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Um direito sem faticidade: Uma (des)leitura da teoria do fato jurídico

A law without facticity: An (un)reading theory of legal fact

Resumo

Este trabalho procura desenvolver uma (des)leitura da Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda por intermédio de um exercício de Filosofia no Direito e do método fenomenológico hermenêutico. Ou seja, compreendendo os paradigmas filosóficos como standards/vetores de racionalidade em que se assentam os paradigmas científicos, busca-se desvelar qual seria o arcabouço filosófico em que fundamenta o projeto pontesiano.

Palavras-chave:
Pontes de Miranda; Teoria do Fato Jurídico; Wittgenstein

Abstract

This paper aims to develop a (un)reading of Theory of Legal by Pontes de Miranda through an exercise of Law’s Philosophy and the hermeneutic-phenomenological method. This is, comprising the philosophical paradigms such as rationality/vectors standards in which scientific paradigms based, seeks to unveil what would be the philosophical framework that underlies the Pontes’s project.

Keywords:
Pontes de Miranda; Theory of Legal Fact; Wittgenstein

1. Introdução

Harold Blomm1 1 BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Rio de Janeiro: Imago, 1995. A menção feita a Bloom na abertura do artigo não representa a metodologia aqui empregada. Conforme expresso também na introdução, o “método” utilizado é fenomenológico-hermenêutico. Não obstante, a premissa de Bloom de que olhar para um texto é um deparar-se com uma inter-relação de textos, ainda que não demos conta disto, é amplamente compatível com a tradição hermenêutica que partilhamos e com o modo como esta investigação é feita. Nestes termos, olhar para a Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda é ver um feixe de textos que lhe são condição de possibilidade. Dentre estes, buscamos desvelar aqueles de natureza filosófica. Assim, trazer esta perspectiva da crítica literária, enriquece nossa percepção bem como nos situa num espaço interdisciplinar tão necessária para a compreensão do fenômeno jurídico. diz que o olhar para um texto é, na realidade, uma abertura para as diversas (inter)relações de textos. Assim, qualquer leitura se perfaz como um ato crítico de constante (des)apropriação de sentidos. Partindo dessa premissa, descortina-se esta reflexão.

A proposta é situar a Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda neste ambiente textual e inter-relacional sob o prisma de uma perspectiva denominada de Filosofia no Direito2 2 Sobre essa abordagem, o filósofo Ernildo Stein leciona que: Para enfrentar essa questão é preciso encarar de frente a contribuição dos standards de racionalidade que a Filosofia desenvolve quando ela é mais que uma simples retórica ornamental ou orientação na perplexidade. [...] Dessa maneira, qualquer campo teórico do direito pode esperar respostas importantes de um standard de racionalidade filosófico. Isso, no entanto, pressupõe que o campo teórico do Direito se vincule a determinado paradigma que lhe dá sustento no método e na argumentação. STEIN, Ernildo.Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. p. 136-137. . Ou seja, buscar-se-á compreender quais seriam os pressupostos filosóficos subjacentes nesta construção teórica pontesiana.

Diante da vastidão intelectual da produção de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, o objeto de análise deste trabalho circunscreve-se a sua Teoria do Fato Jurídico3 3 Diante da extensa bibliografia de Pontes de Miranda o presente estudo se limitará, por fins metodológicos, a Teoria do Fato Jurídico exposta nas obras Tratado de Direito Privado Tomo I e Tratado das Ações Tomo I, ambas em cotejo com o livro Sistema de Ciência Positiva do Direito, todas do referido jurista. . E dentro desta, as questões de base, tais como: 1) a relatividade do conhecimento; 2) o conceito de mundo (jurídico); 3) o direito como sistema lógico; 4) a regra jurídica enquanto uma proposição logicamente estruturada; a interpretação como “revelação”. Neste sentido, não será feita uma abordagem dogmática sobre os três planos – existência, validade e eficácia –, tampouco acerca dos tipos de fatos jurídicos existentes.

O objetivo primaz é a assentar o lugar de fala em que repousa a teoria de Pontes de Miranda. Note-se que o jurista brasileiro foi um erudito, transitava por diversas áreas do saber, com isto não se quer reduzir em demasia as diversas influências que provavelmente teve, mesmo que nem sempre as referenciasse. A ideia é perceber certas aproximações com uma determinada concepção filosófica – o que não significa que seja esta exclusiva – mas que teve algum predomínio.

Sob o aspecto metodológico, este estudo fará uso do método fenomenológico hermenêutico que, de modo resumido, pode ser entendido como um revolver do chão linguístico em que se assenta certa tradição no intuito de se obter uma compreensão mais originária do fenômeno. No caso, a teoria do fato jurídico será deslida no intuito de descobrir o que se esconde por detrás de sua formulação, ou seja, o arcabouço filosófico que lhe sustenta.

O artigo está dividido em três partes. Na primeira é feita uma abordagem expositiva da teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda. Na segunda será feita a sua (des)leitura teórica desta, demonstrando suas aproximações com Hans Kelsen bem como as influências que sofreu do Neopositivismo Lógico, com destaque, à Filosofia da Linguagem do primeiro Wittgenstein. Na terceira e última, a discussão se volta ao segundo Wittgenstein e de como este desconstruiu seus próprios pressupostos, fragilizando, assim, consequentemente, a teoria de Pontes. Ademais, será feita uma abordagem crítica demonstrando como a proposta ponteseana era de um Direito sem faticidade a luz de uma compreensão hermenêutica.

Espera-se que ao final este escrito possa contribuir para leituras e escritos outros acerca do empreendimento teórico de Pontes de Miranda, certamente, um dos expoentes mais elevados da Ciência Jurídica em terrae brasilis.

2. A teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda

Antes de tratar especificamente sobre a teoria do fato jurídico cumpre destacar, mesmo que de forma muito breve, alguns apontamentos basilares do pensamento de Pontes de Miranda desenvolvidas em sua obra Sistema de Ciência Positiva do Direito.

Pontes defendia a ideia de uma relatividade gnosiológica4 4 “A relatividade do conhecimento é princípio assaz geral, porque resulta de nós mesmos, da impossibilidade de se perceber a coisa, em sua inteireza e em sua íntima essência”. Cf. MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000. p.109 em que o conhecimento do real não resulta de um conceito das coisas em-si, mas sim de suas interelações5 5 Ibidem, p.76. . Partindo do sofista Protágoras e de sua máxima – “o homem é a medida de todas as coisas” - o jurista argumentava inexistir verdades independentes do sujeito, ou seja, objetivas. Sendo, portanto, a finalidade da ciência a formulação de uma convicção subjetiva6 6 Ibidem, p.77. .

Não obstante ao relativismo, ao menos uma afirmação seria inconteste, a que o mundo material existe. Contudo, a perspectiva humana que se tem da realidade seria uma (re)construção do real circundante. As ciências, portanto, estariam circunscritas no conceito de fato, ainda que de ordens diferentes. Nesta linha, Pontes afirma que:

Tudo o que pode ser conteúdo da consciência é fato. Somente o que nos dá a sensação ou representação são elementos do nosso mundo: assim, para os seres, não o próprio ser, mas as cores, o som, a elasticidade, o espaço, o tempo, é que constituem tais elementos. A coisa, o ser, é símbolo de pensamento para certo complexo de sensações de relativa estabilidade. O objeto do conhecimento são as relações e não os seres7 7 Ibidem, p.83. .

Diante disso, o direito deveria afastar-se das abstrações para viver da realidade social, pois são as relações sociais os fatos a serem observados, sobretudo, em sua conexão simbólica com as regras jurídicas. Estas, por sua vez “incidem no espaço e no tempo a que elas se destinam. Uma vez que compõem todo o suporte fático, a regra jurídica como que colore o que se compôs”8 8 Ibidem, p.99. .

Assim, para Pontes na aplicação do Direito dois processos deveriam ser sublinhados: “1) a análise dos conceitos contidos na norma jurídica e, mais profundamente, da classe das normas; 2) a análise das relações que têm de ser regradas pela lei”9 9 Ibidem, p.99 .

No tratado de Direito Privado (Tomo I) já no inicio do prefácio o jurista faz um afirmação categórica e lapidar: “os sistema jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos10 10 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 1. ed. Tomo I.Campinas: Bookseller, 1999. p.13 ”. Esta logicidade seria proveniente da estrutura das regras jurídicas, que não diferente das demais proposições, usariam conceitos correspondentes à realidade, a fim de assegurar a certeza quanto a sua incidência11 11 Cf. MIRANDA, Pontes de, 1999.p.13. .

Com este processo os simples fatos seriam marcados pela “imposição” da regra tornando-se jurídicos, e, por isto ingressariam no mundo juridicus. Com isto, nas relações sociais, o direito seria uma espécie de ordenador do caos (redutor de complexidade), isto é, imporia ao devir certa ordem que lhe permitisse a estabilização das relações sociais12 12 Sobre isto Pontes afirma que: Mediante estas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interesses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Tomo I. Campinas: Bookseller, 1998-1999. p.13. .

