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Renda Imobiliária e propriedade: Estrutura da renovação urbana

Real estate income and property: structure of the Urban Renewal

Resumo

À luz dos planos de renovação urbana da região da Luz, centro de São Paulo, este artigo analisa a construção arbitrária do preço do imobiliário em consonância com a teoria da renda, a partir de contratos de Parceria Público Privada que regulam relações de poder e de equivalência financeira, intensificando a disputa pelo espaço na contradição entre posse e propriedade, a “Condominialização da Cidade” que se opõe à perspectiva da constituição do comum.

Palavras-chave:
Região da Luz; Renovação Urbana; Parceria Público Privada; Renda Imobiliária; Condominialização da cidade

Abstract

Based on the urban renewal plans in the region of Luz, in the center of São Paulo, this article analyzes the arbitrary construction of real estate prices in line with the theory of income, through Public Private Partnership contracts that regulate power and financial equivalence, intensifying the dispute for space in the contradiction between possession and property, the “Condominialization of the City” that opposes the perspective of the constitution of the common.

Keywords:
Luz region; Urban Renewal; Public Private Partnership; Real Estate Income; Condominialization of the city

1. INTRODUÇÃO

A região da Luz, centro de São Paulo, é historicamente o lugar com maior número de planos urbanos públicos desde os anos 1970, quando se intensifica sua degradação socioespacial. Reverter essa degradação por meio da renovação urbana vai ser o objetivo desse planejamento. Contudo, apesar da quantidade de planos, seus resultados efetivos não são tão evidentes. Além de cada época propor uma estratégia predominante: nos anos 1970, a demolição massiva do existente e sua substituição por edifícios e infraestruturas públicos, escritórios e serviços privados; nos anos 1990, a defesa do patrimônio histórico e artístico, a produção de projetos culturais e de intervenções pontuais no urbano, visando a privatização da valorização imobiliária no entorno imediato; e, a partir dos anos 2010, pela emergência das parcerias público privada, definidas por consórcios entre poder público, agentes construtores e financeiros, em uma Sociedade de Propósito Específico (SPE).

Os planos do século XXI se orientam pela produção e gestão de políticas sociais públicas, como habitação de interesse social, equipamentos, serviços e espaços coletivos; através de concessões, desapropriações e privatizações. Eles definem as obrigações relativas às condições impostas pelas políticas públicas setoriais e de espaço urbano; os direitos decorrentes da exploração econômica dessas atividades (a excepcionalidade da construção, venda e gestão), formas de financiamento, prazos. Além de definir o domínio sobre o consórcio relativo ao montante de investimento financeiro de cada um dos respectivos agentes (como um condomínio ou uma sociedade por ações). De modo geral, o poder público também entra com terrenos e edifícios públicos, livrando-os de eventuais processos de regularização (em função de concessões, titulação, judicialização) e os agentes privados com a produção e incorporação. Dentre esses planos, o Projeto Nova Luz se destaca por experimentar primeiramente na região1 1 Há de se notar que o então prefeito, Gilberto Kassab, depois Ministro das Cidades no Governo de Dilma Rousseff, expressa a ponte entre a experiência local e a extensão federal das medidas de mobilização da propriedade imobiliária. (com inúmeros casos de “propriedades travadas” por processos judiciais, falências, espólios) novos marcos legais imobiliários e financeiros.

Porém, a aparente igualdade expressa pelo contrato, regulado pela parceria público-privada, de licitação pública, se expressa em uma desigualdade social, que se manifesta no conflito pelo uso da cidade: a disputa entre as formas de propriedade, que vão sendo reinventadas e reconstruídas, e a posse efetiva, o uso cotidiano que muitas vezes não correspondente à forma proprietária dominante. A parceria constitui, de um lado, uma “marcha” na ação do Estado-mercado e, de outro, uma “contramarcha” da resistência de moradores, trabalhadores, pequenos proprietários, sem-teto, sem-trabalho: o conflito e a contradição entre o neoliberalismo-financeirização e o comum.

Assim se reconfiguram “novas formas de propriedade” a partir da proposição de marcos legais imobiliário-financeiros2 2 A exemplo de Fundos de Investimento Imobiliário (1993), Sistema Financeiro Imobiliário e Alienação Fiduciária (1997), Previdência Privada de Servidores Públicos (2003), PPP e SPE (2004), abertura de capitais em bolsa de valores (2005), Regularização fundiária e PMCMV (2009), Concessão Urbanística (2009), MP700 (2015), MP 759 (2016) (cf. Petrella, 2017). , que visam mobilizar o imobiliário e desregulamentar a circulação financeira, aproximando-se através das renovações urbanas desenhadas pelas parcerias. Essa metamorfose da forma jurídica, por outro lado, possibilita a intensificação de sua reprodução econômica como equivalente a capital, cuja capitalização se realiza por meio da renda imobiliária. Neste sentido, a reflexão sobre a renovação urbana da região da Luz e a reconfiguração da propriedade, funcional à reprodução capitalista predominantemente rentista, do neoliberalismo e financeirização, põe luz a especificidades contemporâneas de luta social e, eventual, resistência-superação do capitalismo.

