Acessibilidade / Reportar erro

LICENCIAMENTO AMBIENTAL NA ÓTICA DO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO: POTENCIAIS DO INSTRUMENTO PARA UM PAPEL ESTRUTURAL NA POLÍTICA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE

Resumo

Trata-se de uma releitura do licenciamento ambiental, como um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), à luz do constitucionalismo contemporâneo, considerando o objetivo de harmonização na utilização dos bens ambientais com o desenvolvimento socioeconômico e a proteção à dignidade da vida humana. A partir da revisão da literatura, realizam-se inferências que permitem defender aplicar- se ao tratamento dogmático e prático do licenciamento a necessidade de adaptação da Administração Pública ao contexto de efetivação de direitos fundamentais, em razão da força normativa da Constituição, com o desenvolvimento e/ou aprimoramento dos instrumentos legais colocados a sua disposição para o cumprimento de seu desiderato. O desenho do licenciamento ambiental brasileiro permite que a tomada de decisão pública seja baseada em evidência científica e possibilita a participação dialógica entre todos os atores envolvidos e/ ou atingidos pelo objeto do licenciamento. Tal potencial de complementaridade entre fazer técnico e diálogo democrático, somando- se ao caráter estruturante de arranjos socioeconômicos complexos, alça esse licenciamento a uma posição paradigmática quanto ao desenho institucional do instrumento. Não obstante, há falhas procedurais em sua utilização na praxe brasileira, que precisam ser mais bem estudadas, de modo a que o licenciamento possa coadunar-se a seu desiderato constitucional.

Palavras-chave:
administração pública; constitucionalismo contemporâneo; democracia; licenciamento ambiental; Política Nacional de Meio Ambiente

Abstract

This paper reinterpreted environmental licensing as one of the main instruments of the National Environmental Policy (Law 6,938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), in the light of contemporary constitutionalism. Hence, it aimed at harmonizing socioeconomic development and the protection of the dignity of human life with the use of environmental goods. From a literature review, the need to adapt the public administration to the context of enforcing fundamental rights was evidenced, due to the normative force of the Brazilian Constitution, by the development and/ or improvement of the legal instruments made available to the Constitution in order to fulfill its goals. The design of Brazilian environmental licensing allows public decision- making to be based on scientific evidence and enables dialogical participation among all actors involved and/or affected by the licensing object. This potential for complementarity between technical practice and democratic dialogue, adding to the structuring character of complex socioeconomic arrangements, elevates this licensing to a paradigmatic position regarding the institutional design of the instrument. However, in Brazilian practice there are procedural flaws in its use, which need to be better studied, so that licensing be in line with its constitutional requirements.

Keywords:
contemporary constitutionalism; democracy; environmental licensing; National Environmental Policy; public administration

Resumen

Se trata de una relectura del licenciamiento ambiental, como uno de los principales instrumentos de la Política Nacional del Medio Ambiente (Ley n. 6.938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), a la luz del constitucionalismo contemporáneo, considerando el objetivo de armonizar el uso de los bienes ambientales con el desarrollo socioeconómico y la protección de la dignidad de la vida humana. A partir de la revisión bibliográfica, se extraen inferencias que permiten sostener que el tratamiento dogmático y práctico del licenciamiento exige que la Administración Pública se adapte al contexto de realización de los derechos fundamentales, debido a la fuerza normativa de la Constitución, con el desarrollo y/o perfeccionamiento de los instrumentos jurídicos puestos a su disposición para el cumplimiento de su finalidad. El diseño del licenciamiento ambiental brasileño permite que la decisión pública se base en evidencias científicas y posibilita el diálogo entre todos los actores involucrados y/o afectados por el proceso de licenciamiento. Tal potencial de complementariedad entre la pericia técnica y el diálogo democrático, sumado a la naturaleza estructurante de los complejos arreglos socioeconómicos, eleva ese licenciamiento a una posición paradigmática en términos del diseño institucional del instrumento. Sin embargo, existen fallas de procedimiento en su utilización en la práctica brasileña, que deben ser mejor estudiadas para que el licenciamiento pueda cumplir su finalidad constitucional.

Palabras clave:
administración pública; constitucionalismo contemporáneo; democracia; licencia ambiental; Política Nacional de Medio Ambiente

Introdução

A regulação do meio ambiente parte de princípios universais que orientam a atuação dos Poderes Públicos e particulares na preservação da vida no planeta e, assim, em nome dos princípios da prevenção, precaução, cooperação, sustentabilidade, responsabilidade e responsividade ambiental, entre outros, a Constituição Federal brasileira delega a todos, tanto ao Poder Público quanto à coletividade, a obrigação de defender, preservar e conservar o meio ambiente, de modo a evitar a ocorrência de danos ambientais e garantir a perspectiva de vida para as futuras gerações.

O licenciamento ambiental tornou-se um dos principais instrumentos da política ambiental no Brasil. Desde a década de 1980, com a promulgação da Lei n. 6.938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, o país conta com uma Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), cujo objetivo é a harmonização na utilização dos recursos ambientais com o desenvolvimento socioeconômico e proteção à dignidade da vida humana, previstos constitucionalmente. Não obstante, entende-se que esse licenciamento recebe um tratamento duplamente claudicante no Brasil, porque precisa ser entendido como o mais importante instrumento regulador do desenvolvimento sustentável e inclusivo, com um potencial para regular não apenas interações racionais com o ambiente, mas, também, a devida responsabilidade social (fim social) do fazer econômico. É nesse sentido, direcionando-se para além do comumente projetado pela doutrina para o licenciamento ambiental, que este trabalho pretende abordar o instrumento, com vistas a uma compreensão mais coadunada com o constitucionalismo contemporâneo de perspectiva crítica.

Nesse prisma, necessário se faz compreender os institutos e os instrumentos de atuação da Administração Pública, como capacidades estatais que devem ser destinadas à concretização/execução de direitos por meio de políticas públicas, com respeito aos interesses da coletividade. Isso exige uma maior aproximação com a sociedade nas decisões de seus interesses, sem descuidar de cumprir os comandos legais e constitucionais, nos termos das regras e dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico.

Inicialmente, apresentar-se-á uma reflexão sobre as origens da legislação relativas ao licenciamento ambiental no Brasil, resultado de entendimentos e de compromissos internacionais com a preservação dos recursos naturais mediante o crescimento desenfreado das intervenções antrópicas voltadas ao desenvolvimento econômico.

Em seguida, realizar-se-á uma leitura do licenciamento ambiental à luz da Constituição Federal e das normas pertinentes, entendidas a partir do constitucionalismo contemporâneo de perspectiva crítica. Isso na busca de enquadramento de uma governança pautada na responsividade, valendo-se de instrumentos democráticos de participação dos envolvidos na tomada de decisões que possam impactar o meio ambiente.

Por fim, na ótica do Direito Administrativo crítico, o trabalho analisa a atividade administrativa relacionada à matéria ambiental, levando em consideração um olhar sobre a política pública de meio ambiente à luz dos valores constitucionais, analisando as peculiaridades do referido processo administrativo de licenciamento ambiental. Este tem como finalidade a concessão ou não das licenças para atividades danosas e utilizadoras dos recursos naturais, com o desiderato de equilibrar os interesses envolvidos em direção aos objetivos constitucionais.