A aplicação de uma determinada regra jurídica decorreria da determinação semântica de seu conteúdo, o que seria realizado pelo intérprete e de modo não arbitrário. E isto somente teria sentido dentro de uma concepção de linguagem em que cada conceito jurídico presente na regra pudesse ser observado nas relações sociais, afastando, portanto, dúvidas quanto a sua aplicabilidade. Neste sentido, Pontes declara:

O sistema jurídico contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fático, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fático, aquilo sobre o que elas incidem, apontado por elas13 13 Idem, 1999. p.15 .

O jurista exemplifica isto a partir do art. 1° do Código Civil, à época, que assim prescrevia: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”. Para Pontes, este seria um suporte fático muito simples, centrado no conceito de “Homem”. Deste modo, havendo um ser humano vivo, logo se teria a incidência do comando legal14 14 Cf. Ibidem, p.15. . Destarte, os conceitos deveriam ser exatos e precisos dirimindo assim dúvidas quanto à incidência ou não de uma determinada regra jurídica.

Todavia, sendo o direito entendido de modo sistemático a interpretação de um comando legal nunca se daria de modo isolado, ao revés, demandaria uma compreensão do todo, para após revelar seu conteúdo, mantendo a consonância sistêmica15 15 Ibidem, p.15-16. .

Pontes observa que essa “revelação” não seria de uma vontade objetiva da lei insculpida pelo legislador, pois diante do caráter histórico haveria sempre verificar os conteúdos diante da realidade presente, e isto em conformidade com as possibilidades do sistema16 16 Neste sentido declara Pontes: Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter em mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Ibidem, p.18. .

Deste modo, a ciência do direito teria como função precípua efetuar uma limpeza semântica do conteúdo das regras a fim de manter a pureza lógica e a completude do sistema jurídico. Em suas palavras, Pontes define que:

A atividade mais relevante da ciência do direito consiste, portanto, em apontar quais os termos, com que se compuseram e com o que se hão de compor as proposições ou enunciados, a que se dá o nome de regras jurídicas, e quais as regras jurídicas que, através dos tempos foram adotadas e aplicadas. A sucessão histórica dessas regras obedece a leis sociológicas. Outra atividade, que não é menos inestimável do que aquela, está no interpretar o conteúdo das regras de cada momento e tirar delas certas normas ainda mais gerais, de modo a se ter em quase completa plenitude o sistema jurídico17 17 Ibidem, p.19.

Dentro da proposta teórica pontesiana a noção fundamental do direito é a de fato jurídico18 18 Cf. Ibidem, p.20. , que surge a partir da incidência de uma regra19 19 Nesta linha, Pontes declara que: Quem diz “aí está o sistema jurídico” diz há elementos fáticos sobre os quais incidiu regra jurídica. Tal regra pode ser escrita, ou não escrita; em ambos os casos, faz parte do sistema jurídico, que é um cálculo lógico. Ibidem, p.21. . A soma destes fatos constituiria o mundo jurídico, que por sua vez estaria contido no mundo dos fatos. Este esquema pode ser explicado num raciocínio desenvolvido pelo próprio Pontes, que assim expôs:

(a) O mundo jurídico está no conjunto a que se chama o mundo.

(b) O mundo concorre com fatos seus para que se construa o mundo jurídico; porém este seleciona e estabelece a causação jurídica, não necessariamente correspondente à causação dos fatos.

(c) A juridicização é o processo peculiar ao direito; noutros termos o direito adjetiva os fatos para que sejam jurídicos (= para que entrem no mundo jurídico)20 20 Ibidem, pp.51-52. .

Esta distinção entre o mundo fático e o mundo jurídico também é retomada por Pontes jurista no Tratado das ações (Tomo I). Neste ele afirma que:

Os conceitos que usa o jurista são conceitos de dois mundos diferentes: o mundo fático, em que se dão os fatos físicos e os fatos do mundo jurídico, quando tratados somente como fatos do mundo fático e o mundo jurídico em que só se leva em conta o que nele entrou, colorido pela regra jurídica que incidiu21 21 Idem, 1998-1999. p.21. .

A respeito do surgimento das regras jurídicas Pontes formula um argumento histórico-antropológico. Para o jurista, o ser humano, diante de toda a sua experiência concreta com a realidade circundante, passou a reconhecer-se como sujeito (sub-iectus). Neste processo, na tentativa de ordenar o caos, passou a dar ordem e previsibilidade aos fatos da vida comum. Este seria o gérmen, ainda que inconsciente, das regras jurídicas22 22 Cumpre notar que em Pontes esta criação aparenta não ser arbitrária, pois haveria alguma base natural que limitaria, ou menos, influenciaria neste processo. Esta suposição pode ser observada no excerto seguinte em que está comentando sobre o surgimento das regras jurídicas: “Não exageremos, porém, esse papel de pensamento. As sociedades animais e as sociedades humanas são subordinadas a leis de simetria como todos os fatos do mundo inorgânico”. Ibidem, pp.22-23. . Por isso, a regra jurídica já nasceria com a indicação dos fatos sobre os quais deveria incidir.

Neste sentido a regra jurídica funcionaria como a técnica que, como a sua incidência, tornaria jurídicos os fatos que outrora pertenceriam tão somente ao mundo fático. Esta regra seria uma proposição, escrita ou não, logicamente estruturada em antecedente e consequente (dado a, b ou c; então F).

Os fatos que ingressam no mundo jurídico teriam como pressuposto o suporte fático das regras que, como um filtro, definiria a juridicidade da(s) ocorrência(s). Com a incidência da regra jurídica, os suportes fáticos seriam convertidos em fatos jurídicos. Assim, as regras jurídicas seriam semelhantes a leis da mecânica na física, porém, voltadas para a ordenação e coordenação da vida social23 23 Cf. Idem, 1999. p.56 .

A incidência das regras jurídicas seria uma decorrência da realização do suporte fático no mundo dos fatos, tornando-os, “automaticamente” jurídicos. Isto ocorreria no mundo dos pensamentos, por isso a aplicação e\ou atendimento do comando legal poderia não coincidir com a sua incidência24 24 Cf. Ibidem, p.62-63. .

Outro elemento fundante para Pontes é o suporte fático (Tatbestand). Este seria o fato, ou conjunto deste, que compõe a regra jurídica e delimita seu espectro de incidência. O jurista entendia que inúmeros fatos do mundo poderiam ingressar no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica. No entanto, com o suporte fático haveria uma distinção entre fatos relevantes e irrelevantes para o direito ou mesmo ajurídicos.

O fato jurídico, portanto, seria o “que fica do suporte fático suficiente quando a regra jurídica incide e porque incide25 25 Ibidem, p.126. ”. Por tornar-se um fato do mundo do direito, isto é, por existir nesta dimensão, é que poderia se falar de uma eficácia. Neste sentido, Marcos Bernardes de Mello frisa que há duas conotações que devem ser consideradas ao tratar do suporte fático, quais sejam: “a) uma que designa o enunciado lógico da norma em que se representa a hipótese fáctica condicionante de sua incidência; b) outra, que nomeia o próprio fato quando materializado no mundo26 26 MELLO, Marcos Bernardes de. Contribuição a teoria do fato jurídico. 2. ed. Maceió: 1982, p.26. .”

Como decorrência, a vida dos fatos jurídicos seria compreendida em três planos: o da existência, da validade, e da eficácia. Esta distinção lógica, com consequências jurídicas diversas, buscava delimitar “o ser”, “o ser válido”, e “o ser eficaz” dos fatos do direito, o que para Pontes ainda não era levado em conta de modo adequado pela doutrina civilista pátria.

O plano da existência seria a dimensão sine qua non dos demais, seria o reino do ser. Nele encontrar-se-iam todos os fatos jurídicos. O plano da validade referir-se-ia aos fatos que por possuírem a vontade humana como elemento nuclear demandariam uma análise quanto a sua perfectibilidade, isto é, uma verificação se há ou não algum vício invalidante. Já o plano da eficácia trataria dos efeitos dos fatos jurídicos que criariam situações/relações jurídicas.

3. A teoria do Fato Jurídico nas entrelinhas: ou do que esconde naquilo que se mostra

Na parte anterior foi feita uma abordagem descritiva da Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda. Nesta seção, os aspectos gerais de base desta construção serão (des)lidos a partir da Filosofia, procurando desvelar os vetores de racionalidade (Stein) que lhes serviram de sustentáculo.

Os pontos de análise sobre a Teoria do Fato Jurídico serão: 1) relativismo do conhecimento; 2) A concepção de mundo como totalidade de fatos; 3) o direito como sistema lógico; 4) a regra jurídica como uma proposição logicamente estruturada 5) limites de inteligibilidade da ideia de suporte fático, e 6) a interpretação como “revelação”. Esta separação tem fins apenas metodológicos, na construção pontesiana todos estes aspectos estão concatenados, como será demonstrado.

Pontes acredita que o conhecimento da realidade é relativo ao sujeito, ou seja, não é um dado que possui um sentido essencial. Ademais, a ideia sobre os entes também não seria resultante de um recorte isolado de uma porção do real, ao contrário, estes se apresentariam inter-relacionados sendo possível (apenas) conhecer estas relações.

