Resumo
A imputação da responsabilidade do impacto racialmente desproporcional do vírus COVID-19 à entidade “racismo estrutural” lança um véu que torna difícil a constatação das práticas racistas e silencia as vítimas ao mesmo tempo em que impossibilita identificar em quais âmbitos devem ocorrer às políticas públicas de promoção da igualdade. A definição jurídica do racismo estrutural da ONU nos permite resgatar o valor das narrativas pessoais para pensar intervenções institucionais com impactos estruturais.
Palavras-chave:
Racismo Estrutural; Pandemia; Teoria do Direito
Abstract
The imposition of responsibility for the racially disproportionate impact of the Pandemic on the entity “structural racism” casts a veil that makes it difficult to verify racist practices and silences the victims making impossible to identify which areas should be focused on public policies implementation to promote equality. The UN´s legal definition of structural racism allows us to reclaim the value of personal narratives to think the institutional interventions with structural impact.
Keywords:
Structural Racism; Pandemic; Law Theory
1. Introdução1 1 Imensamente grata as considerações e observações do professor Dr. Osmar Teixeira Gaspar.
Abril de 2020, o Brasil tornava-se o epicentro Latino Americano da Pandemia do COVID-19, explicitando a persistente desigualdade que permeia as relações, sociais, raciais, de gênero, dentre outras, no país e como uma doença sem cura e potencialmente mortal poderia perder sua “natureza democrática” em sociedades pós-escravistas, tributando à entidade “racismo estrutural” e não mais ao vírus, as fatalidades racializadas que passaram a ser constatadas.
Nove anos após a promulgação da Constituição que declarou o racismo crime, inafiançável, imprescritível e repudiado (BRASIL, 1988, Art. 42), e 8 anos após a promulgação da Lei no 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que regulamentou os crimes de racismo e discriminação (BRASIL, 1989), o anuncio de uma vaga para empregada doméstica no Jornal “A Folha de São Paulo” (FOLHA, 1997), resultaria na decisão inédita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 21 de outubro de 2006 (OEA, 2006) e, na reverberação das recomendações daquela decisão, inclusive a de combate ao racismo estrutural, até os dias de hoje, em que os dados sobre o impacto do racismo estrutural num contexto de epidemia têm sido divulgados e debatidos no mundo.
Assim como a ferramenta intersecionalidade, a ferramenta racismo estrutural popularizou-se nos últimos anos e tem sido generalizadamente utilizada nos esforços em explicar e combater os mecanismos que sustentam e mantém a supremacia branca, subalternização negra e a desigualdade racial.
Debates a partir da análise de leis declaradas, a exemplo da lei de cotas no ensino superior e lei de cotas no funcionalismo público, bem como análise de julgamentos sobre temas relacionados à justiça racial, explicitam como algumas interpretações, resultantes dos esforços em convergir interesses2 2 Princípio da Convergência de Interesses cunhado pelo professor Derick Bell afirma que direitos de minorias serão implementados sob a condição de que o sistema de supremacia branca e os privilégios decorrentes não seja afetada. , sobre as categorias jurídicas e sociológicas antirracistas, tem mitigado o potencial das ações de combate ao racismo e promoção de igualdade racial.
Informando-se diretamente pelo modelo que teoriza a partir de uma epistemologia colonizada o que vem a ser o racismo, temos a transposição de políticas públicas, concebidas para modelos de práticas de subalternização racial anglo-germânica, para a realidade nacional, luso-árabe, e a potencialização do princípio de convergência de interesses na implementação de políticas antirracistas no Brasil.
Tal convergência de interesses em sua dimensão negativa é perceptível na implantação, por exemplo, dos programas de penas alternativas3 3 CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010. 150 p. ou a tendência de condenações em danos morais, nos casos de “racismo” julgados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (CONCEIÇÃO, 2014_______ . Movimentos sociais e judiciário: uma análise comparativa entre Brasil e Estados Unidos. Tese (Doutorado em Direito do Estado) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.). apresentando um backlash4 4 CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Reverse racism is coming: the backlash against race conscious politics in contemporary Brazil. Oxford: Oxford Human Rights Hub, 09 mar. 2020. Disponível em: https://ohrh.law.ox.ac.uk/reverse-racism-is-coming-the-backlash-against-race-conscious-politics-in-contemporary-brazil/. Acesso em: 13 mai. 2020. aos potenciais transformadores das articulações antirracistas transnacionais.
Inicialmente um termo utilizado em relatórios de organizações internacionais, destacadamente das Nações Unidas, a categoria racismo estrutural parece contaminar-se assemelhando-se ao confortável discurso, ainda predominante no imaginário coletivo, sobre as relações raciais no país.
Políticas de epistemologias acadêmicas nacionais, ainda embranquecidas e colonizadas, estimularam a popularização de uma compreensão alinhada com uma conveniente concepção de álibi racial5 5 Álibi racial seria algo similar com o conceito de “legislação álibi” apresentado pelo professor Marcelo Neves em sua obra sobre “Constituição Simbólica”. De acordo com Kindermann o legislador declararia normas simbólicas, uma vez que não pretende atender as expectativas de proteção dos bens jurídicos, as, somente, atender os anseios da opinião pública preservando sua popularidade. (NEVES, 2007, p.36). Assim, certas “políticas”, “programas”, com índole tokenista (CONCEIÇÃO, 2010)3 buscariam preservar o funcionamento institucionalmente racista enquanto protegem-se de possíveis acusações de racismo, haja vista o álibi que adquiriram/possuem. , tornando a ferramenta de análise de responsabilidade estatal no âmbito internacional num escudo de não responsabilização de práticas de racismo institucional e horizontal, uma alternativa ao letramento racial e resistida mitigação de privilégios brancos.
O consenso, presente na leitura que responsabiliza o racismo estrutural pelo impacto racialmente desproporcional de infecções, contaminações e mortes pela COVID-19, convenientemente desaparece no momento de identificar e constatar, também, a existência dos mecanismos que constroem as instituições as quais formam a estrutura, necessário para definição de políticas públicas de justiça racial.
Identificar todas as constatações de racismo como “estrutural”, invisibilizando a contribuição da agência individual na formação da estrutura de uma realidade de sistêmica negativa de direitos de grupos racializados6 6 A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial declara no artigo 1º, §4º: “ Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação racial` significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano 9 em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.” (BRASIL, 1969, Art. 1) , permite anistiar os atores idealizadores e executores das culturas que formam as instituições. Mesmo que as condutas de alguns sejam inconscientes, afinal até mesmo negros praticam condutas racistas, elas formam as instituições e a estrutura, que submete tanto os que agem e gerem quanto os que buscam por direitos.
É um consenso entre pensadores de Justiça Racial que, pensar políticas públicas antirracistas exige que se observe como a desigualdade racial/racismo opera em cada nível e dimensão em que esse se manifesta em toda a sua diversidade, horizonta/individual; institucional e estrutural, as condutas comissivas e omissivas para tal, razão pela qual as Nações Unidas declaram “formas correlatas de racismo” e não uma única forma/dimensão de compreensão deste.
Reduzir a observação do racismo a uma compreensão unidimensional impede a elaboração de eficazes políticas públicas de promoção da igualdade, combate ao racismo, bem como do necessário letramento racial, e inclusive do impacto racialmente desproporcional de casos de infectados, e mortes, pelo vírus causador da epidemia.
2. COVID-19 e o racismo
Enquanto uma epidemia viral movia seu epicentro de continentes com população relativamente homogênea, Ásias e Europas, para o “Novo Continente”, Américas, um distinto perfil das pessoas contaminadas e mortas pelas infeções causadas pelo vírus COVID-19 pôde ser constatado. O perfil de “grupo de risco de morte” deixou de ser tão vinculado a elementos como idade, doenças pré-existentes e imunodeficiência e passou a ser relacionado à interseção de dinâmicas socialmente construídas que informam historicamente a negativa de direitos básicos para grupos socialmente vulneráveis.
Em China, onde a crise sanitária global teve início, o padrão de vítimas fatais era, em sua maioria, idosos e imunodeprimidos. Conforme o epicentro movimentou-se para a Europa, o padrão de idosos compondo a maioria das vítimas fatais da infeção também passou a ser informado pelo declarado protocolo ético imposto, em face da falência dos sistemas de saúde, que impunha decisões entre quem iria ou não para UTI. Na Itália, onde a população que buscou socorro institucional pode ser compreendida como racialmente homogênea, em razão do impacto da criminalização dos “sem papeis”, alguns agentes de saúde declararam deparar-se com escolhas éticas devido à contingência de insumos médicos.7 7 BALDI, Mateus. Se uma pessoa é muito idosa e grave, a gente deixa morrer, conta enfermeiro que enfrenta o Coronavírus na Itália. Época, 20 mar. 2020. Disponível em: https://epoca.globo.com/mundo/se-uma-pessoa-muito-idosa-grave-gente-deixa-morrer-conta-enfermieor-que-enfrenta-coronavirus-na-italia-24317178. Acesso em: 13 mai. 2020.
A partir do deslocamento do epicentro para as Américas, sociedades pós-escravistas e pós-colonizadas, o padrão de infectados e causalidades fatais mudou e jovens, pobres, membros de minorias raciais, passaram a compor o perfil das vítimas fatais. Tristemente previsível, grupos socialmente vulneráveis racialmente identificáveis passaram a ser as maiores vítimas da Pandemia. Em meados de abril de 2020 as notícias sobre o impacto da pandemia do COVID -19 sobre grupos racializados começaram a circular na imprensa Estadunidense e começou a alertar o Brasil, epicentro latino americano, sobre a possibilidade de mesmo impacto desproporcional em grupos racializados.
Apesar de realidades pós-escravistas e de justiça racial marcadamente distintas, quase opostas, haja vista o modelo segregacionista adotado pelos Estados Unidos da América do Norte, expresso em seu ápice nas leis Jim Crow e no precedente jurisprudencial do caso, Plessy vs Fergurson, enquanto o Brasil com o seu modelo assimilacionista buscou por meio da política de mestiçagem e celebrando a cultura do branqueamento, fomentada pelas imigrações pós escravismo e o discurso do mito da democracia racial , a subalternização de afrodescendentes em ambos países permanece fazendo-os padecer de intensa desigualdade racial até os dias atuais.
Nos Estados Unidos e no Brasil, de acordo com os tímidos8 8 Nos Estados Unidos, e também no Brasil, a coleta de dados sobre infectados e mortos em razão do vírus é prejudicada severamente pela reduzida quantidade de kits para testagem e diagnóstico preciso em ambos países. Se a Noruega, Suíça e Alemanha possuem mais de quinze mil kits para cada milhão de habitantes, Brasil, em março possuía menos de trezentos kits para cada milhão de habitantes. dados divulgados pelo Ministério da Saúde e secretaria de saúde da cidade de São Paulo e pelos pesquisadores estadunidenses9 9 KENDI, Ibram X. Stop blaming black people for dying of Coronavirus: new data from 29 states confirm the extent of the racial disparities. The Atlantic, 14 Apr. 2020. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2020/04/race-and-blame/609946. Acesso em 13 mai. 2020. , informações racializadas permitem observar como a pandemia tem se propagado, quais regiões mais afetadas e o trajeto racial.
