamento seu principal instrumento de governança, uma vez que as seis represas dessa região metropolitana passaram a ter cerca de 13,5% de seu volume total de 900 milhões de metros cúbicos de água. E, caso chegasse aos 10%, não seria mais seguro extrair a água, passando-se a outros reservatórios, notadamente subterrâneos ( Ziervogel; Enqvist, 2019ZIERVOGEL, G.; ENQVIST, J. P. Water governance and justice in Cape Town: an overview. WIREs Water, Lausanne, v. 6, n. 4, p. 1-15, 2019.).

Essa crise serviu para demonstrar a fragilidade da governança da água e que o sofrimento maior ficou para as camadas mais vulneráveis da população, especialmente aquelas de origem indígena, com pouco ou nenhum acesso à água. Ziervogel e Enqvist ( 2019ZIERVOGEL, G.; ENQVIST, J. P. Water governance and justice in Cape Town: an overview. WIREs Water, Lausanne, v. 6, n. 4, p. 1-15, 2019., p. 12-13) apontam as lições que podem melhorar a governança em situações como essas da África do Sul:

  1. a governança precisa levar em consideração o desenvolvimento das fontes de água especificamente e da cidade em geral. Novas fontes de suprimento, bem como a prestação regular de serviços, precisam de financiamento. A governança da água se beneficiaria de uma abordagem sistêmica com atenção a todo o ciclo da água, incluindo drenagem urbana sustentável, tratamento e reutilização de águas residuais e fontes diversificadas para acomodar flutuações sazonais e interanuais na precipitação;

  2. a governança da água requer coordenação entre setores e escalas. As inundações e secas da Cidade do Cabo ilustram links para, por exemplo, habitação, gestão de ecossistemas, agricultura e turismo, e com importantes funções sendo executadas da escala nacional até a nível doméstico;

  3. a governança da água precisa ser inclusiva. O tenso relacionamento da cidade com muitas comunidades, prejudicado pela falta de confiança gerada por políticas injustas do passado e alimentado pelo fracasso em corrigi-las no presente, é sem dúvida a área mais crítica para melhorias. Isso requer uma comunicação mais proativa, coordenada e transparente, que a Cidade do Cabo melhorou durante o gerenciamento de crises. A lição é que a governança da água não se limita a manter as torneiras funcionando, mas também às necessidades diárias de saneamento e segurança contra inundações sazonais. No futuro, os formuladores de políticas, acadêmicos e profissionais precisam criar conhecimentos e habilidades sobre como os processos de governança podem ser projetados para promover a confiança e a colaboração pública, reconhecendo os desafios específicos ao contexto enfrentados pelos moradores.

5 Modelo australiano

A Austrália é outro caso interessante para compreender os pressupostos da governança pública da água, principalmente porque é o país habitado mais seco do Planeta, o qual perpassa por grandes instabilidades climáticas, estas marcadas por secas e grandes chuvas. A constituição da federação australiana responsabiliza o Estado e o governo do território pela terra e água, porém a água é de propriedade da coroa e o manejo dessa é da alçada do governo ( HART; DOOLAN, 2017HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017.).

A Austrália é uma sociedade altamente urbanizada, com aproximadamente 90% de seus 24,2 milhões de habitantes vivendo em cidades e vilarejos e cerca de 60% vivendo em cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Entre 2014 e 2015, as chuvas foram 10% inferiores à média nacional, cerca de 16.700 GL 15 15 1 Gigalitro equivale a 1000.000.000 de litros. . Destes, 75% foram utilizados para irrigação, 19% para uso urbano e 6% para mineração e geração de energia ( HART; DOOLAN, 2017HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017.).

O modelo de governança da água na Austrália entre os anos 1901 a 1970 foi fundamentado na construção de infraestruturas para estoque de água de modo a abastecer as cidades que estavam nascendo e sendo estruturadas, bem como sustentar a atividade mineira à época, com um estoque total de água em torno de 240 GL, no início do século, subindo para 7.200 GL, depois, em 2005, para 84.800 GL ( HART; DOOLAN, 2017HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017.). Mackay ( 2007MACKAY, J. M. Water governance in Australia: implementing the national water initiative. Journal of the Australian Water Association, Melbourne, v. 34, n. 1, p. 150-156, fev. 2007.) apontou que os indicadores para uma boa governança são os seguintes: participação orientada para o consenso, responsável, transparente, responsiva, eficaz e eficiente, equitativa e inclusiva e seguindo o estado de direito. Segundo ele, até 1994, o poder público tinha a hegemonia no setor de águas, daí em diante, o setor abriu-se para o capital privado, e o governo concentrou seus esforços em dois papéis: um regulatório e outro de avaliação e contenção dos impactos ambientais.

Os acordos de governança para a água na Austrália são complexos, com mais de 14 tipos diferentes de formas legais de negócios de melhoria da água. A estrutura de governança é composta da seguinte maneira:

  1. Conselho Regional do Governo Local;

  2. Conselho do Condado;

  3. Conselho do município ou da cidade;

  4. Empresas públicas locais;

  5. Governos locais;

  6. Órgãos estatutários;

  7. Companhias em regime de sociedade;

  8. Grupos de irrigantes ( MACKAY, 2007MACKAY, J. M. Water governance in Australia: implementing the national water initiative. Journal of the Australian Water Association, Melbourne, v. 34, n. 1, p. 150-156, fev. 2007., p. 151-152).

Além dessa estrutura, existem também outros organismos híbridos, que apresentam características mistas. Smith et al. ( 2016SMITH, T. F. et al. Water: drought, crisis and governance in Australia and Brazil. Water, Basel, v. 8, n. 11, p. 493, 2016.) apontam que essa estrutura de governança é impulsionada e forjada sob intensas crises de falta de água e de seca, que obrigaram o poder público australiano a tratar a questão da água como agenda pública prioritária, sob o manto de uma política neoliberal de abertura do setor de águas e saneamento à iniciativa privada, como já pontuado. Smith et al. ( 2016SMITH, T. F. et al. Water: drought, crisis and governance in Australia and Brazil. Water, Basel, v. 8, n. 11, p. 493, 2016., p. 4) destacam os seguintes pilares para a reforma da governança australiana:

  1. preparar planos hídricos transparentes e estatutários com provisão para resultados ambientais e outros benefícios públicos;

  2. concluir o retorno de todos os sistemas atualmente alocados ou superutilizados a níveis de extração ambientalmente sustentáveis;

  3. introduzir registros de direitos e normas de acesso à água para a contabilidade da água;

  4. expandir o comércio de água;

  5. gerenciar recursos de águas superficiais e subterrâneas e sistemas conectados como um único recurso;

  6. melhorar os preços para armazenamento e entrega de água;

  7. atender e gerenciar demandas de água urbana.

