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Da teoria de Chantal Mouffe à prática democrática boliviana: o pluralismo como horizonte

From Chantal Mouffe theory to Bolivian democratic practice: the pluralism as horizon

Resumo

A teoria democrática de Chantal Mouffe apresenta críticas aos modelos tradicionais liberais (que trazem enraizadas as características modernas de universalismo e individualismo), contribuindo para a criação de um novo modelo democrático: a democracia radical ou pluralista. A partir da referida teoria e, considerando o novo constitucionalismo latino-americano e as contribuições democráticas trazidas com ele, pretende-se, no presente trabalho, responder ao seguinte problema de pesquisa: o pluralismo, a partir da teoria democrática de Chantal Mouffe, pode ser observado na prática democrática boliviana? A partir do método dedutivo, bem como das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, busca-se verificar os principais elementos comuns encontrados na teoria democrática de Chantal Mouffe e na prática democrática da Bolívia, desde o processo constituinte instituído em 2007, bem como com a promulgação da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, em 2009. Pretende-se analisar, em um primeiro momento, a teoria da democracia radical ou pluralista de Chantal Mouffe, bem como as contribuições e críticas trazidas na referida teoria, verificando-se como o elemento “pluralidade” é considerado em tal concepção. Na segunda parte do trabalho, verifica-se o sistema democrático boliviano, em momento pré e pós a promulgação da Constituição de 2009, analisando-se, especialmente, os elementos “plurinacionalidade” e “pluralismo jurídico-cultural”. A partir dessas análises, pretende-se observar se a prática boliviana, a partir do elemento “pluralismo” (plurinacionalidade e pluralismo cultural-jurídico), corresponde à concepção teórica da democracia radical ou pluralista indicada por Chantal Mouffe.

Palavras-chave:
Democracia Radical; Pluralismo; Plurinacionalidade

Abstract

Democratic theory of Chantal Mouffe presents criticism of liberal traditional models (that bring rooted the modern features of universalism and individualism), contributing to the creation of a new democratic model: radical democracy or pluralist. From this theory and considering the new Latin-American constitutionalism and democratic contributions brought with him, it is intended, in this work, answer the following research problem: the pluralism, from the democratic theory of Chantal Mouffe, can be observed in the Bolivian democratic practice? From the deductive method, as well as the techniques of bibliographical and documentary research, seeks to check the main common elements found in democratic theory of Chantal Mouffe and democratic practice in Bolivia, since the constituent process instituted in 2007, as well as the enactment of the Constitution of Plurinational State of Bolivia, in 2009. Is intended to analyze, at first, the theory of democracy radical or pluralist of Chantal Mouffe, as well as the contributions and criticisms brought about in this theory, checking how the element “plurality” is considered in such a conception. In the second part, check the Bolivian democratic system, since the establishment of the Constituent Assembly in 2007, until the enactment of the Bolivian Constitution, in 2009, analyzing, especially, the plurinationality and juridical-cultural pluralism elements. From these analyzes, it is intended observe the Bolivian practice, with pluralism element (plurinationality and cultural juridical pluralism), It corresponds to the theoretical conception of radical or pluralist democracy indicated by Chantal Mouffe.

Keywords:
Radical Democracy; Pluralism; Plurinationality

1 Introdução

A modernidade possui duas características principais, que permeiam toda a concepção clássica de Estado, Direito e Democracia: o universalismo e o individualismo. A maioria dos modelos democráticos são, também, modelos liberais, incorporando, portanto, os referidos elementos (característicos da modernidade) em suas práticas democráticas.

A teoria democrática de Chantal Mouffe apresenta críticas aos modelos tradicionais liberais e contribui para a criação de um novo modelo democrático: a democracia radical ou pluralista. Ao contrário das demais teorias democráticas, Mouffe traz a pluralidade/diversidade para dentro da teoria proposta, na qual afasta a ideia de universalismo.

A teoria democrática de Mouffe apresenta a pluralidade como elemento imprescindível para um ideal de democracia, eis que intrínseco à sua própria essência. A teoria de Mouffe pretende demonstrar ser impossível alcançar qualquer consenso político ou acordo nas relações sociais, na medida em que, para essa autora, o conflito, a diferença, a pluralidade, são elementos intrínsecos à própria ideia de democracia.

A intenção de se afastar as “diferenças” e se tentar encontrar um “consenso” nas relações sociais acaba se tornando, portanto, uma das principais críticas de Mouffe às teorias democráticas dominantes no campo da filosofia política. Mouffe indica que há uma ilusão na concepção de que um “consenso político” inibiria as tensões decorrentes das relações sociais, sendo que a teoria na qual se pretende tal “resultado final” seria uma “utopia liberal”, que esconderia, em verdade, uma pretensão de hegemonia dos interesses de determinados grupos detentores de poderes políticos e econômicos.

A partir da referida teoria e das contribuições democráticas trazidas pelo Novo Constitucionalismo Latino-Americano1 1 “[...] el nuevo constitucionalismo va más allá y entiende que, para que tenga efectiva vigencia el Estado constitucional no basta con la mera comprobación de que se ha seguido el adecuado procedimiento constituyente y que se han generado mecanismos que garantizan la efectividad y normatividad de la Constitución. Defiende que el contenido de la Constitución debe ser coherente con su fundamentación democrática, es decir que debe generar mecanismos para la directa participación política de la ciudadanía, debe garantizar la totalidad de los derechos fundamentales incluidos los sociales y económicos, debe establecer procedimentos de control de constitucionalidade que puedan ser activados por la ciudadanía y debe generar reglas limitativas del poder político, pero también de los poderes sociales, económicos o culturales que, producto de la Historia, también limitan el fundamento democrático de la vida social y los derechos y libertades de la ciudadanía. Pues bien, ese nuevo constitucionalismo teórico ha encontrado su plasmación, com algunas dificultades, en los recientes procesos constituyentes latinoamericanos llevados a cabo en Venezuela, Bolivia y Ecuador. Al menos, en cuanto a la fundamentación de la Constitución. Está por ver si también se consigue llevar a la práctica todo lo diseñado en esos textos constitucionales con respecto a su efectividad y normatividad. Aunque comienzan a percibirse distorsiones importantes que pueden volver a frustrar un intento de recuperación integral de una teoria democrática de la Constitución. Estos procesos con sus productos, las nuevas constituciones de América Latina, conforman el contenido del conocido como nuevo constitucionalismo latino-americano”. VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rúben. Aspectos generales del nuevo constitucionalismo latino-americano. In: ÁVILA LINZÁN, Luis Fernando. Política, Justicia y Constitución. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2012, p. 163/164. , pretende-se, no presente trabalho, responder ao seguinte problema de pesquisa: o pluralismo, a partir da teoria democrática de Chantal Mouffe, pode ser observado na prática democrática boliviana?

A partir do método dedutivo, bem como das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, busca-se, no desenvolvimento deste estudo, demonstrar-se os principais elementos comuns encontrados na teoria democrática de Chantal Mouffe e na prática democrática da Bolívia, desde o processo constituinte instituído em 2007, bem como com a promulgação da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, em 2009.

Num primeiro momento, analisa-se a teoria da democracia radical ou pluralista de Chantal Mouffe, bem como as contribuições e críticas trazidas na referida teoria, verificando-se de que forma o elemento “pluralidade” é considerado nessa concepção.

Na segunda parte do trabalho é estudado o sistema democrático boliviano, com relação ao período anterior à instituição da Assembleia Constituinte, bem como em momento posterior à promulgação da Constituição boliviana de 2009, verificando-se, especialmente, os elementos Plurinacionalidade e Pluralismo Jurídico-Cultural2 2 “[...] o Pluralismo Jurídico surge como forma de denunciar a ineficiência das instituições estatais que não são capazes de responder às demandas sociais de maneira que o Direito estatal se torne inacessível àqueles que compõe as margens da Sociedade. Não se pode acreditar que o ‘contrato social’ abrange os interesses de toda a Sociedade e que as normas coercitivas do Estado são legítimas somente pelo fato de advirem do Estado, sem que contemple a todos e promova a igualdade”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; SIGNOR, Giulia. As vozes do sul: perspectivas multiculturais pelo pluralismo jurídico e o novo constitucionalismo latino-americano. In: ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino (orgs.). Pluralismo jurídico e direito das culturas: ensaios. Porto Alegre: Editora Fi, 2016, p. 56. .

A partir dessas análises, verifica-se se a prática boliviana, com o elemento pluralismo (plurinacionalidade e pluralismo cultural-jurídico), corresponde à concepção teórica da democracia radical ou pluralista proposta por Chantal Mouffe.

2 O pluralismo a partir da teoria democrática de Chantal Mouffe

O nascimento da Modernidade pode ser considerado, segundo Mascaro3 3 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 18. , com o rompimento do período medieval. Nessa linha de pensamento, pode-se observar algumas marcas desse período histórico, como o surgimento e a consolidação do Capitalismo4 4 Sob o ângulo da Filosofia Política, a categoria designa um sistema “[...] econômico-social caracterizado pela liberdade dos agentes econômicos – livre iniciativa, liberdade de contratar, propiciando o livre mercado – e pelo desenvolvimento dos meios de produção, sendo permitida a propriedade particular destes. Quem aciona os meios de produção (quem trabalha) em regra não os detém”. OLIVEIRA, Daniel Almeida. Capitalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010, p. 85. , bem como a exaltação do individualismo – que surge justamente a partir da concepção burguesa da propriedade privada.

A teoria filosófica a partir Idade Moderna atenta para novos imperativos: fim dos feudos, expansão do comércio, das grandes navegações, da união dos territórios, das relações sociais mais complexas, entre outros. Conforme explica Mascaro5 5 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 19-20. , as tradicionais explicações medievais do poder divino e humano cedem lugar a uma compreensão que busca ser realista na análise do papel e na ação do governante, ou seja, as explicações teológicas perdem sua força diante da racionalidade dos princípios políticos.

De acordo com o mencionado autor6 6 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 20. , durante esse período histórico a burguesia buscava as liberdades, principalmente para negociar, sendo que vai ser na política que esta classe veio a encontrar tais liberdades. É partir das concepções advindas das lutas burguesas, portanto, que se tem o destaque aos direitos individuais, configurando mais uma das importantes características da Modernidade.

Já Silva7 7 SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 37-38. entende que o momento máximo da Modernidade, ou melhor, o momento ápice dos movimentos que lhe deram origem, ocorre no ano de 1492. Segundo o autor8 8 SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 37-38. , ao citar Enrique Dussel, foi a partir desse momento em que houve o confronto entre o europeu e aqueles que não lhe eram semelhantes, o Outro.

Segundo Silva9 9 SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 38. , o “encobrimento do outro” pode ser considerado o símbolo da Modernidade e o ano de 1492 pode ser considerado esse marco, eis que foi “[...] o ano da “Conquista da América”, por Colombo, bem como o ano em que os Reis Católicos da Europa ocuparam a cidade de Granada, último reduto muçulmano do continente europeu”.

Mostra-se importante essa introdução para explicar que o universalismo e o individualismo – talvez as principais marcas da Modernidade – são também características dos atuais modelos democráticos liberais. A teoria de Chantal Mouffe analisa a teoria democrática liberal no campo da filosofia política para trazer suas críticas e contribuições para a construção de um novo modelo de democracia: radical ou pluralista.

Na obra de Mouffe10 10 “A reformulação do projeto democrático em termos de democracia radical exige a desistência do universalismo absctracto do iluminismo quanto à indiferenciação da natureza humana. Embora o surgimento das primeiras teorias da democracia moderna e do indivíduo como titular de direitos fosse possibilitado por esses mesmos conceitos, eles tornaram-se hoje o principal obstáculo à futura expansão da revolução democrática. Os novos direitos que hoje são reclamados são expressão de diferenças cuja importância só agora começa a ser afirmada e deixaram de ser direitos que possam ser universalizados. A democracia radical exige que reconheçamos a diferença – o particular, o múltiplo, o heterogêneo -, tudo o que, na realidade, tenha sido excluído pelo conceito abstracto de homem. O universalismo não é rejeitado, mas particularizado; o que é necessário é um novo tipo de articulação entre o universal e o particular”. MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Tradução de Ana Cecília Simões. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 27. - O regresso do político –, a autora inicia o texto trazendo algumas críticas às democracias liberais modernas, as quais pregam um “modelo” a ser seguido pelo restante do mundo. Segundo a autora11 11 MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 26-27. , esses modelos democráticos surgem marcados por vieses machistas, eurocêntrico, individualista, dentre outras marcas do pensamento liberal.