Mulheres e minorias raciais, nos países onde o quesito cor resiste e é observado e as desigualdades sócio econômicas são rastreadas por pesquisadoras que observam os impactos desproporcionais atentamente, são a maioria das vítimas impactadas por essa que é a primeira experiência sobre algo similar em nossa geração. Curiosamente, no Brasil, já foi constatado um rejuvenecimento do perfil do infectado e das vítimas fatais, além do sócio e destacadamente econômico caráter das casualidades fatais.
Nos EUA, em abril de 2020, informações relacionadas ao estado da Luisiana indicavam que 70% dos mortos eram afrodescendentes, mesmo representando 30% da população, ademais, 40% das mortes daquele Estado ocorreram em Nova Orleans, a cidade mais negra10 10 LISBOA, Vinicius. Justiça determina registro obrigatório de raça em caso de Covid-19. Agência Brasil, 05 mai. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/justica-determina-registro-obrigatorio-de-raca-em-casos-da-Covid-19. Acesso em: 13 mai. 2020. . Em Miuwakee, uma das mais segregadas do país, onde 27% dos residentes são negros, dois negros são contaminados para cada um branco infetado. Em Chicago, onde menos de um terço da população é afrodescendente, negros contabilizam metade dos infectados e 72% dos mortos. Em Michigan compõem 14% da população e 33% dos infectados e 41% das mortes.
Os dados sobre contaminações e mortes levantados em países que se utilizam do quesito cor de forma ostensiva têm explicitado o impacto desproporcional das casualidades em Afrodescendentes. O impacto nas comunidades Latinas dos EUA também tem se mostrado desproporcional, indicando que a “causa pré-existente”, passou a intersecionar o argumento etarista e capacitista com o racista e classista.
Ainda em Abril 2020, o Banco Interamericano de Desenvolvimento chamava a atenção para a maior letalidade dentre os afrodescendentes brasileiros relacionando com o potencial impacto desproporcional em outros países latino americanos onde afro descendentes compõem a maioria das trabalhadoras domésticas, limpeza, transporte público, serviços de entrega e cuidado, a exemplo do Peru onde de 30% das empregadas domésticas são negras num país cuja população negra é de 8%. A região da Costa Pacífica da Colômbia registrou primeiro caso de contaminados e as províncias do Panamá, também.11 11 MORISSON, Judith. Exposure and inequalities: African descendants during Covid-19. IDB Improving Lives, 24 Apr. 2020. Disponível em: https://blogs.iadb.org/igualdad/en/african-descendants-during-Covid-19/. Acesso em: 13 mai. 2020. É em razão da realidade histórica das Américas, pouco estudada e ensinada fora dos paradigmas da modernidade, que para qualquer observador mais atento era previsível o impacto desproporcional racializado, como veio a ocorrer.
No Brasil, de acordo com os dados de abril de 2020 disponibilizados pelo Ministério da Saúde, constatava-se que 23.1% das internações e 32.85% das mortes eram de negros, ou seja, de todos os hospitalizados 18,9% eram pardos e 4.2% eram pretos, quando observamos as mortes, esses números aumentam e 28.5% eram pardos e 4.3% eram pretos. O relatório apresentado duas semanas após o primeiro apontou o aumento de 37,4% das internações e 45,2% das mortes como sendo de afrodescendentes, permanecendo o impacto desproporcional e acentuando-se a desigualdade. 12 12 DANTAS, Carolina. Pretos têm 62% mais chances de morrer por Covid-19 em São Paulo do que brancos. Portal G1, 28 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/28/pretos-tem-62percent-mais-chance-de-morrer-por-Covid-19-em-sao-paulo-do-que-brancos.ghtml. Acesso em 13/05/2020.
Na cidade de São Paulo, de acordo com os dados apresentados pela parceria entre cientistas da prefeitura e do “Observatório COVID-19,” pretos têm 62% mais chances de morrer do que brancos e pardos 23% mais chances de morrer, do que brancos por COVID-19.13 13 OBSERVATÓRIO do COVID-19 BR. San Francisco, CA: GitHub, 2020. Disponível em: https://covid19br.github.io/index.html. Acesso em 13/05/2020. Os números apontam para a constatação de que a pandemia tem sido mais letal para não brancos no Brasil também, sugerindo que a hospitalização para brancos tem resultados mais positivos do que a hospitalização de negros.
Mesmo tendo a expansão da doença para as periferias, região com maior concentração de não brancos, coincidido com a impossibilidade de aplicação de testes, e que um terço das mortes por Covid-19 não tiveram sua cor declarada, é possível constatar que um padrão de impacto desproporcional se faz fortemente observável.
Além disso, nos dados iniciais do Brasil do mês de abril, notava-se que o padrão de infecção era maior em bairros ricos e brancos e os índices de mortalidade, maiores nos bairros pobres e negros indicando que algo relacionado com o tratamento e não com a possibilidade de ser exposto ao vírus também varia racialmente, impactando desproporcionalmente de forma negativa negros indicando uma negativa de direitos informada por classe e raça.
Alguns explicam os dados, nos EUA, em razão do sistema de saúde daquele país ser exclusivamente privado e nem todos negros possuírem seguro saúde, ou seja, um deslocamento para o argumento econômico, por essa lógica negros que tenham renda para seguro saúde não experimentariam o impacto desproporcional. Afirmam também que muitos afrodescendentes seriam portadores de doenças pré-existentes de maior incidência entre afrodescendentes14 14 Ignorando que a pressão alta, mesmo se de maior incidência entre afrodescendentes nas américas, não impacta da mesma forma os brancos que padecem desta doença por motivos de racismo institucional no sistema de saúde e indústria farmacêutica que já foram pesquisados. , além da afirmação de que a maioria dos negros americanos ocupam posições no mercado de trabalho que os impedem de trabalhar em casa.
No entanto, situações cotidianas apresentadas como excepcionais, a exemplo de abordagem de pessoas negras que estão utilizando máscaras, obrigando-os a desprotegerem-se e a exclusão de negros das prioridades de acesso a testes e tratamentos, raramente são mencionadas.
É nesse contexto que todas variantes e complexidades tornam-se o “racismo estrutural”, que no contexto da Pandemia é sinônimo de “doenças pré-existentes”, de “famílias negras pobres”, de “negros em ‘ funções essenciais’ de frente”, de “negros como maioria em atividades laborais”.
Essa compreensão do racismo estrutural não parece compartilhada pelo grupo de experts das Nações Unidas, como podemos observar a partir dos exemplos de “racismo estrutural” no contexto da pandemia descrito no pronunciamento feito pelo grupo de experts.
A recomendação, por exemplo, para que agentes estatais “não procedessem decisões rápidas, tomados pelo sentimento de urgência”, explicitam a relevância da dimensão horizontal, da agência individual, no fenômeno observado. Nos leva, inclusive, a ponderar se os impactos desproporcionais constatados em países um pouco mais racialmente homogêneos do que as Américas refletiam elementos relacionados à natureza do tratamento e da doença causada pelo vírus ou se a naturalizadas práticas institucionais relacionadas com a gestão de recursos escassos as quais se manifestam “automaticamente” racializadas em sociedades mais diversas, como bem é sabido de acordo com as pesquisas15 15 LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na tenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cadernos de Saude Pública, v. 33, Supl. 1, e00078816, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v33s1/1678-4464-csp-33-s1-e00078816.pdf. Acesso em: 19 mai.2020. sobre discricionariedades informadas por raça.
Essa discricionariedade no Sistema de saúde é objeto de pesquisa, de longa data, para pensadores da Justiça Racial. O impacto do preconceito racial na desproporcionalidade de direitos a grupos racializados tem sido observado há décadas pelos experts da ONU, os quais no comunicado publicado em Março de 2020 fizeram um apelo urgente para que governos comprometessem-se com a igualdade racial como guia em suas ações, evitando os riscos de aumento das mortes em razão do racismo estrutural e institucional.16 16 “Algumas políticas relacionadas à pandemia podem anistiar discriminações raciais sobre o pretexto de cumprimento de normas. Uma importante situação possível é a falta de controles suficientes para garantir que o uso da discricionariedade não resulte em racismo, sexismo, classismo, homofobia, ou outras discriminações, mesmo inconscientes. Pesquisas mostram que médicos subdiagnosticam e assumem menor dor e sofrimento de pessoas negras. (…) a tomada de decisão falha quando não aprecia como condições sociais perpetuam racismo institucional e como a falta de protocolos ou mesmo de instruções para estar atento as presunções baseadas na raça, - podem prejudicar a equidade racial na resposta ao COVID-19. Reconhecer particularmente em suas interseções com deficiência, doenças crônicas, gênero, orientação sexual, identidade de gênero e pobreza - podem prejudicar a equidade racial na resposta ao COVID-19. Em lugar disso, reconhecer que a discricionariedade irrestrita leva ao racismo institucional, mesmo entre os profissionais mais altamente treinados e educado, fazem os experts em justiça racial consistentemente pedir aos gestores que desacelerem” . UNITED NATIONS WORKING GROUP OF EXPERTS ON PEOPLE OF AFRICAN DESCENT. Statement on COVID-19: racial equity and racial equality must guide State action. Geneva: OHCHR Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights, 06 Apr. 2020. Disponível em: htttps://ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25768. Acesso em 13 mai. 2020.
Sendo o impacto racialmente desproporcional previsível, informados pelo rejuvenescimento do perfil de vítimas fatais nas Américas, atentos a possível natureza seletiva do que vem a ser “grupo de risco”, eventual reflexo de informal protocolo ético da escolha de Sofia imposta, gestão de escassez dos recursos médicos, é possível que o deslocamento dos epicentros e mudança de contexto cultural tornara latinos e negro, ou negro e pobre, o novo grupo de “risco” em razão de elementos observáveis em dimensões outras do racismo, para além daquela estrutural.
3. Racismo Estrutural: flerte com a convergência de interesses
3.1 A Estrutura e o estrutural
Antes de aproximarmo-nos da categoria jurídica e ferramenta de análise, racismo estrutural, convém observar a concepção de estrutura para alguns pensadores das ciências humanas, sociais e sociais aplicadas.
Brown e Barnett em seus estudos sobre a estrutura social afirmam que o padrão de arranjos e interações no interior de uma sociedade, os quais emergem e determinam as ações dos indivíduos, é o que constitui e pode ser identificado como uma estrutura (1942, p. 31).
Assim, a estrutura social referir-se-ia à colocação e à posição de indivíduos e de grupos dentro de um sistema de relações e obrigações, os membros e os grupos de uma sociedade são unidos por um sistema de relações de obrigação, uma série de direitos e deveres, aceitos e praticados entre si: “Nós sugerimos que esse agrupamento de indivíduos em termos de padrões significativos de relações de obrigações seja identificado como estrutura social17 17 Tradução livre de: We suggest that these groupings of individuals in terms of significant patterns of obligation-relations be termed social structure. ” (BROWN; BARNETT, 1942BROWN, G. Gordon.; BARNETT, James. H. Social Organization and Social Structure. American Antropologist, New Jersey, v. 44, n. 1, p. 31-36, Jan./Mar. 1942., v. 44, n. 1, p. 35)
Os esforços de compreensão das estruturas sociais trazem no bojo diversos debates, dentre eles, sobre o que possuiria primazia de influência nos fenômenos de comportamento e consequente relevância ou irrelevância sobre a categoria. Seria a agência do indivíduo, sua capacidade de agir independente e fazer suas decisões e escolhas de forma livre, o que forma a estrutura ou seria a estrutura, o padrão recorrente de arranjos sociais que influenciam ou limitam as oportunidades disponíveis e consequentes escolhas, condicionante da agência individual.