2. A CONSTRUÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO IMOBILIÁRIO

A região da Luz, centro de São Paulo, é aqui identificada aos distritos da Luz, Santa Ifigênia, Campos Elíseos e Bom Retiro. A não definição precisa de suas fronteiras decorre da abertura a diferentes processos de análise, em função de se constituir atualmente como caso significativo de disputas pela produção do espaço (Lefebvre, 1974LEFEBVRE, H. La production de l'espace. Paris: Éditions Anthropos, 1974.), que se realizam mediante a centralidade da propriedade privada e a renda imobiliária decorrente. A renovação urbana, proposta por parcerias público privada (Estado, agentes construtores e financeiros), faz deslocar o preço da construção para a construção do preço como elemento estruturador da urbanização (Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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), acentuando o caráter arbitrário da dimensão econômica da renda e do poder de classe proprietária. Assim, a monopolização da propriedade e da renda imobiliária antecedem (preço dos terrenos e edifícios) e sucedem (preços capitalizados) a renovação urbana, revelando a produção de propriedades como o seu “verdadeiro objeto”.

A construção do preço se realiza como um conjunto de pressuposições, que pretendem identificar a região da Luz a outras áreas mais valorizadas da metrópole de São Paulo, através da construção de uma imagem. O produto imobiliário que decorre desta construção seria aquele que responde a uma “vocação”, também pressuposta. Uma possibilidade advinda da própria natureza da renda, cuja capitalização (que se manifesta como aumento de preço) se desloca e descola da valorização (que decorre da exploração da força de trabalho e da produção). Assim, a garantia de realização do preço imobiliário aumentado se dá a partir da capacidade de pagamento de uma determinada demanda social, uma apreciação (tanto no sentido do desfrute quanto no de aumento de preço) que decorre de suas necessidades e desejos.

Este produto imobiliário é o conjunto de empreendimentos a ser realizado pelas parcerias público-privada, experimentadas nos últimos anos em São Paulo3 3 Os denominados “Planos do Século XXI”, semelhantes em sua estrutura público privada (cf. Petrella, 2017: 26, 114). . Ele pode ser explorado economicamente dentro do prazo de concessão preestabelecido por contrato, sociedades de propósito específico (SPE), a partir de serviços de caráter público e da venda, aluguel e gestão de unidades imobiliárias. Uma urbanização que instrumentaliza a propriedade, constituindo uma “marcha” que estende as relações e a lógica de produção de condomínios fechados para situações abertas da cidade, conflitos e contradições que se estendem do privado ao público: um movimento de “condominialização da cidade” que tende a generalizar a propriedade privada e a renda monopolizada como elementos da produção e reprodução do espaço e das relações sociais, mesmo no interior da esfera pública. Isso constitui o que se pode nomear de complexo imobiliário financeiro, que emerge através da reestruturação social em torno do neoliberalismo e da financeirização.

Aqui se analisará a formação do preço do produto imobiliário a partir do “Estudo de Viabilidade Econômica, Mercadológica e de Situação Fundiária”, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), integrante do consórcio contratado para a elaboração dos planos urbanísticos específicos e estudos complementares da Concessão Urbanística do Nova Luz (Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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: 221). A viabilidade econômica consiste em levantar a totalidade dos custos de produção e relacioná-los ao teto de pressuposição do valor adicional do produzido, o preço resultante da expectativa de lucratividade e rentabilidade do investimento financeiro que se expressam na totalidade dos empreendimentos produzidos4 4 Para um maior detalhamento do cálculo matemático ver FGV, 2009 e “O prêmio de imagem da Nova Luz é parecer ser uma Bela Vista, uma Consolação” em Petrella, 2017: 224. .

Os custos de produção se referem à aquisição de terrenos, demolição de edifícios, desenvolvimento de projetos, processos de aprovação, construção das unidades imobiliárias e infraestruturas, incorporação e venda. A pressuposição do valor adicional do produzido relaciona o produto imobiliário proposto, de modo genérico pelo plano urbanístico, com as características da região da Luz, comparando-as a outras regiões da metrópole. Isso pode indicar as condições similares de realização do produto imobiliário. As “características” da Luz, por sua vez, são relacionadas à expectativa de inovação imobiliária e urbana propostas pelo plano, imagens e diretrizes que produziriam a sua “nova vocação”.