Este estudo busca, portanto, analisar a necessidade de revisitar o licenciamento ambiental, visando aprimorar a gestão desse instrumento, com o propósito de modernizá-lo e adequá-lo às complexidades dos problemas ambientais contemporâneos. Isso implica buscar conhecer a existência das melhores técnicas disponíveis, aprimorar a qualificação dos profissionais responsáveis pela avaliação dos procedimentos e fortalecer a estrutura dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Isso em meio a um cenário marcado pelo contraditório papel dos agentes públicos na tomada de decisões ambientais, frequentemente caracterizado pela falta de transparência e de fundamentação técnica. Essa situação se desenrola em um contexto no qual a prática brasileira não consegue explorar plenamente o potencial ousado e preventivo que o instrumento de licenciamento ambiental deveria ter. A compreensão limitada de seu verdadeiro alcance tem contribuído para sua subutilização e para os retrocessos legislativos que comprometem a proteção do meio ambiente.

A metodologia utilizada foi a revisão de bibliografia especializada, combinada com elementos da teorização fundamentada em dados, tomando, neste trabalho, as informações contidas no estado da parte do debate (tanto sobre licenciamento ambiental quanto sobre constitucionalismo crítico) como pontos de partida para a teorização fundamentada de base qualitativa.

1 O arcabouço normativo do licenciamento ambiental no Brasil

A necessidade de controlar as atividades econômicas que causam significativos impactos no meio ambiente é tema que há anos se faz presente nas discussões mundiais pela busca de melhores técnicas que garantam o equilíbrio e a defesa da vida no planeta. Durante muito tempo, o foco principal foi a análise econômica dos projetos, sem preocupação com os impactos que esses empreendimentos causavam no meio ambiente.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, no ano de 1972, em Estocolmo, considerada um marco histórico, foi importante para alertar a sociedade sobre a necessidade de repensar sua relação com o meio, numa perspectiva presente e futura, abrindo caminho para o diálogo e para os debates sobre a sustentabilidade e a consciência ecológica.

Com o avanço dos debates e a pauta ambiental sempre presente nas preocupações internacionais, os países sentiam-se compelidos a buscar a regulamentação da matéria por meio de leis. Soma-se a isso a pressão dos bancos internacionais, que passaram a exigir a avaliação de impacto ambiental dos projetos para a liberação de empréstimos, coagindo os países, entre eles, o Brasil, a começar uma cultura de maior conscientização na utilização dos recursos naturais (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Caderno de Licenciamento Ambiental. Brasília, DF: MMA, 2009. Disponível em: https://www.bibliotecaagptea.org.br/administracao/educacao/livros/CADERNO%20DE%20LICENCIAMENTO%20AMBIENTAL%20MINISTERIO%20DO%20MEIO%20AMBIENTE.pdf. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.bibliotecaagptea.org.br/admi...
).

Nessa perspectiva foi aprovada a Lei n. 6.938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, que cria a PNMA e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com a previsão de instrumentos importantes para a gestão ambiental, entre eles o licenciamento ambiental. Em que pese haja indícios históricos de que o licenciamento ambiental no Brasil foi inicialmente previsto em leis dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, tendo como objeto a poluição, como aponta Farias (2019FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.), o fato é que foi com a PNMA que passou a ser reconhecido como um dos mais importantes instrumentos para o controle das atividades econômicas que degradam o meio ambiente.

Com a Constituição Federal de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, a questão ambiental assumiu papel relevante, tendo sido reservado o capítulo VI para tratar da matéria, com o art. 225 determinando uma obrigação sistêmica e estrutural de responsabilidade de todos, Poder Público e coletividade, para a defesa e proteção dos bens ambientais, com respeito ao equilíbrio e usufruto intergeracional. Nesse cenário de constitucionalização da proteção ao meio ambiente, a PNMA foi recepcionada pela nova carta constitucional, recebendo uma interpretação conforme a esta, e, desde então, tem sido o referencial mais importante para a proteção do meio ambiente (SIRVINSKAS, 2013SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.).

No tocante ao Federalismo brasileiro, a Carta Política, em seus arts. 23 e 24, dividiu as competências ambientais executivas e legislativas de modo comum e concorrente, respectivamente, entre os diferentes entes federativos. A produção legislativa, portanto, foi instituída de maneira concorrente entre União, estados e Distrito Federal, como dispõe o referido artigo, e aos municípios, por força do art. 30, para as questões de interesse local. Assim, cabe à União produzir normas gerais, sendo vedado aos demais entes legislar de modo a garantir menos proteção ao meio ambiente, em razão dos princípios da vedação ao retrocesso, da subsidiariedade e da primazia da norma ambiental mais protetiva.

Nessa perspectiva, destaca-se a vasta e esparsa produção legislativa sobre diversos temas que envolvem o Direito Ambiental, que não conta com uma codificação e, por isso, exige mais atenção e cuidado no trato legal dessa matéria por todos que atuam na área.

Salienta-se, ainda, que, em matéria de licenciamento ambiental, a Lei n. 6.938/1981BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, regulamentada pelo Decreto n. 99.274/1990BRASIL. Decreto n. 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1990]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de...
, concedeu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) competência para estabelecer normas, destacando-se, pela relevância, as Resoluções Conama n. 1/1986BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 001, de 23 de janeiro de 1986. Brasília, DF: Conama, [1986]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/RE0001-230186.PDF. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/leg...
, n. 9/1987BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 009, de 3 de dezembro de 1987. Resolve que a audiência pública referida na resolução/conama/n. 001/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido rima, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Brasília, DF: Conama, [1987]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=94201. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.ibama.gov.br/component/legis...
e n. 237/1997BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Brasília, DF: Conama, [1997]. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237. Acesso em: 15 out. 2023.
https://conama.mma.gov.br/?option=com_si...
.

Nesse contexto, importa ressaltar que o processo de licenciamento ambiental é regido por normas gerais e esparsas, como a Lei Complementar n. 140/2011BRASIL. Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília, DF: Presidência da República, [2011]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
, a PNMA, o Decreto n. 99.274/90 e as Resoluções Conama n. 01/1986BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 001, de 23 de janeiro de 1986. Brasília, DF: Conama, [1986]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/RE0001-230186.PDF. Acesso em: 15 out. 2023.
https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/leg...
e n. 237/1997BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Brasília, DF: Conama, [1997]. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237. Acesso em: 15 out. 2023.
https://conama.mma.gov.br/?option=com_si...
, por exemplo. Além dessas normativas, existem outras estabelecidas pelos respectivos entes federativos a que pertencer o órgão integrante do Sisnama, estadual ou municipal, competente para licenciar, bem como, a depender da natureza da atividade a ser licenciada, incidir normas especiais específicas, veiculadas em diversos instrumentos normativos, como leis, regulamentos, resoluções e portarias, que tem a finalidade de subsidiar a decisão final e a emissão da respectiva licença.