Entre os anos 2007, 2009 e 2011, houve um processo de reformas sobre os documentos legais que compunham a governança da água. Isso foi acelerado, principalmente porque a água significa um input para o desenvolvimento econômico, incluindo aí, em especial, a agricultura ( FITZPATRICK, 2017FITZPATRICK, C. Evolution of water entitlements and markets in Victoria, Australia. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 41-58.). A própria expressão “mercado da água” estava muito explícita nesse processo de reforma da governança da água na Austrália. O trecho a seguir, extraído de Fitzpatrick ( 2017FITZPATRICK, C. Evolution of water entitlements and markets in Victoria, Australia. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 41-58., p. 56), denota bem essa linguagem mercadológica para água:

As comunidades de irrigação reconheceram que a introdução de mercados de água nos distritos de irrigação moveria a água de usos de baixo valor para usos de alto valor, geralmente em locais diferentes. Além disso, eles reconheceram que o valor de seus direitos aumentaria, pressionando ainda mais os usos de baixo valor. As regras comerciais foram introduzidas em resposta a essas preocupações, para diminuir a taxa de troca de água dos distritos para gerenciar o processo de ajuste nas comunidades locais. Essas regras foram suficientes para sustentar o apoio local ao mercado. O mercado mostrou-se particularmente eficaz para gerenciar os efeitos da seca (tradução livre) 16 16 Irrigation communities recognized that the introduction of water markets in the irrigation districts would move water from low-value uses to high-value uses, often in different locations. Furthermore, they recognized that the value of their entitlements would increase, placing further pressure on low- value uses. Trading rules were introduced in response to these concerns, to slow the rate that water could be traded out of districts to manage the adjustment process in local communities. These rules were sufficient to sustain local support for the market. The market proved particularly effective in managing the effects of drought. .

Para além do uso da água na agricultura, as cidades, principalmente as metrópoles, necessitavam de mais água e saneamento. Antes um serviço que era realizado exclusivamente pelo Estado, passou, no século XXI, a ser regulado conforme as regras de mercado. White e Chong ( 2017WHITE, S., CHONG, J. Urban – major reforms in urban water policy and management in major australian cities. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 85-96.) abordam a incitação de um mercado competitivo como base para o novo “olhar” da governança da água na Austrália. Isso começa com a separação entre o regulador e o operador do sistema, ou serviços de água e saneamento das cidades e um sistema de regulação independente que tinha como uma das incumbências o estabelecimento do preço da água. Porém, o poder regulador variava de estado para estado, uma vez que o país é uma federação. A grande seca de 1997 a 2009 pôs a prova a governança da água, levando as cidades a um patamar elevado de estresse hídrico, ou seja, pouca água, uma alta demanda e um tempo extenso de seca. A principal estratégia foi o racionamento.

O gargalo central desse contexto australiano foi o investimento de altas cifras no sentido de acessar tecnologia para outros sistemas que pudessem complementar aqueles advindos da chuva que acontecia de maneira escassa, a exemplo da dessalinização. Era preciso atuar em diversas frentes – investimento, tecnologia e economia – para que a demanda não sugasse todo o estoque existente e desse tempo para reposição da água. A seca impulsionou as iniciativas inovadores, principalmente, em torno do reuso da água nos centros urbanos, aprimorando o ciclo urbano da água ( WHITE; CHONG, 2017WHITE, S., CHONG, J. Urban – major reforms in urban water policy and management in major australian cities. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 85-96.). A partir daí, a Austrália vem pautando sua governança em duas variáveis importantes para um contexto de mudanças climáticas: a resiliência e a habitabilidade. Portanto, o princípio seria de realizar uma governança que primasse pela reutilização dos recursos, pela economia circular da água, pelo reaproveitamento e criação de estruturas para resistirem às mudanças mais severas do clima, dando condições de permanência em ambientes habitáveis.

Para isso, é fundamental essa ideia de economia circular da água baseada no reuso e, portanto, reinserção da água no sistema, seja com a recarga dos aquíferos ou do sistema diretamente, dependendo, sempre, da qualidade da água, o que auxilia fortemente na preservação e manutenção dos estoques de água. Porém, o objetivo da resiliência não é fácil de alcançar, assim como atestam White e Chong ( 2017WHITE, S., CHONG, J. Urban – major reforms in urban water policy and management in major australian cities. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 85-96., p. 91):

Construir resiliência no sistema de água requer uma abordagem multifacetada, multiscalar e multistakeholder. Os sistemas hídricos urbanos têm o potencial de desempenhar um papel central no aumento da resiliência, mas são necessárias coordenação e parcerias fortalecidas no setor de água, bem como entre o setor de água e outros setores, incluindo outros setores de utilidade (energia, resíduos, transporte), agências de planejamento e governo local (tradução livre) 17 17 Building resilience into the water system requires a multifaceted, multiscalar and multistakeholder approach. Urban water systems have the potential to play a pivotal role in increasing resilience, but strengthened coordination and partnerships are needed within the water industry, as well as between the water sector and other sectors, including other utility sectors (energy, waste, transport), planning agencies and local government. .

A Austrália cuidou de perceber que para uma governança da água é indispensável a dimensão ambiental, ou seja, os ecossistemas necessitam de água para sobrevivência e as crises demonstraram o quão debilitados ficavam esses sem água; os rios com alta mortandade de espécies, a proliferação de algas que competem pelo oxigênio dos peixes, entre outros.

Como orientação, o Conselho de Agricultura e Gerenciamento de Recursos da Austrália e Nova Zelândia (ARMCANZ) e o Conselho Australiano e da Nova Zelândia de Meio Ambiente e Conservação (ANZECC) desenvolveram um conjunto de Princípios Nacionais para fornecer orientação política sobre como lidar com a água para os ecossistemas, com o objetivo declarado de fornecer água para o meio ambiente e sustentar, além de, quando necessário, restaurar processos ecológicos e a biodiversidade de ecossistemas dependentes de água.