Conforme referido anteriormente, o pensamento liberal traz consigo a imposição de valores, sugerindo a utilização de um modelo universalista, como se o seu modelo pudesse ser considerado o modelo “ideal” para todos os países. Para Mouffe12 12 MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 24-27. , esse ideário universalista promove uma “agonia” da política. Nesse sentido, o grande problema do ideário universalista liberal é a incapacidade de reconhecer a diversidade como elemento principal de aperfeiçoamento da convivência humana.

A teoria de Chantal Mouffe denota que a diversidade é característica própria, nuclear da democracia. Segundo Tavares e Cunha13 13 “[...] Para ela, o pensamento liberal atual é incapaz de compreender a natureza do político, seu caráter antagônico, e essa incapacidade coloca em risco a própria política democrática. É por este motivo que sua teoria defende a legitimação do conflito e a valorização do dissenso. Ela discorda profundamente das teorias liberais que tentam evitar o antagonismo através de uma espécie de consenso racional. Este consenso, na verdade, nada mais é do que a representação de um discurso hegemônico, que se estabilizou no poder e excluiu aqueles que pensavam de forma diferente. A ideia de que o consenso racional seja uma solução final para os problemas sociais é uma fantasia. E é nesse sentido que Mouffe critica a teoria de Rawls.”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171. , Mouffe entende que o pensamento liberal é incapaz de compreender o significado do “político”, em seu caráter antagônico, conflituoso, decorrente da natureza da práxis democrática.

Mouffe14 14 MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 17. explica que se mostra impossível a ausência de diferenças no mundo, que o desafio é justamente a manutenção de uma democracia pluralista. Nesse modelo de democracia radical, a autora defende que deve ser mantida a figura do “adversário” ao invés do “inimigo”, reconhecendo a existência de conflitos próprios da democracia. Nesse caso, “[...] Um adversário é um inimigo legítimo, um inimigo com quem temos em comum uma adesão partilhada aos princípios ético-políticos da democracia. [...]”15 15 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 16. .

Dentre as questões apontadas por Mouffe16 16 “[...] Caracterizado pelo racionalismo, pelo individualismo e pelo universalismo abstrato, este tipo de teoria deve necessariamente permanecer cego à natureza do político e à inerradicabilidade do antagonismo. Na verdade, o termo “político” está cada vez mais presente na filosofia liberal, mas o domínio do político é sempre tratado por uma abordagem individualista e racionalista que o reduz ou ao econômico ou ao ético. Como conseqüência, a dinâmica da constituição dos sujeitos coletivos e o papel crucial desempenhado pelas paixões e antagonismos neste campo não podem ser apreendidos. Aí reside a explicação para a impotência da maioria dos liberais para oferecer respostas adequadas aos problemas em curso”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 12. em sua teoria, uma que se destaca é a tentativa – dos pensadores liberais – em reduzir o político ao econômico ou ético. Mouffe17 17 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 12. aponta duas questões que podem ser tidas enquanto fatais para a democracia: a) a ilusão do consenso e b) os apelos ao “antipolítico”. Segundo a referida autora18 18 “A ausência de uma fronteira política, longe de ser um sinal de maturidade política, é sintoma de um vazio que pode pôr em perigo a democracia, porque esse vazio proporciona um terreno que pode ser ocupado pela extrema-direita para articular novas identidades políticas antidemocráticas. Quando faltam as lutas políticas democráticas com as quais se identificar, o seu lugar é tomado por outras formas de identificação, de natureza étnica, nacionalista ou religiosa, e o opositor é também definido nesses termos”. MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 16-17. , as lacunas encontradas por movimentos “antipolíticos” ou oportunistas – avessos aos processos democráticos pluralistas, são perigosas para o aperfeiçoamento da democracia, já que favorecem a manifestação de identidades antidemocráticas, que se aproveitam do vazio deixado pelo elemento “político”19 19 Mostra-se importante trazer a diferenciação feita por Mouffe, entre “o político” e “a política”: “Para esclarecer as bases desta visão alternativa, proponho uma distinção entre “o político” e “política”. Por “político” refiro-me à dimensão do antagonismo que é inerente a todas as sociedades humanas, antagonismo que pode assumir formas muito diferentes e emergir em relações sociais diversas. “Política”, por outro lado, refere-se ao conjunto de práticas, discursos e instituições que procuram estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre potencialmente conflituosas,porque afetadas pela dimensão do “político”.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 15. .

A ideia de uma democracia radical e pluralista defendida por Mouffe20 20 CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 174. seria uma reformulação do modelo de projeto socialista, em contraponto ao modelo liberalista burguês pós-moderno. Nesse sentido, a ideia seria tentar evitar as armadilhas do socialismo marxista e do social-democrata, lançando uma ideia na qual tem como objeto dar outro rumo às lutas de esquerda, permeadas pela emancipação social, alinhando com os fundamentos da Psicanálise e Filosofia.

Para tanto, uma das questões abordadas na teoria democrática radical de Mouffe é no que tange às relações de poder. Mouffe21 21 “A abordagem que estou defendendo envolve um deslocamento das relações tradicionais entre democracia e poder. Para a visão habermasiana de “democracia deliberativa”, por exemplo, quanto mais democrática é uma sociedade, menos poder seria constitutivo das relações sociais. Mas se aceitamos que as relações de poder são constitutivas do social, então a questão principal da política democrática não é como eliminar o poder, mas como constituir formas de poder compatíveis com valores democráticos.Admitir a existência de relações de poder e a necessidade de transformá-las, enquanto se renuncia à ilusão de que poderíamos nos livrar completamente do poder, é a especificidade do projeto de “democracia radical e plural” que delineamos em Hegemony and Socialist Strategy.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 14. entende ser uma ilusão a crença de que, quanto menos “poder” possui uma sociedade, mais democrática se torna. Para a autora22 22 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 14. , a forma de transformar o “poder” em algo interessante à democracia é redefini-lo em formas compatíveis com valores democráticos.

Por esse motivo, o pluralismo se apresenta como algo importante para a teoria democrática de Mouffe; enquanto as teorias democráticas liberais tentam afastar o pluralismo, a teoria democrática radical de Mouffe integra-o. A teoria da democracia radial ou pluralista exige, portanto, o reconhecimento da diferença, sendo esse o ponto nodal da teoria de Mouffe. Nenhum cenário ou horizonte democrático é uma genuína expressão de atitude política comprometida com a paz na medida em que despreza, marginaliza ou elimina qualquer manifestação cultural.

Para Mouffe23 23 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 15. , é impossível uma aplicação de um “consenso racional” – tese defendida pelos teóricos da democracia deliberativa –, eis que a essência da democracia é o conflito, a pluralidade de ideias, o debate, o antagônico. Mouffe24 24 “[...] Quando aceitamos que todo consenso existe como um resultado temporário de uma hegemonia provisória, como uma estabilização de poder que sempre vincula alguma forma de exclusão, podemos começar a encarara natureza de uma esfera pública democrática de um modo diferente. A especificidade da democracia moderna repousa no reconhecimento e legitimação do conflito e na recusa em suprimi-lo pela imposição de uma ordem autoritária. Rompendo coma representação simbólica da sociedade como um organismo –característica do modo integracionista de organização social –uma sociedade democrática dá oportunidade para a expressão de interesses e valores conflitantes. A democracia pluralista demanda um certo consenso, mas tal consenso diz respeito apenas aos seus princípios ético-políticos constitutivos.[...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 17. explica que até pode existir um “consenso” nesse modelo de democracia, no entanto, ele é temporário, representa uma “hegemonia provisória”.

Em verdade, Chantal Mouffe25 25 MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 21. acredita que a “moralização” da política significa o seu enfraquecimento, retirando de cena “elementos políticos” que estão na raiz de qualquer processo democrático. Mouffe26 26 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 17. acredita ser impossível se chegar a uma solução final para os problemas sociais, sendo que tal impossibilidade de finitude de embate é própria da democracia.

A autora defende o modelo de democracia radical e pluralista, reconhecendo que a democracia pluralista vive em constante paradoxo na medida em que ela é naturalmente inatingível, ou seja, por ser um processo em contínua construção, a democracia vive num eterno paradoxo porque, no exato momento de sua realização, há sua “desintegração”, eis que inatingível27 27 “Fundamental nesta abordagem é a consciência de que uma democracia pluralista contém um paradoxo: o próprio momento da sua realização seria também o início ela sua desintegração. Deve ser concebida como um bem que só existe como bem enquanto não pode ser alcançada. Portanto, uma tal democracia será sempre uma democracia «futura», uma vez que o conflito e o antagonismo são simultaneamente condição de possibilidade e condição de impossibilidade da sua total realização.”. MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 19. .

Para Mouffe28 28 “Uma democracia em bom funcionamento demanda um embate intenso de posições políticas. Se faltar isso, há o perigo de que a confrontação democrática seja substituída por uma confrontação dentre outras formas de identificação coletiva, como é o caso da política da identidade. Muita ênfase no consenso e a recusa de confrontação levam à apatia e ao desapreço pela participação política. Ainda pior, o resultado pode ser a cristalização de paixões coletivas em torno de questões que não podem ser manejadas [managed] pelo processo democrático e uma explosão de antagonismo que pode desfiar os próprios fundamentos da civilidade.”. MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia.Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 21. , mostra-se imprescindível o “conflito” para o bom desenvolvimento de uma democracia, na medida em que o vazio deixado por esse suposto “consenso político” dá margem para o surgimento de identidades coletivas antidemocráticas ou fundamentalistas.

Ao tentar fazer com que os conflitos desapareçam, neutralizando relações humanas, as teorias democráticas deliberativas permitem, conforme referido anteriormente, que os “espaços” de poder sejam ocupados por interesses unicamente privados, chegando ao resultado completamente diverso daquele proposto pela teoria de John Rawls, por exemplo, conforme bem explicam Tavares e Cunha29 29 “[...] Para Mouffe, portanto, é preciso ressuscitar a filosofia política, reestabelecer o elo entre a ética e a política, estimular os indivíduos a participar ativamente da vida política. Uma democracia fundamentada no agonismo é uma democracia com uma esfera pública vibrante, apaixonante, formada por identidades coletivas com posicionamentos políticos claramente diferenciados. [...]”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 173. .

Na linha de pensamento dos citados autores30 30 CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172. , a teoria de Mouffe traz a diversidade, o pluralismo, o antagonismo, para dentro da democracia, o que faz desse modelo democrático pluralista uma “democracia radical”.

Destaca-se que, segundo Tavares e Cunha31 31 CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172. , a ideia de pluralismo é própria do liberalismo, sendo que Mouffe não nega essa situação e entende que o liberalismo alcançou heranças democráticas importantes, como a igualdade e a liberdade. No entanto, Mouffe entende que essas condições precisam ser aprofundadas, pois igualdade e liberdade somente cumprem os seus objetivos sociais quando são afastados da dimensão econômica do liberalismo.

Dentre as principais marcas das democracias liberais na atualidade, cita-se a transformação dos cidadãos em consumidores políticos na medida em que a democracia está resumida à economia e despida da ética32 32 CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172. , ou seja, se os indivíduos abandonam as questões políticas, não há qualquer forma de relação humana, especialmente quanto ao aperfeiçoamento deste projeto chamado Sociedade33 33 “A sociedade, enquanto fenômeno humano, decorre da associação de homens, da vida em comum, fundada na mesma origem, nos mesmos usos, costumes, valores, cultura e historia. Constitui-se sociedade no e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana; o que implica tanto a experiência da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da conflitividade. Organização e caos são pólos complementares de um mesmo movimento – dialético – que dá dinamismo à vida da sociedade”. DIAS, Maria da Graça dos Santos. Sociedade. In: BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010, p. 487. . Essa situação evidencia o quão ligado ao liberalismo econômico está o liberalismo político – uma das principais críticas aos modelos democráticos liberais, que não foram capazes de estabelecer essa desconexão.