A Constituição Federal, apesar de não fazer menção expressa ao licenciamento ambiental, prevê, em seu art. 225, § 1º, IV, a exigência de realização de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para a instalação de obras potencialmente ou causadoras de significativa degradação ambiental, compondo tais estudos uma forma específica de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), processo intrinsecamente relacionado com o licenciamento ambiental (DUCATTI, 2019DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.).

Esse instrumento da PNMA, então, deve concretizar as regras e os princípios constitucionais. A Constituição é, nesse sentido, a base de referência do licenciamento ambiental, devendo todas as normas que informam o licenciamento serem lidas sob a ótica do constitucionalismo social e democrático plasmado na Constituição Cidadã (FARIAS, 2019FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.).

Segundo Rei e Lima (2022REI, F.; LIMA, M. I. L, S. Licença Ambiental em debate. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1041, p. 77-92, 2022.), nas últimas décadas tem havido uma tentativa de flexibilizar as normas relacionadas ao licenciamento ambiental, em razão do descontentamento do setor produtivo brasileiro, pela morosidade e burocracia desses procedimentos, negligenciando a importância de cumprir a PNMA e manter normas alinhadas com a sustentabilidade. Assim, a ausência de uma lei específica de licenciamento ambiental tem acentuado os debates, culminando com proposta de lei que está em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 3729/2004, na Câmara dos deputados, posteriormente renomeado para PL 2159/2021, no Senado Federal.

Essa proposta tem gerado reações significativas em setores interessados, pois traz previsões que podem descaracterizar a principal finalidade do instrumento do licenciamento ambiental, que é a garantia dos princípios da prevenção e precaução, sendo taxado de retrocesso, no Direito Constitucional, a um ambiente equilibrado, na garantia da saúde e no compromisso intergeracional.

Cappelli (2009, p. 1CAPPELLI, S. Desformalização, desjudicialização e autorregulação: tendência no Direito Ambiental? Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 63, p. 69-99, jul.-set./2009.) alerta para a tendência de uma mudança de paradigmas na estrutura de proteção e defesa do direito ao meio ambiente, na forma de “desformalização, desjudicialização e autorregulação”, estabelecida pela inclusão do direito à razoável duração do processo no rol das garantias fundamentais na Carta Constitucional brasileira de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, aduzindo que “o incremento da demanda ao judiciário e a própria crise do Estado na contemporaneidade fomentam discussões sobre a eficiência do modelo até hoje praticado”.

Conforme Rei e Lima (2022REI, F.; LIMA, M. I. L, S. Licença Ambiental em debate. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1041, p. 77-92, 2022.), na ânsia de solucionar exclusivamente as questões de morosidade e burocracia, visando atender aos interesses econômicos, existe o risco de prejudicar os próprios interesses desse setor. Isso ocorre porque os problemas estão intrinsecamente ligados à deficiência da gestão ambiental e a flexibilização das normas não se apresenta como uma solução eficaz. Nesse contexto, a fragilidade das normas ambientais no Brasil pode impactar, inclusive, os interesses econômicos, uma vez que a comunidade internacional está vigilante em relação a todos os aspectos relacionados às questões ambientais no país, o que poderia inviabilizar investimentos e gerar boicotes internacionais.

O projeto de lei em discussão no Congresso Nacional tem suscitado reações adversas, haja vista suas previsões, que podem impactar negativamente na efetiva defesa do meio ambiente. Algumas das medidas mais criticadas incluem proposta de acelerar os processos por meio da priorização da tramitação eletrônica autodeclaratória. Entre os pontos que tem gerado mais controvérsia está a introdução de procedimentos simplificados, como o licenciamento corretivo (LOC), destinado a empreendimentos já em funcionamento que não tenham cumprido as normas ambientais para a obtenção de licença, inclusive com a extinção da punibilidade para o crime previsto no art. 60 da Lei n. 9605/1998, que se refere ao funcionamento de atividades sem a devida licença.

Não se pode negligenciar a necessidade de se debater o licenciamento ambiental e aprimorar esse instrumento de acordo com as demandas da sociedade contemporânea. Fundamental, no entanto, manter em mente que o licenciamento ambiental é parte integrante de uma política pública, e, por isso, deve ser concebido como um elemento articulado com todos os objetivos da PNMA. Isso implica ser abordado como uma ferramenta que realiza a medição e análise de impactos ambientais, econômicos e sociais, em conformidade com os princípios de racionalidade e equilíbrio socioambiental estabelecidos na Constituição Federal (CF).

2 Licenciamento ambiental como instrumento de concretização dos objetivos constitucionais: um olhar a partir da abordagem crítica do Direito Público brasileiro

O licenciamento ambiental é o instrumento constitucional colocado à disposição da Administração Pública para implementar os princípios que norteiam o Direito Ambiental, como os princípios da precaução, da prevenção, do desenvolvimento sustentável e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ressalta-se, porém, que, além de se propor a evitar e mitigar possíveis danos ao meio ambiente natural, o instrumento em análise também se presta a protegê-lo contra impactos sociais que atingem as populações adjacentes aos empreendimentos. Assim, permite-se que a Administração possa atuar, de modo condizente, com os valores constitucionais, na proteção da garantia da qualidade de vida.

O art. 1º da Resolução Conama n. 237/1997BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Brasília, DF: Conama, [1997]. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237. Acesso em: 15 out. 2023.
https://conama.mma.gov.br/?option=com_si...
conceitua o licenciamento ambiental como

[…] procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

(BRASIL, 1997BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Brasília, DF: Conama, [1997]. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237. Acesso em: 15 out. 2023.
https://conama.mma.gov.br/?option=com_si...
).

Em geral, os procedimentos ordinários de licenciamento ambiental seguem uma abordagem trifásica, compreendendo as etapas de licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). Entretanto, o projeto de lei atualmente em tramitação no Congresso Nacional tem como um dos objetivos introduzir procedimentos alternativos mais simplificados, que podem ser bifásicos, realizados em uma única fase ou por adesão ou compromisso e licenciamento corretivo (LOC), semelhantes ao que já existem em alguns estados da Federação (REI; LIMA, 2022REI, F.; LIMA, M. I. L, S. Licença Ambiental em debate. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1041, p. 77-92, 2022.). Essas propostas têm sido objeto de críticas por parte da comunidade acadêmica e ambientalistas, para os quais tais medidas podem enfraquecer a proteção ambiental, uma vez que, por outro prisma, os órgãos responsáveis podem não ser capazes de realizar uma fiscalização adequada em todos os níveis de exigência.

O licenciamento ambiental é, portanto, um procedimento administrativo complexo à disposição de cada ente federativo, para atuar perante as competências que lhe são legalmente determinadas, e se apresenta como controle prévio e contínuo das atividades humanas, com o fim de proteger e garantir a qualidade de vida (FARIAS, 2019FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.).

O delineamento do Direito Administrativo, por sua vez, está umbilicalmente relacionado ao sistema normativo a que pertence, sendo certo que vem experimentando inúmeras mudanças ao longo do tempo, pois acompanha os formatos delineados pelo próprio Estado. Assim, para uma melhor compreensão da realidade local, mister se faz analisar as peculiaridades de cada ordenamento jurídico, para conhecer a realidade concreta da atuação daquela Administração (HACHEM, 2013HACHEM, D. W. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jul. 2013.).