Deste modo, o mundo não é compreendido objetivamente como que dotado de um sentido intrínseco, ao revés, é uma construção que ordena o caos:

A vida é uma sucessão permanente de fatos. Desde o nascimento até a morte, com todos os atos que integram a vida, desde a estrela cadente que vai-e-vem da onda do mar, tudo que nos cerca, física ou psiquicamente, são fatos. O “mundo mesmo”, na expressão de Pontes de Miranda, “em que vemos acontecerem os fatos é a soma de todos os fatos que ocorreram e o campo em que os fatos futuros vão dar”27 27 Ibidem, p.18. .

O mundo é entendido com uma totalidade de fatos, sendo alguns destes irrelevantes ao direito. Desta maneira, abarca dentro de si, como um subconjunto, o mundo jurídico que, por consequência, seria composto da totalidade dos fatos jurídicos. Estes não seriam assim naturalmente, mas assumiriam esta “natureza” devido à incidência normativa que impõe esta adjetivação. Deste modo, Pontes define: “o mundo jurídico, que é o mundo físico em que as regras jurídicas incidem, fazendo jurídicos fatos que, sem elas, estariam sem essa colocação que o homem lhes deu28 28 Idem, 1998-1999, p.23. ”.

Assim, “o sistema jurídico, que é um sistema lógico, há de ser entendido em toda a sua pureza29 29 Ibidem, p.16. ”. O dever ser, a incidência, não opera no mundo ser, natural, diferentemente, se dá num plano lógico:

O sistema de proposições da ciência jurídica não se dirige aos fatos, acrescentemos, sem a mediação das proposições jurídicas que qualificam os fatos. Sem as proposições normativas do direito positivo, nenhum fato do mundo pertence ao universo jurídico. Normas e fatos são Form und Stoff no ser integral do Direito30 30 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p.118. .

Vilanova entende que a expressão da linguagem jurídica é ambígua e se manifesta em níveis diferentes. O nível da ciência do direito – e nesta se insere o empreendimento pontesiano – e o nível do direito, propriamente dito31 31 Ibidem, p.25. . Este serviria de objeto para aquele. As normas seriam proposições prescritivas e a ciência fariam descrições destas, formalizando um sistema lógico.

As regras jurídicas, à primeira vista, encobririam as suas formas lógicas em virtude das referências aos fatos do mundo que integram seu universo. Retomando o próprio exemplo trazido por Pontes do art. 1° do Código Civil – “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil” – na linguagem simbólica seria: havendo F (ser homem), logo S (capacidade de ter direitos e obrigações).

Para Pontes a regra jurídica, que permite a entrada de determinados fatos no mundo jurídico (suporte fático), há de ser interpretada, sendo seu sentido uma “revelação”. Em outras palavras, não seriam criadas no ato interpretativo. Contudo, diante dos dois níveis da linguagem, sua literalidade não seria proveniente da linguagem comum/ordinária, mas sim da Ciência do Direito que conseguiria, artificialmente, expurgar ambiguidades e contradições do sistema. Desta forma, sobre o conteúdo das regras jurídicas o jurista afirma que

Tem-se de interpretar, primeiro, gramaticalmente, mas já aí as palavras podem revelar sentido que não coincide com o dicionário vulgar (pode lá estar rescisão, e tratar-se de resolução; pode lá estar condição, e não ser de condicio que se há de cogitar; pode falar-se de erro, e só se dever entender o erro de fato, e não de direito). O sentido literal é o sentido literal da ciência do direito, tendo em vista que o próprio redator da lei ao redigi-la, exercia função da dimensão política, e não da dimensão jurídica, pode não ser jurista ou mau jurista, ou falso jurista, o que é pior32 32 Idem, 1999, p.18. .

Algumas aproximações já podem ser observadas entre a Teoria do Fato Jurídico e a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Logo de início pode-se perceber que ambos os projetos almejam uma pureza metodológica33 33 Acerca desta característica teórica em Hans Kelsen – note-se que esta também pode ser vista em Pontes de Miranda – Wayne Morrison acentua que: “A teoria trata do Direito simplesmente em termos de estrutura formal, deixando todas as questões de propósito ou conteúdo para além dos interesses dos cientistas jurídicos, tendo a sua “pureza” qualificada como um estreitamento do papel da teoria jurídica na teorização sobre o mundo social”. MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. destinada aos seus empreendimentos científicos e não ao Direito enquanto uma práxis social. Kelsen faz questão de frisar que

(…) la teoría pura del derecho es una teoría pura del derecho, no la teoría de un derecho puro como sus críticos han afirmado erróneamente a veces. Un derecho “puro” podría solo significar – si es que puede significar algo – un derecho recto es decir un derecho justo. Pero la teoría del derecho no quiere no puede ser una teoría del derecho recto o justo pues no pretende dar respuesta a la pregunta: ¿qué es lo justo? En tanto ciencia del derecho positivo es – como ya se ha dicho- una teoría del derecho real, del derecho tal como es creado realmente por la costumbre, la legislación o la decisión judicial y tal como es efectivamente en la realidad social, sin entrar a considerar si este derecho positivo puede ser calificado desde un punto de vista de algún valor, es decir, desde de un punto de vista político, como bueno o malo, como justo o injusto; todo derecho positivo puede ser considerado como justo desde un punto de vista político y como injusto desde otro punto de vista también político; pero esto no puede suceder desde el punto de vista de la ciencia del derecho que como toda ciencia verdadera no valora su objeto sino que lo describe, no lo justifica o condena emocionalmente, sino que lo explica racionalmente.34 34 KELSEN, Hans.¿ Qué es la Teoría Pura del derecho? 5. ed. Colonia del Carmen-MEX: Distribuciones Fontamara, 1997, p.31. Livre Tradução: (…) a teoria pura do direito é uma teoria pura do direito, não uma teoria do direito puro como seus críticos tem afirmado erroneamente as vezes. Um direito “puro” somente poderia significar – se é que pode significar algo – que um direito reto é direito justo. Mas a teoria do direito não quer e não pode ser una teoria do direito reto ou justo, pois não pode pretender dar a resposta à pergunta: o que é o justo? A ciência do direito positivo é – como se tem dito – uma teoria do direito real, do direito tal como é criado realmente pelo costume, pela legislação ou a decisão judicial e tal como é efetivamente na realidade social, sem entrar na consideração se este direito positivo pode ser qualificado desde o ponto de vista de algum valor, isto é, desde um ponto de vista político, como bom ou mal, como justo ou injusto; todo o direito positivo pode ser considerado justo desde um ponto de vista político; mas isto não pode acontecer desde um ponto de vista da ciência do direito que como toda a ciência verdadeira não valora seu objeto apenas o descreve, não o justifica ou o condena emocionalmente, mas o explica racionalmente. .

Deste modo, para Kelsen a interpretação científica seria um ato de conhecimento, “pura determinação congnoscitiva do sentido das normas jurídicas35 35 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 6. ed. rev. da tradução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.370. ”. No âmbito da Recthswissenschaft, ao intérprete caberia apenas apresentar com neutralidade e imparcialidade as significações normativas possíveis. A pureza buscada somente seria possível cindindo a linguagem em dois níveis, o nível lógico-científico (descritivo) e o nível da aplicação concreta do direito (prescritiva). A teoria do Fato Jurídico de Pontes também pressupõe esta distinção.

Noutro passo, tanto Pontes como Kelsen partem de uma concepção relativista para construir suas teorias. Kelsen afirma categóricamente que: “la teoría pura del derecho es positivismo jurídico, el simplemente la teoría del positivismo jurídico, y el positivismo jurídico esta íntimamente ligado con el relativismo36 36 Idem, 1997, p.31. ”. Com isto o jurista se apartava do Jusnaturalismo que buscava um fundamento último (metafísico) para o direito. Assim, para ambos a origem do direito seria a vontade humana. Deste modo, diferente de uma ciência natural, o elemento volitivo é que torna algo como jurídico mediante uma imputação (Kelsen), uma incidência (Pontes).

Diante destas similaridades, pode-se inferir que Pontes de Miranda e Hans Kelsen37 37 Destaca-se também, apesar de não ser objeto deste trabalho, que juntamente com o Neopositivismo Lógico Hans Kelsen também foi bastante influenciado pelo Neokantismo, tanto da Escola de Marburgo com da Escola de Baden. partilhavam, ainda que parcialmente, de um mesmo background filosófico. Neste sentido, apresenta-se o Neopositivismo Lógico do Círculo de Viena e suas elaborações sobre a Ciência, como um movimento que influenciou o projeto teórico dos dois juristas.

Em síntese, o Neopositivsimo Lógico constitui-se em um movimento formado por filósofos e cientistas de várias áreas do saber, que se reuniam em Viena na primera metade do séc. XIX para discutir, dentre outros temas, os problemas dos fundamentos do conhecimento científico. Dentre os membros proeminentes do Círculo de Viena encontram-se Moritz Schlick, Rudolf Carnap, Otto Neurath, Herbert Feigl, Philipp Frank, Friedrich Waissman, Hans Hahn.