As alocações ambientais foram definidas como descrições dos regimes de água necessários para sustentar os valores ecológicos de ecossistemas dependentes de água com baixo nível de risco ( BUNN, 2017BUNN, S. E. Environmental water reform. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 97-112.). Esse princípio passou a ser inserido nas legislações de águas dos estados australianos. Bunn ( 2017BUNN, S. E. Environmental water reform. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 97-112., p. 100) elencou os princípios que foram adotados pelos estados australianos, que, na verdade, reconheceram o caráter da natureza como usuária da água e com prioridade 18 18 River regulation and/or consumptive use should be recognized as potentially impacting on ecological values; Provision of water for ecosystems should be on the basis of the best scientific information available on the water regimes necessary to sustain the ecological values of water dependent ecosystems; Environmental water provisions should be legally recognized; In systems where there are existing users, provision of water for ecosystems should go as far as possible to meet the water regime necessary to sustain the ecological values of aquatic ecosystems while recognizing the existing rights of other water users; Where environmental water requirements cannot be met due to existing uses, action (including reallocation) should be taken to meet environmental needs; Further allocation of water for any use should only be on the basis that natural ecological processes and biodiversity are sustained (i.e., ecological values are sustained); Accountabilities in all aspects of management of environmental water provisions should be transparent and clearly defined Environmental water provisions should be responsive to monitoring and improvements in understanding of environmental water requirements; All water uses should be managed in a manner which recognizes ecological values; Appropriate demand management and water-pricing strategies should be used to assist in sustaining ecological values of water resources; Strategic and applied research to improve understanding of environmental water requirements is essential; All relevant environmental, social and economic stakeholders will be involved in water-allocation planning and decision making on environmental water provisions. :

  1. A regulação dos rios e/ou uso consuntivo deve ser reconhecida como potencialmente impactante nos valores ecológicos;

  2. O fornecimento de água para os ecossistemas deve basear-se nas melhores informações científicas disponíveis sobre os regimes hídricos necessários para sustentar os valores ecológicos dos ecossistemas dependentes da água;

  3. As provisões ambientais de água devem ser legalmente reconhecidas;

  4. Nos sistemas em que existem usuários, o fornecimento de água para os ecossistemas deve ir o mais longe possível para atender ao regime hídrico necessário para sustentar os valores ecológicos dos ecossistemas aquáticos, reconhecendo os direitos existentes de outros usuários da água;

  5. Onde os requisitos ambientais de água não puderem ser atendidos devido aos usos existentes, devem ser tomadas medidas (incluindo a realocação) para atender às necessidades ambientais;

  6. A alocação adicional de água para qualquer uso deve basear-se apenas na sustentação dos processos ecológicos naturais e da biodiversidade (ou seja, valores ecológicos);

  7. As responsabilidades em todos os aspectos da gestão das provisões ambientais de água devem ser transparentes e claramente definidas;

  8. As provisões ambientais de água devem responder ao monitoramento e melhorias no entendimento dos requisitos ambientais de água;

  9. Todos os usos da água devem ser gerenciados de maneira a reconhecer valores ecológicos;

  10. Estratégias apropriadas de gestão da demanda e preços da água devem ser usadas para auxiliar na sustentação de valores ecológicos dos recursos hídricos;

  11. Pesquisa estratégica e aplicada para melhorar a compreensão dos requisitos ambientais de água é essencial;

  12. Todas as partes interessadas ambientais, sociais e econômicas relevantes serão envolvidas no planejamento da alocação de água e na tomada de decisões sobre o fornecimento de água suficiente ao meio ambiente (tradução livre).

Isso se aprofundou e se tornou uma prática de proteção dos fluxos ambientais ou ecológicos nos rios em resposta ao declínio dessas condições, das funções ecológicas, causado principalmente pela interferência do homem no regime natural dos cursos de água ( HORNE; WEBB; STEWARDSON, 2017HORNE, A.; WEBB, J. A.; STEWARDSON, M. J. Environmental flows and eco-hydrological assessment in rivers. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 113-132.). Trata-se de um processo integrado em etapas de planejamento, implementação, monitoramento e avaliação, sendo considerados os elementos técnicos e sociais. Por isso é importante que o plano de bacia seja um documento estruturado por intermédio da participação de todos os interessados, usuários, indígenas, poder público, setor privado, entre outros ( AUTY; TAN, 2013AUTY, K.; TAN, L. Finding diamonds in the dast: community engagement in Murray-Darling basin planning. In: HART, B. T.; DOOLAN, J. Decision making in water resource policy and management: an Australian perspective. London: Academic Press, 2017. p. 183-204.).

6 O modelo norte-americano de governança da água

Trata-se da maior potência econômica do mundo e o maior país das américas, sendo um importante usuário de água, seja na agricultura, indústria ou uso doméstico. Sua geografia é muito diversa; ao sul, há uma zona árida na fronteira com o México, ao norte, uma fronteira úmida com o Canadá, bem como ao oeste, por sua vez, a existência de uma região que sofre bastante com a escassez de água. Uma variável que deverá ser levada em consideração logo de início é o modelo administrativo norte-americano fundado numa federação em que os estados apresentam elevados níveis de autonomia, o que repercute diretamente na governança das águas, uma vez que, para além de um bem ambiental, é um bem que tem um papel estratégico na administração de um país. É importante considerar que mais da metade da população norte-americana é usuária de água subterrânea ( HUANG et al., 2015 HUANG, L-Y. et al. Groundwater governance in the United States: common priorities and challenges. Groundwater, Westerville, v. 53, n. 5, p. 677-684, 2015.).

Brown ( 2010BROWN, C. Comparative approaches to governance and management of water resources in North America. VertigO – La Revue Électronique em Sciences de’L’Environnement, Québec, n. 7, jun., 2010.) já apontava que o gerenciamento de recursos hídricos na América do Norte é permeado por considerações ambientais que surgiram desde os anos 1940, especificamente em face do uso de corpos d’água de superfície. Inúmeras estruturas de gestão federal, estadual e local foram desenvolvidas para tratar dessas preocupações. Um contexto útil para a análise ambiental aplicada é a bacia hidrográfica, definida pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos como uma região geográfica dentro da qual a água, os sedimentos e os materiais dissolvidos drenam para uma saída comum – um ponto em um riacho maior, um lago, aquífero subjacente ou oceano ( USEPA, 1996USEPA – UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. National Summary of Water Quality Conditions. United States: 1996. Disponível em: https://www.epa.gov/waterdata/1996-national-water-quality-inventory-report-congress. Acesso em: 1 jan. 2022.
https://www.epa.gov/waterdata/1996-natio...
).