Tanto o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF) como o direito ao desenvolvimento e à livre iniciativa, inseridos na ordem econômica (art. 170, CF), são direitos fundamentais intrinsecamente relacionados. A despeito da liberdade da atuação do particular na economia ser a regra, a fim de que não se propaguem impactos negativos em prol de ganhos econômicos, a própria Constituição, pautada nos ideais de prevenção aos danos ambientais e de desenvolvimento sustentável, prevê a exigência de Estudos de Impacto Ambiental e realização de licenciamento ambiental, sendo tal procedimento conduzido perante a própria Administração Pública e sujeito a suas condições e determinações.

Dessa maneira, cabe elucidar que

[…] o licenciamento ambiental, e seus instrumentos, a avaliação de impactos ambientais e os estudos ambientais, deverão prevenir e mitigar os impactos sobre o meio ambiente, entendido nos aspectos físico, que abrange os impactos sobre solo, ar, água e subterrâneo, excluídos os seres vivos; biótico, que abrange os impactos sobre a fauna e a flora; e antrópico, entendido, em sentido estrito, como os impactos sobre a vida humana diretamente relacionados ao meio ambiente; e sobre o meio social, a qual o presente trabalho divide em: impactos socioculturais, entendidos como sendo os impactos sobre a vida e cultura humana que decorrem da atividade de maneira independente ao meio ambiente; e impactos econômicos, por afetarem diretamente ao meio social

(DUCATTI, 2019, p. 36DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.).

No Brasil, enfrentam-se desafios substanciais relacionados ao licenciamento ambiental, que evidenciam uma falta de priorização desse instrumento na PNMA. Isso fica notavelmente evidenciado em casos emblemáticos, como o da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. Um dos principais problemas que afetam o licenciamento ambiental no país diz respeito à falta de celeridade nos processos conduzidos pelos órgãos ambientais. Além disso, a capacidade técnica dos profissionais envolvidos muitas vezes é insuficiente, o que pode resultar em análises incompletas e imprecisas dos impactos ambientais. A carência de recursos e estrutura nos órgãos responsáveis pelo licenciamento também é um fator que contribui para a demora e a ineficiência do processo.

Mais do que questões operacionais, é imperativo reconhecer que existe um problema de priorização do licenciamento ambiental como instrumento crucial para a preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Isso inclui considerar as influências políticas e econômicas que muitas vezes permeiam as tomadas de decisão, transformando-as de decisões ambientais em decisões de natureza política. Tal circunstância fica evidente em casos como o de Belo Monte, em que se percebe uma desconsideração da legislação ambiental vigente e dos direitos das populações afetadas pela obra. A justificativa muitas vezes apresentada é a de que o cumprimento rigoroso dessas normas seria um entrave ao desenvolvimento econômico (FAINGUELERRNT, 2016FAINGUELERRNT, M. B. A trajetória histórica do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. XIX, n. 2, p. 247-266, 2016.).

As mudanças produzidas pela Constituição Federal de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, instaurando a nova ordem democrática, traduzem a necessidade de desenvolvimento de mecanismos que permitam uma leitura das categorias jurídicas capazes de “emprestar efetividade à Constituição então promulgada” (HACHEM, 2013, p. 344–345HACHEM, D. W. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jul. 2013.). O desenvolvimento dos direitos humanos apresenta como desafio compreender a consolidação democrática dos direitos fundamentais, fazendo-se necessária uma sistematização condizente entre as características desses direitos na sociedade contemporânea (COELHO, 2012COELHO, S. O. Reconhecimento, experiência e historicidade: considerações para uma compreensão dos direitos humanos fundamentais como (in)variáveis principiológicas do Direito nas sociedades democráticas contemporâneas. In: SOBREIRA FILHO, E. F.; FARIAS, J. F.; OLIVEIRA JR., J. A. de. Filosofia do Direito. Florianópolis: Conpedi/FUNJAB, 2012. p. 289-310.).

Bjnenbojm (2014, p. 50–51BINENBOJM, G. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.) aduz que:

Pode-se dizer, assim, que há entre direitos fundamentais e democracia uma relação de interdependência ou reciprocidade. Da conjugação desses dois elementos é que surge o Estado democrático de direito, estruturado como conjunto de instituições jurídico políticas erigidas sob o fundamento e para a finalidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana.

Bourges (2018, p. 39BOURGES, F. S. Administração Pública dialógica: em busca da concretização isonômica de direitos fundamentais sociais. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 5, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2018.) propõe “um direito administrativo social, de modo que o fim do direito administrativo é a defesa, promoção e proteção dos direitos fundamentais da pessoa”, propugnando pela atualização desse ramo do Direito para que seja capaz, por si mesmo, de utilizar os instrumentos a sua disposição, com o fim de “alcançar a eficiência administrativa a concretização espontânea dos direitos fundamentais sociais”.

Hachem (2013, p. 383HACHEM, D. W. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jul. 2013.), tratando do direito ao desenvolvimento de maneira conjugada com a igualdade, ressalta que

[…] as alterações estruturais necessárias para se caracterizar o fenômeno em apreço devem ser capazes não apenas de modificar a realidade socioeconômica, mas também de conferir-lhe o atributo da sustentabilidade, possibilitando com isso a manutenção do incremento da qualidade das condições de vida da população, e a consequente continuidade do processo desenvolvimentista. A sustentabilidade consiste, consoante Juarez Freitas, em “assegurar, hoje, o bem-estar físico, psíquico e espiritual, sem inviabilizar o multidimensional bem-estar futuro”.

Nesse sentido, propõe-se que, por uma gestão ambiental democrática, seja possível, utilizando-se do licenciamento ambiental, tomar decisões coadunadas com as políticas ambientais brasileiras, de modo a promover uma sustentabilidade pensada em termos sistêmicos a partir da Constituição (COELHO; ARAÚJO, 2011COELHO, S. P. C.; ARAÚJO, A. F. G. de A sustentabilidade como princípio constitucional sistêmico e sua relevância na efetivação interdisciplinar da ordem constitucional econômica e social: para além do ambientalismo e do desenvolvimentismo. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, Uberlândia, v. 39, p. 261-291, 2011.), em seus planos ambiental, social e econômico.

Entendendo o conceito de desenvolvimento sustentável como um ideal de justiça intergeracional pautada no tripé economia, ambiente e sociedade, evidencia-se que a participação dos atores envolvidos se faz necessária para a ponderação dos interesses, inicialmente conflitantes, entre o desenvolvimento econômico, a conservação do meio ambiente e a mitigação dos impactos sociais. O instrumento constitucionalmente previsto para alcançar tal tarefa é o licenciamento ambiental, que, além de ser dotado de caráter preventivo, conta com a inclusão popular em seu desenho procedimental, de modo que as comunidades locais e diretamente afetadas poderão participar de audiências populares para serem ouvidas e prestigiadas (DUCATTI, 2019DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.).