A condição de cidadão trazida pela teoria da democracia radical se mostra bastante importante, na medida em que compreende que o cidadão não é apenas aquele portador de direitos individuais. Tavares e Cunha34 34 “[...] Contra esta forma de abstratização do indivíduo, Mouffe propõe uma desuniversalização dos sujeitos políticos. Segundo ela, a pós-modernidade (a psicanálise em especial), demonstrou que o elemento social é fragmentado, o sujeito não é um só, mas vários. Uma multiplicidade deposições de sujeito, exercendo diferentes situações na sociedade, onde cada uma dessas diferentes posições podem se transformar em novos antagonismos. Nesta realidade, a cidadania deve ser representada não pela capacidade de cada indivíduo racional realizar a sua própria ideia de bem, mas sim pela adesão a um conjunto de princípios políticos característicos da tradição democrático-liberal: os princípios da liberdade e da igualdade para todos. Para Mouffe, portanto, a cidadania deve ser encarada não como um estatuto legal, uma declaração de direitos, mas sim como uma identidade política entre as diferentes posições de sujeito, um princípio articulador entre as diversas lutas democráticas (antirracismo, antisexismo e anticapitalismo, por exemplo), formando as chamadas identidades coletivas10 (Mouffe, 1996, p. 95).” (p. 173)”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD).São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 173. referem, a partir do pensamento de Mouffe, que a cidadania deve ser considerada como um “estatuto legal” ou uma “declaração de direito”, na qual a identidade política pode ser observada diante da diversidade de posições de um sujeito.

Mouffe35 35 “[...] Eis porque uma perspectiva como o “pluralismo agonista”, que revela a impossibilidade de estabelecer um consenso sem exclusão, é de fundamental importância para a política democrática. Ao precaver-nos contra a ilusão de que uma democracia perfeitamente bem-sucedida possa ser alcançada, força-nos a manter viva a contestação democrática. Abrir caminho para o dissenso e promover as instituições em que possa ser manifestado é vital para uma democracia pluralista e deve-se abandonar a própria idéia segundo a qual poderia haver um tempo em que pudesse deixar de ser necessário, pois que a sociedade seria a tal ponto bem-ordenada. Uma abordagem “agonística” reconhece os limites reais de tais fronteiras e as formas de exclusão que delas decorrem, ao invés de tentar disfarçá-los sob o véu da racionalidade e da moralidade. Compreendendo a natureza hegemônica das relações sociais e identidades, nossa abordagem pode contribuir para subverter a sempre presente tentação existente nas sociedades democráticas de naturalizar suas fronteiras e “essencializar” as suas identidades. Por essa razão, ele é muito mais receptivo do que o modelo deliberativo à multiplicidade de vozes que as sociedades pluralistas contemporâneas abarcam e à complexidade de sua estrutura de poder.”.MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 21-22. , ao explicar sobre a democracia radical, deixa claro que, quando se ignora o pluralismo e se busca um “consenso”, caminha-se inevitavelmente para a exclusão, na medida em que o referido “consenso” ou “acordo” nunca irão existir. Na visão da autora36 36 “Tal privilégio ao consenso é, na minha visão, prejudicial à democracia porque tende a silenciar vozes dissidentes, e é por isso que acredito que uma abordagem que revele a impossibilidade de estabelecer um consenso sem exclusão é de fundamental importância para a política democrática. Ao nos alertar contra a ilusão de que uma democracia plena poderia ser instaurada, ela nos força a manter viva a contestação democrática. Uma abordagem democrática “agonística” reconhece a natureza real das suas fronteiras e as formas de exclusão que elas englobam, ao invés de tentar disfarçá-las sob o véu da racionalidade e da moralidade. [...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19. , o privilégio ao “consenso” pode acabar por silenciar ou excluir vozes37 37 “O Pluralismo Jurídico evidencia o cenário multicultural da América Latina. Não é possível que tantas vozes sejam ignoradas, especialmente pelo Direito no seu sentido normativo. A persistência do Monismo Jurídico em detrimento ao Pluralismo demonstra como são plurais as fontes de expressão do Direito. Nenhuma pode ser esquecida ou marginalizada. Em cada local, a Socialidade se manifesta em diferentes papéis e figurinos”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; SIGNOR, Giulia. As vozes do sul: perspectivas multiculturais pelo pluralismo jurídico e o novo constitucionalismo latino-americano. In: ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino (orgs.). Pluralismo jurídico e direito das culturas: ensaios. p. 64. , gerando uma “ilusão”, por isso que o reconhecimento do conflito é importante para a democracia.

Nesse sentido, ao se entender que a pluralidade integra os significados da práxis democrática, busca-se a aproximação dos cidadãos à participação política, ao contrário do pressuposto das democracias deliberativas, que acabam por afastá-los das questões políticas.

Portanto, a teoria da democracia radical ou agonística, a partir da perspectiva do pluralismo, mostra-se a mais sensata alternativa aos modelos democráticos liberais, na medida em que se mostra realista no reconhecimento das diferenças e conflitos inerentes às relações sociais.

Para Mouffe38 38 MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 19. , a construção de um modelo democrático radical é algo interminável, justamente por ser um projeto em eterno aperfeiçoamento. Tavares e Cunha39 39 “[...] Para ela, qualquer modelo que apresente uma solução final para os conflitos da vida em sociedade (como o modelo de Rawls, por exemplo) é fundamentado em um racionalismo que terá como consequência o enfraquecimento da vida política e a destruição da própria democracia. É por este motivo que a democracia radical e plural aceita que a completa realização da democracia é algo ilusório. Seu objetivo é restituir dignidade à política e lutar pelo aprofundamento da revolução democrática, mas dentro de um processo que, na verdade, é interminável. E, exatamente por este motivo, exige a constante articulação entre os grupos que lutam pelos direitos democráticos, permitindo a formação de uma nova hegemonia de esquerda, com condições de enfrentar o projeto hegemônico liberal-conservador.”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 174. referem que, para essa autora, a teoria que apresente uma “solução final” para os conflitos decorrentes das relações sociais, é uma teoria na qual pretende esvaziar o fundamento político e enfraquecer a própria democracia, pois, conforme amplamente demonstrado, para Mouffe, inexiste sociedade democrática sem conflitos, sem diferenças, sem antagonismos.

No entanto, Mouffe40 40 “[...] Enquanto muito poucos ousam desafiar abertamente o modelo liberal-democrático, os sinais de desapreço pelas atuais instituições estão-se tornando generalizados. Um número crescente de pessoas vêm sentindo que os partidos tradicionais deixaram de atender a seus interesses e partidos de extrema-direita estão fazendo importantes incursões em muitos países europeus. Além disso, mesmo entre aqueles que estão resistindo ao apelo dos demagogos, persiste um cinismo acentuado sobre a política e os políticos – com seus muitos efeitos corrosivos sobre a adesão popular aos valores democráticos. [...]”. MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 11. alerta para a ínfima parte dos teóricos que ousam desafiar os modelos democráticos liberais, bem como para as consequências nefastas às democracias das sociedades contemporâneas diante desse contexto. A partir do esvaziamento do “político”, as sociedades contemporâneas se segregam, se tornam indiferentes e, paulatinamente, de valores democráticos cedem espaço para os partidos e identidades coletivas de extrema-direita41 41 “[...] É por isso que os discursos sobre o “fim da política” ou sobre a necessidade de ir para além da esquerda e da direita em direção a uma “terceira via” deveriam ser repelidos. A obscuridade das fronteiras entre direita e esquerda que temos presenciado nas sociedades ocidentais, e que é freqüentemente apresentada como um signo do progresso e da maturidade, é, em minha opinião, uma das mais claras manifestações da fraqueza da esfera pública política. É também a origem do crescente sucesso dos partidos de direita populistas. [...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 20. , o que denota um contexto extremamente perigoso ao surgimento de práticas antidemocráticas e, pior, aceitas pelos indivíduos. Eis a expressão contemporânea de nossa cegueira moral42 42 “Com a negligencia moral crescendo em alcance e intensidade, a demanda por analgésicos aumenta, e o consumo de tranquilizantes morais se transforma em vício. Portanto, a insensibilidade moral induzida e maquinada tende a se transformar numa compulsão ou numa ‘segunda natureza’, uma condição permanente e quase universal – com a dor moral extirpada em consequência de seu papel salutar como instrumento de advertência, alarme e ativação. Com a dor moral sufocada antes de se tornar insuportável e preocupante, a rede de vínculos humanos composta de fios morais se torna cada vez mais débil e frágil, vindo a se esgarçar. Com cidadãos treinados a buscar a salvação de seus contratempos e a solução de seus problemas nos mercados de consumo, a política pode (ou é estimulada, pressionada e, em última instância, coagida a) interpelar seus súditos como consumidores, em primeiro lugar, e só muito depois como cidadãos; e a redefinir o ardor consumista como virtude cívica, e a atividade de consumo como a realização da principal tarefa de um cidadão”. BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 24. .

Por essas razões é que a autora revela que a democracia sempre deve ser tida como frágil, sendo necessária a sua defesa constante, intransigente. Segundo Mouffe43 43 MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19. , o processo democrático deve ser saudável, a ponto de evitar conflitos que o coloquem em risco. No entanto, é imprescindível que exista, em certa medida, o conflito, a diferença, o antagonismo, os adversários, pois, ao existirem esses elementos, pressupõe-se que a democracia vive, se aperfeiçoa, defende-se e abriga a pluralidade das diferenças culturais.

As críticas apontadas por Mouffe aos modelos liberais são necessárias para o amadurecimento e fortalecimento da democracia. Talvez um dos aspectos mais interessantes da teoria democrática apresentada pela autora seja a denúncia daquilo que a democracia é em detrimento ao que deve ser, especialmente a partir de ideologias44 44 “[...] ideologias são ideias situacionalmente transcendentes que jamais conseguem de facto a realização de seus conteúdos pretendidos. [...] Embora se tornem com frequência motivos bem-intencionados para a conduta subjetiva do indivíduo, seus significados, quando incorporados efetivamente à prática, são, na maior parte dos casos, deformados”. MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 218. que segregam. A teoria democrática de Mouffe, ao invés de afastar o pluralismo, ou “encobri-lo”, o traz para dentro da própria teoria, justamente por conseguir fazer a leitura correta de que, sem pluralismo, não há democracia. Democracia pressupõe diversidade45 45 “[...] Tal pluralismo está ancorado no reconhecimento da multiplicidade de cada um e das posições contraditórias a que esta multiplicidade subjaz. Sua aceitação do outro não consiste meramente em tolerar as diferenças, mas em celebrá-las positivamente porque admite que, sem alteridade e o outro, nenhuma identidade poderia se afirmar. Este é um pluralismo que valoriza a diversidade e o dissenso e não tenta estabelecer uma esfera pública a partir da sua eliminação, uma vez que reconhece neles a real condição da possibilidade de uma vida democrática a ser conquistada.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19. .

No próximo tópico, analisa-se a experiência do processo constituinte da Bolívia, momento de nascimento do Estado Plurinacional da Bolívia – que tem, dentre seus elementos constitutivos, o pluralismo e a plurinacionalidade.

3 O pluralismo a partir da prática democrática boliviana após a Constituição de 2009

Dentre as heranças da colonização, uma se destaca: o encobrimento do diverso, do diferente, do Outro não branco e europeu. Conforme exposto anteriormente, a Modernidade possui, intrinsecamente, a ideia de uniformização, padronização e, consequentemente, encobrimento; inevitavelmente com viés colonizador. Segundo Sparemberger46 46 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 104. , o período histórico citado proporcionou a perpetuação da lógica da colonialidade, que nada mais é do que a “[...] dominação, controle, exploração, dispensabilidade de vidas humanas, subalternização dos saberes dos povos colonizados, etc. [...]”.

Os países da América Latina vivenciaram tristes momentos com as colonizações, preponderantemente portuguesas e espanholas. Os povos originários não tiveram respeitados seus espaços, territórios, culturas, saberes, ao contrário, tais povos foram obrigados a apagar de suas vidas a sua história.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano carrega consigo diversos elementos inovadores para a teoria da democracia e para a teoria do Estado, na medida em que repensa a própria estrutura do Estado. Dois desses novos e principais elementos são a Plurinacionalidade e o Pluralismo Jurídico, trazidas a partir das constituições do Equador (2008)EQUADOR. Constituición de la República del Ecuador. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso em 29 set 2015.
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e da Bolívia (2009)BOLÍVIA. Constituición Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
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.

No entanto, destaca-se que essas constituições são frutos de lutas sociais que propiciaram a criação de um momento ideal, no sentido de se pensar, lutar e aprovar uma nova constituinte. Conforme aponta Leonel Júnior47 47 LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 97-99. , o contexto histórico das décadas de 80 e 90 propiciou um avanço nas lutas sociais nos países latino-americanos, impulsionadas, inclusive, pela Convenção n.º 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre os povos indígenas e tribais (1989), além das exigências de reformas paliativas do Banco Mundial, bem como a crescida neoliberal.