Para além disso, o mesmo documento da agência de meio ambiente norte-americana menciona que a bacia hidrográfica é uma estrutura de coordenação para a gestão ambiental, que concentra os esforços do setor público e privado para resolver os problemas de maior prioridade nas áreas geográficas definidas hidrologicamente, levando em consideração o fluxo de água subterrâneo e superficial ( USEPA, 1996USEPA – UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. National Summary of Water Quality Conditions. United States: 1996. Disponível em: https://www.epa.gov/waterdata/1996-national-water-quality-inventory-report-congress. Acesso em: 1 jan. 2022.
https://www.epa.gov/waterdata/1996-natio...
).

É importante esclarecer que, apesar da autonomia dos estados, o governo federal se responsabiliza também pela governança da água, notadamente em relação a projetos de desenvolvimento para corpos de água maiores e gerenciamento de fluxo navegável, ficando para os estados a governança local e de menor escopo ( BROWN, 2010BROWN, C. Comparative approaches to governance and management of water resources in North America. VertigO – La Revue Électronique em Sciences de’L’Environnement, Québec, n. 7, jun., 2010.).

Entretanto, é importante frisar que o Federal Water Pollution Control Act (Lei de Controle da Poluição da Água) ( USA, 2002USA – UNITED STATES OF AMERICA. Report Federal Water Pollution Control Act. As Amended Through P.L. 107–303, November 27, 2002.) estabeleceu uma grande responsabilidade ao governo central em conduzir e executar uma política de preservação das fontes de água por ser um bem da nação, inclusive incentivando a participação da população, sob a supervisão dos administradores do governo federal e do(s) estado(s) envolvido(s).

Entretanto, o respeito ao princípio da autonomia federativa está preservado segundo estabelece o item b da seção 101 dessa norma:

É política do Congresso reconhecer, preservar e proteger as principais responsabilidades e direitos dos Estados de prevenir, reduzir e eliminar a poluição, planejar o desenvolvimento e o uso (incluindo restauração, preservação e melhoria) dos recursos terrestres e hídricos e consultar o administrador no exercício de sua autoridade nos termos desta lei ( USA, 2002USA – UNITED STATES OF AMERICA. Report Federal Water Pollution Control Act. As Amended Through P.L. 107–303, November 27, 2002., tradução livre) 19 19 It is the policy of the Congress to recognize, preserve, and protect the primary responsibilities and rights of States to prevent, reduce, and eliminate pollution, to plan the development and use (including restoration, preservation, and enhancement) of land and water resources, and to consult with the Administrator in the exercise of his authority under this Act. .

Porém, Berggren ( 2018BERGGREN, J. G. Transitioning to a new era in Western United States water governance: examining sustainable and equitable water policy in the Colorado River Basin. Tese (Doutorado em Filosofia) – University of Colorado, Boulder, 2018.), em sua pesquisa, atentou para dois princípios que precisavam estar na governança da água norte-americana: equidade e sustentabilidade. Quanto ao primeiro, esse, durante muito tempo, foi considerado pelas administrações públicas e cortes de justiça norte-americana como baseado no direito de propriedade. Entretanto, o conceito evoluiu para a noção de acesso que busca a igualdade entre os usuários conforme suas necessidades e não sob o manto exclusivista do direito de propriedade. Para ele, existem cinco princípios que devem estar presentes no modelo de governança norte-americano, podendo estender-se para outros ( BERGGREN, 2018BERGGREN, J. G. Transitioning to a new era in Western United States water governance: examining sustainable and equitable water policy in the Colorado River Basin. Tese (Doutorado em Filosofia) – University of Colorado, Boulder, 2018., p. 25-26) 20 20 Water is treated as a common good that serves multiple values and when it is not reduced to mere property or an economic commodity that serves utilitarian purposes; When it is mindful of the needs of nonhumans, including plants, animals, places, and habitats, as well as of the inheritance of humans in future generations not yet born. It is on the right path when each new generation is socialized into making equity judgments and when spaces exist to reconsider or reimagine the practice of water equity over time; When decision-making processes are open to broad participation of all affected parties, including through such mechanisms as networks, voluntary associations, and public/private partnerships, and when procedural fairness is as important as making fairer water allocation and distribution choices; When there exists not only shared allocation of rights and benefits but also sharing of the risks and burdens associated with population growth, climate change, and emergent technologies; When imbalances in political and economic power are being redressed rather than simply reproduced in water policy. :

  1. A água é tratada como um bem comum que serve a múltiplos valores e não é reduzida a mera propriedade ou mercadoria econômica que serve a propósitos utilitários;

  2. Quando está atento às necessidades dos não-humanos, incluindo plantas, animais, lugares e habitats, bem como à herança dos seres humanos nas gerações futuras ainda não nascidas. Está no caminho certo quando cada nova geração é socializada para fazer julgamentos de equidade e quando existem espaços para reconsiderar ou reimaginar a prática da equidade da água ao longo do tempo;

  3. Quando os processos de tomada de decisão estão abertos à ampla participação de todas as partes afetadas, inclusive através de mecanismos como redes, associações voluntárias e parcerias público/privadas, e quando a justiça processual é tão importante quanto fazer escolhas mais justas de alocação e distribuição de água;

  4. Quando existe não apenas alocação compartilhada de direitos e benefícios, mas também compartilhamento dos riscos e encargos associados ao crescimento populacional, mudança climática e tecnologias emergentes;

  5. Quando os desequilíbrios no poder político e econômico estão sendo corrigidos em vez de simplesmente reproduzidos na política da água (tradução livre).

No caso da sustentabilidade, ela estaria interligada a uma gestão integrada da água, baseada essencialmente em quatro princípios: (1) a água é um recurso finito e extremamente vulnerável, essencial para a sustentação da vida, do desenvolvimento e do meio ambiente; (2) o desenvolvimento da gestão da água deve ser baseado na participação dos diversos atores interessados; (3) a mulher exerce um papel fundamental nesse processo; e (4) a água tem valor econômico e, portanto, deve ser reconhecida como bem econômico. Porém, a despeito desses princípios, a gestão da água e sua governança nos Estados Unidos tem como impulsionador o desenvolvimento econômico.