Assim, o processo de licenciamento é realizado a partir de um diálogo estabelecido entre Administração Pública, empreendedor e sociedade, com o objetivo primordial de colher críticas e sugestões a respeito do empreendimento, seus impactos e possíveis medidas mitigadoras a serem estipuladas nas licenças. Tal diálogo ocorre a partir da realização das audiências públicas do licenciamento ambiental, etapa em que a população é informada sobre o projeto e seus impactos, a fim de que seja “realizada discussão sobre o empreendimento e dirimidas dúvidas existentes, além de determinar a posterior solicitação de complementos e esclarecimentos feita pelo órgão licenciador ao empreendedor” (DUCATTI, 2019, p. 43DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.).

A gestão ambiental eficaz é, de fato, uma responsabilidade dos agentes públicos, que devem agir com integridade, transparência e em conformidade com as leis e regulamentações ambientais para proteger os interesses de longo prazo da sociedade e do planeta.

Como mencionado, o licenciamento ambiental não se encontra isento a críticas. Em verdade, o caráter altamente técnico e a complexidade do procedimento podem gerar problemas relativos a sua implantação em entes federados com menos recursos, prejudicar a efetividade da comunicação à população e a consequente participação popular, além de existir situações de conflito entre as competências executivas dos diferentes entes federados. Nesse sentido, Ramires (2015, p. 963RAMIRES, C. C. Licenciamento ambiental: entrave ou referência de sustentabilidade. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 10, n. 2, 2015. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/view/7484. Acesso em: 16 out. 2023.
https://periodicos.univali.br/index.php/...
) elenca as seguintes críticas:

Em relação ao licenciamento ambiental, segundo Pinheiro, há entraves de ordem institucional, legal e técnica ao seu correto funcionamento, além de indefinições quanto à competência dos entes federados, e visões subjetivas impostas a conceitos constitucionais de sustentabilidade e equilíbrio ambiental. Estas constatações levam a urgente necessidade de aperfeiçoamento, agilidade, transparência e eficiência do sistema de licenciamento ambiental.

A Constituição Federal de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
consagra o modelo de Estado que se desdobra na ideia de pluralidade material da Administração Pública, perpassando pela responsabilidade de efetivar a socialidade em todas as suas dimensões, materializado nos valores previstos no art. 3º e nas prestações do art. 6º da Carta Magna. Nesse sentido, a pluralidade da Administração deve ser no aspecto estrutural e material, para garantir os preceitos constitucionais fundamentais, buscando otimizar a atuação de suas distintas esferas internas para viabilização dos objetivos do Estado. O imperativo constitucional de participação influencia, então, a tomada de decisões que englobem zonas transversais em mais de um interesse público relevante (BITENCOURT NETO, 2017BITENCOURT NETO, E. Concertação administrativa interorgânica: direito administrativo e organização no século XXI. Lisboa: Almedina, 2017.).

Portanto, sempre que se estiver diante de empreendimentos potencialmente causadores de impactos socioambientais, haverá a necessidade de licenciamento ambiental para sua efetivação, conforme previsto na legislação pátria, devendo esse processo administrativo ser pensado à luz de uma Administração Pública democrática e dialógica.

Pensando na importância de uma leitura dos instrumentos legais à luz da democracia no cenário do Direito Constitucional contemporâneo, em especial na acepção de que o direito ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico e social constituem expressões da garantia da dignidade humana no ordenamento pátrio, têm-se as lições de Bourges (2018, p. 31BOURGES, F. S. Administração Pública dialógica: em busca da concretização isonômica de direitos fundamentais sociais. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 5, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2018.) no seguinte sentido:

[…] a Constituição passou a disciplinar direitos econômicos e sociais, além de direitos de liberdade e igualdade e tratam do indivíduo como pertencente ao Estado e não em oposição a este, como no constitucionalismo liberal. Ainda, reconhece-se a força normativa da Constituição e a demanda pela efetividade dos direitos fundamentais, com ênfase aos sociais e à dignidade da pessoa humana. […], assim, adentra-se em um novo paradigma, o sistema normativo tornou-se fundamentado na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais que dela emanam. De modo que o direito constitucional passa a ter a ênfase da efetividade, com a preocupação de se obter e eficácia jurídica e assegurar a eficácia social das disposições constitucionais.

Na atualidade, a correlação entre os conceitos econômicos, políticos e sociais permite uma releitura da ideia de desenvolvimento, primando por mudanças qualitativas e de maneira sustentável (HACHEM, 2013HACHEM, D. W. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jul. 2013.).

Farias (2019FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.), ao tratar da importância do licenciamento ambiental, salienta o discurso de Paulo de Bessa Antunes sobre o fato de ser este essencial para a regularidade da atividade econômica, sendo os resultados obtidos por esse processo um interesse tanto dos Poderes Públicos quanto da sociedade civil; ademais, o respeito a seu procedimento é condição de respeitabilidade social dos envolvidos. Continua o autor lembrando que o Licenciamento Ambiental “promove a interface entre empreendedor, cuja atividade pode interferir na estrutura do meio ambiente, e o Estado, que garante a conformidade com os objetivos dispostos na Política Nacional do meio ambiente” (FARIAS, 2019, p. 30–31FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.).

Com supedâneo nas argumentações expostas, ficou constatado que, com a Constituição Federal de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, se estabeleceu um Estado democrático de Direito e o reconhecimento de direitos fundamentais, que se complementam para a garantia da dignidade da pessoa humana. Nesse prisma, emerge da Administração Pública uma necessária reavaliação de sua postura diante da implementação e efetivação desses direitos e, considerando as complexas relações originadas da sociedade moderna, deve delinear o caminho a trilhar e que melhor se adapte ao contexto do constitucionalismo contemporâneo.

Como já assinalado, diante da necessidade de adaptação da Administração Pública ao contexto de efetivação de direitos fundamentais em razão da força normativa da Constituição Federal, mister se faz desenvolver e/ou o aprimorar os instrumentos legais colocados à sua disposição para o cumprimento de seu desiderato. Dito isso, no contexto de busca pela resolutividade das questões que circundam a necessidade de proteção ao meio ambiente (art. 225, CF) e o desenvolvimento da ordem econômica (art. 170, CF), apresenta-se o licenciamento ambiental, que “tem como objetivo efetuar o controle das atividades efetiva e potencialmente poluidoras, através de um conjunto de procedimentos […], com o intuito de defender o equilíbrio e a qualidade da vida da coletividade” (FARIAS, 2019, p. 30FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.).

Nesse espaço dialógico, transparente e responsivo é possível apresentar estudos técnicos capazes de subsidiar o debate e anteceder as decisões administrativas em matéria ambiental, para que estejam sempre convergentes com os preceitos constitucionais e garantindo a acessibilidade de direitos intergeracionais. Com isso, promove-se uma gestão administrativa concertada, menos burocrática e democrática.

3 A complexidade teleológica do licenciamento ambiental: entre economia, sociedade e meio ambiente

Conforme supradito, o licenciamento ambiental é o principal instrumento da PNMA e, como define Farias (2019FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.), consiste num processo administrativo cujo resultado é a emissão de um ato do Poder Executivo de concessão ou não da licença ambiental requerida. No mesmo sentido, Sirvinskas (2013, p. 223SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.) aduz tratar-se de uma “sucessão de atos concatenados com o objetivo de alcançar uma decisão final externada pela licença ambiental (licença prévia, de instalação e de operação)”.