A perspectiva ideal de observação parece variar conforme o objetivo da análise, haja vista que a priorização de uma perspectiva não anula a existência da outra, apenas a silencia invisibilizando-a. Forte traço de eficácia e eficiência torna-se a competência em distinguir qual a perspectiva mais conveniente para observar, quando não condiz desenvolver ambas observações na mesma situação ao mesmo tempo, evitando sujeitar as análises às conveniências.
No contexto dessa disputa temos quem afirme a primazia do condicionamento das escolhas e liberdades como perspectivas de análise dos fenômenos relacionados às interações sociais. Essa concepção alinha-se com a compreensão de indivíduo possuidor de um lugar na produção e reprodução social de sua vida, inclusive gestores de instituições, que o aliena e o submete a forças invisíveis, as quais condicionam a sua existência e conduta, restringindo à nulidade a sua agência uma vez que o modo de produção da vida material condicionaria o processo da vida social, política e espiritual em geral e não a consciência do homem que determinaria o seu ser, mas o seu ser social que, inversamente, determinaria a sua consciência. (MARX; ENGELS, 1983MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Fronteira, v. 1, 1983., v. 1, p. 301)
Além da crítica feita por Young, que analisaremos mais a frente, de que na compreensão da “estrutura” feita por Marx e Engels o número de “instituições” que formariam as estruturas sociais é ínfimo e invisibiliza a existência das inúmeras outras relações, que formam e informam a vida material, é possível notar que nessa concepção de estrutura apresentada, o indivíduo é alienado e não pode ser responsabilizado por suas condutas e práticas, pois, é quase que percebido como um inimputável.
Ao passo que temos, no Prefácio à Crítica da economia política, uma concepção que reconhecia e destacava a existência da estrutura como um importante elemento para ampliação dos paradigmas de observação das interações sociais, de outro modo, a obra jusneocontratualista de John Rawls, “Uma Teoria da Justiça” (1997RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.), desenvolve uma teoria cujo objeto de estudo e observação é a JUSTIÇA, essa compreendida como “a primeira virtude das instituições sociais” (RAWLS, 1997RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 15) e, cujo “objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade” (RAWLS, 1997, p. 17) que seria a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direito e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social. (RAWLS, 1997, p. 7/9)
É certo que em sua obra de 1971, Rawls reconhece que a sua definição de estrutura básica lhe parecia insuficiente, mas deveria assim permanecer pois seria prematuro preocupar-se com tal questão (RAWLS, 1997RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 10). Apesar da reconhecida e necessária vaguidade da categoria “estrutura básica da sociedade”, quando do desenvolvimento de sua obra “Teoria da Justiça”, Rawls ciente da importância que tal categoria possuía debruçou-se mais detidamente na empreitada de defini-la no livro “Justiça como Equidade”, onde a descreve como “suas principais instituições políticas e sociais e a maneira como elas interagem como sistema de cooperação” (2001, p. 12). E, reiterando a definição clássica de sua obra anterior define a estrutura básica como as principais instituições políticas e sociais da sociedade, as quais ao interagiram formariam um sistema de cooperação social (RAWLS, 2001, p. 13)
Destaca não serem aquelas descritas na definição de “estrutura básica da sociedade” as únicas instituições que formam as estruturas sociais, evitando incorrer na invisibilização e negação da importância de outras instituições, contudo reitera qual é o seu foco de análise, a justiça política e social. E “o contexto social de fundo, dentro do qual as atividades de associações e indivíduos ocorrem” (RAWLS, 2001RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 14), concluindo que “uma estrutura básica justa garante o que denominamos de justiça de fundo background justice” (RAWLS, 2001, p. 14). Esse “contexto social de fundo”, a estrutura social seria um emaranhado de instituições onde “os acordos da vida diária se fazem” (RAWLS, 2001, p. 21).
Rawls não nega o impacto que a estrutura possui no indivíduo, suas escolhas, condutas e aspirações. (§ § 15-16). (RAWLS, 2001RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 14). Ocorre que, mesmo considerando o impacto da estrutura no indivíduo, Rawls não deixa de levar em conta que também são os indivíduos os tomadores de decisão, formadores de opinião, gestores e agentes os quais formam as instituições que constroem as estruturas. Uma política pública de transformação das estruturas não pode ignorar a dimensão individual formadora das instituições que a constitui.
Em seus esforços jusfilosóficos, John Rawls pensa uma teoria de Justiça Social que reconhece igual relevância às diferentes dimensões, formadoras da estrutura e às estrutura, por isso aponta a necessária diferenciação dos dois niveles de observação da moral, um que foca na interação entre indivíduos e outro que observa as condições de fundo em que as condutas dos indivíduos ocorrem, as instituições e a estrutura.
Mesmo atentando-se mais detidamente à como alterar as condições de fundo onde as interações individuais ocorrem, porque estas informam como devemos avaliar as interações individuais e as regras de uma determinada instituição, em momento algum a ambição de alterar as condições de fundo fundamentam-se numa ignorância ou invisibilização das interações individuais ou das normas institucionais, que terminaria por levar a compreender a estrutura como uma entidade amnistiadora da necessária reprovação e responsabilização de condutas de violação de direitos horizontais e institucionais resultantes de condutas dos indivíduos (YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 91).
Young afirma que o conceito de estrutura básica da sociedade de Rawls possuía uma índole liberal preocupada com justiça distributiva que, de acordo om a crítica da mesma autora à estrutura de Marx, pressupunha elementos institucionais como propriedade privada, salário, trabalho e crédito. A autora destaca que a concepção de Marx, centralizando a relação de produção como foco primordial a ser observado, ignorou a pluralidade das instituições que produzem injustiça em interseção com as relações de produção, a exemplo do sexismo, machismo, capacitismo, racismo, homofobia, etc.
Assim, para além das discussões sobre primazia da abordagem, agência do indivíduo ou estrutura, Young apresenta crítica à forma restrita como a estrutura é concebida por Rawls e Marx, bem como o impacto desses elementos preconcebidos e os ignorados nas relações estruturais cujas regras sobre propriedade, autoridade e poder de decisão, de atribuição de tarefas, posições de autoridade legal e social também são parâmetros dentro dos quais as distribuições ocorrem. (YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 92)
Importante destacar, conforme o faz Young, que focar em distribuição para teorizar justiça não é escolha exclusiva dos pensadores progressistas, os ultraliberais, a exemplo de Robert Nozick (1974 apud YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 92) que afirma a escolha do foco na distribuição como um desvio de atenção dos reais temas de justiça os quais, de acordo com Nozick, preocupa-se em saber se os padrões de distribuição resultam de um processo histórico no qual as pessoas receberam sua cota devida ou um processo histórico que envolveu injustiça, acordos envoltos em fraudes e violência, também focam na distribuição.
Young afirma que Nozick partilha com Marx uma importante compreensão sobre a Justiça, a de que “os processos que produzem padrões distributivos são tão importantes quanto os padrões distributivos por si mesmo para avaliarmos justiça” (NOZICK, 1974 apud YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 92), a falha foi ignorar os elementos de poder que influenciam as manifestações de vontade nas transações históricas, que ele valida como fonte de observação da índole justa ou injusta dos acúmulos.
A expressão da relevância de uma obra é a quantidade de pessoas que se dedicam a criticá-la e os esforços neocontratualistas de Rawls, com foco na estrutura básica da sociedade, foram criticados por motivos inúmeros explicitando a natureza paradigmática da obra do pensador.
Apesar de seu caráter revolucionário Rawls “neutraliza” relevante elemento formador da estrutura e informador das instituições, o poder de tomar decisões, ou seja, as pessoas que em razão da posição social que ocupam detém o direito de fazer decisões institucionais que impactam na vida de outros e reforçam estruturas e processos estruturantes mantenedores de privilégios e discriminações.
Outra dimensão da Justiça, destacada por Young, que não é devidamente capturada pelas analises fundadas em um paradigma distributivo, seja ele Marxista, Rawlsiano ou Nozickiano, é a desvalorização e estigmatização de indivíduos em razão de suas identidades e demais atributos que contribuem para que o processo estrutural privilegie algumas pessoas e desprivilegie outras. (YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 95).
Assim, Young ao trazer sua crítica a Rawls não nega a importância da estrutura básica, apenas aponta que elementos ausentes, que alterariam tal estrutura, tornam a teoria insuficiente, mas não falha ou equivocada. (YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 96).
A importância em observá-los separadamente é ter a chance de notar que as discriminações injustas, que produzem esses processos de percepção sobre o que vem a ser o normal e a ordem, derivam não de preconceitos explícitos de indivíduos ou de políticas públicas de exclusão, mas resultam, na verdade, de normas institucionais ocultas e não escritas, os hábitos cotidianos de interações e comportamento. Elementos que conclamam a uma necessária complementação da teoria Rawlsiana (YOUNG, 2006YOUNG, Iris Marion. Taking the basic structure seriously. Perspectives on politics, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006., p. 96).
A atenção que cada um concede ao nível macro ou micro de intervenção, para combate a injustiças, e quais as instituições devem ser destacadas e quais podem ser invisibilizadas quando da idealização de políticas públicas precisa ser atentamente observada.
Enquanto alguns entendem que inexiste agencia do indivíduo, pois este é condicionado pela estrutura que não consegue perceber e alienadamente atua em suas interações cotidianas, outros entendem que instituições, que formam a estrutura, são geridas, pensadas e idealizadas, por indivíduos e se existe uma massa alienada existe contribuições dos tomadores de decisões que dirigem as instituições e imprimem seus valores e, por isso, a estrutura não será modificada sem a mudança de comportamento deles, por fim, distinguem-se também quanto à relevância que concedem a determinadas instituições em prejuízo de outras, todas presentes nas interações sociais e observáveis.
3.2. O Racismo Estrutural
O racismo estrutural enquanto categoria, de direitos humanos, é recente. O esforço de sustentação da ferramenta em sistemas distintos daquele de sua origem, o que a publicizou e popularizou, tem levado a uma disputa epistêmica pela compreensão do que vêm a ser as ferramentas de justiça social e tais compreensões ajustam-se aos interesses do grupo intelectual de suporte, seja o do status quo conservador, seja o dos progressistas interessados em reformas ou em justiça social.
Essa dinâmica de disputas sobre legitimidade dos discursos acadêmicos e científicos não se restringe à ferramenta racismo estrutural e sua teoria e reproduz práticas também informadas por dinâmicas de poder institucional. Como mencionado, outra ferramenta, categoria jurídica que também se encontra submetida à idêntica disputa é a Intersecionalidade, como bem explica Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Intersectionality as critical social theory. Durham e Londres. Duke University Press. 2019.).
Pouco observada, debatida e raramente apresentada como um esforço de construção de um novo paradigma de justiça social, ainda não finalizado, resulta no apoio em simplificações mais próximas do paradigma de compreensão generalizado e popularizado dos temas debatidos. É por isso que, no Brasil, racismo estrutural tem sido percebido como etéreo e amorfo, que explicaria todas as dimensões das injustiças raciais, ou seja, um racismo “invisível”, “velado”, “sutil”, um dado inconsciente, que independe da vontade, e implicaria na naturalização da exclusão de negros, definições que se amparam nas metáforas popularizadas no imaginário da democracia racial e que permanecem, mesmo em face dos esforços do movimento negro em desconstrui-las, uma vez que mitigam a índole violadora de direitos das práticas racistas, bem como fomentam a impunidade das práticas de racismo horizontal, institucional e estrutural.