Outro ponto que pode ser destacado na governança da água norte-americana é a compreensão do ciclo hidrológico gerador dos estoques de água no Planeta. Esse ciclo nada mais é do que o processo de evaporação da água, formação de nuvens, chuva, formação das geleiras, processos que ocorrem num movimento de repetição, alimentando o Planeta com água. Portanto, trata-se de águas conectadas e não separadas, sob o manto do princípio da unidade da bacia hidrográfica. Dessa bacia, fazem parte todas as águas, sejam superficiais, sejam subterrâneas.

Segundo Megdal et al. ( 2015MEGDAL, S. B. et al. Groundwater governance in the United States: common priorities and challenges. Groundwater, Westerville, v. 53, n. 5, p. 677-684, 2015.), a governança da água norte-americana não implementou esses princípios fundamentais, que consideram, essencialmente, o caráter unificado, sistêmico e, portanto, interligado da água, e o principal problema, atualmente, reside na gestão de águas subterrâneas. A governança das águas subterrâneas nos Estados Unidos é fragmentada: várias agências governamentais em diferentes níveis podem ter autoridade sobre as águas subterrâneas. Ademais, há uma série de agências governamentais estaduais e locais responsáveis pela alocação da quantidade de água subterrânea e pela manutenção da qualidade da água subterrânea. Em alguns estados, agências separadas são responsáveis por diferentes aspectos das águas subterrâneas, e a qualidade pode ser subdividida em consumo humano e uso ambiental ( MEGDAL et al., 2015MEGDAL, S. B. et al. Groundwater governance in the United States: common priorities and challenges. Groundwater, Westerville, v. 53, n. 5, p. 677-684, 2015.; MEGDAL, 2018MEGDAL, S. B. Invisible water: the importance of good groundwater governance and management. Npj Clean Water, London, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2018.).

Diferentemente das águas superficiais, em relação às águas subterrâneas, os estados têm considerável autonomia para sua gestão, embora metade dos estados norte-americanos ainda não tenha instituído suas leis de regulação dessas fontes de água, o que é ruim principalmente para o controle da poluição difusa advinda, notadamente, da agricultura intensiva. A alta extração da água subterrânea nos Estados Unidos transforma o modelo de governança o principal ponto a ser alcançado pela gestão das águas, fundamentalmente pela pressão sobre esses recursos que tem aumentado por parte da agricultura dos estados, sendo essencial a estabilização dos níveis desses reservatórios para que haja a manutenção do ritmo de produtividade ( GRAFTON et al., 2019GRAFTON, R. Q. et al. The water governance reform framework: overview and applications to Australia, Mexico, Tanzania, U.S.A and Vietnam. Water, v. 11, n. 137, p. 1-22, 2019.).

Da governança da água participam, geralmente, os seguintes atores: os governos federal, estadual, tribal ou local; empresas privadas e outros negócios; e indivíduos e organizações não governamentais sem fins lucrativos que constituem a sociedade civil. Desse modo, a governança norte-americana complexifica-se em virtude do alto nível de autonomia dos estados, como a gestão da bacia do rio Colorado. A alocação de água nessa bacia é regulada por mais de 100 leis, decisões das cortes judiciais, instruções operacionais e regras técnicas conhecidas como “Leis do Rio” ( GRAFTON et al., 2019GRAFTON, R. Q. et al. The water governance reform framework: overview and applications to Australia, Mexico, Tanzania, U.S.A and Vietnam. Water, v. 11, n. 137, p. 1-22, 2019.).

Os períodos de seca na região do Rio Colorado ensinaram a aprimorar o modelo de governança. Esses extremos do clima inevitavelmente acabarão pressionando o rearranjo da governança, o estabelecimento de novos parâmetros, embora o ideal seja uma ação preventiva. Os norte-americanos também pensam numa estratégia internacional de cooperação para o suprimento de água e saneamento, visando ter água em qualidade e quantidade. Para isso, é fundamental o envolvimento de diversas agências governamentais, tais como a diplomacia, as agências relacionadas com mobilização de recursos, agências de ciência, tecnologia e inovação, aquelas relacionadas com serviços e infraestrutura de sustentabilidade e outras de assistência técnica ( USA, 2017USA – UNITED STATES OF AMERICA. Report National Water Quality Inventory: Report to Congress. U.S. Environmental Protection Agency, August, 2017.).

Diante dessa teia sistêmica e fragmentada ao mesmo tempo da governança da água nos Estados Unidos, destaca-se o estado da Califórnia, por sua importância populacional e econômica e cujo contexto é de escassez ascendente de água, sendo muito relevante os mecanismos de governança para um uso da água cada vez mais racional. O centro da governança de água na Califórnia é justamente a necessidade de uma alocação de água mais racional em busca da sustentabilidade ( VIERS; GRANTHAM, 2014VIERS, J. H.; GRANTHAM, T. E. 100 years of California’s water rights system: patterns, trends and uncertainty. Environ. Res. Lett, Berkeley, v. 9, n. 8, p. 1-10, 2014.). A combinação utilizada nesse processo é preço, quantidade e forma de alocação, de modo a diminuir as perdas, eficiência e competitividade do sistema.

Portanto, esse estado conta, desde 1914, com um sistema de governança da água, tendo sido criado um órgão central para regulação da governança da água, Water Commission (Comissão de Água), que atualmente é o State Water Resources Control Board (Conselho Estadual de Recursos Hídricos). Os administradores desse órgão têm a incumbência de analisar as solicitações de direitos de uso de água para sua posterior autorização ou não. O pressuposto desse sistema é alocar de maneira justa, por meio de autorizações, a quantidade que vai ser utilizada. Segundo Viers e Grantham ( 2014VIERS, J. H.; GRANTHAM, T. E. 100 years of California’s water rights system: patterns, trends and uncertainty. Environ. Res. Lett, Berkeley, v. 9, n. 8, p. 1-10, 2014.), a autorização de uso da água dependerá de sua disponibilidade, da satisfação de usos racionais e preservação do meio ambiente, uma ferramenta muito utilizada para a gestão da água e alocação para quem solicita o exercício de seu direito sobre a água Geographic Information System (Serviço de Informação Geográfica) (GIS) ( VIERS ; GRANTHAM, 2014VIERS, J. H.; GRANTHAM, T. E. 100 years of California’s water rights system: patterns, trends and uncertainty. Environ. Res. Lett, Berkeley, v. 9, n. 8, p. 1-10, 2014.).