Scatolino e Cavalcante Filho (2020, p. 298SCATOLINO, G; CAVALCANTE FILHO, J. T. Manual didático de Direito Administrativo. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020.) definem ato administrativo como

[…] uma declaração unilateral de vontade do Estado, ou de quem o represente, no exercício da função administrativa, de nível inferior à lei, com finalidade de atender ao interesse público, visando criar, restringir, declarar ou extinguir direitos, e sujeita ao controle judicial.

Salvador (2013, p. 32SALVADOR, A. V. A. Manual prático de licenciamento ambiental. Dissertação (Mestrado em Ecologia) – Programa de Mestrado Profissional em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, 2013. Disponível em: https://www.escas.org.br/download/produtos-finais/bahia-. Acesso em: 16 out. 2023.
https://www.escas.org.br/download/produt...
) aponta que “a determinação da natureza jurídica do Licenciamento Ambiental é de curial importância”, na medida em que implica o estabelecimento do ser jurídico, o qual consiste na existência de determinado instituto no mundo do Direito, uma vez que isso é o que define o regime jurídico a ser aplicado a ele.

Na literatura especializada não existe consenso quanto à natureza do licenciamento ambiental. Alguns argumentam que se trata de uma verdadeira licença, ou seja, um ato administrativo vinculado, ao passo que outros sustentam ser uma autorização, ou seja, um ato administrativo discricionário.

Krell (2008, p. 6KRELL, A. J. Licença ou autorização ambiental? Muita discussão em torno de um falso dilema. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 49, p. 56-72, jan.-mar. 2008.) preceitua que

[…] parece mais coerente considerar a licença ambiental uma nova espécie de ato administrativo, que reúne características das duas referidas categorias tradicionais, o que se torna evidente em virtude dos prazos determinados de vigência destas licenças e da falta de sua precariedade, inviabilizando a sua revogação por meras razões de conveniência e oportunidade. Ao mesmo tempo, a licença ambiental de operação (LO) é precária por sua própria natureza, pois deve ser renovada periodicamente.

Nessa perspectiva, mister se faz compreender as implicações da definição de natureza do ato administrativo da licença ambiental, se vinculado ou discricionário, bem como analisar se a matéria ambiental traz características sui generis que devem ser consideradas a priori na ponderação dos interesses envolvidos no processo administrativo do licenciamento ambiental.

Os administrativistas definem ato vinculado como aquele que tem todos os seus requisitos e elementos definidos em lei, sem liberdade de decisão para o agente público, enquanto ato discricionário é aquele que deixa uma margem de liberdade ao agente, para decidir sobre a conveniência e a oportunidade na realização do ato (SCATOLINO; CAVALCANTE FILHO, 2020SCATOLINO, G; CAVALCANTE FILHO, J. T. Manual didático de Direito Administrativo. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020.).

Krell (2008KRELL, A. J. Licença ou autorização ambiental? Muita discussão em torno de um falso dilema. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 49, p. 56-72, jan.-mar. 2008.) evidencia que a legislação brasileira carece de clareza na definição da natureza do licenciamento ambiental, apresentando atribuições genéricas quanto à competência e aos procedimentos desse instrumento. Essa falta de definição é evidente em todas as legislações e atos normativos de todos os entes federados, que não oferecem orientações específicas sobre quando conceder ou negar licenças ambientais e, como resultado dessa lacuna legal, decisões nesse contexto geram uma insegurança, são vagas e carentes de normas técnicas.

Sirvinskas (2013SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.) destaca que a licença ambiental não deve ser confundida com autorização ou permissão do Direito Administrativo, que são atos precários, pois se trata de um ato negocial, com prazo preestabelecido e que pode ser revogado se o beneficiário da licença estiver causando danos ao meio ambiente, à saúde humana ou descumprindo as normas ambientais e condicionantes impostas. Assim, confirma-se o raciocínio anteriormente apresentado de que o licenciamento ambiental busca proteger o meio ambiente em suas diferentes acepções – física, biótica, antropológica, social, cultural e artificial – mediante os interesses econômicos, procurando estabelecer as melhores técnicas e o menor impacto ambiental, como meio de garantir o desenvolvimento sustentável.

Argumenta-se que, no processo de equilíbrio entre interesses ambientais e econômicos, o interesse ambiental deve prevalecer. Esse é o raciocínio defendido neste estudo, pois a própria finalidade da PNMA é viabilizar a compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos naturais, na busca pela garantia dos princípios norteadores da matéria ambiental. Não seria coerente com o sistema, por exemplo, a concessão de uma licença que priorizasse, no caso concreto, interesses econômicos, sob a fundamentação de atendimento ao interesse público na decisão do mérito administrativo, justificando a necessidade de suportar os impactos socioambientais negativos por inexistência de tecnologias e ações mitigatórias para a situação apresentada. Tal argumento se sustenta na própria Constituição Federal, quando traz o comando de responsabilidade dos Poderes Públicos e coletividade na defesa do meio ambiente, ou seja, o próprio empreendedor e o Estado têm a obrigação constitucional de moldar suas ações e decisões, prioritariamente com a garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e compromisso com o futuro.

Em sentindo contrário, Bim (2020BIM, E. F. Licenciamento ambiental.5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020.) argumenta que a ponderação é permitida pela própria Constituição Federal e que os interesses em conflito devem ser sopesados em igualdade, não tendo o órgão ambiental nenhuma obrigação de priorizar a defesa ambiental, tampouco de buscar o menor impacto ambiental a qualquer custo. Isso porque essa decisão pode desencadear uma “escolha trágica”, já que se trata de uma decisão discricionária da Administração Pública, que pode decidir pelo que considera no caso concreto melhor ao interesse público, apesar de isso implicar prevalência de interesses que causem impactos negativos ao meio ambiente. Para sustentar a argumentação, aduz que a própria Constituição Federal, no que tange ao prescrito no art. 170, IV, proclama que a ordem econômica deve observar o meio ambiente como princípio, inclusive por ser necessário ao desenvolvimento e à garantia de uma vida digna.

No mesmo sentido, Fiorillo (2013FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.) defende que o licenciamento ambiental não pode ser simplesmente encarado como um simples ato administrativo, pois, diferentemente deste, assume uma natureza de ato discricionário sui generis. Isso significa que, em certas circunstâncias, a concessão da licença ambiental pode ocorrer mesmo quando o estudo prévio de impacto ambiental não apresente resultados favoráveis ao meio ambiente. Tal abordagem é justificada com base na interpretação dos arts. 170, V, e 225, ambos da CF. Nesse contexto, cabe à Administração Pública decidir, levando em consideração a conveniência e a oportunidade para a concessão ou não da licença, uma vez que a sustentabilidade é um princípio que permeia tanto a preservação ambiental quanto a ordem econômica

É possível discordar das opiniões dos autores, que interpretam equivocadamente as normas constitucionais referidas. Não se pretende, neste trabalho, de maneira alguma, minimizar a importância do desenvolvimento econômico e social para uma vida digna. No entanto, da leitura do capítulo que trata exclusivamente do meio ambiente, na Carta de 1988, em especial do caput do art. 225, resta incontestável que se está diante de um direito difuso e coletivo, classificado como bem de uso comum do povo, e sua defesa constitui uma imposição constitucional ao Poder Público e à coletividade; ademais, em qualquer decisão devem-se sopesar interesses presentes e que preservem a vida para as gerações futuras. Por sua vez, é no capítulo da ordem econômica que o constituinte alerta para a inclusão da defesa do meio ambiente como um de seus princípios, estando, portanto, a ordem econômica vinculada aos ditames da proteção ambiental.