No primado de uma razão teórica, intentaram produzir um conhecimento científico rigoroso e exato, livre das ambiguidades e conceitos vazios de sentido encontrados na linguagem comum. Dessa forma, pensavam acerca da necessidade de um outro nível de linguagem, mais lógico-analítico, que dava prevalência às análises sintáticas (relação dos signos com os signos) e semânticas (relação dos signos com os objetos que representam) em detrimento da pragmática (relação do signo com o emissor e receptor da mensagem).

Mesmo não havendo uma unidade filosófica quanto aos meios, o Círculo de Viena compartilhava um programa comum que pode ser sintetizado em quatro pontos: 1) a redução da filosofia a uma teoria do conhecimento; 2) a distinção das ciências, não mais em ciências da natureza e ciências humanas, e sim em ciências empíricas e analíticas; 3) o logicismo como programa de redução das ciências analíticas; 4) o reducionismo como programa de redução das ciências sintéticas ou empíricas38 38 QUELBANI, Mélika. O Círculo de Viena. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p.17. . O Neopositivismo Lógico ficou também conhecido como empirismo lógico/científico.

No intento de unificar a ciência pensavam numa metodologia científica capaz de evitar as disputas metafísicas. Nesse sentido, uma das doutrinas mais características foi denominada de princípio da verificação ou negação, em que a inteligibilidade do significado de uma proposição estava circunscrito a sua verificação (empírica)39 39 Cf. BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1997, p.304-305 .

Neste contexto, forjou-se a concepção fisicalista, que entendia que a objetividade seria independente da perspectiva humana e que esta seria baseada apenas em fatos brutos. Esses fatos estariam circunscritos àquilo que seria passível de ser mensurado, quantificado em termos matemáticos. Como resultado ter-se-iam apenas conceitos extensionais que, acreditavam, não necessitar de um compartilhamento de formas de vida para o seu conhecimento. Isto é, ao afirmar que água ferve a cem graus celsius, o enunciado seria objetivamente válido e verdadeiro em qualquer lugar mesmo diante das idiossincrasias culturais.

Discorrendo sobre a influência desta concepção no direito, Cláudio Michelon Jr. Diz que “de um lado, tanto realistas quanto Kelsen ligam a objetividade (o que pode ser descrito) a um “mundo físico”, a um “mundo do tempo e do espaço” etc. e, dessa forma, pretendem privilegiar a ciência que se tornou o padrão para o conhecimento “absoluto” (independentemente de nossa perspectiva): a física”40 40 MICHELON JR, Cláudio Fortunato. Aceitação e objetividade: uma comparação entre as teses de Hart e do positivismo precedente sobre a linguagem e o conhecimento do direito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2004. p. 116-117. .

Nota-se que isto também é extensível à teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda. Observa-se que o mundo jurídico é apenas parte do mundo físico que foi colorido pela incidência normativa, sendo o suporte fático o elemento indispensável de verificabilidade. Mas quais seriam os fatos poderiam ser marcados pelo direito? Pontes responde a esta indagação nos seguintes termos:

Fatos juridicizáveis (= suscetíveis de entrada no mundo jurídico) podem ser acontecimentos simples, acontecimentos em complexo, estados ou acontecimentos continuativos. O acontecimento simples é aquele que não se pode desagregar em dois ou mais. É o fato atômico de L.Wittgenstein41 41 Idem, MIRANDA, Pontes de. 1999, p.69. .

Qualquer acontecimento, ou seja, uma externalidade passível de comprovação, algo que provoque alguma alteração no mundo físico, pode constituir o suporte fático. O que é também bastante significativo neste fragmento é a menção feita ao filósofo Ludwig Wittgenstein. Diante deste rastro – que permite a inferência acerca do conhecimento de sua filosofia – cumpre observar se este filósofo exerceu alguma influência de base no projeto pontesiano sob análise.

Wittgenstein, apesar de não estar entre os membros do Círculo de Viena, influenciou significativamente este movimento, sobretudo, em sua obra Tractatus Logico-Philosophicus. Este escrito, um dos principais da filosofia do séc. XX, contém teses simples, mas que projetam consequências problemáticas. Franca D’Agostini as resume nos seguintes termos:

O mundo é o conjunto dos fatos, nós formamos imagens desses fatos, e algumas dessas imagens são “linguísticas”, isto é, são proposições. Essas imagens linguísticas têm determinada forma, tem um sentido, tem um valor de verdade (podem ser verdadeiras ou falsas). Ora, tem sentido somente as proposições (verdadeiras ou falsas) que constituem imagens de fatos do mundo (reais ou possíveis) ou que constam de uma composição de tais imagens. Disso resulta que as proposições da metafísica, da ética, da teologia (também da psicologia ou da estética) são privadas de sentido, e é impossível falar destes argumentos de modo “sensato”42 42 D'AGOSTINI, Franca. Analíticos e continentais: guia à filosofia dos últimos trinta anos. São Leopoldo: UNISINOS, 2002. p.303 .

Sob o ponto de vista ontológico do Tractatus o mundo é entendido como um conjunto de fatos, ou seja, é composto das relações entre os objetos e não de entes isolados. Os fatos manifestam-se como componentes básicos a partir dos quais o mundo é construído43 43 Cf. MARQUES, Edgar. Witgenstein & o Tractatus. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p.31. . Isto já se evidencia na abertura da obra em que Wittgenstein assim declara:

1. O mundo é tudo o que ocorre.

1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.

1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir em todos os fatos.

1.12 A totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e também tudo que não ocorre.

1.13 Os fatos, no espaço lógico, são o mundo.

1.2 O mundo se resolve em fatos.

1.21 Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer na mesma.

2 O que ocorre, o fato, é o subsistir dos estados de coisas.

2.01 O estado de coisas é uma ligação de objetos (coisas)44 44 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logicus-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1968, p.55. .

Nesta perspectiva, a linguagem se torna uma figuração da realidade. Assim, as proposições podem ser verificáveis ou não a partir de sua redutibilidade a fatos observáveis, e por consequência com a aplicação das leis da lógica, atestar a sua veracidade/falsidade. Destarte, apresentam-se os seguintes aforismas wittgensteinianos:

4. O pensamento é a proposição significativa.

4.001. A totalidade das proposições é a linguagem45 45 Ibidem, p.70. .

(...)

4.01. A proposição é figuração da realidade46 46 Ibidem, p.71. .

(...)

4.1 A proposição representa a subsistência e a não-subsistência dos estados de coisas47 47 Ibidem, p.76. .

(...)

4.2 O sentido de uma proposição é sua concordância ou sua discordância com a possibilidade da subsistência ou não-subsistência de estados de coisas48 48 Ibidem, p.82. .

(...)

4.3 As possibilidades de verdade das proposições elementares denotam as possibilidades da subsistência e da não-subsistência de estados de coisas.

(...)

4.4 A proposição é a expressão da concordância e da discordância com as possibilidades de verdade das proposições elementares49 49 Ibidem, p.84 .

Há para Wittgenstein uma relação entre os fatos e as proposições. O fato corresponde à realidade, é percebido e projeta uma imagem no pensamento, esta é expressa linguisticamente (e logicamente) numa proposição. A logicidade das proposições é uma decorrência do pensamento uma vez que este é uma figuração lógica dos fatos 50 50 Cf. Ibidem, p.61. .

Após estas incursões na filosofia do primeiro Wittgenstein51 51 A referência ao primeiro Wittgenstein decorre do fato que o próprio filósofo questionou posteriormente suas ideias expressas no Tractatus, período que caracteriza um segundo Wittgenstein e que é marcado com a publicação das Investigações Filosóficas. os nexos com a Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda saltam aos olhos, tamanha a similaridade, mesmo não havendo este reconhecimento expresso do jurista.

Assim, é possível identificar uma influência wittgensteiniana em Pontes nos seguintes aspectos: 1) no conceito de mundo físico, como a totalidade dos fatos e de mundo jurídico como a totalidade dos fatos jurídicos; 2) na compreensão relacional acerca do conhecimento sobre as coisas do mundo, ou seja, não isolacionista; 3) na ideia de regra jurídica como uma proposição lógica e o direito como sistema lógico uma vez que ambos resultam do pensamento que imagina – no sentido de formar imagens – o real; 4) no suporte fático como figuração dos fatos jurídicos 5) na ideia de infalibidade da incidência por operar no mundo do pensamento que, por óbvio, prescindi de efeitos concretos para sua existência; 6) na interpretação como “revelação”, sendo a linguagem figurativa ela espelha algo que pode ser verificado, isto é, não é uma criação, é um projetar do pensamento.

Na desleitura da Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda encontraram-se as ideias filosóficas que Wittgenstein formulou no Tractatus, o questionamento que se impõe é: com a superação desta cosmovisão filosófica não ruiria também o edifício pontesiano que se assentou sobre ela? Sobre isto versará a parte seguinte.