Com base nesse sistema, os maiores volumes alocados dizem respeito às corporações e ao uso individual, esse monitoramento é basilar para a governança. Um exemplo bem interessante também é o modelo de governança das águas subterrâneas, que não deveria ser realizada de modo separado, mas em conjunto com as águas superficiais, tendo em vista que fazem parte do mesmo ciclo da água. Assim, na Califórnia, que está num contexto de escassez de água e, portanto, depende de diversas outras fontes de água, notadamente subterrânea, adotam-se algumas ações como monitoramento, alocação, recarga, retiradas, mitigação de impactos negativos, adaptação, engajamento dos atores, liderança e cumprimento de regras ( LANGRIDGE ; ANSELL, 2018LANGRIDGE, R.; ANSELL, C. Comparative analysis of institutions to govern the groundwater commons in California. Water Alternatives, London, v. 11, n. 3, p. 481-510, 2018.).

Os atores interessados agrupam-se em organismos que vão realizar a governança da água existente conforme os princípios já relatados. Pannu ( 2012PANNU, C. Drinking water and exclusion: a case study from California Central Valley. California Law Review, Berkeley, v. 100, p. 223-268, 2012.) apontou como grande fragilidade da governança da água na Califórnia a ausência do direito ao voto da população, diretamente interessada, em seus representantes nos organismos de água. Geralmente o que ocorre são indicações por parte das agências governamentais, tanto federal como estadual. Esse modelo fragmentado, complexo e sem participação da sociedade, do cidadão comum, tem deixado passar altíssimas contaminações de nitrato nas águas de determinados distritos, seja superficial ou subterrâneo, sendo muito difícil a recuperação desses mananciais contaminados ( PANNU, 2012PANNU, C. Drinking water and exclusion: a case study from California Central Valley. California Law Review, Berkeley, v. 100, p. 223-268, 2012.).

Porém, na Califórnia e em boa parte dos Estados Unidos, há resquícios do direito ripário, ou seja, a propriedade da água pertence àquele que se encontra mais próximo da fonte de água, bem como os proprietários mais antigos e mais novos que exploraram primeiro, baseado no princípio “primeiro a explorar, primeiro a ter direito” ( SIVAS et al., 2017SIVAS, D. A. et al. California Water Governance for the 21st Century. Stanford: University of Standford, 2017. Disponível em: https://law.stanford.edu/wp-content/uploads/2017/03/Water-Paper-3-10-17_REVISED-FOR-FINAL-CLINIC-PUB.pdf. Acesso em: 2 abr. 2023.
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). Além dessas noções basilares acerca do domínio sobre a água, na Califórnia ainda vige uma espécie de mercado da água em que um detentor do direito de uso da água pode negociá-la por contrato com outra entidade.

Entretanto, a Califórnia, diante das crises de escassez de água, tem investido no modelo privado de gestão e nos mercados de água, embora bastante questionável, diversificando suas fontes de extração ( SIVAS et al., 2017SIVAS, D. A. et al. California Water Governance for the 21st Century. Stanford: University of Standford, 2017. Disponível em: https://law.stanford.edu/wp-content/uploads/2017/03/Water-Paper-3-10-17_REVISED-FOR-FINAL-CLINIC-PUB.pdf. Acesso em: 2 abr. 2023.
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). Isso implicou o investimento em infraestrutura hídrica e a busca de alternativas, como a dessalinização, embora ainda seja a mais cara, principalmente pelo alto investimento em plantas industriais e no nível elevado de energia utilizada para realizar todo o processo. Além disso, tem o impacto sobre a vida marinha, seja no processo de sucção da água do mar ou mesmo lançando de volta o rejeito.

Considerações finais

O estudo comparado aqui desenvolvido apresentou a complexidade dos modelos de governança de países que são referência regional e internacional em crises hídricas e buscam soluções no campo normativo e da gestão. Os modelos apontam para a necessidade de se implementar uma governança adaptativa, que incorpore as questões locais conectadas com uma agenda planetária de sustentabilidade dos sistemas hídricos. Ao mesmo tempo, aponta-se a necessidade de um pacto planetário em torno de uma governança justa da água com foco na qualidade desta para manutenção da saúde e da qualidade ambiental. Outra questão que ficou evidente nos modelos apresentados e analisados é que há um pilar fundamental nesse processo de governança, a resiliência ecológica, que não prescinde de planejamentos que incorporem variáveis climáticas.

Entretanto, é estrutural lembrar que os sistemas de recursos hídricos, ou seja, tudo aquilo de que se depende para o fornecimento de água para o meio ambiente e que está interligado, isso inclui as cidades também, é permeado por três características: complexidade, conflito e incerteza. A complexidade chama atenção para a necessidade de desenvolvimento de capacidades cada vez mais adaptáveis aos contextos de cenários em curto, médio e longo prazos. O reconhecimento da existência de conflito impõe a necessidade não apenas de um olhar, mas também de ações cooperativas, e que sejam implementadas de maneira coordenada, tudo isso com ampla e clara comunicação. E a incerteza que marca os tempos atuais deve ser mitigada por uma gestão de risco constituída pelo monitoramento exaustivo, pela relação em rede dos atores interessados na gestão dos recursos hídricos e uma ampla conexão com setores da ciência, tecnologia e inovação, especialmente as universidades; formando um ecossistema pronto para antever problemas e equacionar soluções. Esses são elementos que devem constar numa gestão adaptativa.

Trazendo as formas fundantes dos modelos de governança, é possível enxergar que, mesmo com algumas disparidades, pode-se apontar padrões necessários, como a participação da sociedade civil e a existência de dispositivos jurídicos claros e eficientes para dar suporte aos arranjos necessários para a gestão da água. Isso, de modo algum, prescinde de uma institucionalidade forte capaz de corresponder aos novos desafios de uma pós-modernidade caracterizada por um processo de avanço das mudanças climáticas que exige sistemas hídricos cada vez mais resilientes. Portanto, o caminho para o Direito e a gestão pública ambiental é traçar diretrizes que foquem na quantidade e qualidade da água e em sua distribuição, o que constitui um desafio diante de fatores geográficos que impedem o acesso a todos, bem como não se pode perder de vista a lentidão dos governos em dar respostas para transpor esses obstáculos naturais com responsabilidade ambiental.