Os recentes esforços de definição da categoria e ferramenta, utilizada em relatórios da ONU, têm sido no sentido de apresentar o racismo estrutural como um sistema no qual políticas públicas, práticas institucionais, representações culturais e outras normas funcionam de várias formas, frequentemente reforçando maneiras de perpetuação de desigualdade de um grupo, 18 18 THE ASPEN INSTITUTE. Glossary for understanding the dismantling structural racism/promoting racial equity analysis. Washington, DC: The Aspen Institute, [2020?]. Disponível em: https://assets.aspeninstitute.org/content/uploads/files/content/docs/rcc/RCC-Structural-Racism-Glossary.pdf/. Acesso em: 13 mai 2020. ou como a normalizada e legitimada ampla gama de políticas, práticas e atitudes que rotineiramente produzem cumulativos e crônicos resultados adversos para as pessoas não brancas, especialmente pessoas, 19 19 CENTER FOR THE STUDY OF RACE AND ETHINICITY IN AMERICA. How structural racism works project. Providence, RI: Brown University, [2020?]. Disponível em: https://www.brown.edu/academics/race-ethnicity/programs-initiatives/how-structural-racism-works-project. Acesso em: 13 mai. 2020. ou como uma pratica coletiva que existe em ambientes de trabalho e na sociedade manifestando-se na forma de atitudes, comportamentos, ações e processos. 20 20 HUSSAIN, Rizz. Shingn a spotilgith on structural racism in britain today. London: TUC Trades Union Congress, 21 Mar. 2018. Disponível em: https://www.tuc.org.uk/blogs/shining-spotlight-structural-racism-britain-today. Acesso em: 13 mai. 2020.
Essa abordagem da estrutura, de compreensão do indivíduo como alienado e sem agência, coerente com o sistema de direito internacional, ao ser transposta domesticamente reforça o discurso clássico sobre as dinâmicas de relações raciais brasileiras, informadas pela ideologia do branqueamento, da mestiçagem, da existência harmônica e igualitária entre as raças, do mito fundador das três raças, da ausência de racismo e de racismo sem racistas.
A partir dessa compreensão de racismo estrutural permanece o racismo sendo o crime perfeito21 21 RAMOS, Camila Souza; FARIA, Glauco. Nosso Racismo é um crime perfeito. Revista Forum, Santos, SP, 09 fev. 2012. Publicação na qual o antropólogo Kabengele Munanga (2012) afirmou em entrevista que no Brasil “o racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo [...].” , em que existem vítimas e inexistem algozes, pois as vítimas são responsáveis pelas violências e negativas de direitos informados pelos preconceitos de raça perpetradas por uma entidade, a “estrutura”.
Em 2007, no Brasil, Paulo Arantes publica artigo em que analisa a categoria racismo estrutural instrumentalizada na manifestação da Comissão de Direitos Humanos da OEA nº 66/2006, contudo, tal manifestação não definiu o conceito, ou elaborou um debate detalhado sobre a categoria. Assim, no artigo, o autor esforçou-se por reconhecer a instrumentalização da categoria no parecer da Comissão e intuir o que seria a ferramenta a partir da interpretação do termo no contexto do relatório. (ARANTES, 2017, p. 136).
Ao analisar somente a manifestações do racismo mencionadas pela decisão da Corte Interamericana, o pesquisador tentou estabelecer uma relação entre racismo estrutural e indireto, no caso, as práticas de racismo que justificariam a responsabilização do Estado em Corte Internacional por violação de direitos de seus cidadãos, não as práticas de racismo realizadas por indivíduos em suas interações, seja como particulares, seja como agentes estatais.
Tal paralelo foi informado pela ausência de definição da categoria racismo estrutural nos documentos da Comissão interamericana, ou das Nações Unidas, os quais informaram os documentos da Comissão Interamericana, analisados por Arantes e percebidos como uma não garantia de uma igualdade racial perante a lei, o que contribuiria para uma discriminação racial estrutural. (ARANTES, 2017, p. 144).
Assim, podemos notar a compreensão do racismo estrutural como de natureza sinônima e similar àquela do racismo indireto, forma de conduta que também resulta em negativa de direitos, mas não compreendida como a interação sistêmica e relacional de diversas instituições padecedoras de racismo institucional.
No caso Simone Diniz observou-se que “o sistema judiciário”, compreendido como as instituições policiais, a instituição do ministério público, que lançou parecer de atipicidade e a instituição do judiciário, que referendou o parecer do ministério público, falhou. A natureza sistêmica do racismo estrutural, somada com a premência de não responsabilizar indivíduos, é o que torna tão desafiador analisar situações de negativa de direitos no Brasil e muitas outras sociedades.
O documento em que se fundamenta a análise feita por Arantes, do conceito de racismo estrutural, é o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2006. Observa-se que apenas uma única vez a palavra estrutural é mencionada naquele relatório, como adjetivação da forma como o racismo manifesta-se no Brasil.22 22 Num persistente contexto de profunda desigualdade estrutural que afeta os afro-brasileiros, pesquisa realizada pelo IPEA tem demonstrado a sobre representação da pobreza entre os negros brasileiros, numa concentração que tem se mantido estável ao longo do tempo. (OEA, 2006)
A Comissão, ao citar a categoria racismo estrutural faz referência à utilização da categoria feita no relatório conclusivo da CERD, CERD/C/64/CO/2, quanto a natureza das manifestações do racismo no Brasil.
O relatório da CERD (CERD/C/ 64/CO/2) menciona, sem definir, somente uma única vez em um específico parágrafo a categoria racismo estrutural e, assim como o relatório da Comissão de Direitos Humanos da OEA, não o define e também referencia-se às observações conclusivas anteriormente levadas à público23 23 O Comitê reitera as preocupações manifestadas em suas observações conclusivas anteriores (CERD/C/304/Add.11) sobre a persistência de profundas desigualdades estruturais afetando as comunidades negras, mestiças e as comunidades indígenas. O Comitê recomenda que o Estado parte intensifique seus esforços para combate da discriminação racial e eliminação das desigualdades estruturais, e que propicie informação sobre a implementação das medidas tomadas, em particular aquelas propiciadas pelo segundo programa nacional de direitos humanos e o programa nacional de ações afirmativas. (OEA, 2006) .
Possível observar que a categoria novamente não é definida e referenciada em outro relatório de observações conclusivas do comitê sobre o racismo no Brasil, o relatório CERD/C/304/Add.1124 24 O Brasil por mais de uma década deixou de enviar ao Comitê da CERD qualquer relatório relacionado ao implemento daquela convenção no país, isso porque a política doméstica e internacional de negação da existência do racismo no país e reprodução do discurso de harmonia racial - o mito das três raças - foi a regra. Essa postura internacional com origens que remontam o pré segunda guerra mundial e formalmente manifesta na reunião de declaração da Convenção CERD (CONCEIÇÃO 2014, p.55) permaneceu até os anos 90, findando no governo Fernando Henrique Cardoso com Celso Lafer como Chanceler (CONCEIÇÃO, 2014, p.56). Assim, os relatórios dez, onze, doze e treze, foram submetidos como um único documento e apreciados nas observações conclusivas onde pela primeira vez observamos a categoria racismo estrutural. (CERD/C/304/Add.11) , o qual também cita uma única vez da categoria25 25 8. As informações estatísticas e qualitativas sobre a composição demográfica da população brasileira e sobre o gozo de direitos políticos, econômicos, sociais e culturais propiciada no relatório do Estado parte claramente mostra que as comunidades indígenas, negras e mestiças sofrem de uma profunda e estrutural desigualdade e que as medidas tomadas pelo governo para efetivamente combater tais disparidades ainda são insuficientes. (OEA, 2006) .
Nesta menção, do documento de observações conclusivas do comitê CERD/C/304/Add.11, nota-se que o Comitê entende que o impacto desproporcional do gozo de direitos fundamentais de grupos radicalizados é um indício da presença de um dos tipos de manifestação do racismo. Constatável, não pela observação de condutas individuais, mas sim, pelos dados estatísticos que denunciam não somente as práticas comissivas de indivíduos em manifestação de racismo horizontais, mas, também, as omissões das instituições em responsabilizar seus agentes e reeduca-los capacitando-os de forma a garantir que culturas institucionais e práticas equivocadas mantenham-se e subalternize pessoas de grupos racializados, constatável também pela interação dessas instituições cujas culturas de subalternização racial fora identificada e intersectam, interagem e imbricam entre si.
A ausência de referências bibliográficas e a menção à categoria racismo estrutural nos levaram a lançar olhar no relatório submetido pelo Estado parte Brasil, naquele inexiste menção à categoria o que nos levou buscar os debates sobre a ferramenta estrutural desconectada da categoria raça e notarmos a definição de estrutura e a participação do indivíduo no funcionamento dela, feita por filósofos que influenciaram e informam os debates jusfilosóficos.
Importa destacar que todos os documentos de organismos internacionais multilaterais ao instrumentalizarem a categoria racismo estrutural não observavam as condutas dos indivíduos que violavam horizontalmente os direitos de pessoas negras no Brasil, mas, sim, observavam a omissão do Estado brasileiro e de suas várias instituições do sistema de justiça em coibir, repreender e mitigar as reiteradas práticas que levam a, inclusive institucional, incompetência em reprimir casos de racismo.
Com exceção de casos singulares de explicita omissão institucional comprovável por documentos e levados aos organismos internacionais, a regra de constatação da reiterada e sistêmica prática de negativa de direitos pelo pertencimento racial em instituições e estruturas é perceptível somente na análise dados que explicitam o gozo desigual de direitos conforme o pertencimento étnico racial e não somente em razão do pertencimento ao grupo sócio -econômico. Além disso, é sabido que o indivíduo não responde no cenário internacional, pois não possui personalidade jurídica para o Direito Internacional Público, ou capacidade postulatória, o que explica as abordagens institucionais e estruturais como a regra que orienta responsabilização no cenário das diversas Cortes Internacionais.
Exemplo clássico de caso de racismo institucional e estrutural é o caso apreciado pela comissão interamericana de direitos humanos, o caso Simone André Diniz, cujas recomendações informam inúmeras leis declaradas e políticas de reconhecimento no Estado de São Paul e no Brasil, em favor da população afrodescendentes
O caso Simone André Diniz foi um caso de racismo onde as instituições foram identificadas, contudo não se responsabilizou os agentes violadores dos direitos da vítima, incidindo o Estado em manutenção do pacto narcísico nas instituições e, em determinadas situações legislações álibis, noutras, eficazes.
Cientes da grande relevância que possui as pesquisas que buscam pela identificação de trajetos e mecanismos pelos quais o racismo impacta na vida das pessoas, passamos a descrever os fatos do caso Simone André Diniz sob a lentes das categorias teóricas e ferramentas de Justiça Racial, racismo horizontal, institucional e estrutural.