4. Wittgenstein II, o problema: (Pode) uma Teoria do Fato Jurídico sem faticidade?

Pelo que já foi apresentado, pressupõe-se que a Teoria do Fato Jurídico do Pontes de Miranda foi edificada sobre a filosofia do primeiro Wittgenstein. Diante disto, faz-se necessário apresentar, ainda que em linhas gerais, a ruptura que o filósofo fez com a sua própria construção. Esta exposição objetiva observar como a teoria pontesiana sobreviveria às (mesmas) críticas feitas à tradição que lhe serviu de fundamento.

Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas, expõe todo um repensar de sua própria filosofia expressa no Tratactus, que estava inserida numa concepção objetivista da linguagem. Nesse primeiro momento, o filósofo entendia que a relação entre a linguagem e o mundo se dava mediante a designação. O caráter designativo era visto como o principal ou até mesmo o único da linguagem52 52 Sobre o tema Manfredo Araújo de Oliveira declara que: ‘Precisamente nisso vai consistir para ele a limitação da filosofia ocidental da linguagem. Essa teoria designativa da linguagem assumiu duas formas: há os que afirmam que as palavras designam pura e simplesmente as coisas singulares, pois, além de coisas singulares e palavras nada existe. Ou, então, numa outra linha muito mais forte na tradição ocidental, diz que com uma palavra pode-se designar muitas coisas, porque as palavras designam não coisas singulares, mas a essência como a muitas coisas. [...] Em suma, as palavras têm sentido porque há objetos que elas designam: coisas singulares ou essências. Esses objetos são dos mais diferentes tipos, havendo mesmo objetos muito especiais, os fatos, as situações objetais, designados pelas frases. A última forma desta teoria no Ocidente é, exatamente, a teoria da afiguração como correspondência entre frase e estado de coisas, respectivamente, fatos, elaborada no Tratactus. A frase representa, por semelhança estrutural, o estado de cosias por ela referido. A teoria do Tratactus significa, assim, uma reformulação da teoria tradicional da semelhança entre linguagem e mundo. Já que a linguagem não passa de um reflexo, de uma cópia do mundo, o decisivo é a estrutura ontológica do mundo que a linguagem deve anunciar. A essência da linguagem depende, assim, em última análise, da estrutura ontológica do real. Existe um mundo em si que nos é dado independente da linguagem, mas que a linguagem tem a função de exprimir. Foi por ter radicalizado no Tratactus tal posição que Wittgenstein se deixou guiar pelo ideal de uma linguagem perfeita capaz de reproduzir com absoluta exatidão a estrutura ontológica do mundo’. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. p. 120-121. . O mundo teria uma existência “em si” e sua estrutura poderia ser racionalmente conhecida, sendo, a posteriori, comunicada por intermédio da linguagem, que teria, portanto, uma importância secundária.

Nas Investigações, o filósofo contrapõe essa (quase) exclusividade da função designativa da linguagem. Ao indagar “quantos tipos de frases existem?”, responde que são inúmeros e que essa pluralidade não é fixa, pois novos (tipos) jogos de linguagem nascem enquanto outros envelhecem. A multiplicidade destes jogos poderia ser vista por meio de vários exemplos, a constar: comandar, agir conforme comandos, descrever, produzir, relatar, conjecturar, expor, apresentar inventar, representar, cantar, resolver etc53 53 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. § 23, p. 35-36. .

Aprofundando essa crítica, Wittgenstein confronta a pressuposição epistemológica de que o conhecimento humano seria algo não linguístico54 54 Idem, OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. 1996, p. 127. . Assim, não existiria um mundo independente da linguagem, e que esta deveria apenas espelhá-lo. O mundo seria manifesto na e pela linguagem. Ora, desse modo, abandona-se o ideal de exatidão das palavras, que passa a ser entendido como um mito filosófico.

No entanto, ainda seria possível determinar a significação das palavras, não de modo prévio e definitivo, mas, transitoriamente, por intermédio do contexto socioprático em que são utilizadas55 55 Nesta linha, Paulo Alcofarado entende que em Wittgentein ‘[...] a pesquisa acerca do significado das expressões linguísticas deve voltar-se para o seu contexto de uso e não para sob o ponto de vista de linguagens formalizadas’. In: ALCOFORADO, Paulo. A Filosofia da Linguagem Ordinária. Acta Semiológica et Lingvistica, João Pessoa, v. 4, n. 1, 1980. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/actas/article/view/16609/9472>. Acesso em: 17 nov. 2014. . Assim, Manfredo Araújo56 56 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. p. 132 conclui que

O cerne da reflexão linguística de Wittgenstein deixa de ser a linguagem ideal para se tornar a situação na qual o homem usa a sua linguagem; então o único meio de saber o que é a linguagem é olhar seus diferentes usos.

À filosofia caberia apenas descrever o funcionamento da linguagem, seus diversos usos, sem justificá-la57 57 Idem, WITTGENSTEIN, Ludwig. 1999. § 124, p. 67. . A linguagem é vista como parte constitutiva de um determinado contexto de ação, denominado de “forma de vida”58 58 O conceito de “formas de vida” (Lebensform), apesar de muito importante na segunda filosofia de Wittgenstein, aparece poucas vezes nas Investigações e uma vez em Sobre a Certeza. Ainda que relacionadas aos jogos de linguagem, as formas de vida assumem um caráter mais geral e elementar, como um padrão injustificado da atividade humana e que, arraigado culturalmente, manifesta-se com um dado. É o locus em que a linguagem se constitui, sendo seu “fundamento” último. CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998. p. 101-105. , que é necessariamente compartilhado. Assim, as várias formas de vida possibilitariam muitos usos/jogos de linguagem. Nas palavras de Wittgenstein59 59 Ibidem, § 23, p. 35. :

Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando, talvez? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego daquilo que chamamos de “signo”, “palavras”, “frases”. E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre, mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são esquecidos. (Uma imagem aproximada disto pode nos dar as modificações da matemática).

O termo “jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida.

Esta analogia com os jogos possibilita pensar numa ação intersubjetiva mediante regras que também são coletivamente aceitas. Araújo60 60 Idem, OLIVEIRA, 1996. p. 139. destaca que o conceito de jogos de linguagem tem como objetivo denotar que em contextos distintos, diferentes regras são seguidas, sendo estas necessárias para a determinação do sentido das expressões linguísticas. Estas regras de uso formariam uma gramática profunda que revelaria uma concordância de um modo de vida61 61 Idem, WITTGENSTEIN, Ludwig. 1999. § 241, p. 98. . A partir desse quadro de referência, seriam determinadas as fronteiras das ações possíveis, que seriam “livremente” feitas pelos participantes, mesmo porque ainda existiriam usos não regulados62 62 Ibidem, § 68, p. 53. . Por isso, mesmo sob as mesmas regras, cada um jogaria à sua maneira.

Outra ideia central na (segunda) filosofia de Wittgenstein é a noção de seguir uma regra63 63 Nesse sentido, Glock sustenta que: “Rules play a crucial role in Wittgenstein philosophy because of two abiding convictions: firstly, language is a rule-guided activity; secondly, the priori status of logic, mathematics and philosophy derives from such rules”.GLOCK, Hans-Johann. A Wittgenstein dictionary. Malden, MA: Blackwell, 2005. p. 323. Tradução livre: “Jogo de regras tem uma função crucial na filosofia de Wittgenstein por causa de duas convicções permanentes: primeiramente, linguagem é uma atividade guiada por regras; em segundo lugar, o status antecedente da lógica, matemática e filosofia deriva de tais regras”. (Rule-Following). Diferentemente do Tratactus em que a linguagem é concebida como cálculo e as regras estariam num plano lógico-sintático, nas Investigações as regras se escondem por detrás da superfície da linguagem natural64 64 Ibidem, p. 324. . Não obstante ao fato do filósofo não ter intentado desenvolver um conceito (analítico) de regra, partindo de vários exemplos, Hans-Johann Glock extrai seis pontos gerais:

a) Regras são padrões de correção, elas não descrevem, por exemplo, como as pessoas falam, mas ao invés definem o que é falar corretamente ou com significado.

b) Existe uma diferença entre uma regra e sua expressão, a formulação da regra, assim como entre um número e um numeral (e.g., a mesma regra pode ser expressa em diferentes linguagens). Mas a diferença não é entre uma entidade abstrata e seu nome concreto, mas entre a função normativa e a forma linguística usada para realizar essa função. Nós podemos esclarecer a noção de uma regra por intermédio da investigação do papel das formulações das regras.

c) Diferente dos comandos ou ordens, regras são inerentemente gerais uma vez que governam com frequência uma multiplicidade ilimitada de ocasiões.

d) Características como (a) ou (c) não são vinculadas às formas particulares das palavras – uma proposição gramatical expressando uma regra linguística não precisa ser uma afirmação metalinguística sobre o emprego das palavras, ou conter expressões de generalidade (gerais/genéricas). Ao contrário, elas dependem se uma expressão tem uma função normativa numa dada ocasião.

e) ‘Seguir-Regras’ é um verbo-realização: existe uma diferença entre acreditar que alguém está seguindo a regra e realmente segui-la.