Como se verificou, a escassez hídrica é um evento sistêmico que pode tornar-se presente em todo o planeta e que já está atingindo milhares de pessoas e ecossistemas. Logo, por ser um problema global, necessita, por conseguinte, de soluções comunitárias e que, portanto, ultrapassem os limites físicos dos países, uma vez que existem diversas bacias hidrográficas que são compartilhadas entre duas ou mais nações. Para que isso ocorra, instrumentos jurídicos internacionais e nacionais são fundamentais com foco na preservação da natureza e na otimização do uso da água nos processos de produção nas indústrias e na agricultura. Uma dessas soluções que a Espanha e Israel já utilizam largamente é a instalação de sistemas de águas residuárias, por meio da implementação de uma lógica de economia circular que aproveite ao máximo a água e possa devolvê-la com os padrões de qualidade necessários.

Com a intensificação de eventos climáticos, como chuvas e secas, é preciso reordenar as prioridades, sendo uma delas como reaproveitar os recursos hídricos já disponíveis, assim como ampliar a oferta de água, diante da crescente demanda para atividades produtivas e para promoção da universalização do acesso, que é outra questão gigantesca que não foi solucionada de maneira alguma, haja vista que, certamente, não será cumprida a meta 6 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que preconiza a universalização do acesso à água e saneamento. Assim, não há solução fácil, contudo, é necessária uma cooperação que se traduza em uma governança capaz de produzir uma melhor gestão dos recursos hídricos e, portanto, uma eficiente distribuição para todos.

Referências

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  • ABU-BAKER, A. Privados de água. SUR 25, São Paulo, v. 14, n. 25, p. 37-55, 2017.
  • ÁFRICA DO SUL. Disaster Management Act n. 24252. Estabelece os instrumentos de gestão de desastres. Cidade do Cabo: Presidência, 2002. Disponível em: https://www.gov.za/documents/disaster-management-act Acesso em: 20 abr. 2023.
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  • Como citar este artigo (ABNT):