3.3 O Racismo Institucional e a Pandemia
A discriminação racial é um tema de tímida produção no âmbito das pesquisas sobre Justiça e Direito, se nos Estados Unidos da América do Norte a produção sobre antirracismo, combate a descriminação e justiça racial, inclusive no direito que possui centros de pesquisadores em diversas universidades é tímida, no Brasil, pode-se adjetivar como inexistente a produção de conteúdo jurídico sobre o tema Justiça Racial, destacadamente em face da invisibilidade da produção de autores como Joaquim Barbosa, Dora Bertúlio, Eunice Prudente e Hédio Silva Jnr.
Essa dimensão institucional do racismo não é exclusiva do Brasil, mas também se faz presente em muitos outros países os quais têm lutado para mitigar e eliminar com apoio de programas dos organismos multilaterais a exemplo do programa de combate ao racismo institucional fomentado por muito tempo pelo PNUD no Brasil.
Definido inicialmente por Stokely Carmichael e Charles V. Hamilton como “ uma falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (1967 apud WERNECK, 2016, p. 17)26 26 WERNECK, Jurema. Racismo institucional, uma abordagem conceitual. São Paulo: Geledés Instituto da Mulher Negra, 2016, 55 p. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/FINAL-WEB-Racismo-Institucional-uma-abordagem-conceitual.pdf. Acesso em: 20 mai. 2020. , o racismo institucional se manifesta em práticas e escolhas individuais que dificilmente podem ser traçadas e por essa dificuldade de identificação dos agentes perpetradores e de responsabilização destes, leva a responsabilização legal de instituição (pessoas jurídicas), pelo racismo constatado, pelo impacto desproporcional menor gozo ou negativa de direitos fundamentais em razão do pertencimento a um determinado grupo racial.
O que levou a outra definição como o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica, se manifestaria em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. (CRI, 2006, p.22)
Em 2013, em cartilha sobre racismo institucional, Jurema Werneck define como um modo de subordinar o direito e a democracia às necessidades do racismo, fazendo com que os primeiros inexistam ou existam de forma precária. (WERNECK, 2016, p. 18)27 27 Idem nota 23.
Todas definições trazem compreensões sobre formas de manifestação e funcionamento de dinâmicas cujo objetivo é subalternizar e negar direitos de grupos raciais. São inúmeros os elementos que levam a não responsabilização individual de autores de condutas que negam de direitos informadas pelo preconceito a um grupo racial, dentre eles os valores generalizados que enxergam razoabilidade, naturalidade e normalidade nessas práticas.
Em modelo proposto por Jones, (Werneck, 2016, p. 542)28 28 WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf. Acesso em: 20 mai. 2020. três dimensões do racismo que precisam ser observadas, de forma a viabilizar uma proteção da saúde de formar democrática e não mitigada pelo racismo, são listadas. As dimensões, relevantes para compreensão das formas como o racismo opera e impacta nos sistemas de saúde seriam de acordo com Jones a dimensão pessoal/internalizada, formada por sentimentos, de inferioridade ou de superioridade e por condutas, de passividades, pro atividade ou de aceitação recusa; Dimensão interpessoal manifestada em ações, de falta de respeito, desconfiança, desvalorização, perseguição, desumanização e também manifesta por omissões, negligência em lidar com o racismo e seus impactos; e Dimensão institucional, manifesta materialmente como indisponibilidade ou acesso reduzido a direitos e manifesta na dimensão de acesso ao poder, como menor acesso à informação, menor participação e controle social e escassez de recursos.29 29 JONES, Camara Phyllis. Confronting institutionalized racism. Phylon, v. 50, n. 1-2, 2002, p. 7-22. Disponível em: www.jstor.org/stable/4149999. Acesso em 13 de mai de 2020.
Podemos assumir que a percebida e diagnosticada dimensão institucional do racismo também tem se manifestado neste contexto de Pandemia, no qual instituições de saúde notoriamente padecedoras da ineficácia racial (JONES, 2002, p. 16)30 30 JONES, 2002, p. 16 §2. , são confrontadas com a necessidade de gestão de recursos escassos. Temos o exemplo nacional de que a gestão da escassez de anestesias informa à prática que impacta desproporcionalmente submetendo a maior dor e sofrimento na hora do parto, mulheres negras.31 31 Domingues, Rosa Maria Soares Madeira et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev. Panam Salud Pública, v. 37, n. 3, p. 140-147, 2015. Disponível em: https://scielosp.org/article/rpsp/2015.v37n3/140-147/. Acesso em: 20 mai. 2020.
É sabido que agentes de saúde não são educados, nem pelas instituições de ensino nem pelas instituições onde trabalham, a vigiarem suas práticas de forma que não resultem em condutas informadas pelo preconceito racial desumanização e subalternização de grupos racializados, a exemplo da equivocada crença de que pessoas negras são mais resistente à dor e mais forte fisicamente que informa a prática de racionalização de anestesias, nos parece.
É por isso que a observação do racismo institucional precisa ocorrer em pelo menos, duas abordagens. A primeira envolve a documentação por meio de dados do diferente acesso a bens jurídicos, sejam esses bens serviços, oportunidades de emprego, vida, e, tais dados devem ser desagregados por raça, o que reforça a importância da aplicação eficaz do quesito cor. A segunda abordagem é a identificação dos fatores contemporâneos que perpetuam a diferença de gozo dos direitos nos dados de forma a viabilizar uma intervenção que altere a prática e modifique a realidade de desigualdade racial.
Por isso não é suficiente somente constatar dados desproporcionais, racismo institucional ou estrutural, mas também identificar, por meio de observação em todas dimensões, quais são as condutas e práticas ou os esforços resumir-se-ão a denúncias, somente. Por isso a importância da detida observação não somente dos dados, mas também dos comportamentos, práticas e condutas, de forma a eficazmente pensar intervenções que transformem a realidade institucional e, consequentemente, a realidade estrutural de desigualdade racial constatada.
3.4. O racismo horizontal e a Pandemia
Conforme ensina a metodologia crítica, que informa escolas de pensamento como a de estudos coloniais, teoria intersecional e de teoria crítica racial (Collins, 2019COLLINS, Patricia Hill. Intersectionality as critical social theory. Durham e Londres. Duke University Press. 2019.), narrativas pessoais indicam padrões sociais, ao se repetirem as narrativas tornam-se importante elemento para constatação e análise de dinâmicas e fenômenos sociais. As violações de direitos fundamentais, na esfera das interações privadas, não se encontram imunes às exigências do Estado democrático republicano e das limitações impostas pelo direito.
Em um supermercado do grupo Wal-Mart na cidade de Wood River em Ilinois, dois homens que usavam máscaras cirúrgicas gravaram a ação de um agente de polícia que os retirou do supermercado enquanto informava que não lhes era permitido usar máscaras naquele recinto32 32 JAN, Tracy. Two black men say they were kicked out of Walmart for wearing protective masks. Others worry it will happen to them: as the nation is told to wear masks, black americans must also weigh the risks of racial profiling. The Whashington Post, Whashington, DC, 09 Apr. 2020. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/business/2020/04/09/masks-racial-profiling-walmart-coronavirus/. Acesso em 13 mai 2020. . Relatórios de segurança sobre policiais seguindo jovens “suspeitos”, por serem negros e usarem mascaras durante as compras, trouxe à tona o temor dos negros de protegerem-se conforme as recomendações das agências de saúde
No final do mês de abril de 2020 um grupo de seis senadores dos Estados Unidos da América do Norte enviaram carta ao departamento de Justiça e ao FBI exigindo treinamento antidiscriminatório imediato aos agentes policiais em razão da Pandemia do COVID33 33 CINEAS, Fabiola. Senators are demanding a solution to police shopping black men for wearing - and not wearing- masks: police bias could prove even deadlier for black people in the pandemic. Vox, Washington, DC, 22 Apr. 2020. Disponível em: https://www.vox.com/2020/4/22/21230999/black-men-wearing-masks-police-bias-harris-booker-senate. Acesso em: 13 mai. 2020. , haja vista que o usar máscara e o não usar máscara, estavam informando e legitimando as abordagens policiais reincidentes em homens negros. Uma situação típica de Catch 22.
Muitos afrodescendentes nos Estados Unidos expressaram temor em sair de suas residências em conformidade com as recomendações de segurança dos sanitaristas, ou seja, como o corpo todo coberto, olhos protegidos e máscara, o que os vulnerabiliza aos assédios dos policiais. No Brasil esse temor é também presente entre os homens negros.34 34 BATISTA, Fabiana. Homens negros relatam casos de racismo ao utilizar máscaras na rua. UOL Universa, São Paulo, 08 mai. 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/05/08/homens-negros-relatam-casos-de-racismo-por-utilizar-mascaras-na-rua.htm. Acesso em: 13 mai. 2020.
Ocorre que em países racialmente diversos a necessária solidariedade e empatia que os tempos de Covid-19 pedem não superou o instinto racista, preconceito inconsciente, e as condutas negadoras de direitos dos afrodescendentes sem qualquer fundamentação que não o abstrato medo informado pelo irracional preconceito de raça. Assim, temos um exemplo de como a supremacia branca e o privilégio branco em interações individuais expõe negros a situações de vulnerabilidade devido às condutas de violações horizontais de direitos.
Na área da cidade de Luisville em Kentucky, um médico tentou estrangular uma jovem mulher negra de 18 anos, afirmou que ela não estava socialmente distante o suficiente. O ataque foi registrado em vídeo câmeras e a ocorrência policial apresentada.35 35 GETTYS, Travis. Louisville area doctor chokes black 18-year-old woman for not social distancing to his satisfaction. Rawstory, Washington, DC, 07 Apr. 2020. Disponível em: https://www.rawstory.com/2020/04/louisville-area-doctor-chokes-black-18-year-old-woman-for-not-social-distancing-to-his-satisfaction/. Acesso em: 13 mai. 2020.
No Mississipi o depoimento da família de uma mulher negra de 38 anos, Shallondra Rollins36 36 SHELTON, Eric. The mistery of death: the story of Shalondra Rollins, the first person to die of COVID-19 in Hinds County, may tell us everything about why black Mississippians are hit so much harder by the pandemic. Missippi Today, Ridgeland, MS, 23 Apr. 2020. Disponível em: https://mississippitoday.org/2020/04/23/shalondra-rollins-was-taking-care-of-her-health-and-climbing-out-of-poverty-why-did-she-die-of-Covid-19/. Acesso em: 13 mai. 2020. , primeira vítima fatal do COVID-19 no condado de Hinds, é uma importante pista sobre a variação racial do senso de urgência. A família afirma que mesmo diagnosticada como infectada e após ter desmaiado em casa, a ambulância que fora atender o chamado, não permitiu acompanhantes, durante o trajeto, que os familiares acompanharam em seus automóveis, não ligou sirenes ou dirigiu com a necessária rapidez para atendimento.
Rana Zoe Mungin, mulher negra de 30 anos de idade, professora de estudos sociais morreu devido ao COVID-19.37 37 MAZZIOTTA, Julie. 30 years old teacher dies of Coronavirus after her symptoms were dismissed as a panic attack: social studies teacher Rana Zoe Mungin was finally admitted to a hospital on March 20 and was quickly put on a ventilator. People, Shelburne, VT, 28 apr. 2020. Disponível em: https://people.com/health/teacher-dies-coronavirus-after-her-symptoms-dismissed-panic-attack/. Acesso em: 13 mai. 2020. Quando compareceu em um hospital do Brooklin com sintomas de febre e falta de ar, foi diagnosticada como tendo um “ataque de pânico” e orientada a retornar para sua residência. Cinco dias após as primeiras idas ao hospital a jovem foi internada e colocada em um respirador, transferida para um hospital de Manhatan, veio a falecer após 30 dias na UTI.