f) O ponto crucial de mudança na concepção de regras linguísticas de Wittgenstein está na existência de uma diferença entre seguir uma regra e meramente agir de acordo com uma regra. Todavia, seguir-regras pressupõe uma regularidade no comportamento, isto não o distingue de regularidades naturais como o movimento dos planetas ou atos humanos que acontecem em conformidade com regras involuntariamente. Se um agente segue a regra em Φing, a regra deve ser parte de suas razões para Φing, e não apenas uma causa. Ele não tem uma opinião sobre ou consulta a formulação das regras enquanto Φing, é somente necessário que ele a apresente, justifique ou explique sua Φing. [...]. Esses são casos em que é guiado passivamente, sem ser capaz de explanar porque ele agiu daquela forma, ou ensinar outros a técnica de seguir essa orientação65 65 Livre tradução. No original: ‘a) Rules are standards of correctness; they do not describe, for example, how people speak, but rather define what it is to speak correctly or meaningfully; b) There is a difference between a rule its expression, a rule-formulation, just as between a number and a numeral (e.g., the same rule can be expressed in different languages). But the difference is not one between an abstract entity and its concrete name, but one between a normative function, and linguistic form used to perform that function. We can clarify the notion of a rule by investigating the role of rule-formulations; c) Unlike commands or orders, rules are inherently general in that they govern an often unlimited multiplicity of occasions; d) Features like (a) or (c) are not tied to particular forms of words – a grammatical proposition expressing a linguistic rule need not be a metalinguistc statement about the employment of words, or contain expressions of generality. Rather, they depend on whether an expression has normative function on a give occasion; e) ‘Rule-following’ is an achievement-verb: there is a difference between believing that one is following the rule and actually following it; f) The crucial point for the change in Wittgenstein conception of linguistic rules is that there is a difference between following a rule and merely acting in accordance with a rule. Although rule-following presupposes a regularity in behaviour, this does not distinguish it from natural regularities like the movement the planets or human acts which happen to conform to a rule unintentionally. If an agent follows a rule in Φing, the rule must be part of his reason for Φing, and not just a cause. He does not have a think about or consult the rule-formulation while Φing, it is only required that he would adduce it justify or explain his Φing. (…). These are cases in which is guided passively, without being able to explain why he acts as he does, or to teach others the technique of following this guidance.’ Ibidem, p. 324-325. .

Estas regras seriam seguidas porque socialmente adquire-se o hábito de reconhecê-las e agir de uma determina maneira. Como jogar xadrez, aceitar uma ordem ou fazer uma comunicação, seguir uma regra é um hábito66 66 Idem, 1999. § 198, 199, 200 e 241, p. 91-93. . Por isso, para Wittgenstein67 67 Ibidem, § 202, p. 93. , “[...] seguir uma regra é uma prática”. Então, acreditar seguir a regra não é seguir a regra. E daí não ter sentido a ideia de seguir uma regra de modo privado. Antes de ser um exercício intelectual, é uma prática que pressupõe uma convergência social.

O giro linguístico operado por Wittgenstein alterou significativamente a sua Filosofia da Linguagem. Da artificialidade das proposições lógicas que representavam as imagens mentais do real, para uma linguagem comum/ordinária e, em certo sentido não-lógica, mas que seria inteligível diante do compartilhamento de formas de vida. Há uma abertura à intersubjetividade e à historicidade, postura que se radicalizou com a Hermenêutica Continental de matiz heideggeriana.

Ou seja, aquele background filosófico foi superado pelo próprio Wittgenstein e por outras construções posteriores. Deste modo, num primeiro momento, a Teoria do Fato Jurídico, também se apresentaria superada, ou ao menos fragilizada, uma vez que seus pressupostos foram questionados.

Em Pontes de Miranda as regras jurídicas formam um sistema lógico que está fora do mundo, no sentido existencial, para que a partir de sua incidência, pudesse adentrar certos fatos ao seu universo, designando-os como jurídicos. Isto, dentro de uma depuração conceitual, que traçando os contornos de precisos de seus significados, afastaria quaisquer dúvidas quanto a sua aplicação.

Observa-se que não há questionamentos acerca da legitimidade, tudo se resolve no âmbito da validade. As proposições jurídicas designam os fatos, os marcam, formando um subconjunto, o direito, dentro da totalidade dos fatos que formaria o mundo. O direito está pré-pronto, antecipando as ocorrências e lhe dando as respostas já estabelecidas anteriormente. E o mundo é uma mera externalidade objetual que apreendemos em suas relações.

O problema que Wittgenstein enuncia e isto ficará mais explícito em Martin Heidegger, é que a experiência com mundo não se esgota numa objetualidade designativa, ou seja, há algo anterior que a constitui. Para partilhar os jogos de linguagem, existe também a necessidade do compartilhamento de uma “forma de vida” que lhe é condição de possibilidade. Pensar o direito em termos lógicos esvazia dos fatos (jurídicos) a faticidade, ou seja, seu caráter existencial.

Martin Heidegger transformou a Hermenêutica em filosofia. O que antes era vista como uma técnica de interpretação de textos ou como metodologia das ciências humanas torna-se uma Hermenêutica da existência, da facticidade. Jean Grondin afirma que: “a facticidade designa aqui a existência concreta e individual que inicialmente não é para nós um objeto, e sim uma aventura na qual somos projetados e para qual podemos despertar de maneira expressa ou não68 68 GRONDIN, Jean. Hermenêutica. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. ”.

Assim, a interpretação volta-se para a própria existência, onde o ser-humano se constitui de modo autêntico (Dasein), não podendo substituí-la, mas apenas por intermédio de “indícios formais” permitir que ela se aproprie das sua próprias possibilidades.

Em Heidegger a ontologia transforma-se em uma hermenêutica da faticidade, ao modo-de-ser do próprio Dasein que como ente privilegiado compreende a realidade compreendendo a si mesmo. Todavia, esta não é uma decorrência automática, é preciso um dar-se conta deste projetar-se, pois, ao contrário, o que se dá é um esquecimento numa existência inautêntica, impessoal. Em Conceitos Fundamentais da Metafísica o filósofo afirma que “la piedra es sin mundo, el animal es pobre de mundo, mientras el hombre configura mundo69 69 HEIDEGGER, Martin. Los conceptos fundamentales de la metafísica. Mundo, finitud, soledad. Madrid: Alianza Editorial, 2007, p.227 ”. O mundo aparece enquanto o como do Homem. Assim, a interpretação não seria simplesmente um modo de conhecer, seria, portanto, um modo se ser, de existir e por isso é ontológica.

Os sentidos estão no mundo, todavia, este não é um conjunto de tudo que existe, uma totalidade de fatos (externos), é o lócus em que os entes se desvelam, inclusive o Homem como ser-no-mundo. Deste modo, a interpretação é uma explicitação daquilo que foi compreendido no encontro com o outro. Quando se fala ou escreve a palavra martelo, existe um horizonte prévio de sentido que se refere a nossa prática como este ente e que permite sua enunciação num código linguístico70 70 “Heidegger deja bastante claro que ya antes de la interpretación predicativa hay una interpretación previa, correspondiente a un comprender previo en el mundo”. Tradução livre: Heidegger deixa bastante claro que já antes da interpretação predicativa há uma interpretação prévia, correspondente à um compreender prévio no mundo. BERCIANO VILLALIBRE, Modesto. La revolución filosófica de Martin Heidegger. Madrid: Biblioteca Nueva, 2001. . Deste modo, há uma abertura existencial, histórica, finita e temporal na interpretação do mundo.

La interpretación se funda en todos los casos en un “ver previo” que recorta lo tomado en el “tener previo” de acuerdo con una determinada posibilidad de interpretación. Lo comprendido tenido en el “tener previo” y visto en el “ver previo” se vuelve, por obra de la interpretación. (….) Como quiera que sea, la interpretación se ha decidido en cada caso ya, definitivamente o con reservas, por unos determinados conceptos; se funda en un “concebir previo”71 71 HEIDEGGER, Martin. El ser y el tiempo. 4.ed. México: Fondo de Cultura Económica,1971p.168 .

Desta forma, a interpretação do Homem explicita e elabora as possibilidades projetadas na compreensão. Aquilo que foi compreendido assume a forma de algo como algo (etwas als etwas). Contudo, não se trata de conceitos abstratos, atemporais, mas de termos que encontram seu sentido na existência fática. Nesse ambiente, o direito também está lançado, ao abstraí-lo deste contexto, como tradicionalmente fez o Positivismo Jurídico, perde-se seu caráter existencial e torna-se apenas um objeto que podemos manejar técnica e logicamente, como Pontes de Miranda pressupunha. Neste contexto, a interpretação torna-se uma revelação, um instrumento de depuração lógico-conceitual, de um direito pré-existente. Ou seja, o direito não estaria na faticidade, que é uma experiência intersubjetiva, mas numa pretensa objetividade lógica, que não mais responde as exigências históricas da contemporaneidade, com destaque, ao problema da legitimidade do discurso jurídico.