De acordo com Leonel Júnior48 48 LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 99. , a efervescência social do contexto contribuiu para a ocorrência de situações como a derrubada de alguns presidentes na Bolívia e a eleição de Evo Morales, peça-chave na aprovação da Assembleia Constituinte e a criação da Constituição boliviana de 2009.

Em outras palavras, as lutas sociais e o contexto latino-americano do período foram marcados pela prevalência das ideias plurais e exigência de novos contextos, em que a soberania popular fosse motriz das mudanças paradigmáticas ocorridas a partir dessas novas constituições.

Especialmente na Bolívia, mostra-se relevante destacar o seguinte contexto: a “guerra da água” em 2000; a “guerra do gás” em 2003; deposição de presidentes e; a eleição do líder sindical dos cocaleros, de origem Aymara, Evo Morales, em 2005. Tais situações impulsionaram a eclosão de um processo de reivindicações e mobilizações de movimentos sociais, que acabaram por gerar um terreno propício para a aprovação da Assembleia Constituinte.

O partido político MAS-IPSP (mesmo partido político do presidente Evo Morales) conseguiu maioria parlamentar, sendo que a segunda principal força política no parlamento foi do principal partido de oposição – o PODEMOS (Partido Democrático y Social) –, de acordo com as informações de Leonel Júnior49 49 LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 105. .

Destaca-se que quem presidiu a Assembleia Constituinte naquela ocasião foi Silvia Lazarte, líder feminista e indígena, situação que mostra, por si só, o caminhar de mudanças proporcionado por esse processo. Nesse contexto, verifica-se que o processo constituinte estabelecido naquele país não foi fácil, mas, ao contrário, bastante turbulento.

Segundo Leonel Júnior50 50 LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 111. , em que pese as diversas tensões no decorrer do processo constituinte, em 17 de janeiro de 2007 tem início os trabalhos das vinte comissões estabelecidas, as quais viajam por toda a Bolívia, com a finalidade de receber propostas de distintas organizações e da sociedade civil. Ou seja, a nova Constituição da Bolívia se mostra, desde o seu embrião, fruto da participação popular, ou seja, do pluralismo de valores.

A aprovação do texto constitucional ocorreu, inclusive, através de um referendo popular, onde mais de 90% dos eleitores bolivianos participaram, sendo que 61,43% dos votos foram no sentido de aprovação do texto apresentado, conforme os dados trazidos por Leonel Júnior51 51 LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 114-115. . A partir daquele momento, a Bolívia, em que pese ser um estado unitário, seria, também, plurinacional.

Nessa linha de pensamento, evidencia-se que a prática boliviana está alinhada à teoria de Mouffe, eis que atende aos principais vetores de construção democrática radical: a pluralidade e a participação popular. Ressalta-se que essa prática democrática pode ser observada no contexto histórico latino-americano, que, conforme já referido, pode ter seu início na própria Constituição brasileira, bem como nas constituições do Equador, Venezuela e, agora, com o Chile iniciando as consultas populares para a construção de uma nova constituição.

As mudanças recentes ocorridas (e que ocorrem) nas constituições dos citados países, sob fundamento do pluralismo étnico-jurídico, representam uma mudança paradigmática no que se refere ao modelo de Estado e de sistema de Justiça. A Bolívia, por exemplo, prevê em seu novo texto a criação da Jurisdição Indígena, a qual não está subalterna à Jurisdição Ordinária, ainda que sofra um controle de constitucionalidade, no entanto, também por um Tribunal Plurinacional Constitucional.

O reconhecimento da Plurinacionalidade, enquanto condição fundante do Estado se mostra importante, na medida em que reconhece a existência de vários povos, várias identidades, dentro de um mesmo território. A Plurinacionalidade vem para desvelar as identidades encobertas pelos povos colonizadores, como bem explicam Wolkmer e Fagundes52 52 “No processo da refundação plurinacional do Estado, vale ter presente a condição de pluriculturalidade existente, negada e encoberta pelo processo de colonização, forjada no seio dos interesses patrimoniais das elites dirigentes, em que a fundamentação violenta reformulava-seno tempo para seguir hegemônica. O alto grau de complexidade das relações sociais não pode mais ser sufocado pela racionalidade positiva e reducionista, mas direcionar-se para a racionalidade emancipatória ou, ainda, de libertação, embasada na crítica como movimento de construção da nova realidade edificada por aqueles que sempre tiveram os espaços de poder e decisão negados.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 393-394. .

Nesse mesmo sentido é a crítica trazida por Proner53 53 “A decisão de construir um documento jurídico fundante da sociedade boliviana com o reconhecimento da plurinacionalidade é um fato inovador por sua capacidade de enfrentamento ao modelo de Estado hegemônico (o modelo de Estado-Nação de corte liberal defendido pelos setores sociais conservadores em aliança com os liberais), mas principalmente pela forma que se produziu a mudança, a participação do sujeito coletivo, dos movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e representantes das nações indígenas que jamais participaram significativamente das instituições e instâncias decisórias do Estado (Pacto da Unidade).”. PRONER, Carol. O Estado Plurinacional e a Nova Constituição Boliviana: Contribuições da experiência boliviana ao debate dos limites ao modelo democrático liberal. In: WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucionalismo latino-americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 143-144. , ao referir acerca do necessário enfrentamento ao modelo de Estado hegemônico, fundado no paradigma liberal, cuja única preocupação é manter intactas as relações de poder propostas por esse modelo de Estado. Essa autora demonstra que o reconhecimento da Plurinacionalidade é uma condição necessária de enfrentamento ao modelo de Estado Moderno.

Sparemberger54 54 SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 107. também refere que o modelo tradicional de Estado Moderno é homogeneizador justamente por indicar apenas uma nação, uma cultura, um direito, um exército, uma religião. Nesse passo que o constitucionalismo latino-americano vem trazer importante contribuição na construção e preservação do pluralismo, seja jurídico, seja cultural.

A nova constituição da Bolívia (2009)BOLÍVIA. Constituición Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
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faz o necessário enfrentamento ao modelo de Estado Moderno, que até então propunha, verticalmente, como deveria ser o direito, a democracia, a justiça, a economia, a cultura, dentre outros elementos constitutivos; todas essas noções constitutivas do Estado refletem tão somente o estilo cotidiano eurocêntrico.

A ruptura trazida pela Constituição da Bolívia mostra uma nova forma de se pensar todos os elementos que constituem a noção de um Estado, de forma descolonizadora, pensados a partir da visão da América Latina. De acordo com Wolkmer e Fagundes55 55 “Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em países sul-americanos (Bolívia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lógica liberal-individualista das constituições políticas tradicionalmente operadas, reinventando o espaço público a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisórios. Assim, as novas constituições surgidas no âmbito da América Latina são do ponto de vista da filosofia jurídica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocêntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se, agora, para refundação das instituições, a transformação das idéias se dos instrumentos jurídicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua própria história; quiçá, observa-se um processo de descolonização do poder e da justiça.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378. , as constituições da Bolívia e do Equador nascem da vontade popular, reprimida por tanto tempo, de ver descolonizado o poder e a justiça.

Nesse caso, destaca-se que a população da Bolívia é predominantemente indígena ou mestiça56 56 ALBÓ, Xavier. Justicia indígena em la Bolivia plurinacional. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de; RODRÍGUEZ, José LuisExeni. Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Bolivia. La Paz, Bolívia: Abya Yala, 2012, p. 201: “Asumo que los lectores ya conocen uficientemente la realidad pluricultural de nuestro país, sintetizada e nel 62 por ciento que en el último Censo de 2001 se autoidentificó como perteneciente a alguno de los pueblos indígenas originarios: 31 por ciento quechua, 21 por ciento aymara y otro 6 por ciento perteneciente a alguno de los otros 28 pueblos minoritarios, casi todos en las tierras bajas.” , no entanto, o reconhecimento expresso na Constituição acaba sendo, paradoxalmente, inovador, já que esses povos foram, muitas vezes, excluídos de qualquer processo de reconhecimento de direitos ao longo da história.

A forma como foi estruturada a América Latina pós “descobrimento” culminou em um verdadeiro etnocídio dos povos originários, cuja cultura, direitos e saberes próprios foram violentamente apagados, sendo-lhes imposto um modelo de vida, direito e constituição europeu.

A uniformização trazida a partir do modelo de Estado Moderno cede lugar, finalmente, ao reconhecimento da diferença, da pluralidade. Com o reconhecimento do Estado Plurinacional da Bolívia, observa-se um verdadeiro resgate das bases culturais e de sabedorias as quais estavam, sempre, encobertas.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano, a partir das novas características do Estado Plurinacional da Bolívia e o Pluralismo Jurídico reconhecido no Estado do Equador57 57 Lembrando que apenas a Bolívia se reconhece enquanto Estado Plurinacional, o Equador apenas trouxe para dentro do texto constitucional elementos importantes resgatados da cultura e sabedoria dos povos indígenas, como por exemplo a Filosofia Andina do Buen Vivir. , surge no intuito de atender a uma antiga e urgente necessidade dos povos originários: repensar o modelo de Estado e Direito.

A teoria democrática de Mouffe propõe o reconhecimento do pluralismo, sendo que ao invés de afastar as diferenças, indica-se a necessidade da integração, da incorporação das diferenças aos modelos democráticos. Alguns Estados latino-americanos adicionam a pluralidade aos seus sistemas democráticos, de Estado e de justiça, perfectibilizando, de certa maneira, o sentido de democracia proposto pela teoria de Mouffe.

Importante rememorar que na Conferência Geral da OIT, em 1989, aprovou-se um documento que reconhece as pretensões dos povos indígenas, no sentido de assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida, mantendo e fortalecendo as suas identidades, línguas e religião, dentro do marco dos Estados em que vivem. Outro documento importante foi a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 7 de setembro de 2007, na Assembleia Geral das Nações Unidas. O Art. 3º58 58 O Art. 3º1, da referida Declaração, assim prevê: “os povos indígenas tem o direito a livre determinação. Em virtude desse direito, decidem livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento social e cultural”. , da referida Declaração, prevê o direito à livre determinação dos povos.

A partir dos anos setenta, as principais organizações indígenas iniciaram discussões acerca da formação de estados plurinacionais, em substituição aos estados uninacionais, que se mostravam na perspectiva excludente. Os estados constituídos de forma “uninacional” somente reconhecem a cultura ocidental, promovendo processos de homogeneização e aculturação, contribuindo para a marginalização dos povos indígenas.

Em 2008, o Equador trouxe a questão do Pluralismo Jurídico em seu texto constitucional, visando o reconhecimento e resgate dos direitos e saberes indígenas. No entanto, somente em 2009 que a América Latina teve promulgada a primeira Constituição Plurinacional: a Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia.

Segundo Wolkmer e Fagundes59 59 “Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em países sul-americanos (Bolívia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lógica liberal-individualista das constituições políticas tradicionalmente operadas, reinventando o espaço público a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisórios. Assim, as novas constituições surgidas no âmbito da América Latina são do ponto de vista da filosofia jurídica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocêntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se, agora, para refundação das instituições, a transformação das idéias e dos instrumentos jurídicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua própria história; quiçá, observa-se um processo de descolonização do poder e da justiça.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378. , os movimentos do novo constitucionalismo surgidos para compor o novo cenário na América Latina foram importantes na medida em que provocam verdadeira revolução na lógica europeia imposta a estes países. Agora, constitui-se as bases de modelo de organização social, cultural, política, econômica, científica, tecnológica e jurídica a partir das realidades dessas terras do sul.

Em verdade, esses autores60 60 WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza. indicam a existência de “ciclos” do novo constitucionalismo latino-americano insurgente, sendo que o primeiro ciclo teria iniciado com as Constituições do Brasil (1988) e da Colômbia (1991); o segundo com a Constituição da Venezuela (1999); e o terceiro com as Constituições do Equador (2008)EQUADOR. Constituición de la República del Ecuador. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso em 29 set 2015.
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e da Bolívia (2009)BOLÍVIA. Constituición Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
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. Já se pode visualizar um quarto ciclo nesse processo, com uma provável nova constituição do Chile, que iniciou os procedimentos de consulta popular sobre o novo processo constituinte.

Com relação ao Equador, a Assembleia Constituinte do Estado Político do Equador foi formada em 6 de agosto de 2006. De acordo Huanacuni Mamani61 61 HUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Peru: CAOI, 2010. , setores da extrema direita tentaram deter a formação da referida Assembleia Constituinte, promovendo humilhações e perseguições racistas, a exemplos o massacre de 24 de maio de 2008, em Sucre e o massacre em Porvenir (Pando), em setembro de 2008.