Também nos Estados Unidos, em Miami, um médico negro que trabalha atendendo moradores de rua de forma a mitigar a expansão da pandemia naquela população, foi abordado, algemado e revistado, em frente da sua casa, por estar carregando uma minivan com EPI´s e demais suprimentos necessários ao seu trabalho junto a seus assistidos38 38 TAYLOR, Derrick Bryson. For black men, fear that masks will invite racial profiling: african-american men worry that following the C.D.C. recommendation to cover their faces in public could expose them to harassment from the police. The New York Times, New York, NY, 14 Apr. 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/04/14/us/coronavirus-masks-racism-african-americans.html. Acesso em: 13 mai. 2020. .
Sem seu “documento de identidade” a esposa saiu de casa e levou o documento do marido até o agente policial, explicando os fatos que ocorriam e reduziu o potencial violento da situação. O aumento de abordagens arbitrárias, cuja incidência prepondera sobre homens negros torna-se um desestimulo ao uso de EPIs, mesmo as caseiras, e até mesmo ao necessário exercício de suas profissões, haja vista que formam a maioria dos “trabalhadores essenciais” inclusive na área da saúde.
No Brasil, em São Paulo, o corpo de um jovem que desaparecera após ser abordado pela polícia na entrada da viela onde morava, enquanto aguardava a entrega de seu pedido feito em aplicativo de entregas de restaurantes, surge como exemplo de violação horizontal, que se manifestará em constatação institucional futuramente.
Em Nova Iguaçu, Rio de janeiro, uma técnica de enfermagem, não branca, que trabalhava na UPA de Austin, morreu em razão da infecção causada pelo COVID-19, antes em uma “live” Danielle Costa afirmou ter sofrido mal tratos no atendimento que lhe fora conferido no Hospital da Posse, na mesma cidade. Ela foi internada em hospital da cidade de Volta redonda, Hospital estadual Zilda Armas, mas não resistiu a infecção e veio a óbito.39 39 ANTES de Morrer por Covid-19, técnica de enfermagem disse que foi maltratada no Hospital da Posse. Jornal Destaque Baixada, Rio de Janeiro, RJ, 29 apr. 2020. Disponível em: https://www.jornaldestaquebaixada.com/2020/04/antes-de-morrer-por-Covid-19-tecnica-de.html?fbclid=IwAR3GOGwrZDhcn25_IwgWXNVoxOrWW5UuQKcmv7ybXMX8U0pN-_z-TwYMYXg&m=1. Acesso em: 13 mai. 2020
Em Araucaria40 40 SUPERMERCADO no Paraná tem tiroteio por uso de máscara e funcionária morre no local: cliente que não queria usar máscara entrou em luta corporal com um segurança, que sacou a arma e atirou, atingindo uma das funcionárias, que morreu na hora; caso aconteceu em Araucária. Revista Fórum, Santos, SP, 28 abr. 2020. Disponível em: https://revistaforum.com.br/noticias/supermercado-no-parana-tem-troca-de-tiros-por-uso-de-mascara-e-funcionaria-morre-no-local/. acesso em 13 de mai. 2020. na Região metropolitana de Curitiba, Brasil, e em Flinth41 41 US FAMILY murdered shop guard for enforcing mask policy. BBC News, London, 05 May 2020. Disponível em: https://www.bbc.com./news/world-us-canada-52540266. Acesso em: 13 mai. 2020. , Michigam nos Estados Unidos, fiscais de loja, ambos não brancos, responsáveis por exigir dos clientes o uso das máscaras em espaços públicos, conforme as orientações da OMS perderam a vida em razão da reação armada de consumidores que entendem como direito o exercício de privilégios.
Esses episódios de violação horizontal de direitos, no contexto do deslocamento de epicentro da Pandemia de COVID-19, permitem que tenhamos a dimensão da diversidade de instituições, para além das instituições econômicas, como as da saúde, da segurança, dentre outras, que interagem e intersecionam-se formando um contexto estrutural em que, conforme alertado pelo grupo de experts da ONU, falham em garantir que os direitos básicos de dignidade humana de todos os cidadãos sem distinção.
O necessário acesso à proteção social, em face da impossibilidade de trabalho, inclusive daqueles que atuam autonomamente. O necessário gozo do direito de permanecer em casa, em situações de vulnerabilidade física daqueles do grupo com condições pré-existentes, haja vista que grande parte da população afrodescendente americana não tem acesso a planos de saúde, o que impede que até mesmo desloquem-se aos hospitais em busca de tratamento médico. A discriminação para aqueles que mesmo tendo convenio médico estão ainda expostos e vulneráveis às práticas de racismo horizontal que se escondem atrás da aparente formalidade institucional que Hannah Arendt bem identificou como “banalização do mal”.
Todos esses elementos somam-se, vulnerabilidade física, vulnerabilidade social, vulnerabilidade laboral, a vulnerabilidade à violência médica, expressa em violação horizontal de direitos fundamentais que em razão da sistemicidade com que ocorre é perceptível, apenas, por meio dos diversos constatados impactos desproporcionais no gozo de direitos.
3.5. Análise horizontal, institucional e estrutural do Caso Simone Diniz
Ao observarmos o caso Simone Diniz sob ampla perspectiva de categorias de análise, necessárias para compreensão do que vem a ser o racismo estrutural e como ele se manifesta em conjunto com as demais formas de manifestação do racismo na sociedade, podemos observar a interseção das dimensões, horizontal e institucional, compondo a estrutura do caso.
No âmbito individual, ou seja, na forma de manifestação horizontal da violação de direitos, ocorreu uma conduta tipificada no artigo quarto da redação original da Lei 7716/89 (BRASIL, 1989). Uma cidadã branca divulgou em imprensa comercial que não contrataria para uma vaga de emprego em sua casa pessoa, mesmo que com todos os requisitos para a ocupação do cargo, somente em razão desta ser negra.
Superada a observação dos fatos em sua dimensão horizontal, a dimensão institucional é percebida pela omissão e ineficácia na aplicação da lei, ou seja, condutas individuais com impacto no gozo de direitos fundamentais. Não relacionada à manifestação do agente da instituição policial, uma vez que a opinião do órgão e do seu agente não vincula denuncia ou sentença e as investigações e apurações foram realizadas de forma que cortes internacionais apreciaram o corpo probatório dos fatos e constataram a prática da conduta tipificada na lei declarada.
O agente do Ministério Público ao manifestar-se pelo arquivamento do inquérito falhou em sua análise da lei e dos fatos. Neste momento, podemos perceber a escolha pela aproximação institucional por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, afinal não é que inexiste um agente que falhou em sua análise e lançou opinião no sentido da inexistência da subsunção da conduta com a norma “negar emprego em função da cor, raça de alguém”, contudo cabe às cortes internacionais observar sujeitos de direito internacional.
É sabido que instituições responsabilizadas possuem direito de regresso em face de seus agentes, bem como que, agentes institucionais gozam do poder amplo que a sua condição de representante da instituição lhes confere. Ocorre que reconhecer a responsabilidade institucional permite que se legitime a exigência de uma intervenção mais ampla do que a responsabilização individual, garantindo que todos os agentes, que atuam com poderes e como representantes daquela instituição, não continuem a manifestar suas concepções prejudiciais ao eficaz e eficiente funcionamento da instituição.
Treinamentos e campanhas de recapacitação e sensibilização são exemplos de intervenções institucionais de mitigação das práticas discriminatórias possíveis. Existe a possibilidade de convergência de interesses e de implantação de tais intervenções como tentativas de “pré-álibi”, buscando blindar politicamente a instituição de possíveis responsabilizações, mas essas são outras manifestações mais complexas do racismo institucional.
O temor42 42 Cabe referência a Medida Provisória 965 de 13 de maio de 2020 reflete manifestação do executivo informado pelo temor da previsível “greve de canetas” em contextos de caos administrativo e corrupção generalizada, improbidades manifestas dentre outras formas pelas condutas racistas de gestores. de uma “greve de canetas” por parte dos agentes informa a opção política de não regresso. Condutas ineficazes e ineficientes na promoção dos deveres e missões institucionais informadas por preconceitos de raça são absorvidas pela pessoa jurídica e as reparações por ela possíveis. A escolha da instituição em não regressar, seja por meio do universo de sanções administrativas, suspensão, recapacitacão, etc, não implica na inexistência da conduta de um indivíduo que, num dado momento, exerceu sua agência em desacordo com a missão da entidade.
Assim, a responsabilização institucional, também possível no caso, não implica na inexistência de uma conduta horizontal, mas, sim, numa escolha política por não desestimular a atuação profissional do agente representante da instituição.
Soma-se a esses desafios mencionados e escolhas institucionais a influência do generalizado e difundido pacto narcísico que observa como conduta razoável e compreensível a negação de direitos informada por preconceito, o que invisibiliza os agentes percebidos como submetidos a um determinismo, justificando também a ideia de “fragilidade branca”, iletrada racialmente e sem agência, condicionada por forças maiores e invisíveis.
Por fim, ainda analisando o caso Simone Diniz, podemos observar a dimensão estrutural quando nos detemos à “teia”, “gaiola”, “emaranhado” de instituições que padecem de uma “falha coletiva em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica43 43 CARMICHAEL, Stokely; HAMILTON, Charles V. Black power: the politcs of liberation in Americas. London: Vintage, 1967. 198 p. Obra define o que vem a ser racismo institucional, e menciona que é a forma que se manifesta o racismo nas instituições que forma a estrutura da sociedade, dialogando com o modelo Rawlsiano de Estrutura, forma pelas instituições, mas não apresenta a categoria racismo estrutural ou a define. ”, as quais pela interação, “interseção”, “imbricação” formam a “estrutura” chamada de sistema de justiça.
No caso sistema de justiça formado pelas instituições polícia civil, ministério público e judiciário, mais destacadamente, as quais em uma sequência de atos institucionais, sistemicamente, com suas condutas às vezes revitimizam, com seus poderes e autoridades equivocadamente aplicados, as vítimas da conduta do agente violador de direito, naturalizadas pelo privilégio branco e econômico, bem como pela falta de “letramento racial” ou pelo “analfabetismo racial” que propiciam condição para que as condutas ocorram e sejam anistiadas, não responsabilizadas.
A abordagem institucional, assim como a estrutural, oferece para os responsáveis por apurar domesticamente violações um discurso de observador imparcial e não cumplice no pacto narcísico, pois o que se observa não são indivíduos, as “maçãs podres”, mas sim a amorfa entidade instituição a qual abriga e não intervém nas interações entre indivíduos, mesmo quando essas interações ocorrem entre indivíduos marcadamente dispares em suas posições sociais no momento da conduta.
A abordagem estrutural e institucional retira o fardo do escrutínio e da responsabilização do indivíduo pelas escolhas que fez, instintivamente, compreendendo-a como ação de pessoa sem agência, sem intenção, e a lança para uma entidade que escolhe proteger seu corpo. No âmbito do direito internacional essa é a única abordagem possível, no âmbito doméstico é a ideal construção de racismo sem racistas, de racismo “invisibilizado”, que tem informado o país há décadas deslocando o olhar do indivíduo e abraçando a intenção como elemento constituinte do tipo, mais do que o resultado da conduta de dano do bem jurídico. Intervir, com sensibilização, treinamentos recorrentes, reeducação é premissa vital nesses contextos.