O referido estudo de viabilidade é um conjunto de análises que pretende assegurar ao empreendimento a realização de sua aposta de valorização, pressuposta antes da produção efetiva de unidades imobiliárias e infraestruturas, tendo em vista sua inserção na diferenciação da metrópole. Contudo, essa racionalidade da formação do preço do produto imobiliário ilumina uma dupla irracionalidade. A primeira é o processo analítico e científico, que se desenvolve a partir da descrição dos custos necessários à produção do conjunto de empreendimentos. Estes custos são cotejados com pressuposições subjetivas, que dariam as condições de realização da valorização e a comercialização dessas unidades. Expressões como “prêmio de imagem”, “amenidades urbanas”, “vocação”, seriam aproximações mistificadas no interior da racionalidade científica, amparando-a. A segunda é, apesar de toda a produção de unidades imobiliárias e infraestruturas, o real objeto do empreendimento ser a produção de propriedades, pois é a partir dessas propriedades, centralizadas na figura do consórcio público privado de sociedade específica, que se pode apropriar da valorização adicional pretendida pela produção. Seus respectivos títulos imobiliários, que dão corpo à valorização como se fossem títulos mobiliários, funcionam de modo equivalente a capitais que buscam se valorizar e se capitalizar. A irracionalidade desta operação consiste em submeter as relações de produção e de consumo (neste caso, a demanda social por habitações de interesse social, equipamentos e serviços públicos) ao domínio da propriedade mercantil.

Sendo a propriedade o meio de se apropriar do mais valor produzido5 5 Uma privatização empreendida pelo consórcio a partir do trabalho socialmente necessário representado pela presença do Estado e da cidade. Sobre a problematização da “presença” ou “ausência” do Estado, ver Petrella, 2018: 165. , a medida de sua valorização e capitalização se define por um cálculo invertido: exclui-se da totalidade do preço do produto imobiliário final a totalidade de custos de produção para que, deste modo, a sua “valorização” apareça. Isto consiste no “método involutivo” que é utilizado na elaboração do referido estudo de viabilidade: ao se descontar todo o custo de produção, chega-se ao novo preço do terreno, cujo excedente, que decorre da “valorização”, equivale a uma renda capitalizada.

Porém, para se calcular a viabilidade do plano, o preço final do terreno é pressuposto antes da produção efetiva, “incorporando” a aposta de valorização adicional que é possível, decorrente da “vocação” do espaço e da definição de uma “tipologia imobiliária” que é capaz de assegurar esse conjunto de pressuposições. Este “método involutivo”, definido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBR 14653-2), “consiste em determinar o preço de um terreno considerando um aproveitamento eficiente, mediante hipotético empreendimento compatível com as características do bem e com as condições do mercado vigente” (FGV, 2011: 6, grifos meus). O aumento de preço dos terrenos é incorporado aos seus títulos de propriedade e é privatizado pelo consórcio que os monopoliza. Porém, é um custo que se projeta sobre a produção, mas que não contribui como aumento de força produtiva (tais com máquina, material, energia, trabalho). Incide sobre ela como um custo que deve ser reposto ao final do processo (reproduzido e ampliado), devendo ser, portanto, capitalizado: o investimento financeiro na compra de títulos de propriedade deve se realizar de modo análogo a qualquer outro tipo de investimento financeiro que busca um excedente.

Para dar realidade a essa pressuposição de valorização, o estudo de viabilidade pode ainda “indicar o montante necessário do patrocínio da PMSP para que a Concessão Urbanística seja viável do ponto de vista econômico e financeiro” (p.11, grifos meus). Recursos que o Estado aporta como patrocínio ao rendimento privado, assegurado pelo contrato da parceria. A ciência sustentada por mistificações busca garantir realidade a pressuposições a partir da mobilização de fundos públicos: “a eficiência do ente privado, a ineficiência do ente público”. Esta construção contratual neoliberal visa dar segurança à exploração econômica que se projeta sobre a produção do espaço e políticas públicas. A remuneração dos parceiros, ao longo do prazo de concessão, deve decorrer da exploração de unidades imobiliárias propostas pelo plano urbanístico6 6 Aqui, é excluída a exploração direta ou indireta de áreas públicas, “pois tornariam o projeto da Concessão Urbanística muito mais complexo, agregando outros fatores que poderiam afetar a área, os comerciantes ou até os moradores, o que traria incertezas ao processo e ao papel da concessionária” (FVG, 2011: 12, grifos meus). Ao fugir dessa polêmica, apesar de já estar instaurada no horizonte das parcerias, que poderia acentuar a resistência à implantação do plano, os parceiros se concentram na lógica de mercado como se este fosse livre de contradições. As atividades exclusivas ao desenvolvimento imobiliário aparecem como um processo “natural” de desenvolvimento da metrópole, de simples compra de terrenos e de venda de imóveis. assegurada pelo estudo de viabilidade. Conforme itens a seguir:

  1. Panorama geral das condições econômico-financeiras, apresentando a metodologia geral empregada nas análises do mercado imobiliário, o comportamento do mercado imobiliário de São Paulo de 2000 a 2010, a evolução desse mercado em áreas selecionadas e o posicionamento da Nova Luz no cenário global da cidade e ainda as estimativas de valores dos imóveis residenciais e não residenciais e de valorização imobiliária que serão empregados no modelo de análise de viabilidade econômico-financeira do projeto Nova Luz.

  2. Áreas a Adquirir e é quando se apresenta estimativas dos custos de aquisição dos imóveis na região.

  3. Quantificar as Intervenções a Implantar definidas para a região, incluindo remodelagem de infraestrutura e implantação de áreas verdes, equipamentos públicos e medidas mitigadoras e programas socioambientais contidas no EIA-RIMA.

  4. Estimativas de Receitas, descreve e quantifica as receitas operacionais estimadas da Concessão Urbanística, especialmente a estimativa da receita da concessionária obtida através do método involutivo.

  5. Despesas gerais de implantação, que correspondem aos gastos gerais a serem incorridos pela concessionária para viabilizar a implantação do projeto urbanístico específico.

  6. Condições gerais para a implantação do projeto e é quando se apresenta os resultados obtidos da análise de viabilidade econômica e financeira da concessão (FGV, 2011: 16-17).

O “panorama geral das condições econômico-financeiras”, visa estimar os valores dos negócios em potencial do Nova Luz. Simula os preços do produto imobiliário (habitacional e não habitacional) em relação à valorização imobiliária na cidade de São Paulo (período de 2000-2009). Portanto, situa o distrito de Santa Ifigênia no interior da diferenciação da metrópole, buscando apreender o efeito das condições gerais, das “amenidades urbanas”, sobre o prêmio de imagem negativo (depreciação) ou positivo (apreciação) para a realização do negócio. Utiliza ainda a base de dados da EMBRAESP (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio S/C Ltda.) de lançamentos residenciais e não residenciais para “estimar os preços dos imóveis no mercado imobiliário de São Paulo”, suas características e “atributos” predominantes, além da “influência da proximidade de amenidades e bens públicos sobre o valor” (p.18), cuja localização é vinda da base de dados do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). O estudo mapeia os lançamentos imobiliários do período a partir das licenças de construção dadas pela Prefeitura de São Paulo, compreendendo a tendência de localização em relação à caraterística do produto imobiliário. Com isso se estabelece um preço médio de mercado, a partir de um “hipotético empreendimento compatível”, utilizado como referência de análise. A partir daí, estima os preços potenciais de mercado em um cenário “real” e outro “otimista”, de acordo com suas previsões de impacto (positivo ou não) do “prêmio de imagem” e “amenidades urbanas”. Por fim, estima a valorização (aumento de preço ou apreciação) para calcular as receitas ao longo do período da Concessão Urbanística.

Esta contabilidade “real-fictícia” se desdobra com a concepção do imóvel hipotético, concebido à luz do preço médio por metro quadrado, que, por sua vez, relaciona suas características objetivas e “atributos” à proximidade de “amenidades” e relação “espaço e tempo”. No que tange ao preço por metro quadrado da unidade hipotética no mercado, este deve apresentar uma variação em função do momento original de sua oferta e ao longo de sua depreciação no tempo. Já aos “atributos”, referem-se a usos e equipamentos complementares à unidade imobiliária propriamente dita, tais como presença de garagens, espaços comuns, instalações, além da proximidade a infraestruturas públicas, bem como serviços e comércios.