5. Considerações Finais

É inegável a importância de Pontes de Miranda na história do pensamento jurídico pátrio. Reconhece-se que a sua Teoria do Fato Jurídico ainda hoje é aceita e utilizada por parcela significativa de civilistas, porém já se tem percebido a necessidade de um repensar.

Conforme se tentou demonstrar, esta construção teórica de Pontes se assenta nos pressupostos do Neopositivismo Lógico, mais especificamente, no arcabouço filosófico do primeiro Wittgenstein. Todavia, com todo um questionamento a este background feito (também) pelo próprio filósofo e radicalizado pela Filosofia Hermenêutica percebe-se uma forte fragilização do edifício pontesiano uma vez que suas categorias centrais foram todas projetadas sobre estas bases.

Neste ponto, ao menos, duas possibilidades se apresentam. Uma seria o abandono da Teoria do Fato do Jurídico reconhecendo sua finitude histórica. Ou seja, que foi adequada apenas para um determinado período. A outra possibilidade seria a tentativa de operar com as mesmas categorias ou outras equivalentes, sob uma cosmovisão filosófica diferente. Contudo, a discussão agora se volta para saber se neste segundo caminho ainda está a se falar da teoria pontesiana, ou se o que foi reconstruído já se faz novo. Ainda assim, o importante para a “dogmática” é manter-se constantemente aberta para verificar os limites de suas elaborações, com destaque aos paradigmas filosóficos que as sustenta, e assim, desenvolver olhares adequados ao momento presente.