Em processos de licenciamento ambiental, o agente público deve pautar-se por decisões sustentáveis, sempre optando pelas escolhas das melhores técnicas e do menor impacto socioambiental, impondo todas as medidas necessárias à preservação, reparação e, caso necessário, recuperação dos efeitos adversos sobre o meio ambiental natural, antropológico e sociocultural. Todavia, nos casos extremos, em que não existam tecnologias disponíveis à garantia da preservação do meio ambiente, ou em que os danos sociais e ambientais sejam superiores ao desenvolvimento econômico, o interesse público coloca-se no sentido do indeferimento da licença para a atividade econômica, ante a impossibilidade de impor medidas mitigadoras.

Ao se referir à tomada de decisões dos agentes responsáveis pela concessão de licenças ambientais, Krell (2008, p. 7KRELL, A. J. Licença ou autorização ambiental? Muita discussão em torno de um falso dilema. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 49, p. 56-72, jan.-mar. 2008.) acentua que “os critérios para o correto exercício de tal opção legislativa deveriam ser o grau de afetação dos direitos fundamentais no caso concreto, bem como o nível de periculosidade e nocividade social das respectivas obras e atividades a serem licenciadas”.

Ao pensar, inclusive, no conceito de desenvolvimento sustentável, pautado pela justiça intergeracional, aceitar impactos significativos ao meio ambiente no presente, em nome do desenvolvimento, é agir contrário ao próprio princípio constitucional. Ademais, o próprio empreendedor e o agente público responsável pela decisão administrativa estão obrigados, por imperativo da ordem jurídica, a priorizar a proteção e a preservação do meio ambiente em todas as suas acepções, mas somente haverá sustentabilidade se houver compatibilização das necessidades sociais e econômicas do ser humano, com a preservação do meio ambiente (SIRVINSKAS, 2013SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.).

Sustentando sua narrativa, Bim (2020BIM, E. F. Licenciamento ambiental.5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020.) defende, ainda, a impossibilidade de o Judiciário e o Ministério Público interferirem na decisão administrativa do processo de licenciamento ambiental, por se tratar a licença de um ato administrativo discricionário que não admite intervenção no mérito administrativo. Defende, ainda, que nem mesmo outros entes federados com interesse no processo de licenciamento podem interferir na decisão do órgão competente relativa ao processo de licenciamento ambiental.

Mais uma vez se discorda do autor, afinal, o Judiciário não pode substituir as decisões no mérito administrativo, ou seja, as razões de oportunidade e conveniência que determinaram o ato, mas não há qualquer impeditivo de anulação de atos discricionários no aspecto de sua legalidade (SCATOLINO; CAVALCANTE FILHO, 2020SCATOLINO, G; CAVALCANTE FILHO, J. T. Manual didático de Direito Administrativo. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020.). Nesse contexto, é imperativo do sistema a existência de condutas condizentes com a proteção ambiental, tanto pelos objetivos da PNMA quanto pelas disposições constitucionais, em especial os princípios da prevenção (precaução), do desenvolvimento sustentável, do equilíbrio ecologicamente equilibrado, do limite, do poluidor pagador, da proibição do retrocesso e da responsabilidade socioambiental.

Por fim, deve-se sempre buscar o equilíbrio entre os interesses em jogo numa decisão em processo administrativo de licenciamento ambiental e a determinação de condicionantes, a mitigação e a recuperação dos danos e fiscalização periódica das atividades licenciadas, podendo perder a licença concedida aquele que descumpre a legislação e as condições impostas.

Considerações finais

Ao perpassar pela análise do licenciamento ambiental como um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, constata-se sua relevância para a concretização dos direitos prometidos pela Constituição Federal, pois o instrumento tem potencial capacidade de consolidar decisões e arranjos sustentáveis no desenvolvimento econômico e social do país.

Por suas características (objeto amplo e complexo traduzido na análise de impactos ambientais e sociais de um empreendimento; capacidade de articulação de atores e entidades; aberturas múltiplas para a participação social; soluções formatadas mediante condicionantes etc.), o licenciamento ambiental pode ser considerado um processo estrutural administrativo, voltado mais à prevenção do que à correção de danos e impactos.

Ressaltando ser dever de todos proteger os interesses ambientais, mister se faz buscar um espaço democrático e concertado entre os atores na gestão do meio ambiente, cabendo à Administração Pública, responsável pela implementação de políticas públicas concretizadoras de direitos fundamentais, delinear um caminho que se adapte ao contexto participativo e dialógico. O licenciamento ambiental tem esse condão, se bem aplicado e conduzido pela Administração Pública, mas, infelizmente, a literatura especializada indica que a prática do licenciamento ambiental em alguns estados brasileiros é permeada por baixa transparência e deficiente dialogicidade (DUCATTI, 2019DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.).

Deve-se evitar o tratamento dogmático dos atos praticados no licenciamento ambiental como meros exercícios de discricionaridade da Administração Pública. Se pensados como atos encadeados processualmente e procedimentalmente alinhados com uma política pública bem definida, tais atos apresentam reduzido grau de discricionariedade, mesmo que sejam executados em meio a complexidades consideráveis, questões que não podem ser confundidas. Ademais, nem na tomada de decisão por conveniência e oportunidade (mérito) o agente público pode se afastar da legalidade e, portanto, deve sempre ter como foco: (a) a imposição constitucional de ser defensor do meio ambiente; (b) a obrigação de garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado como essencial à sadia qualidade de vida, o que seria o caminho para uma vida digna; (c) compreender que se está diante de um bem de natureza difusa e coletiva, então qualquer decisão tem de ser pautada no melhor interesse para todos ou para o maior número de pessoas; e (d) há um compromisso de que suas decisões sejam ponderadas com respeito aos interesses presentes e futuros.

Nesse interim, é importante a leitura dos instrumentos postos à disposição da defesa e proteção do meio ambiente, em consonância com a ordem constitucional em vigor, mantendo-se inalterada a importância e a autonomia do Direito Ambiental e a busca por melhores técnicas e tecnologias que atendam aos interesses de toda a humanidade. Nesse contexto, há a necessidade de propiciar uma constante consciência ecológica, uma melhor compreensão do desenvolvimento sustentável e, afirma-se, por oportuno, que o licenciamento ambiental é considerável instrumento a favor da defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, sugere-se que os estudos sobre o instrumento do licenciamento ambiental avancem no sentido de aperfeiçoar soluções para a proteção do meio ambiente e a garantia do desenvolvimento sustentável, com fortalecimento da compreensão sobre a responsabilidade que a todos está imposta, com fulcro no desenvolvimento de políticas públicas transparentes e participativas de toda a sociedade. Ademais, espera-se que a falta de normas específicas e confiáveis possa ser solucionada por meio da promulgação de uma lei complementar, nos termos do art. 23, parágrafo único, da CF, estabelecendo normas que estejam em conformidade com os princípios constitucionais e ambientais, de acordo com o ordenamento jurídico.