Em 1990, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), já havia solicitado a alteração do Art. 1º da Constituição do Equador, para que o Estado se declarasse um Estado Plurinacional. Apesar das pressões e tensões, na tentativa de desestabilizar e desarticular os movimentos indígenas, estes conseguiram, em 2008, a promulgação da nova Constituição Política do Equador. Em seu preâmbulo62 62 “RECONOCIENDO nuestras raíces milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, INVOCANDO el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, COMO HEREDEROS de las luchas sociales de liberación frente a todas las formas de dominación y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, […].”. CONSTITUICIÓN DE LA REPÚBLICA DEL ECUADOR. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso em 29 set 2015. há a evidente inclusão do pluralismo no texto constitucional; no entanto, o estado do Equador não pode ser considerado um estado plurinacional.

Diferentemente do Equador, conforme referido anteriormente, a Bolívia conseguiu, em 7 de fevereiro de 2009, a promulgação da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia63 63 Assim consta no preâmbulo: “En tiempos in memoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra com rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. Así conformamos nuestros pueblos, y jamás comprendimos el racismo hasta que los ufrimos desde los funestos tiempos de la colonia. El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la historia, inspirado em las luchas del pasado, em las ublevación indígena anticolonial, em la independencia, em las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas, sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, em las luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros mártires, construímos un nuevo Estado. Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con princípios de soberanía, dignidad, complementariedad, solidaridad, armonía y equidad en la distribución y redistribución del producto social, donde predomine la busqueda del vivir bien; con respeto a la pluralidad económica, social, jurídica, política y cultural de los habitantes de esta tierra; en convivência colectiva con acceso al agua, trabajo, educación, salud y vivienda para todos. Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal. Asumimos el reto histórico de construir colectivamente El Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propósitos de avanzar hacia una Bolivia democrática, productiva, portadora e inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral y con la libre determinación de los pueblos. Nosotros, mujeres y hombres, a través de la Asamblea Constituyente y con el poder originário del pueblo, manifestamos nuestro compromiso con la unidad e integridad del país. Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia. Honor y gloria a los mártires de la gesta constituyente y liberadora, que han hecho posible esta nueva historia.”CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. . Ou seja, houve uma verdadeira mudança de paradigmas nos elementos constitutivos do Estado boliviano. A Bolívia, enquanto Estado Plurinacional, passou a repensar os seus sistemas de democracia, direito, justiça, cidadania, preservação da Natureza, entre outros.

Sobre a Plurinacionalidade, o artigo 8º da Constituição Plurinacional da Bolívia64 64 “I - El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), tekokavi (vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapajñan (camino o vida noble). II - El Estado se sustenta en los valores de unidad, igualdad, inclusión, dignidad, libertad, solidaridad, reciprocidad, respeto, complementariedad, armonía, transparencia, equilibrio, igualdad de oportunidades, equidad social y de género en la participación, bienestar común, responsabilidad, justicia social, distribución y redistribución de los productos y bienes sociales, para vivir bien.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. também prevê as diversas tribos e etnias, bem como os princípios éticos e morais decorrentes de todas essas nacionalidades. Com o reconhecimento do Estado Plurinacional, há um resgate das bases culturais encobertas pelos colonizadores, passando a existir espaços para todos os diferentes que vivem sob um mesmo território.

Diante dessa nova Constituição boliviana, torna-se paradoxal se pensar o sistema democrático e de justiça a partir do paradigma uninacional e monocultural. Nesse caso, o elemento “plurinacionalidade” se apresenta determinante para se repensar o modelo de Estado proposto pela Bolívia a partir daquilo que traz significado ao seu estilo de convivência. É nessa condição que se verifica a importância deste caleidoscópio pluricultural como vetor de socialização, de desenvolvimento humano, de integração humana, de fomento à paz.

Para que se garanta efetividade à plurinacionalidade, além da previsão contida no Art. 8º - referido anteriormente -, a Constituição boliviana traz outros importantes elementos. Inicialmente, na Primeira Parte da referida Constituição, no Capítulo Quarto – Derechos de las naciones y pueblos indígenas originarios campesinos –, no seu art. 30, II, 1465 65 “Artículo 30. I. Es nación y pueblo indígena originario campesino toda la colectividad humana que comparta identidad cultural, idioma, tradición histórica, instituciones, territorialidad y cosmovisión, cuya existencia es anterior a la invasión colonial española. II. E nel marco de la unidad del Estado y de acuerdo con esta Constitución las naciones y pueblos indígena originario campesinos gozan de los siguientes derechos: [...] 14. Al ejercicio de sus sistemas políticos, jurídicos y econômicos acorde a su cosmovisión..”CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. , há um elenco de direitos que gozam tais povos, dentre eles, o direito ao exercício de seus sistemas políticos, jurídicos e econômicos segundo sua cosmovisão.

A Plurinacionalidade é, portanto, a concretização do pluralismo jurídico, tão importante para se reconhecer a riqueza na diversidade, considerando que nenhum dos Estados que compõe a América Latina podem ser considerados monoculturais, conforme referido por Wolkmer e Fagundes66 66 “Sendo assim, as constituições de países como Colômbia, Bolívia e Equador já incorporaram o pluralismo jurídico e o direito de aplicação da justiça indígena paralela à juridicidade estatal, reconhecendo a manifestação periférica de outro modelo de justiça e de legalidade, diferente daquele implantado e aplicado pelo Estado moderno [...].”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 400. .

Além desses fatores, a Segunda Parte da Constituição boliviana trata da estrutura, organização e funcionamento do Estado. Toda a estrutura dos poderes do Estado e como ocorre o funcionamento dos poderes e órgãos do Estado estão relacionados nessa parte da Constituição.

A partir da nova Constituição boliviana, a Jurisdição está dividida em três: Jurisdição Ordinária, Jurisdição Agroambiental e Jurisdição Indígena. A Jurisdição Ordinária é aquela convencional, semelhante à do Brasil, exercida através do Tribunal Supremo de Justicia, tribunales departamentales de Justicia, tribunales de sentencia e os juízes. Já a Jurisdição Agroambiental é exercida pelo Tribunal e juízes agroambientais.

A novidade da Constituição boliviana, nesse ponto, é a criação da Jurisdição Indígena Originária Campesina. A Jurisdição Indígena é a concretização do pluralismo jurídico e tentativa de descolonizar o entendimento a respeito do direito e do sistema de justiça.

A Jurisdição Indígena é exercida pelas próprias autoridades originárias campesinas, estando prevista no art. 17967 67 “Artículo 179. I. La función judicial es única. La jurisdicción ordinaria se ejerce por el Tribunal Supremo de Justicia, los tribunales departamentales de justicia, los tribunales de sentencia y los jueces; la jurisdicción agroambiental por el Tribunal y jueces agroambientales; la jurisdicción indígena originaria campesina se ejerce por sus propias autoridades; existirán jurisdicciones especializadas reguladas por la ley.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. , da Constituição boliviana, onde há a explicação para todas essas divisões das Jurisdições. No inciso II68 68 “[...] II. La jurisdicción ordinaria y la jurisdicción indígena originario campesina gozarán de igual jerarquía.” CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. , desse artigo, há o destaque para a igualdade hierárquica que a Jurisdição Indígena possui com relação às demais, ou seja, possui autonomia própria em relação à Jurisdição Ordinária, na qual pode-se, também, acioná-la de modo complementar.

A Jurisdição Indígena está submetida apenas ao controle de constitucionalidade exercido pelo Tribunal Constitucional Plurinacional, conforme dispõe o artigo 20269 69 “Artículo 202. Son atribuciones del Tribunal Constitucional Plurinacional, además de las establecidas en la Constitución y la ley, conocer y resolver: [...] 11. Los conflictos de competencia entre la jurisdicción indígena originaria campesina y la jurisdicción ordinaria y agroambiental”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. , da referida Constituição, bem como disposição contida na Lei de Demarcação Jurisdicional (Lei n.º 073 de 29 de dezembro de 2010). O artigo 202 da Constituição aduz, ainda, que em caso de conflito de matérias entre as Jurisdições, é incumbência somente do Tribunal Constitucional Plurinacional decidir a respeito da competência de tais Jurisdições.

A organização do referido Tribunal Constitucional Plurinacional está prevista no Capítulo Sexto da Segunda Parte da Constituição da Bolívia. O destaque para esse Tribunal está justamente no artigo 197, I70 70 “Artículo 197. I. El Tribunal Constitucional Plurinacional estará integrado por Magistradas y Magistrados elegidos com criterios de plurinacionalidad, com representación del sistema ordinario y del sistema indígena originario campesino.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015. , o qual explica a necessidade de que o mesmo seja integrado por representantes de todas as jurisdições, seja ordinária, seja indígena.

A questão da Plurinacionalidade está incorporada como órgão de Justiça, o que impede, mais uma vez, a imposição de normas, regras e pensamentos verticalmente impostos a partir do modelo de Estado moderno, sob a visão ocidental, completamente diverso dos parâmetros adotados pela cosmovisão andina e, por consequência, pela Jurisdição Indígena.

Importante destacar que, assim como qualquer inovação legislativa, a questão da Jurisdição Indígena ainda permeia uma fase de experimentos, arbitrariedades71 71 As “arbitrariedades” referidas aqui poderão ser visualizar no decorrer do texto, na medida em que algumas decisões oriundas da Jurisdição Indígena tem incorrido em abusos, como a aplicação de penas proibidas pela constituição boliviana. , conflitos, complexidades. De acordo com Leonel Junior72 72 “Assim, as autoridades responsáveis pelos julgamentos possuem o mandato, amparado na Constituição, para o exercício da atividade em suas respectivas comunidades, aplicando os princípios e as garantias fundamentais em um juízo de um Estado de Direito Plurinacional Comunitário.”. LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 220. , uma das questões mais complexas relativas ao tema está na autoridade para julgar os indígenas, que, em virtude da autodeterminação, é de responsabilidade dos próprios povos indígenas.

Se é possível identificar problemas no âmbito das jurisdições ordinárias, na Bolívia ou em qualquer outro país, a Jurisdição Indígena igualmente apresenta alguns problemas. A questão da Jurisdição Indígena pode ser considerada uma permanente construção coletiva, na medida em que ainda incorre em situações sem previsibilidade.

É a partir do Pluralismo Jurídico73 73 “O Pluralismo Jurídico, aliado à concepção do Multiculturalismo, demonstra a necessidade de se reconhecer, especialmente ao Direito, as práticas, as culturas e os locais que, pelos seus consensos ou dissensos, promovem novos sentidos para o aperfeiçoamento da convivência, o esclarecimento sobre o exercício da Liberdade e Igualdade diante de violências como a miséria, a fome, o encobrimento do Outro (ou a sua eliminação) por não pertencer a um determinado status político, cultural ou econômico, o cerceamento abusivo de liberdades por entidades estatais, entre outros fenômenos”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de; ZAMBAM, Neuro José. Elogio à diversidade: globalização, pluralismo jurídico e direito das culturas. Revista Universitas Jus, Brasília, v. 27, n. 1, p. 60. Disponível em:«http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/jus/article/view/3914/2996». Acesso em 17 de fev. de 2017. , portanto, que se pode compreender, dentre de um mesmo elenco de direitos, saberes de todos os povos que comungam da mesma constituição. O pluralismo jurídico vem, também, como uma das principais características desse novo constitucionalismo latino-americano.

A imposição de um modelo de Estado ao estilo europeu e de uma forma de conceber o direito mostrava-se autoritária, excludente e mantida apenas para atender aos interesses das elites herdeiras do período colonial. Conforme rememora Wolkmer e Fagundes74 74 “Sendo assim, a insurgência política, nos Andes e na Venezuela, demonstra uma postura de rompimento e transformação do paradigma estatal dominante; a partir da historicidade crítica, os sujeitos que foram coisificados e moldados à racionalidade externa homogeneizadora emergem no cenário político de exigibilidade das suas necessidades fundamentais, tomando o poder sob as variantes da mentalidade voltada aos interesses populares e com vista a absorver as complexidades, sem, contudo, uniformizá-las.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, p. 392. , os povos originários da América Latina – por longo tempo – foram deixados de lado, sem qualquer possibilidade de participação nas decisões política e, consequentemente, sem ver seus direitos garantidos.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano demonstra que é possível a construção de direitos a partir da pluralidade. Insiste-se: esse novo fenômeno jurídico traz elementos inovadores e importantes para se repensar os modelos de Estado, direito, democracia e justiça sempre impostos pelos europeus. Passa-se a resignificar tais elementos a partir de uma visão descolonial, de forma a incluir outras visões, saberes e culturas sem excluir as construções até então feitas a partir de uma matriz cultural europeia.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano evidencia aos povos que o direito pode ser construído e pensado por toda coletividade, com a participação de todos os setores, minorias e maiorias, valorizando a diversidade, não a uniformizando, ou seja, o pluralismo, como essência da democracia, deve ser mola propulsora na construção de direitos, caso contrário, o direito apenas representará a hegemonia das elites européias coloniais.