    SILVA, J. I. A. O. Governança comparada da água. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 20, e202105, 2023. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2105. Acesso em: dia mês. ano.
  • 1
    Pesquisa financiada pelo edital CNPq n. 12/2017.
  • 2
    We have seen also how intensive urbanization over a phreatic aquifer rapidly leads to its pollution. Knowingly and unknowingly, industrial and domestic activities at all levels may and do cause pollution of the aquifer. Aquifer management is not only the appropriate control of pumping operations but also regulating agricultural, domestic, and industrial on-surface activities, monitoring, and remediating existing problems.
  • 3
    Achieving a balance of all these interests brings all stakeholders to the table, each with its own “dietary” requirements, to hear and be heard. This is a never-ending process and, depending on the size of the basin, an overwhelming one. Everyone and everything is a stakeholder. But that, of course, is what is ingenious about the process; it is grassroots democracy in a world based on far removed democracy. It also requires recognition by scientists and policy makers that those living in the basin also understand its workings and have their own vision of its future for themselves and their children.
  • 4
    Todos têm o direito de acessar, descartar e higienizar a água para consumo pessoal e doméstico de forma suficiente, saudável, aceitável e acessível. O Estado garantirá esse direito e a lei definirá as bases, apoios e modalidades para o acesso e uso equitativos e sustentáveis dos recursos hídricos, estabelecendo a participação da Federação, das entidades federativas e dos municípios, bem como a participação dos cidadãos para a consecução desses fins (tradução livre).
  • 5
    As águas dos mares territoriais na extensão e nos termos estabelecidos pelo Direito Internacional são de propriedade da Nação; águas marinhas do interior; as das lagoas e estuários que se comunicam permanente ou intermitentemente com o mar; os de lagos interiores de formação natural que estão diretamente ligados a correntes constantes; as dos rios e seus afluentes diretos ou indiretos, desde o ponto do canal em que começam as primeiras águas permanentes, intermitentes ou torrenciais, até a foz no mar, lagos, lagoas ou estuários de propriedade nacional; os das correntes constantes ou intermitentes e seus tributários diretos ou indiretos, quando o canal daqueles em toda a sua extensão ou em parte deles, serve de limite ao território nacional ou a duas entidades federativas, ou quando passa de uma entidade federativa para outra ou cruzar a linha divisória da República; a de lagos, lagoas ou estuários cujas embarcações, zonas ou margens são atravessadas por linhas divisórias de duas ou mais entidades ou entre a República e um país vizinho, ou quando a fronteira dos bancos serve como fronteira entre duas entidades federativas ou República com um país vizinho; as nascentes que brotam nas praias, áreas marítimas, canais, embarcações ou margens dos lagos, lagoas ou estuários de propriedade nacional e as extraídas das minas; e os canais, leitos ou margens dos lagos e correntes interiores na extensão estabelecida por lei. As águas do subsolo podem ser livremente extraídas por obras artificiais e apropriadas pelo proprietário, mas quando exigidas pelo interesse público ou outros usos são afetadas; O Executivo Federal pode regular sua extração e uso e, ainda, estabelecer áreas fechadas, como em outras águas de propriedade nacional. Quaisquer outras águas não incluídas na enumeração acima devem ser consideradas parte integrante da propriedade das terras por onde correm ou onde estão localizados seus depósitos, mas se estiverem localizadas em duas ou mais propriedades, o uso dessas águas será considerado de utilidade pública e estará sujeito às disposições ditadas pelos Estados (tradução livre).
  • 6
    III Os Municípios serão responsáveis pelas seguintes funções e serviços públicos: Água potável, drenagem, esgoto, tratamento e disposição de suas águas residuais; […] (tradução livre).
  • 7
    El caudal o volumen mínimo necesario en cuerpos receptores, incluyendo corrientes de diversa índole o embalses, o el caudal mínimo de descarga natural de un acuífero, que debe conservarse para proteger las condiciones ambientales y el equilibrio ecológico del sistema (tradução livre).
  • 8
    El agua como recurso natural tiene una serie de funciones biofísicas y de servicio para las actividades tanto naturales como antropogénicas. Es en el caso de la manipulación de comportamientos, acciones y actividades donde vemos que determinados actores buscan controlar el acceso al suministro, distribución y consumo del vital líquido para con ello poder tener un efecto de control sobre algunos grupos sociales. Por ejemplo, muchos autores han documentado las batallas por el control de la distribución del recurso hídrico en contextos agrícolas. En el caso de las actividades productivas de alimentos, para los agricultores es fundamental tener acceso a un volumen adecuado de agua, en cantidad suficiente, y de óptima calidad para la producción vegetal tanto de frutas, verduras, forraje, como animal. Por ende resulta prioritario que exista un marco regulatorio robusto que garantice el acceso al vital líquido, precisamente estableciendo reglas y normas sobre cómo debe de distribuirse el agua en zonas tan heterogéneas como las que se tienen a lo largo del territorio en México.
  • 9
    Proceso sustentado en el conjunto de principios, políticas, actos, recursos, instrumentos, normas formales y no formales, bienes, recursos, derechos, atribuciones y responsabilidades, mediante el cual coordinadamente el Estado, los usuarios del agua y las organizaciones de la sociedad, promueven e instrumentan para lograr el desarrollo sustentable en beneficio de los seres humanos y su medio social, económico y ambiental, (1) el control y manejo del agua y las cuencas hidrológicas, incluyendo los acuíferos, por ende su distribución y administración, (2) la regulación de la explotación, uso o aprovechamiento del agua, y (3) la preservación y sustentabilidad de los recursos hídricos en cantidad y calidad, considerando los riesgos ante la ocurrencia de fenómenos hidrometeorológicos extraordinarios y daños a ecosistemas vitales y al medio ambiente. La gestión del agua comprende en su totalidad a la administración gubernamental del agua; […].
  • 10
    Proceso que promueve la gestión y desarrollo coordinado del agua, la tierra, los recursos relacionados con éstos y el ambiente, con el fin de maximizar el bienestar social y económico equitativamente sin comprometer la sustentabilidad de los ecosistemas vitales. Dicha gestión está íntimamente vinculada con el desarrollo sustentable. Para la aplicación de esta Ley en relación con este concepto se consideran primordialmente agua y bosque; […].
  • 11
    Evidently, any management act can be contained in a broader context of “gestión del agua” and vice versa, but it is important to differentiate acts that belong exclusively to water authorities of those located in a broader context of participation of other actors and sectors with respect to water management. It is in this broader context that it makes sense to differentiate both concepts toward a more efficient implementation of water public policy.
  • 12
    The WF of an individual or community is defined as the total volume of freshwater that is used to produce the goods and services consumed by the individual or community (A pegada hídrica de um indivíduo ou comunidade é definido como o volume total de água doce usado para produzir os bens e serviços consumidos pelo indivíduo ou pela comunidade) (tradução livre).
  • 13
    A água não é um bem comercial como os outros, mas uma herança que deve ser protegida, defendida e tratada como tal (tradução livre).
  • 14
    The significant change brought about by the new legislation was the recognition that water is a scarce and unevenly distributed resource, belonging to all people and no discriminatory law should be established to prevent water access and that sustainability should be the aim in distribution through which all users could derive benefits.
  • 15
    1 Gigalitro equivale a 1000.000.000 de litros.
  • 16
    Irrigation communities recognized that the introduction of water markets in the irrigation districts would move water from low-value uses to high-value uses, often in different locations. Furthermore, they recognized that the value of their entitlements would increase, placing further pressure on low- value uses. Trading rules were introduced in response to these concerns, to slow the rate that water could be traded out of districts to manage the adjustment process in local communities. These rules were sufficient to sustain local support for the market. The market proved particularly effective in managing the effects of drought.
  • 17
    Building resilience into the water system requires a multifaceted, multiscalar and multistakeholder approach. Urban water systems have the potential to play a pivotal role in increasing resilience, but strengthened coordination and partnerships are needed within the water industry, as well as between the water sector and other sectors, including other utility sectors (energy, waste, transport), planning agencies and local government.
  • 18
    River regulation and/or consumptive use should be recognized as potentially impacting on ecological values; Provision of water for ecosystems should be on the basis of the best scientific information available on the water regimes necessary to sustain the ecological values of water dependent ecosystems; Environmental water provisions should be legally recognized; In systems where there are existing users, provision of water for ecosystems should go as far as possible to meet the water regime necessary to sustain the ecological values of aquatic ecosystems while recognizing the existing rights of other water users; Where environmental water requirements cannot be met due to existing uses, action (including reallocation) should be taken to meet environmental needs; Further allocation of water for any use should only be on the basis that natural ecological processes and biodiversity are sustained (i.e., ecological values are sustained); Accountabilities in all aspects of management of environmental water provisions should be transparent and clearly defined Environmental water provisions should be responsive to monitoring and improvements in understanding of environmental water requirements; All water uses should be managed in a manner which recognizes ecological values; Appropriate demand management and water-pricing strategies should be used to assist in sustaining ecological values of water resources; Strategic and applied research to improve understanding of environmental water requirements is essential; All relevant environmental, social and economic stakeholders will be involved in water-allocation planning and decision making on environmental water provisions.
  • 19
    It is the policy of the Congress to recognize, preserve, and protect the primary responsibilities and rights of States to prevent, reduce, and eliminate pollution, to plan the development and use (including restoration, preservation, and enhancement) of land and water resources, and to consult with the Administrator in the exercise of his authority under this Act.
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    Water is treated as a common good that serves multiple values and when it is not reduced to mere property or an economic commodity that serves utilitarian purposes; When it is mindful of the needs of nonhumans, including plants, animals, places, and habitats, as well as of the inheritance of humans in future generations not yet born. It is on the right path when each new generation is socialized into making equity judgments and when spaces exist to reconsider or reimagine the practice of water equity over time; When decision-making processes are open to broad participation of all affected parties, including through such mechanisms as networks, voluntary associations, and public/private partnerships, and when procedural fairness is as important as making fairer water allocation and distribution choices; When there exists not only shared allocation of rights and benefits but also sharing of the risks and burdens associated with population growth, climate change, and emergent technologies; When imbalances in political and economic power are being redressed rather than simply reproduced in water policy.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2021
  • Aceito
    25 Abr 2023
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