Nos EUA a ineficácia da aplicabilidade das propostas de criminalização do racismo dentre muitos fatores resulta dos precedentes vinculantes de que a conduta dos agentes deve ser informada pela deliberada vontade de discriminar, o que implica em, constatada a ausência de vontade de violar direitos, em razão do pertencimento a um grupo racial, inexista conduta.
Tal definição decorre, naquele país, do histórico segregacionista do período das leis Jim Crow. É sabido que a realidade contemporânea de relações raciais naquele país tornou-se assimilacionistas, destacadamente após o julgamento do caso “Brown vs Board. A expectativa de que um violador de direitos confesse, como elemento do tipo, parece uma política de manutenção de privilégios brancos, além disso, a ausência de “vontade” refletida em omissões institucionais impactam no exercício de direitos básicos, igualmente resultando numa realidade de não combate do racismo em todas suas facetas.
4. Considerações finais
Assim como outros impactos desproporcionais identificados como racismo estrutural e ideologicamente assemelhados a racismo “invisível”, como uma forma de anistiar a responsabilidade os agentes que, informados por suas concepções de mundo, negam direitos a negros e constroem culturas institucionais racistas, a Pandemia de Covid-19 não somente incide desproporcionalmente em grupos racializados pelos fatores de exclusão sócio econômica sistêmica que estes experienciam.
No contexto de eclosão da Pandemia no Brasil, o impacto do acesso à informação e capacidade cognitiva de compreensão das políticas propostas e implantadas confronta-se com o analfabetismo, também funcional, da maior parte da população negra do país.
Assim, sabendo que a estrutura é formada pela interseção e imbricação de instituições e que estas resultam de práticas e condutas de agentes e gestores das instituições, o fenômeno do impacto e maior contaminação sobre o Covid-19 é percebido na dimensão estrutural, contudo, não somente nesta, mas, também, na institucional e horizontal.
A compreensão de alguns ativistas de que reeducação e sensibilização não são eficazes aproximações aos preconceituosos, por acreditarem que tais esforços somente sofisticam as práticas perversas de abusos e violações de direitos é expressão de uma leitura que nos coloca em um beco sem saída entendendo como inúteis esforços de letramento racial e mantendo o denuncismo como resposta possível.
Essa opção política, de não observar, abordar e elucidar todas as dimensões do fenômeno violador de direitos, jogando para de baixo do tapete as dimensões que compõem aquela estrutural do racismo, continuará assombrando a eficácia das políticas públicas.
A escolha feita pelas instituições, também no Brasil, de não se valerem do direito de regresso para minimamente reeducar e sensibilizar agentes cujas condutas sistemicamente repetem-se e resultam no racismo institucional tem o seu custo, o qual seja a manutenção das “denúncias” e somente “denúncias” sem eficaz intervenção (pontual ou de mudança cultural) para mitigação e eliminação do racismo institucional e consequentemente o estrutural.
Como toda política mediada pelo princípio da convergência de interesses, a popularização do racismo estrutural e institucional, convenientemente transformou a categoria num aparente álibi racial, mais um, para que indivíduos continuem violando direitos de minorias raciais sem responsabilização das condutas, seja pela preservação do privilégio branco em sua expressão de fragilidade branca, analfabetismo racial, preservando um pacto narcísico que naturaliza a não recapacitação ou reeducação, minimamente, e que implica em menos direitos para os negros, no outro lado da moeda.
Por isso é importante, a fim de preservar a eficácia de políticas de combate ao racismo em todas suas formas correlatas, manter em mente que a concepção de racismo estrutural de forma alguma anula o reconhecimento da agência individual ou institucional. A abordagem estrutural é uma forma complementar de observação, a qual permite pensar em maior amplitude a gama possível de políticas de promoção à igualdade, reparação e combate ao racismo, evitando, assim, que as condutas individuais sejam reprimidas como “episódios” e as demais, resultantes da cultura institucional, sofistiquem-se esquivando-se de futuras repressões, bem como, evitando que políticas institucionais implementadas não sejam etiquetadas como ineficazes, quando na verdade o são insuficientes para o combate a um “círculo repetido de desvantagens competitivas” impossível de ser mitigado com intervenção em somente uma instituição, a exemplo da instituição vestibular e a estrutura acesso ao ensino superior
Afirmar que é necessário entender que o racismo é estrutural, não é um ato isolado de um indivíduo, ou de um grupo, silenciando que o racismo é ambos, leva a compreensão de que a abordagem estrutural opõe-se, ou desconecta-se da abordagem horizontal e institucional do fenômeno de negativa de direitos fundamentais e violências, na verdade, as dimensões são necessários complementos a observação, de forma a viabilizar intervenções eficazes e não fadadas ao “backlash” mais eficaz dos direitos conquistados, ou litigâncias equivocadas.
A premissa de compreensão do racismo estrutural, que critica as percepções individuais e institucionais do racismo não as afirmando como irrelevantes para entender a desigualdade racial, mas pontuando a sua insuficiência para explica-lo em sua complexidade (CONCEIÇÃO, 2010CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010. 150 p.) é a de que a apresentação de diferentes percepções de produção das desigualdades raciais modernas destaca, cada uma, diferentes causas das injustiças raciais e permite planejar eficazes respostas de acordo com cada forma de manifestação do fenômeno.
Estruturas são difíceis de serem observadas no nível da interação individual, contudo, os atores sociais possuem plena consciência das regras e recursos que possuem os quais expandem ou limitam opções para eles e outros (YOUNG, 2004 apud CONCEIÇÃO, 2010CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010. 150 p.). O privilégio branco, o pacto narcísico, por exemplo, são, conforme pesquisa sobre branquidade de Lia Vainer Schucman 44 44 SCHUCMAN, Lia Vainer. (2014). Sim, nós somos racistas: estudo psicossocial da branquitude paulistana. Psicologia & Sociedade, v. 26, n. 1, p. 83-94, 2014. de plena consciência percebidos por brancos na sociedade brasileira, ou seja, esses agentes são conscientes de seus recursos, bem como da falta de recursos daqueles que não possuem o capital branquidade.
Assim, é importante, como pensadores das políticas de promoção da igualdade racial em um contexto de Pandemia e crise sanitária mundial comprometermo-nos com a Justiça racial de forma que a negativa de direitos não fique escondida atrás das entidades institucional e estrutural, compreendidas unicamente como reflexo de prévias desigualdades45 45 CRENSHAW, Kimberlé Williams. When blackness is a preexisting condition: how modern disaster relief has hurt african-american communities. The New Republic, New York, NY, 04 may 2020. Disponível em: https://newrepublic.com/article/157537/blackness-preexisting-condition-coronavirus-katrina-disaster-relief. Acesso em 13 mai. 2020. criando um círculo vicioso de cegueira cujos resultados mantêm a ineficácia de intervenções para combate a desigualdade racial.
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1
Imensamente grata as considerações e observações do professor Dr. Osmar Teixeira Gaspar.
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Princípio da Convergência de Interesses cunhado pelo professor Derick Bell afirma que direitos de minorias serão implementados sob a condição de que o sistema de supremacia branca e os privilégios decorrentes não seja afetada.
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CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010. 150 p.. 150 p.
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4
CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Reverse racism is coming: the backlash against race conscious politics in contemporary Brazil. Oxford: Oxford Human Rights Hub, 09 mar. 2020. Disponível em: https://ohrh.law.ox.ac.uk/reverse-racism-is-coming-the-backlash-against-race-conscious-politics-in-contemporary-brazil/. Acesso em: 13 mai. 2020.
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5
Álibi racial seria algo similar com o conceito de “legislação álibi” apresentado pelo professor Marcelo Neves em sua obra sobre “Constituição Simbólica”. De acordo com Kindermann o legislador declararia normas simbólicas, uma vez que não pretende atender as expectativas de proteção dos bens jurídicos, as, somente, atender os anseios da opinião pública preservando sua popularidade. (NEVES, 2007, p.36). Assim, certas “políticas”, “programas”, com índole tokenista (CONCEIÇÃO, 2010CONCEIÇÃO, Isis Aparecida. Racismo estrutural no Brasil e penas alternativas. Curitiba: Juruá, 2010. 150 p.)3 buscariam preservar o funcionamento institucionalmente racista enquanto protegem-se de possíveis acusações de racismo, haja vista o álibi que adquiriram/possuem.
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A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial declara no artigo 1º, §4º: “ Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação racial` significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano 9 em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.” (BRASIL, 1969, Art. 1)
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BALDI, Mateus. Se uma pessoa é muito idosa e grave, a gente deixa morrer, conta enfermeiro que enfrenta o Coronavírus na Itália. Época, 20 mar. 2020. Disponível em: https://epoca.globo.com/mundo/se-uma-pessoa-muito-idosa-grave-gente-deixa-morrer-conta-enfermieor-que-enfrenta-coronavirus-na-italia-24317178. Acesso em: 13 mai. 2020.
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Nos Estados Unidos, e também no Brasil, a coleta de dados sobre infectados e mortos em razão do vírus é prejudicada severamente pela reduzida quantidade de kits para testagem e diagnóstico preciso em ambos países. Se a Noruega, Suíça e Alemanha possuem mais de quinze mil kits para cada milhão de habitantes, Brasil, em março possuía menos de trezentos kits para cada milhão de habitantes.
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KENDI, Ibram X. Stop blaming black people for dying of Coronavirus: new data from 29 states confirm the extent of the racial disparities. The Atlantic, 14 Apr. 2020. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2020/04/race-and-blame/609946. Acesso em 13 mai. 2020.
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10
LISBOA, Vinicius. Justiça determina registro obrigatório de raça em caso de Covid-19. Agência Brasil, 05 mai. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/justica-determina-registro-obrigatorio-de-raca-em-casos-da-Covid-19. Acesso em: 13 mai. 2020.
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11
MORISSON, Judith. Exposure and inequalities: African descendants during Covid-19. IDB Improving Lives, 24 Apr. 2020. Disponível em: https://blogs.iadb.org/igualdad/en/african-descendants-during-Covid-19/. Acesso em: 13 mai. 2020.
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12
DANTAS, Carolina. Pretos têm 62% mais chances de morrer por Covid-19 em São Paulo do que brancos. Portal G1, 28 abr. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/28/pretos-tem-62percent-mais-chance-de-morrer-por-Covid-19-em-sao-paulo-do-que-brancos.ghtml. Acesso em 13/05/2020.
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13
OBSERVATÓRIO do COVID-19 BR. San Francisco, CA: GitHub, 2020. Disponível em: https://covid19br.github.io/index.html. Acesso em 13/05/2020.
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14
Ignorando que a pressão alta, mesmo se de maior incidência entre afrodescendentes nas américas, não impacta da mesma forma os brancos que padecem desta doença por motivos de racismo institucional no sistema de saúde e indústria farmacêutica que já foram pesquisados.
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15
LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na tenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cadernos de Saude Pública, v. 33, Supl. 1, e00078816, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v33s1/1678-4464-csp-33-s1-e00078816.pdf. Acesso em: 19 mai.2020.