Nesse processo de novas constituições, houve um reacender de luzes dos movimentos sociais, ambientais, mas, principalmente, das populações indígenas que tiveram ativa participação na construção de seus próprios direitos. A partir dessas novas concepções, trazidas com o Novo Constitucionalismo Latino-Americano, observa-se o Pluralismo Jurídico-Cultural como vetor de significado às práxis constitucional-democráticas. É a partir do Novo Constitucionalismo Latino-Americano insurgente, expressão utilizada por Wolkmer e Fagundes75 75 WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza. , que se pode verificar a possibilidade de repensar os modelos de Estado, de direito e de democracia.

Conforme referido ao longo do trabalho, a teoria democrática de Mouffe propõe justamente o reconhecimento do pluralismo, integrando as diferenças aos modelos democráticos, ao contrário de afastá-los. Com o Novo Constitucionalismo Latino-Americano, especialmente com a prática democrática boliviana, denota-se que é possível incorporar a pluralidade em seus sistemas de democracia, direito e justiça.

A prática democrática boliviana, em especial, torna evidente a possibilidade de construção de direitos, a partir de um ambiente conflituoso – que é próprio da democracia –, sem ignorar os modelos até então conhecidos (orientados pelo viés eurocêntrico), entretanto, também sem excluir vozes ou ignorar saberes.

5 Considerações finais

A pluralidade é característica da maioria das sociedades contemporâneas, a qual deveria refletir diretamente nas concepções de justiça, estado, direito e democracia. No entanto, com o advento da Modernidade, as concepções acabaram por incorporar um ideal de universalização, ou seja, a imposição de um modelo.

A teoria de Mouffe, ao contrário da maioria das teorias democráticas no campo da filosofia política, indica a necessidade de integrar o pluralismo à democracia, ao invés de afastá-lo, na medida em que a diversidade é inerente à própria concepção de democracia.

A democracia radical ou pluralista, proposta pela autora, indica a necessidade de existência do conflito, assim como a impossibilidade de existência de um “consenso político”, o que tornaria possível, a partir dessa concepção, a participação popular nas construções políticas, afastando a hegemonia de um único grupo social, como ocorre com a aplicação das demais concepções de democracia vinculadas ao viés liberal.

O caso da América Latina não foi diferente. A Modernidade apenas reforçou os aspectos coloniais já vividos pelo continente latino. A imposição de saberes, culturas e concepções foram heranças deixadas pelos colonizadores, ou seja, as características eurocêntricas tomaram conta dos povos latino-americanos. Em pleno século XXI, o colonialismo ainda é latente e faz com que os países latino-americanos tenham dificuldades em compreender aspectos particulares e se desvencilhar dos paradigmas eurocêntricos universalizantes.

O Novo Constitucionalismo Latino-Americano traz o elemento “pluralismo” para o centro dos debates democráticos, tentando com que os países pertencentes a esse continente consigam descolonizar suas concepções de Estado, justiça, direito e democracia. A partir das novas constituições latino-americanas, em especial as constituições do Equador (2008)EQUADOR. Constituición de la República del Ecuador. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso em 29 set 2015.
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e da Bolívia (2009)BOLÍVIA. Constituición Política del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
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, bem como dos processos constituintes vivenciados por esses países, pode-se observar uma explosão de aspectos plurais, rompendo com vários paradigmas e dando um novo “tom” às lutas sociais.

O Pluralismo Jurídico-Cultural e a Plurinacionalidade ganharam destaque nos debates constitucionais, a partir de discussões completamente diversas, com a participação de movimentos sociais, populações indígenas, sociedade civil, além dos partidos políticos e partes da sociedade que sempre tiveram lugar “garantido” nas relações de poder.

O pluralismo ganha significado real a partir das experiências latino-americanas, por meio das práticas democráticas desenvolvidas neste continente. A práxis democrática e jurídica boliviana mostra a possibilidade de construção de direitos a partir de um ambiente de diversidade, sem ignorar os modelos já conhecidos – de viés eurocêntrico –, entretanto, também sem excluir vozes ou ignorar saberes das terras do sul.

Nesse caso, a prática democrática boliviana demonstra estar de acordo com a proposição teórica de Chantal Mouffe, quando essa sinaliza a necessidade do reconhecimento sobre o Pluralismo Jurídico-Cultural, integrando as diferenças humanas como vetores de aperfeiçoamento e estabilidade aos modelos democráticos. Denota-se, portanto, que é possível incorporar a pluralidade em seus sistemas de democracia, direito e justiça.