  • 1
    BLOOM, HaroldBLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Rio de Janeiro: Imago, 1995.. Um mapa da desleitura. Rio de Janeiro: Imago, 1995. A menção feita a Bloom na abertura do artigo não representa a metodologia aqui empregada. Conforme expresso também na introdução, o “método” utilizado é fenomenológico-hermenêutico. Não obstante, a premissa de Bloom de que olhar para um texto é um deparar-se com uma inter-relação de textos, ainda que não demos conta disto, é amplamente compatível com a tradição hermenêutica que partilhamos e com o modo como esta investigação é feita. Nestes termos, olhar para a Teoria do Fato Jurídico de Pontes de Miranda é ver um feixe de textos que lhe são condição de possibilidade. Dentre estes, buscamos desvelar aqueles de natureza filosófica. Assim, trazer esta perspectiva da crítica literária, enriquece nossa percepção bem como nos situa num espaço interdisciplinar tão necessária para a compreensão do fenômeno jurídico.
  • 2
    Sobre essa abordagem, o filósofo Ernildo Stein leciona que: Para enfrentar essa questão é preciso encarar de frente a contribuição dos standards de racionalidade que a Filosofia desenvolve quando ela é mais que uma simples retórica ornamental ou orientação na perplexidade. [...] Dessa maneira, qualquer campo teórico do direito pode esperar respostas importantes de um standard de racionalidade filosófico. Isso, no entanto, pressupõe que o campo teórico do Direito se vincule a determinado paradigma que lhe dá sustento no método e na argumentação. STEIN, ErnildoSTEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004..Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. p. 136-137.
  • 3
    Diante da extensa bibliografia de Pontes de Miranda o presente estudo se limitará, por fins metodológicos, a Teoria do Fato Jurídico exposta nas obras Tratado de Direito Privado Tomo I e Tratado das Ações Tomo I, ambas em cotejo com o livro Sistema de Ciência Positiva do Direito, todas do referido jurista.
  • 4
    “A relatividade do conhecimento é princípio assaz geral, porque resulta de nós mesmos, da impossibilidade de se perceber a coisa, em sua inteireza e em sua íntima essência”. Cf. MIRANDA, Pontes de______. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000.. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000. p.109
  • 5
    Ibidem, p.76.
  • 6
    Ibidem, p.77.
  • 7
    Ibidem, p.83.
  • 8
    Ibidem, p.99.
  • 9
    Ibidem, p.99
  • 10
    MIRANDA, Pontes de______. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000.. Tratado de direito privado. 1. ed. Tomo I.Campinas: Bookseller, 1999. p.13
  • 11
    Cf. MIRANDA, Pontes de______. Tratado de direito privado. 1. ed. Tomo I.Campinas: Bookseller, 1999., 1999.p.13.
  • 12
    Sobre isto Pontes afirma que: Mediante estas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interesses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. MIRANDA, Pontes deMIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Tomo I.Campinas: Bookseller, 1998-1999.. Tratado das ações. Tomo I. Campinas: Bookseller, 1998-1999. p.13.
  • 13
    Idem, 1999. p.15
  • 14
    Cf. Ibidem, p.15.
  • 15
    Ibidem, p.15-16.
  • 16
    Neste sentido declara Pontes: Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter em mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Ibidem, p.18.
  • 17
    Ibidem, p.19.
  • 18
    Cf. Ibidem, p.20.
  • 19
    Nesta linha, Pontes declara que: Quem diz “aí está o sistema jurídico” diz há elementos fáticos sobre os quais incidiu regra jurídica. Tal regra pode ser escrita, ou não escrita; em ambos os casos, faz parte do sistema jurídico, que é um cálculo lógico. Ibidem, p.21.
  • 20
    Ibidem, pp.51-52.
  • 21
    Idem, 1998-1999. p.21.
  • 22
    Cumpre notar que em Pontes esta criação aparenta não ser arbitrária, pois haveria alguma base natural que limitaria, ou menos, influenciaria neste processo. Esta suposição pode ser observada no excerto seguinte em que está comentando sobre o surgimento das regras jurídicas: “Não exageremos, porém, esse papel de pensamento. As sociedades animais e as sociedades humanas são subordinadas a leis de simetria como todos os fatos do mundo inorgânico”. Ibidem, pp.22-23.
  • 23
    Cf. Idem, 1999. p.56
  • 24
    Cf. Ibidem, p.62-63.
  • 25
    Ibidem, p.126.
  • 26
    MELLO, Marcos Bernardes deMELLO, Marcos Bernardes de. Contribuicão a teoria do fato juridico. 2. ed. Maceio:, 1982.. Contribuição a teoria do fato jurídico. 2. ed. Maceió: 1982, p.26.
  • 27
    Ibidem, p.18.
  • 28
    Idem, 1998-1999, p.23.
  • 29
    Ibidem, p.16.
  • 30
    VILANOVA, LourivalVILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p.118.
  • 31
    Ibidem, p.25.
  • 32
    Idem, 1999, p.18.
  • 33
    Acerca desta característica teórica em Hans Kelsen – note-se que esta também pode ser vista em Pontes de Miranda – Wayne Morrison acentua que: “A teoria trata do Direito simplesmente em termos de estrutura formal, deixando todas as questões de propósito ou conteúdo para além dos interesses dos cientistas jurídicos, tendo a sua “pureza” qualificada como um estreitamento do papel da teoria jurídica na teorização sobre o mundo social”. MORRISON, WayneMORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • 34
    KELSEN, Hans______.¿ Qué es la Teoría Pura del derecho? 5. ed. Colonia del Carmen-MEX: Distribuciones Fontamara, 1997..¿ Qué es la Teoría Pura del derecho? 5. ed. Colonia del Carmen-MEX: Distribuciones Fontamara, 1997, p.31. Livre Tradução: (…) a teoria pura do direito é uma teoria pura do direito, não uma teoria do direito puro como seus críticos tem afirmado erroneamente as vezes. Um direito “puro” somente poderia significar – se é que pode significar algo – que um direito reto é direito justo. Mas a teoria do direito não quer e não pode ser una teoria do direito reto ou justo, pois não pode pretender dar a resposta à pergunta: o que é o justo? A ciência do direito positivo é – como se tem dito – uma teoria do direito real, do direito tal como é criado realmente pelo costume, pela legislação ou a decisão judicial e tal como é efetivamente na realidade social, sem entrar na consideração se este direito positivo pode ser qualificado desde o ponto de vista de algum valor, isto é, desde um ponto de vista político, como bom ou mal, como justo ou injusto; todo o direito positivo pode ser considerado justo desde um ponto de vista político; mas isto não pode acontecer desde um ponto de vista da ciência do direito que como toda a ciência verdadeira não valora seu objeto apenas o descreve, não o justifica ou o condena emocionalmente, mas o explica racionalmente.
  • 35
    KELSEN, HansKELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 6. ed. rev. da tradução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 6. ed. rev. da tradução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.370.
  • 36
    Idem, 1997, p.31.
  • 37
    Destaca-se também, apesar de não ser objeto deste trabalho, que juntamente com o Neopositivismo Lógico Hans Kelsen também foi bastante influenciado pelo Neokantismo, tanto da Escola de Marburgo com da Escola de Baden.
  • 38
    QUELBANI, MélikaQUELBANI, Mélika. O Círculo de Viena. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.. O Círculo de Viena. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p.17.
  • 39
    Cf. BLACKBURN, SimonBLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1997.. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1997, p.304-305
  • 40
    MICHELON JR, Cláudio FortunatoMICHELON JR, Cláudio Fortunato. Aceitação e objetividade: uma comparação entre as teses de Hart e do positivismo precedente sobre a linguagem e o conhecimento do direito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2004.. Aceitação e objetividade: uma comparação entre as teses de Hart e do positivismo precedente sobre a linguagem e o conhecimento do direito. São Paulo: R. dos Tribunais, 2004. p. 116-117.
  • 41
    Idem, MIRANDA, Pontes de______. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000.. 1999, p.69.
  • 42
    D'AGOSTINI, FrancaD'AGOSTINI, Franca. Analíticos e continentais: guia à filosofia dos últimos trinta anos. São Leopoldo: UNISINOS, 2002.. Analíticos e continentais: guia à filosofia dos últimos trinta anos. São Leopoldo: UNISINOS, 2002. p.303
  • 43
    Cf. MARQUES, EdgarMARQUES, Edgar. Wittgenstein & o Tractatus. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.. Witgenstein & o Tractatus. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p.31.
  • 44
    WITTGENSTEIN, LudwigWITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logicus-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1968.. Tractatus Logicus-Philosophicus. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1968, p.55.
  • 45
    Ibidem, p.70.
  • 46
    Ibidem, p.71.
  • 47
    Ibidem, p.76.
  • 48
    Ibidem, p.82.
  • 49
    Ibidem, p.84
  • 50
    Cf. Ibidem, p.61.
  • 51
    A referência ao primeiro Wittgenstein decorre do fato que o próprio filósofo questionou posteriormente suas ideias expressas no Tractatus, período que caracteriza um segundo Wittgenstein e que é marcado com a publicação das Investigações Filosóficas.
  • 52
    Sobre o tema Manfredo Araújo de Oliveira declara que: ‘Precisamente nisso vai consistir para ele a limitação da filosofia ocidental da linguagem. Essa teoria designativa da linguagem assumiu duas formas: há os que afirmam que as palavras designam pura e simplesmente as coisas singulares, pois, além de coisas singulares e palavras nada existe. Ou, então, numa outra linha muito mais forte na tradição ocidental, diz que com uma palavra pode-se designar muitas coisas, porque as palavras designam não coisas singulares, mas a essência como a muitas coisas. [...] Em suma, as palavras têm sentido porque há objetos que elas designam: coisas singulares ou essências. Esses objetos são dos mais diferentes tipos, havendo mesmo objetos muito especiais, os fatos, as situações objetais, designados pelas frases. A última forma desta teoria no Ocidente é, exatamente, a teoria da afiguração como correspondência entre frase e estado de coisas, respectivamente, fatos, elaborada no Tratactus. A frase representa, por semelhança estrutural, o estado de cosias por ela referido. A teoria do Tratactus significa, assim, uma reformulação da teoria tradicional da semelhança entre linguagem e mundo. Já que a linguagem não passa de um reflexo, de uma cópia do mundo, o decisivo é a estrutura ontológica do mundo que a linguagem deve anunciar. A essência da linguagem depende, assim, em última análise, da estrutura ontológica do real. Existe um mundo em si que nos é dado independente da linguagem, mas que a linguagem tem a função de exprimir. Foi por ter radicalizado no Tratactus tal posição que Wittgenstein se deixou guiar pelo ideal de uma linguagem perfeita capaz de reproduzir com absoluta exatidão a estrutura ontológica do mundo’. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo deOLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. p. 120-121.
  • 53
    WITTGENSTEIN, Ludwig______. Investigações filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. . Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. § 23, p. 35-36.
  • 54
    Idem, OLIVEIRA, Manfredo Araújo deOLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.. 1996, p. 127.
  • 55
    Nesta linha, Paulo Alcofarado entende que em Wittgentein ‘[...] a pesquisa acerca do significado das expressões linguísticas deve voltar-se para o seu contexto de uso e não para sob o ponto de vista de linguagens formalizadas’. In: ALCOFORADO, PauloALCOFORADO, Paulo. A Filosofia da Linguagem Ordinária. Acta Semiológica et Lingvistica, João Pessoa, v. 4, n. 1, 1980.. A Filosofia da Linguagem Ordinária. Acta Semiológica et Lingvistica, João Pessoa, v. 4, n. 1, 1980. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/actas/article/view/16609/9472>. Acesso em: 17 nov. 2014.
  • 56
    OLIVEIRA, Manfredo Araújo deOLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. p. 132
  • 57
    Idem, WITTGENSTEIN, Ludwig. 1999______. Investigações filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. . § 124, p. 67.
  • 58
    O conceito de “formas de vida” (Lebensform), apesar de muito importante na segunda filosofia de Wittgenstein, aparece poucas vezes nas Investigações e uma vez em Sobre a Certeza. Ainda que relacionadas aos jogos de linguagem, as formas de vida assumem um caráter mais geral e elementar, como um padrão injustificado da atividade humana e que, arraigado culturalmente, manifesta-se com um dado. É o locus em que a linguagem se constitui, sendo seu “fundamento” último. CONDÉ, Mauro Lúcio LeitãoCONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998.. Wittgenstein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998. p. 101-105.
  • 59
    Ibidem, § 23, p. 35.
  • 60
    Idem, OLIVEIRA, 1996. p. 139.
  • 61
    Idem, WITTGENSTEIN, Ludwig______. Investigações filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. . 1999. § 241, p. 98.
  • 62
    Ibidem, § 68, p. 53.
  • 63
    Nesse sentido, Glock sustenta que: “Rules play a crucial role in Wittgenstein philosophy because of two abiding convictions: firstly, language is a rule-guided activity; secondly, the priori status of logic, mathematics and philosophy derives from such rules”.GLOCK, Hans-JohannGLOCK, Hans-Johann. A Wittgenstein dictionary. Malden, MA: Blackwell, 2005.. A Wittgenstein dictionary. Malden, MA: Blackwell, 2005. p. 323. Tradução livre: “Jogo de regras tem uma função crucial na filosofia de Wittgenstein por causa de duas convicções permanentes: primeiramente, linguagem é uma atividade guiada por regras; em segundo lugar, o status antecedente da lógica, matemática e filosofia deriva de tais regras”.
  • 64
    Ibidem, p. 324.
  • 65
    Livre tradução. No original: ‘a) Rules are standards of correctness; they do not describe, for example, how people speak, but rather define what it is to speak correctly or meaningfully; b) There is a difference between a rule its expression, a rule-formulation, just as between a number and a numeral (e.g., the same rule can be expressed in different languages). But the difference is not one between an abstract entity and its concrete name, but one between a normative function, and linguistic form used to perform that function. We can clarify the notion of a rule by investigating the role of rule-formulations; c) Unlike commands or orders, rules are inherently general in that they govern an often unlimited multiplicity of occasions; d) Features like (a) or (c) are not tied to particular forms of words – a grammatical proposition expressing a linguistic rule need not be a metalinguistc statement about the employment of words, or contain expressions of generality. Rather, they depend on whether an expression has normative function on a give occasion; e) ‘Rule-following’ is an achievement-verb: there is a difference between believing that one is following the rule and actually following it; f) The crucial point for the change in Wittgenstein conception of linguistic rules is that there is a difference between following a rule and merely acting in accordance with a rule. Although rule-following presupposes a regularity in behaviour, this does not distinguish it from natural regularities like the movement the planets or human acts which happen to conform to a rule unintentionally. If an agent follows a rule in Φing, the rule must be part of his reason for Φing, and not just a cause. He does not have a think about or consult the rule-formulation while Φing, it is only required that he would adduce it justify or explain his Φing. (…). These are cases in which is guided passively, without being able to explain why he acts as he does, or to teach others the technique of following this guidance.’ Ibidem, p. 324-325.
  • 66
    Idem, 1999. § 198, 199, 200 e 241, p. 91-93.
  • 67
    Ibidem, § 202, p. 93.
  • 68
    GRONDIN, JeanGRONDIN, Jean. Hermenêutica. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.. Hermenêutica. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
  • 69
    HEIDEGGER, MartinHEIDEGGER, Martin. Los conceptos fundamentales de la metafísica. Mundo, finitud, soledad. Madrid: Alianza Editorial, 2007.. Los conceptos fundamentales de la metafísica. Mundo, finitud, soledad. Madrid: Alianza Editorial, 2007, p.227
  • 70
    “Heidegger deja bastante claro que ya antes de la interpretación predicativa hay una interpretación previa, correspondiente a un comprender previo en el mundo”. Tradução livre: Heidegger deixa bastante claro que já antes da interpretação predicativa há uma interpretação prévia, correspondente à um compreender prévio no mundo. BERCIANO VILLALIBRE, ModestoBERCIANO VILLALIBRE, Modesto. La revolución filosófica de Martin Heidegger. Madrid: Biblioteca Nueva, 2001.. La revolución filosófica de Martin Heidegger. Madrid: Biblioteca Nueva, 2001.
  • 71
    HEIDEGGER, Martin______. El ser y el tiempo. 4.ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1971.. El ser y el tiempo. 4.ed. México: Fondo de Cultura Económica,1971p.168

6. Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2016
  • Aceito
    24 Mar 2017
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