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16
“Algumas políticas relacionadas à pandemia podem anistiar discriminações raciais sobre o pretexto de cumprimento de normas. Uma importante situação possível é a falta de controles suficientes para garantir que o uso da discricionariedade não resulte em racismo, sexismo, classismo, homofobia, ou outras discriminações, mesmo inconscientes. Pesquisas mostram que médicos subdiagnosticam e assumem menor dor e sofrimento de pessoas negras. (…) a tomada de decisão falha quando não aprecia como condições sociais perpetuam racismo institucional e como a falta de protocolos ou mesmo de instruções para estar atento as presunções baseadas na raça, - podem prejudicar a equidade racial na resposta ao COVID-19. Reconhecer particularmente em suas interseções com deficiência, doenças crônicas, gênero, orientação sexual, identidade de gênero e pobreza - podem prejudicar a equidade racial na resposta ao COVID-19. Em lugar disso, reconhecer que a discricionariedade irrestrita leva ao racismo institucional, mesmo entre os profissionais mais altamente treinados e educado, fazem os experts em justiça racial consistentemente pedir aos gestores que desacelerem” . UNITED NATIONS WORKING GROUP OF EXPERTS ON PEOPLE OF AFRICAN DESCENT. Statement on COVID-19: racial equity and racial equality must guide State action. Geneva: OHCHR Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights, 06 Apr. 2020. Disponível em: htttps://ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25768. Acesso em 13 mai. 2020.
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17
Tradução livre de: We suggest that these groupings of individuals in terms of significant patterns of obligation-relations be termed social structure.
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18
THE ASPEN INSTITUTE. Glossary for understanding the dismantling structural racism/promoting racial equity analysis. Washington, DC: The Aspen Institute, [2020?]. Disponível em: https://assets.aspeninstitute.org/content/uploads/files/content/docs/rcc/RCC-Structural-Racism-Glossary.pdf/. Acesso em: 13 mai 2020.
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19
CENTER FOR THE STUDY OF RACE AND ETHINICITY IN AMERICA. How structural racism works project. Providence, RI: Brown University, [2020?]. Disponível em: https://www.brown.edu/academics/race-ethnicity/programs-initiatives/how-structural-racism-works-project. Acesso em: 13 mai. 2020.
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20
HUSSAIN, Rizz. Shingn a spotilgith on structural racism in britain today. London: TUC Trades Union Congress, 21 Mar. 2018. Disponível em: https://www.tuc.org.uk/blogs/shining-spotlight-structural-racism-britain-today. Acesso em: 13 mai. 2020.
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21
RAMOS, Camila Souza; FARIA, Glauco. Nosso Racismo é um crime perfeito. Revista Forum, Santos, SP, 09 fev. 2012SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas de racismo. Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2012. 380 p.. Publicação na qual o antropólogo Kabengele Munanga (2012) afirmou em entrevista que no Brasil “o racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo [...].”
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22
Num persistente contexto de profunda desigualdade estrutural que afeta os afro-brasileiros, pesquisa realizada pelo IPEA tem demonstrado a sobre representação da pobreza entre os negros brasileiros, numa concentração que tem se mantido estável ao longo do tempo. (OEA, 2006)
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23
O Comitê reitera as preocupações manifestadas em suas observações conclusivas anteriores (CERD/C/304/Add.11) sobre a persistência de profundas desigualdades estruturais afetando as comunidades negras, mestiças e as comunidades indígenas. O Comitê recomenda que o Estado parte intensifique seus esforços para combate da discriminação racial e eliminação das desigualdades estruturais, e que propicie informação sobre a implementação das medidas tomadas, em particular aquelas propiciadas pelo segundo programa nacional de direitos humanos e o programa nacional de ações afirmativas. (OEA, 2006)
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24
O Brasil por mais de uma década deixou de enviar ao Comitê da CERD qualquer relatório relacionado ao implemento daquela convenção no país, isso porque a política doméstica e internacional de negação da existência do racismo no país e reprodução do discurso de harmonia racial - o mito das três raças - foi a regra. Essa postura internacional com origens que remontam o pré segunda guerra mundial e formalmente manifesta na reunião de declaração da Convenção CERD (CONCEIÇÃO 2014_______ . Movimentos sociais e judiciário: uma análise comparativa entre Brasil e Estados Unidos. Tese (Doutorado em Direito do Estado) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014., p.55) permaneceu até os anos 90, findando no governo Fernando Henrique Cardoso com Celso Lafer como Chanceler (CONCEIÇÃO, 2014, p.56). Assim, os relatórios dez, onze, doze e treze, foram submetidos como um único documento e apreciados nas observações conclusivas onde pela primeira vez observamos a categoria racismo estrutural. (CERD/C/304/Add.11)
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8. As informações estatísticas e qualitativas sobre a composição demográfica da população brasileira e sobre o gozo de direitos políticos, econômicos, sociais e culturais propiciada no relatório do Estado parte claramente mostra que as comunidades indígenas, negras e mestiças sofrem de uma profunda e estrutural desigualdade e que as medidas tomadas pelo governo para efetivamente combater tais disparidades ainda são insuficientes. (OEA, 2006)
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26
WERNECK, Jurema. Racismo institucional, uma abordagem conceitual. São Paulo: Geledés Instituto da Mulher Negra, 2016, 55 p. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/FINAL-WEB-Racismo-Institucional-uma-abordagem-conceitual.pdf. Acesso em: 20 mai. 2020.
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27
Idem nota 23.
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28
WERNECK, Jurema. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 535-549, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v25n3/1984-0470-sausoc-25-03-00535.pdf. Acesso em: 20 mai. 2020.
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29
JONES, Camara Phyllis. Confronting institutionalized racism. Phylon, v. 50, n. 1-2, 2002, p. 7-22. Disponível em: www.jstor.org/stable/4149999. Acesso em 13 de mai de 2020.
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30
JONES, 2002, p. 16 §2.
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31
Domingues, Rosa Maria Soares Madeira et al. Adequação da assistência pré-natal segundo as características maternas no Brasil. Rev. Panam Salud Pública, v. 37, n. 3, p. 140-147, 2015. Disponível em: https://scielosp.org/article/rpsp/2015.v37n3/140-147/. Acesso em: 20 mai. 2020.
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32
JAN, Tracy. Two black men say they were kicked out of Walmart for wearing protective masks. Others worry it will happen to them: as the nation is told to wear masks, black americans must also weigh the risks of racial profiling. The Whashington Post, Whashington, DC, 09 Apr. 2020. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/business/2020/04/09/masks-racial-profiling-walmart-coronavirus/. Acesso em 13 mai 2020.
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33
CINEAS, Fabiola. Senators are demanding a solution to police shopping black men for wearing - and not wearing- masks: police bias could prove even deadlier for black people in the pandemic. Vox, Washington, DC, 22 Apr. 2020. Disponível em: https://www.vox.com/2020/4/22/21230999/black-men-wearing-masks-police-bias-harris-booker-senate. Acesso em: 13 mai. 2020.
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34
BATISTA, Fabiana. Homens negros relatam casos de racismo ao utilizar máscaras na rua. UOL Universa, São Paulo, 08 mai. 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/05/08/homens-negros-relatam-casos-de-racismo-por-utilizar-mascaras-na-rua.htm. Acesso em: 13 mai. 2020.
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35
GETTYS, Travis. Louisville area doctor chokes black 18-year-old woman for not social distancing to his satisfaction. Rawstory, Washington, DC, 07 Apr. 2020. Disponível em: https://www.rawstory.com/2020/04/louisville-area-doctor-chokes-black-18-year-old-woman-for-not-social-distancing-to-his-satisfaction/. Acesso em: 13 mai. 2020.
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36
SHELTON, Eric. The mistery of death: the story of Shalondra Rollins, the first person to die of COVID-19 in Hinds County, may tell us everything about why black Mississippians are hit so much harder by the pandemic. Missippi Today, Ridgeland, MS, 23 Apr. 2020. Disponível em: https://mississippitoday.org/2020/04/23/shalondra-rollins-was-taking-care-of-her-health-and-climbing-out-of-poverty-why-did-she-die-of-Covid-19/. Acesso em: 13 mai. 2020.
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37
MAZZIOTTA, Julie. 30 years old teacher dies of Coronavirus after her symptoms were dismissed as a panic attack: social studies teacher Rana Zoe Mungin was finally admitted to a hospital on March 20 and was quickly put on a ventilator. People, Shelburne, VT, 28 apr. 2020. Disponível em: https://people.com/health/teacher-dies-coronavirus-after-her-symptoms-dismissed-panic-attack/. Acesso em: 13 mai. 2020.
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38
TAYLOR, Derrick Bryson. For black men, fear that masks will invite racial profiling: african-american men worry that following the C.D.C. recommendation to cover their faces in public could expose them to harassment from the police. The New York Times, New York, NY, 14 Apr. 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/04/14/us/coronavirus-masks-racism-african-americans.html. Acesso em: 13 mai. 2020.
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ANTES de Morrer por Covid-19, técnica de enfermagem disse que foi maltratada no Hospital da Posse. Jornal Destaque Baixada, Rio de Janeiro, RJ, 29 apr. 2020. Disponível em: https://www.jornaldestaquebaixada.com/2020/04/antes-de-morrer-por-Covid-19-tecnica-de.html?fbclid=IwAR3GOGwrZDhcn25_IwgWXNVoxOrWW5UuQKcmv7ybXMX8U0pN-_z-TwYMYXg&m=1. Acesso em: 13 mai. 2020
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SUPERMERCADO no Paraná tem tiroteio por uso de máscara e funcionária morre no local: cliente que não queria usar máscara entrou em luta corporal com um segurança, que sacou a arma e atirou, atingindo uma das funcionárias, que morreu na hora; caso aconteceu em Araucária. Revista Fórum, Santos, SP, 28 abr. 2020. Disponível em: https://revistaforum.com.br/noticias/supermercado-no-parana-tem-troca-de-tiros-por-uso-de-mascara-e-funcionaria-morre-no-local/. acesso em 13 de mai. 2020.
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US FAMILY murdered shop guard for enforcing mask policy. BBC News, London, 05 May 2020. Disponível em: https://www.bbc.com./news/world-us-canada-52540266. Acesso em: 13 mai. 2020.
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Cabe referência a Medida Provisória 965 de 13 de maio de 2020 reflete manifestação do executivo informado pelo temor da previsível “greve de canetas” em contextos de caos administrativo e corrupção generalizada, improbidades manifestas dentre outras formas pelas condutas racistas de gestores.
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CARMICHAEL, Stokely; HAMILTON, Charles V. Black power: the politcs of liberation in Americas. London: Vintage, 1967. 198 p. Obra define o que vem a ser racismo institucional, e menciona que é a forma que se manifesta o racismo nas instituições que forma a estrutura da sociedade, dialogando com o modelo Rawlsiano de Estrutura, forma pelas instituições, mas não apresenta a categoria racismo estrutural ou a define.
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SCHUCMAN, Lia Vainer. (2014). Sim, nós somos racistas: estudo psicossocial da branquitude paulistana. Psicologia & Sociedade, v. 26, n. 1, p. 83-94, 2014.
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45
CRENSHAW, Kimberlé Williams. When blackness is a preexisting condition: how modern disaster relief has hurt african-american communities. The New Republic, New York, NY, 04 may 2020. Disponível em: https://newrepublic.com/article/157537/blackness-preexisting-condition-coronavirus-katrina-disaster-relief. Acesso em 13 mai. 2020.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
29 Out 2021 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2021
Histórico
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Recebido
28 Maio 2020 -
Aceito
19 Jul 2020