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    “[...] el nuevo constitucionalismo va más allá y entiende que, para que tenga efectiva vigencia el Estado constitucional no basta con la mera comprobación de que se ha seguido el adecuado procedimiento constituyente y que se han generado mecanismos que garantizan la efectividad y normatividad de la Constitución. Defiende que el contenido de la Constitución debe ser coherente con su fundamentación democrática, es decir que debe generar mecanismos para la directa participación política de la ciudadanía, debe garantizar la totalidad de los derechos fundamentales incluidos los sociales y económicos, debe establecer procedimentos de control de constitucionalidade que puedan ser activados por la ciudadanía y debe generar reglas limitativas del poder político, pero también de los poderes sociales, económicos o culturales que, producto de la Historia, también limitan el fundamento democrático de la vida social y los derechos y libertades de la ciudadanía. Pues bien, ese nuevo constitucionalismo teórico ha encontrado su plasmación, com algunas dificultades, en los recientes procesos constituyentes latinoamericanos llevados a cabo en Venezuela, Bolivia y Ecuador. Al menos, en cuanto a la fundamentación de la Constitución. Está por ver si también se consigue llevar a la práctica todo lo diseñado en esos textos constitucionales con respecto a su efectividad y normatividad. Aunque comienzan a percibirse distorsiones importantes que pueden volver a frustrar un intento de recuperación integral de una teoria democrática de la Constitución. Estos procesos con sus productos, las nuevas constituciones de América Latina, conforman el contenido del conocido como nuevo constitucionalismo latino-americano”. VICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, RúbenVICIANO PASTOR, Roberto; MARTÍNEZ DALMAU, Rúben. Aspectos generales del nuevo constitucionalismo latino-americano. In: ÁVILA LINZÁN, Luis Fernando. Política, Justicia y Constitución. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2012.. Aspectos generales del nuevo constitucionalismo latino-americano. In: ÁVILA LINZÁN, Luis Fernando. Política, Justicia y Constitución. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2012, p. 163/164.
  • 2
    “[...] o Pluralismo Jurídico surge como forma de denunciar a ineficiência das instituições estatais que não são capazes de responder às demandas sociais de maneira que o Direito estatal se torne inacessível àqueles que compõe as margens da Sociedade. Não se pode acreditar que o ‘contrato social’ abrange os interesses de toda a Sociedade e que as normas coercitivas do Estado são legítimas somente pelo fato de advirem do Estado, sem que contemple a todos e promova a igualdade”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; SIGNOR, GiuliaAQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; SIGNOR, Giulia. As vozes do sul: perspectivas multiculturais pelo pluralismo jurídico e o novo constitucionalismo latino-americano. In: ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino (orgs.). Pluralismo jurídico e direito das culturas: ensaios. Porto Alegre: Editora Fi, 2016.. As vozes do sul: perspectivas multiculturais pelo pluralismo jurídico e o novo constitucionalismo latino-americano. In: ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino (orgs.). Pluralismo jurídico e direito das culturas: ensaios. Porto Alegre: Editora Fi, 2016, p. 56.
  • 3
    MASCARO, Alysson LeandroMASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 18.
  • 4
    Sob o ângulo da Filosofia Política, a categoria designa um sistema “[...] econômico-social caracterizado pela liberdade dos agentes econômicos – livre iniciativa, liberdade de contratar, propiciando o livre mercado – e pelo desenvolvimento dos meios de produção, sendo permitida a propriedade particular destes. Quem aciona os meios de produção (quem trabalha) em regra não os detém”. OLIVEIRA, Daniel AlmeidaOLIVEIRA, Daniel Almeida. Capitalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010.. Capitalismo. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010, p. 85.
  • 5
    MASCARO, Alysson LeandroMASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 19-20.
  • 6
    MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 20.
  • 7
    SILVA, Heleno Florindo daSILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014.. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 37-38.
  • 8
    SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 37-38.
  • 9
    SILVA, Heleno Florindo da. Teoria do Estado Plurinacional: o novo constitucionalismo latino-americano e os direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 38.
  • 10
    “A reformulação do projeto democrático em termos de democracia radical exige a desistência do universalismo absctracto do iluminismo quanto à indiferenciação da natureza humana. Embora o surgimento das primeiras teorias da democracia moderna e do indivíduo como titular de direitos fosse possibilitado por esses mesmos conceitos, eles tornaram-se hoje o principal obstáculo à futura expansão da revolução democrática. Os novos direitos que hoje são reclamados são expressão de diferenças cuja importância só agora começa a ser afirmada e deixaram de ser direitos que possam ser universalizados. A democracia radical exige que reconheçamos a diferença – o particular, o múltiplo, o heterogêneo -, tudo o que, na realidade, tenha sido excluído pelo conceito abstracto de homem. O universalismo não é rejeitado, mas particularizado; o que é necessário é um novo tipo de articulação entre o universal e o particular”. MOUFFE, ChantalMOUFFE, Chantal. O regresso do político. Tradução de Ana Cecília Simões. Lisboa: Gradiva, 1996.. O regresso do político. Tradução de Ana Cecília Simões. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 27.
  • 11
    MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 26-27.
  • 12
    MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 24-27.
  • 13
    “[...] Para ela, o pensamento liberal atual é incapaz de compreender a natureza do político, seu caráter antagônico, e essa incapacidade coloca em risco a própria política democrática. É por este motivo que sua teoria defende a legitimação do conflito e a valorização do dissenso. Ela discorda profundamente das teorias liberais que tentam evitar o antagonismo através de uma espécie de consenso racional. Este consenso, na verdade, nada mais é do que a representação de um discurso hegemônico, que se estabilizou no poder e excluiu aqueles que pensavam de forma diferente. A ideia de que o consenso racional seja uma solução final para os problemas sociais é uma fantasia. E é nesse sentido que Mouffe critica a teoria de Rawls.”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe CavaliereCUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitárioà democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015.. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171.
  • 14
    MOUFFE, ChantalMOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003.. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 17.
  • 15
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 16.
  • 16
    “[...] Caracterizado pelo racionalismo, pelo individualismo e pelo universalismo abstrato, este tipo de teoria deve necessariamente permanecer cego à natureza do político e à inerradicabilidade do antagonismo. Na verdade, o termo “político” está cada vez mais presente na filosofia liberal, mas o domínio do político é sempre tratado por uma abordagem individualista e racionalista que o reduz ou ao econômico ou ao ético. Como conseqüência, a dinâmica da constituição dos sujeitos coletivos e o papel crucial desempenhado pelas paixões e antagonismos neste campo não podem ser apreendidos. Aí reside a explicação para a impotência da maioria dos liberais para oferecer respostas adequadas aos problemas em curso”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 12.
  • 17
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 12.
  • 18
    “A ausência de uma fronteira política, longe de ser um sinal de maturidade política, é sintoma de um vazio que pode pôr em perigo a democracia, porque esse vazio proporciona um terreno que pode ser ocupado pela extrema-direita para articular novas identidades políticas antidemocráticas. Quando faltam as lutas políticas democráticas com as quais se identificar, o seu lugar é tomado por outras formas de identificação, de natureza étnica, nacionalista ou religiosa, e o opositor é também definido nesses termos”. MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 16-17.
  • 19
    Mostra-se importante trazer a diferenciação feita por Mouffe, entre “o político” e “a política”: “Para esclarecer as bases desta visão alternativa, proponho uma distinção entre “o político” e “política”. Por “político” refiro-me à dimensão do antagonismo que é inerente a todas as sociedades humanas, antagonismo que pode assumir formas muito diferentes e emergir em relações sociais diversas. “Política”, por outro lado, refere-se ao conjunto de práticas, discursos e instituições que procuram estabelecer uma certa ordem e organizar a coexistência humana em condições que são sempre potencialmente conflituosas,porque afetadas pela dimensão do “político”.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 15.
  • 20
    CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 174.
  • 21
    “A abordagem que estou defendendo envolve um deslocamento das relações tradicionais entre democracia e poder. Para a visão habermasiana de “democracia deliberativa”, por exemplo, quanto mais democrática é uma sociedade, menos poder seria constitutivo das relações sociais. Mas se aceitamos que as relações de poder são constitutivas do social, então a questão principal da política democrática não é como eliminar o poder, mas como constituir formas de poder compatíveis com valores democráticos.Admitir a existência de relações de poder e a necessidade de transformá-las, enquanto se renuncia à ilusão de que poderíamos nos livrar completamente do poder, é a especificidade do projeto de “democracia radical e plural” que delineamos em Hegemony and Socialist Strategy.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 14.
  • 22
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 14.
  • 23
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 15.
  • 24
    “[...] Quando aceitamos que todo consenso existe como um resultado temporário de uma hegemonia provisória, como uma estabilização de poder que sempre vincula alguma forma de exclusão, podemos começar a encarara natureza de uma esfera pública democrática de um modo diferente. A especificidade da democracia moderna repousa no reconhecimento e legitimação do conflito e na recusa em suprimi-lo pela imposição de uma ordem autoritária. Rompendo coma representação simbólica da sociedade como um organismo –característica do modo integracionista de organização social –uma sociedade democrática dá oportunidade para a expressão de interesses e valores conflitantes. A democracia pluralista demanda um certo consenso, mas tal consenso diz respeito apenas aos seus princípios ético-políticos constitutivos.[...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 17.
  • 25
    MOUFFE, ChantalMOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23.. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 21.
  • 26
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 17.
  • 27
    “Fundamental nesta abordagem é a consciência de que uma democracia pluralista contém um paradoxo: o próprio momento da sua realização seria também o início ela sua desintegração. Deve ser concebida como um bem que só existe como bem enquanto não pode ser alcançada. Portanto, uma tal democracia será sempre uma democracia «futura», uma vez que o conflito e o antagonismo são simultaneamente condição de possibilidade e condição de impossibilidade da sua total realização.”. MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 19.
  • 28
    “Uma democracia em bom funcionamento demanda um embate intenso de posições políticas. Se faltar isso, há o perigo de que a confrontação democrática seja substituída por uma confrontação dentre outras formas de identificação coletiva, como é o caso da política da identidade. Muita ênfase no consenso e a recusa de confrontação levam à apatia e ao desapreço pela participação política. Ainda pior, o resultado pode ser a cristalização de paixões coletivas em torno de questões que não podem ser manejadas [managed] pelo processo democrático e uma explosão de antagonismo que pode desfiar os próprios fundamentos da civilidade.”. MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia.Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 21.
  • 29
    “[...] Para Mouffe, portanto, é preciso ressuscitar a filosofia política, reestabelecer o elo entre a ética e a política, estimular os indivíduos a participar ativamente da vida política. Uma democracia fundamentada no agonismo é uma democracia com uma esfera pública vibrante, apaixonante, formada por identidades coletivas com posicionamentos políticos claramente diferenciados. [...]”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 173.
  • 30
    CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe CavaliereCUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitárioà democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015.. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172.
  • 31
    CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172.
  • 32
    CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 171-172.
  • 33
    “A sociedade, enquanto fenômeno humano, decorre da associação de homens, da vida em comum, fundada na mesma origem, nos mesmos usos, costumes, valores, cultura e historia. Constitui-se sociedade no e pelo fluxo das necessidades e potencialidades da vida humana; o que implica tanto a experiência da solidariedade, do cuidado, quanto da oposição, da conflitividade. Organização e caos são pólos complementares de um mesmo movimento – dialético – que dá dinamismo à vida da sociedade”. DIAS, Maria da Graça dos SantosDIAS, Maria da Graça dos Santos. Sociedade. In: BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010.. Sociedade. In: BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de filosofia política. São Leopoldo, (RS): Editora da UNISINOS, 2010, p. 487.
  • 34
    “[...] Contra esta forma de abstratização do indivíduo, Mouffe propõe uma desuniversalização dos sujeitos políticos. Segundo ela, a pós-modernidade (a psicanálise em especial), demonstrou que o elemento social é fragmentado, o sujeito não é um só, mas vários. Uma multiplicidade deposições de sujeito, exercendo diferentes situações na sociedade, onde cada uma dessas diferentes posições podem se transformar em novos antagonismos. Nesta realidade, a cidadania deve ser representada não pela capacidade de cada indivíduo racional realizar a sua própria ideia de bem, mas sim pela adesão a um conjunto de princípios políticos característicos da tradição democrático-liberal: os princípios da liberdade e da igualdade para todos. Para Mouffe, portanto, a cidadania deve ser encarada não como um estatuto legal, uma declaração de direitos, mas sim como uma identidade política entre as diferentes posições de sujeito, um princípio articulador entre as diversas lutas democráticas (antirracismo, antisexismo e anticapitalismo, por exemplo), formando as chamadas identidades coletivas10 (Mouffe, 1996MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Tradução de Ana Cecília Simões. Lisboa: Gradiva, 1996., p. 95).” (p. 173)”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD).São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 173.
  • 35
    “[...] Eis porque uma perspectiva como o “pluralismo agonista”, que revela a impossibilidade de estabelecer um consenso sem exclusão, é de fundamental importância para a política democrática. Ao precaver-nos contra a ilusão de que uma democracia perfeitamente bem-sucedida possa ser alcançada, força-nos a manter viva a contestação democrática. Abrir caminho para o dissenso e promover as instituições em que possa ser manifestado é vital para uma democracia pluralista e deve-se abandonar a própria idéia segundo a qual poderia haver um tempo em que pudesse deixar de ser necessário, pois que a sociedade seria a tal ponto bem-ordenada. Uma abordagem “agonística” reconhece os limites reais de tais fronteiras e as formas de exclusão que delas decorrem, ao invés de tentar disfarçá-los sob o véu da racionalidade e da moralidade. Compreendendo a natureza hegemônica das relações sociais e identidades, nossa abordagem pode contribuir para subverter a sempre presente tentação existente nas sociedades democráticas de naturalizar suas fronteiras e “essencializar” as suas identidades. Por essa razão, ele é muito mais receptivo do que o modelo deliberativo à multiplicidade de vozes que as sociedades pluralistas contemporâneas abarcam e à complexidade de sua estrutura de poder.”.MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 21-22.
  • 36
    “Tal privilégio ao consenso é, na minha visão, prejudicial à democracia porque tende a silenciar vozes dissidentes, e é por isso que acredito que uma abordagem que revele a impossibilidade de estabelecer um consenso sem exclusão é de fundamental importância para a política democrática. Ao nos alertar contra a ilusão de que uma democracia plena poderia ser instaurada, ela nos força a manter viva a contestação democrática. Uma abordagem democrática “agonística” reconhece a natureza real das suas fronteiras e as formas de exclusão que elas englobam, ao invés de tentar disfarçá-las sob o véu da racionalidade e da moralidade. [...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19.
  • 37
    “O Pluralismo Jurídico evidencia o cenário multicultural da América Latina. Não é possível que tantas vozes sejam ignoradas, especialmente pelo Direito no seu sentido normativo. A persistência do Monismo Jurídico em detrimento ao Pluralismo demonstra como são plurais as fontes de expressão do Direito. Nenhuma pode ser esquecida ou marginalizada. Em cada local, a Socialidade se manifesta em diferentes papéis e figurinos”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; SIGNOR, Giulia. As vozes do sul: perspectivas multiculturais pelo pluralismo jurídico e o novo constitucionalismo latino-americano. In: ZAMBAM, Neuro José; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino (orgs.). Pluralismo jurídico e direito das culturas: ensaios. p. 64.
  • 38
    MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 19.
  • 39
    “[...] Para ela, qualquer modelo que apresente uma solução final para os conflitos da vida em sociedade (como o modelo de Rawls, por exemplo) é fundamentado em um racionalismo que terá como consequência o enfraquecimento da vida política e a destruição da própria democracia. É por este motivo que a democracia radical e plural aceita que a completa realização da democracia é algo ilusório. Seu objetivo é restituir dignidade à política e lutar pelo aprofundamento da revolução democrática, mas dentro de um processo que, na verdade, é interminável. E, exatamente por este motivo, exige a constante articulação entre os grupos que lutam pelos direitos democráticos, permitindo a formação de uma nova hegemonia de esquerda, com condições de enfrentar o projeto hegemônico liberal-conservador.”. CUNHA, José Ricardo; TAVARES, Felipe Cavaliere. O debate Mouffe x Rawls: do liberalismo igualitário à democracia radical. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). São Leopoldo (RS), 7(2), p. 166-175, maio-agosto 2015, p. 174.