É preciso avançar em estudos críticos sobre a prática do licenciamento ambiental no Brasil, para que todo o potencial do instrumento não acabe por depreciar-se em ocorrências meramente simbólicas, em uma regulamentação álibi (NEVES, 2018NEVES, M. Constituição e Direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro. []São []Paulo: Martins Fontes, 2018[.]), ou, ainda, em um sucedâneo do contemporâneo fenômeno do constitucionalismo do espetáculo (ASSIS; COELHO, 2017ASSIS, A. N.; COELHO, S. P. C. Um constitucionalismo do espetáculo? Espetacularização das políticas públicas e ineficiência do controle jurídico-constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 115, p. 541-584, 2017.).

Referências

  • ASSIS, A. N.; COELHO, S. P. C. Um constitucionalismo do espetáculo? Espetacularização das políticas públicas e ineficiência do controle jurídico-constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 115, p. 541-584, 2017.
  • BIM, E. F. Licenciamento ambiental.5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
  • BINENBOJM, G. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
  • BITENCOURT NETO, E. Concertação administrativa interorgânica: direito administrativo e organização no século XXI. Lisboa: Almedina, 2017.
  • BOURGES, F. S. Administração Pública dialógica: em busca da concretização isonômica de direitos fundamentais sociais. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, v. 5, n. 1, p. 29-53, jan./jun. 2018.
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 001, de 23 de janeiro de 1986. Brasília, DF: Conama, [1986]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/RE0001-230186.PDF Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/RE0001-230186.PDF
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 009, de 3 de dezembro de 1987. Resolve que a audiência pública referida na resolução/conama/n. 001/86, tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido rima, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Brasília, DF: Conama, [1987]. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=94201 Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=94201
  • BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Brasília, DF: Conama, [1997]. Disponível em: https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237 Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://conama.mma.gov.br/?option=com_sisconama&task=arquivo.download&id=237
  • BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 16 out. 2023.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • BRASIL. Decreto n. 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1990]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm
  • BRASIL. Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília, DF: Presidência da República, [2011]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm
  • BRASIL. Lei n. 6.938, de 31de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, [1981]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm Acesso em: 15 out. 2023.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm
  • BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Caderno de Licenciamento Ambiental. Brasília, DF: MMA, 2009. Disponível em: https://www.bibliotecaagptea.org.br/administracao/educacao/livros/CADERNO%20DE%20LICENCIAMENTO%20AMBIENTAL%20MINISTERIO%20DO%20MEIO%20AMBIENTE.pdf Acesso em: 15 out. 2023.
    » https://www.bibliotecaagptea.org.br/administracao/educacao/livros/CADERNO%20DE%20LICENCIAMENTO%20AMBIENTAL%20MINISTERIO%20DO%20MEIO%20AMBIENTE.pdf
  • CAPPELLI, S. Desformalização, desjudicialização e autorregulação: tendência no Direito Ambiental? Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 63, p. 69-99, jul.-set./2009.
  • CATTONI DE OLIVEIRA, M. Contribuições para uma teoria crítica da constituição. 2. ed. Belo Horizonte: Conhecimento, 2021.
  • COELHO, S. O. Reconhecimento, experiência e historicidade: considerações para uma compreensão dos direitos humanos fundamentais como (in)variáveis principiológicas do Direito nas sociedades democráticas contemporâneas. In: SOBREIRA FILHO, E. F.; FARIAS, J. F.; OLIVEIRA JR., J. A. de. Filosofia do Direito. Florianópolis: Conpedi/FUNJAB, 2012. p. 289-310.
  • COELHO, S. P. C.; ARAÚJO, A. F. G. de A sustentabilidade como princípio constitucional sistêmico e sua relevância na efetivação interdisciplinar da ordem constitucional econômica e social: para além do ambientalismo e do desenvolvimentismo. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, Uberlândia, v. 39, p. 261-291, 2011.
  • DUCATTI, T. Licenciamento ambiental de empreendimentos minerários de grande porte no estado de Goiás na perspectiva de proteção dos direitos humanos: um diagnóstico da experiência goiana de regulação dos impactos socioambientais nos processos de licenciamento. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019.
  • FAINGUELERRNT, M. B. A trajetória histórica do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. XIX, n. 2, p. 247-266, 2016.
  • FARIAS, T. Licenciamento Ambiental: aspectos teóricos e práticos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
  • FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
  • HACHEM, D. W. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jul. 2013.
  • JUSTEN FILHO, M. Conceito de interesse público e a personalização do direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 26, p. 115-136, 1999.
  • KRELL, A. J. Licença ou autorização ambiental? Muita discussão em torno de um falso dilema. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 49, p. 56-72, jan.-mar. 2008.
  • MOREIRA NETO, D. F. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
  • NEVES, M. Constituição e Direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro. []São []Paulo: Martins Fontes, 2018[.]
  • RAMIRES, C. C. Licenciamento ambiental: entrave ou referência de sustentabilidade. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 10, n. 2, 2015. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/view/7484 Acesso em: 16 out. 2023.
    » https://periodicos.univali.br/index.php/rdp/article/view/7484
  • REI, F.; LIMA, M. I. L, S. Licença Ambiental em debate. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1041, p. 77-92, 2022.
  • SALVADOR, A. V. A. Manual prático de licenciamento ambiental. Dissertação (Mestrado em Ecologia) – Programa de Mestrado Profissional em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, 2013. Disponível em: https://www.escas.org.br/download/produtos-finais/bahia- Acesso em: 16 out. 2023.
    » https://www.escas.org.br/download/produtos-finais/bahia-
  • SCATOLINO, G; CAVALCANTE FILHO, J. T. Manual didático de Direito Administrativo. 8. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020.
  • SIRVINSKAS, L. P. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
  • STRECK, L. Verdade e consenso: constituição hermenêutica e teorias discursivas; possibilidade e necessidade de respostas corretas em direito. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2007.
  • Como citar este artigo (ABNT):
    COELHO, S. O. P.; SILVA, T. D. O.; SERAFIM, D. H. A. Licenciamento ambiental na ótica do constitucionalismo contemporâneo: potenciais do instrumento para um papel estrutural na Política Nacional de Meio Ambiente. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 20, e202548, 2023. Disponível em: http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/2548. Acesso em: dia mês. ano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2023
  • Aceito
    26 Out 2023
Editora Dom Helder Rua Álvares Maciel, 628, Bairro Santa Efigênia, , CEP: 30150-250, Tel. +55 (31) 2125-8836 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: veredas@domhelder.edu.br