  • 40
    “[...] Enquanto muito poucos ousam desafiar abertamente o modelo liberal-democrático, os sinais de desapreço pelas atuais instituições estão-se tornando generalizados. Um número crescente de pessoas vêm sentindo que os partidos tradicionais deixaram de atender a seus interesses e partidos de extrema-direita estão fazendo importantes incursões em muitos países europeus. Além disso, mesmo entre aqueles que estão resistindo ao apelo dos demagogos, persiste um cinismo acentuado sobre a política e os políticos – com seus muitos efeitos corrosivos sobre a adesão popular aos valores democráticos. [...]”. MOUFFE, Chantal. Por um modelo agonístico de democracia. Traduzido por Pablo Sanges Ghuetti. In: Revista de Sociologia e Política: dossiê Democracias e Autoritarismos, n. 25, Curitiba: UFPR, Nov/2005, p. 11-23, p. 11.
  • 41
    “[...] É por isso que os discursos sobre o “fim da política” ou sobre a necessidade de ir para além da esquerda e da direita em direção a uma “terceira via” deveriam ser repelidos. A obscuridade das fronteiras entre direita e esquerda que temos presenciado nas sociedades ocidentais, e que é freqüentemente apresentada como um signo do progresso e da maturidade, é, em minha opinião, uma das mais claras manifestações da fraqueza da esfera pública política. É também a origem do crescente sucesso dos partidos de direita populistas. [...]”. MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 20.
  • 42
    “Com a negligencia moral crescendo em alcance e intensidade, a demanda por analgésicos aumenta, e o consumo de tranquilizantes morais se transforma em vício. Portanto, a insensibilidade moral induzida e maquinada tende a se transformar numa compulsão ou numa ‘segunda natureza’, uma condição permanente e quase universal – com a dor moral extirpada em consequência de seu papel salutar como instrumento de advertência, alarme e ativação. Com a dor moral sufocada antes de se tornar insuportável e preocupante, a rede de vínculos humanos composta de fios morais se torna cada vez mais débil e frágil, vindo a se esgarçar. Com cidadãos treinados a buscar a salvação de seus contratempos e a solução de seus problemas nos mercados de consumo, a política pode (ou é estimulada, pressionada e, em última instância, coagida a) interpelar seus súditos como consumidores, em primeiro lugar, e só muito depois como cidadãos; e a redefinir o ardor consumista como virtude cívica, e a atividade de consumo como a realização da principal tarefa de um cidadão”. BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, LeonidasBAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 24.
  • 43
    MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19.
  • 44
    “[...] ideologias são ideias situacionalmente transcendentes que jamais conseguem de facto a realização de seus conteúdos pretendidos. [...] Embora se tornem com frequência motivos bem-intencionados para a conduta subjetiva do indivíduo, seus significados, quando incorporados efetivamente à prática, são, na maior parte dos casos, deformados”. MANNHEIM, KarlMANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 218.
  • 45
    “[...] Tal pluralismo está ancorado no reconhecimento da multiplicidade de cada um e das posições contraditórias a que esta multiplicidade subjaz. Sua aceitação do outro não consiste meramente em tolerar as diferenças, mas em celebrá-las positivamente porque admite que, sem alteridade e o outro, nenhuma identidade poderia se afirmar. Este é um pluralismo que valoriza a diversidade e o dissenso e não tenta estabelecer uma esfera pública a partir da sua eliminação, uma vez que reconhece neles a real condição da possibilidade de uma vida democrática a ser conquistada.” MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo. In: Política & Sociedade, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 11-26, out. 2003, p. 19.
  • 46
    SPAREMBERGER, Raquel Fabiana LopesSPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 101-115.. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 104.
  • 47
    LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 97-99.
  • 48
    LEONEL JUNIOR, GladstoneLEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 99.
  • 49
    LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 105.
  • 50
    LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 111.
  • 51
    LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 114-115.
  • 52
    “No processo da refundação plurinacional do Estado, vale ter presente a condição de pluriculturalidade existente, negada e encoberta pelo processo de colonização, forjada no seio dos interesses patrimoniais das elites dirigentes, em que a fundamentação violenta reformulava-seno tempo para seguir hegemônica. O alto grau de complexidade das relações sociais não pode mais ser sufocado pela racionalidade positiva e reducionista, mas direcionar-se para a racionalidade emancipatória ou, ainda, de libertação, embasada na crítica como movimento de construção da nova realidade edificada por aqueles que sempre tiveram os espaços de poder e decisão negados.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas MachadoWOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar. Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378.. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 393-394.
  • 53
    “A decisão de construir um documento jurídico fundante da sociedade boliviana com o reconhecimento da plurinacionalidade é um fato inovador por sua capacidade de enfrentamento ao modelo de Estado hegemônico (o modelo de Estado-Nação de corte liberal defendido pelos setores sociais conservadores em aliança com os liberais), mas principalmente pela forma que se produziu a mudança, a participação do sujeito coletivo, dos movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e representantes das nações indígenas que jamais participaram significativamente das instituições e instâncias decisórias do Estado (Pacto da Unidade).”. PRONER, CarolPRONER, Carol. O Estado Plurinacional e a Nova Constituição Boliviana: Contribuições da experiência boliviana ao debate dos limites ao modelo democrático liberal. In: WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucionalismo latino-americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 143-144.. O Estado Plurinacional e a Nova Constituição Boliviana: Contribuições da experiência boliviana ao debate dos limites ao modelo democrático liberal. In: WOLKMER, Antônio Carlos. Constitucionalismo latino-americano: tendências contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013, p. 143-144.
  • 54
    SPAREMBERGER, Raquel Fabiana LopesSPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 101-115.. Direitos humanos e descolonialidade: uma leitura a partir da (arthropos)logia jurídica e formas “outras” de conhecimento. In: SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Douglas Cesar; BRAGATO, Fernanda Frizzo (Orgs.). Pós-colonialismo, pensamento descolonial e direitos humanos na América Latina. Santo Ângelo (RS): Furi, 2014, p. 107.
  • 55
    “Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em países sul-americanos (Bolívia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lógica liberal-individualista das constituições políticas tradicionalmente operadas, reinventando o espaço público a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisórios. Assim, as novas constituições surgidas no âmbito da América Latina são do ponto de vista da filosofia jurídica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocêntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se, agora, para refundação das instituições, a transformação das idéias se dos instrumentos jurídicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua própria história; quiçá, observa-se um processo de descolonização do poder e da justiça.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378.
  • 56
    ALBÓ, Xavier. Justicia indígena em la Bolivia plurinacional. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de; RODRÍGUEZ, José LuisExeni. Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Bolivia. La Paz, Bolívia: Abya Yala, 2012, p. 201: “Asumo que los lectores ya conocen uficientemente la realidad pluricultural de nuestro país, sintetizada e nel 62 por ciento que en el último Censo de 2001 se autoidentificó como perteneciente a alguno de los pueblos indígenas originarios: 31 por ciento quechua, 21 por ciento aymara y otro 6 por ciento perteneciente a alguno de los otros 28 pueblos minoritarios, casi todos en las tierras bajas.”
  • 57
    Lembrando que apenas a Bolívia se reconhece enquanto Estado Plurinacional, o Equador apenas trouxe para dentro do texto constitucional elementos importantes resgatados da cultura e sabedoria dos povos indígenas, como por exemplo a Filosofia Andina do Buen Vivir.
  • 58
    O Art. 3º1, da referida Declaração, assim prevê: “os povos indígenas tem o direito a livre determinação. Em virtude desse direito, decidem livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento social e cultural”.
  • 59
    “Importa mostrar como os movimentos do constitucionalismo ocorrido recentemente em países sul-americanos (Bolívia, Equador e Venezuela) tentam romper com a lógica liberal-individualista das constituições políticas tradicionalmente operadas, reinventando o espaço público a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisórios. Assim, as novas constituições surgidas no âmbito da América Latina são do ponto de vista da filosofia jurídica, uma quebra ou ruptura com a antiga matriz eurocêntrica de pensar o Direito e o Estado para o continente, voltando-se, agora, para refundação das instituições, a transformação das idéias e dos instrumentos jurídicos em favor dos interesses e das culturas encobertas e violentamente apagadas da sua própria história; quiçá, observa-se um processo de descolonização do poder e da justiça.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 377-378.
  • 60
    WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza.
  • 61
    HUANACUNI MAMANI, FernandoHUANACUNI MAMANI, Fernando. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Peru: CAOI, 2010.. Buen vivir/ Vivir bien: Filosofía, políticas, estrategias y experiencias regionales andinas. Peru: CAOI, 2010.
  • 62
    RECONOCIENDO nuestras raíces milenarias, forjadas por mujeres y hombres de distintos pueblos, CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existencia, INVOCANDO el nombre de Dios y reconociendo nuestras diversas formas de religiosidad y espiritualidad, APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos enriquecen como sociedad, COMO HEREDEROS de las luchas sociales de liberación frente a todas las formas de dominación y colonialismo, Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro, Decidimos construir Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, […].”. CONSTITUICIÓN DE LA REPÚBLICA DEL ECUADOR. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEquador.pdf>. Acesso em 29 set 2015.
  • 63
    Assim consta no preâmbulo: “En tiempos in memoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron lagos. Nuestra amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores. Poblamos esta sagrada Madre Tierra com rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. Así conformamos nuestros pueblos, y jamás comprendimos el racismo hasta que los ufrimos desde los funestos tiempos de la colonia. El pueblo boliviano, de composición plural, desde la profundidad de la historia, inspirado em las luchas del pasado, em las ublevación indígena anticolonial, em la independencia, em las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas, sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, em las luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros mártires, construímos un nuevo Estado. Un Estado basado en el respeto e igualdad entre todos, con princípios de soberanía, dignidad, complementariedad, solidaridad, armonía y equidad en la distribución y redistribución del producto social, donde predomine la busqueda del vivir bien; con respeto a la pluralidad económica, social, jurídica, política y cultural de los habitantes de esta tierra; en convivência colectiva con acceso al agua, trabajo, educación, salud y vivienda para todos. Dejamos en el pasado el Estado colonial, republicano y neoliberal. Asumimos el reto histórico de construir colectivamente El Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, que integra y articula los propósitos de avanzar hacia una Bolivia democrática, productiva, portadora e inspiradora de la paz, comprometida con el desarrollo integral y con la libre determinación de los pueblos. Nosotros, mujeres y hombres, a través de la Asamblea Constituyente y con el poder originário del pueblo, manifestamos nuestro compromiso con la unidad e integridad del país. Cumpliendo el mandato de nuestros pueblos, con la fortaleza de nuestra Pachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia. Honor y gloria a los mártires de la gesta constituyente y liberadora, que han hecho posible esta nueva historia.”CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 64
    I - El Estado asume y promueve como principios ético-morales de la sociedad plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (no seas flojo, no seas mentiroso ni seas ladrón), suma qamaña (vivir bien), ñandereko (vida armoniosa), tekokavi (vida buena), ivimaraei (tierra sin mal) y qhapajñan (camino o vida noble). II - El Estado se sustenta en los valores de unidad, igualdad, inclusión, dignidad, libertad, solidaridad, reciprocidad, respeto, complementariedad, armonía, transparencia, equilibrio, igualdad de oportunidades, equidad social y de género en la participación, bienestar común, responsabilidad, justicia social, distribución y redistribución de los productos y bienes sociales, para vivir bien.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 65
    Artículo 30. I. Es nación y pueblo indígena originario campesino toda la colectividad humana que comparta identidad cultural, idioma, tradición histórica, instituciones, territorialidad y cosmovisión, cuya existencia es anterior a la invasión colonial española. II. E nel marco de la unidad del Estado y de acuerdo con esta Constitución las naciones y pueblos indígena originario campesinos gozan de los siguientes derechos: [...] 14. Al ejercicio de sus sistemas políticos, jurídicos y econômicos acorde a su cosmovisión..”CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 66
    “Sendo assim, as constituições de países como Colômbia, Bolívia e Equador já incorporaram o pluralismo jurídico e o direito de aplicação da justiça indígena paralela à juridicidade estatal, reconhecendo a manifestação periférica de outro modelo de justiça e de legalidade, diferente daquele implantado e aplicado pelo Estado moderno [...].”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, v. 16, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2011, p. 400.
  • 67
    Artículo 179. I. La función judicial es única. La jurisdicción ordinaria se ejerce por el Tribunal Supremo de Justicia, los tribunales departamentales de justicia, los tribunales de sentencia y los jueces; la jurisdicción agroambiental por el Tribunal y jueces agroambientales; la jurisdicción indígena originaria campesina se ejerce por sus propias autoridades; existirán jurisdicciones especializadas reguladas por la ley.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 68
    “[...] II. La jurisdicción ordinaria y la jurisdicción indígena originario campesina gozarán de igual jerarquía.” CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 69
    Artículo 202. Son atribuciones del Tribunal Constitucional Plurinacional, además de las establecidas en la Constitución y la ley, conocer y resolver: [...] 11. Los conflictos de competencia entre la jurisdicción indígena originaria campesina y la jurisdicción ordinaria y agroambiental”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 70
    Artículo 197. I. El Tribunal Constitucional Plurinacional estará integrado por Magistradas y Magistrados elegidos com criterios de plurinacionalidad, com representación del sistema ordinario y del sistema indígena originario campesino.”. CONSTITUICIÓN POLÍTICA DEL ESTADO PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Disponível em: <http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/edicions/buscar>. Acesso em 31 maio 2015.
  • 71
    As “arbitrariedades” referidas aqui poderão ser visualizar no decorrer do texto, na medida em que algumas decisões oriundas da Jurisdição Indígena tem incorrido em abusos, como a aplicação de penas proibidas pela constituição boliviana.
  • 72
    “Assim, as autoridades responsáveis pelos julgamentos possuem o mandato, amparado na Constituição, para o exercício da atividade em suas respectivas comunidades, aplicando os princípios e as garantias fundamentais em um juízo de um Estado de Direito Plurinacional Comunitário.”. LEONEL JUNIOR, Gladstone. O novo constitucionalismo latino-americano: um estudo sobre a Bolívia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 220.
  • 73
    “O Pluralismo Jurídico, aliado à concepção do Multiculturalismo, demonstra a necessidade de se reconhecer, especialmente ao Direito, as práticas, as culturas e os locais que, pelos seus consensos ou dissensos, promovem novos sentidos para o aperfeiçoamento da convivência, o esclarecimento sobre o exercício da Liberdade e Igualdade diante de violências como a miséria, a fome, o encobrimento do Outro (ou a sua eliminação) por não pertencer a um determinado status político, cultural ou econômico, o cerceamento abusivo de liberdades por entidades estatais, entre outros fenômenos”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de; ZAMBAM, Neuro JoséAQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de; ZAMBAM, Neuro José. Elogio à diversidade: globalização, pluralismo jurídico e direito das culturas. Revista Universitas Jus, Brasília, v. 27, n. 1, p. 60. Disponível em:«http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/jus/article/view/3914/2996». Acesso em 17 de fev. de 2017.
    http://www.publicacoesacademicas.uniceub...
    . Elogio à diversidade: globalização, pluralismo jurídico e direito das culturas. Revista Universitas Jus, Brasília, v. 27, n. 1, p. 60. Disponível em:«http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/jus/article/view/3914/2996». Acesso em 17 de fev. de 2017.
  • 74
    “Sendo assim, a insurgência política, nos Andes e na Venezuela, demonstra uma postura de rompimento e transformação do paradigma estatal dominante; a partir da historicidade crítica, os sujeitos que foram coisificados e moldados à racionalidade externa homogeneizadora emergem no cenário político de exigibilidade das suas necessidades fundamentais, tomando o poder sob as variantes da mentalidade voltada aos interesses populares e com vista a absorver as complexidades, sem, contudo, uniformizá-las.”. WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza, p. 392.
  • 75
    WOLKMER, Antônio Carlos, FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. In: Pensar, Fortaleza.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2016
  • Aceito
    13 Fev 2017
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