Quando, afinal, o preço médio do metro quadrado é dado pela seguinte equação:

P i t = α i t + β X i t + λ Z i t + μ i t

Onde (P) é o preço por metro quadrado do imóvel “i” no instante “t” (it); a variação temporal (t) implica na degradação, depreciação e obsolescência do produto imobiliário (i) na diferenciação da metrópole; (α) parcela do preço associada ao local do imóvel e ao período de oferta, (X) é o conjunto de atributos, sendo (β) sua variação temporal; (Z) é o conjunto de variáveis relativas à proximidade com “amenidades” ou “condições gerais”, sendo (λ) sua variação temporal e; (μ) “é a parte do preço por metro quadrado do imóvel que não pode ser prevista por fatores objetivos” (p.21, grifos meus): a letra mu (μ) pode ser identificada ao aspecto subjetivo da formação do preço, mistificação arbitrária e arbitrada. As variáveis α, β e λ decorrem de análise comparativa que “explicam 96,2%” (!)7 7 Se as variáveis objetivas explicam 96,2% “das diferenças de preço de m2” (como se chega a este número?), isso significa que a variável não-objetiva (μ) corresponde aos restantes 3,8%? Do objetivo “involui-se” ao não-objetivo? “das diferenças de preço de m2 dos empreendimentos imobiliários residenciais da cidade de São Paulo lançados entre janeiro de 2000 e junho de 2010” (p.22-23, grifos meus).

A partir da evolução histórica do preço por metro quadrado, ao longo deste período, se constitui o imóvel-padrão hipotético. No caso do mercado habitacional, ele se caracteriza por ser um apartamento de 68 m2, 2 dormitórios, um banheiro, com garagem; situado em um edifício de 12 pavimentos, de bloco único, composto por 4 por unidades por andar; localizado em um ponto médio da média dos lançamentos residenciais. No caso do mercado não habitacional, o empreendimento hipotético é caracterizado por ser um escritório de 48 m2, lavabo, duas vagas de garagem; em um edifício de 15 pavimentos, 3 elevadores, 4 unidades por andar. Estas hipóteses são comparadas a similares no processo de produção imobiliária em geral de São Paulo, a fim de se aproximar a um preço factível, de aluguel e venda, que seja compatível com a “vocação” da região do plano urbanístico. Portanto, a formação do preço do produto imobiliário de dentro do plano se dá a partir da comparação com lançamentos imobiliários de fora do plano. O que põe algumas “aspas” no protagonismo da produção e da localização imediatas como agentes da construção do preço do produto imobiliário8 8 E toda uma sorte de estudo arquitetônicos e urbanísticos que se desenvolvem nesta linha do canteiro e da localização. .

O Estudo que se debruça sobre esses anos percebe na cidade de São Paulo uma baixa significativa da produção imobiliária até 2001 e uma posterior retomada a partir de 2007, associada à expansão do crédito (SFH, Sistema Financeiro de habitação)9 9 “De 2000 a 2006, há um movimento de elitização do mercado, em que cresce, em termos absolutos e relativos, o número de imóveis lançados com preço superior a R$ 350 mil. Em 2006, esse padrão chega a representar 46,4% das unidades lançadas na cidade. O segundo movimento está diretamente associado à ampliação do crédito para o financiamento habitacional. De 2006 em diante, reduz-se de forma expressiva a participação de imóveis com preço superior a R$ 350 mil e cresce a faixa dos imóveis para a classe média, com valores de lançamento entre R$ 150 mil e R$ 350 mil. Essa faixa, que representava 26,8% em 2006, atinge a participação de 49,3% em 2009” (p.26-27, grifos meus). Há, neste sentido, uma “marcha” que deixa para trás mercados e espaços mais caros e se dirige a espaços e mercados mais baratos (Tone, 2010). Ainda que o preço imobiliário, em geral, tenha aumentado em função da “simples” presença de crédito circulando do mercado, o boom imobiliário. . Há no período um movimento de aumento do preço dos imóveis em paralelo a outro de redução, relacionados a padrões imobiliários diferenciados que são ofertados em cada situação da metrópole (acentuando sua diferenciação bem como as demandas de realização). Se na média aparece como expansão, na área central de São Paulo se constata poucos lançamentos durante este período, que são realizados com preços inferiores à média geral da cidade, cerca de 50%10 10 Segundo e Estudo, apenas os distritos periféricos apresentam preços imobiliários menores aos da área central. .

A análise aponta como justificativa, em primeiro lugar, que a região da Luz tem uma “imagem muito ruim”; em segundo lugar, que há atividades não residenciais que contribuem com esta depreciação (comércio automotivo e bares populares); em terceiro lugar, o congestionamento viário entre a região e as vias de conexão metropolitana. Características que, segundo o relatório, contribuiriam com a limitação do potencial imobiliários exposto anteriormente. Em seguida, passa a analisar o preço médio imobiliário, as formas de aquisição além de levar em consideração as “amenidades urbanas” instaladas e o “prêmio de imagem” negativo (com relação ao mercado habitacional que é considerado o “oitavo pior” da cidade).

Por oposição, estima que a valorização da área pode acompanhar a curva de valorização média da cidade, apostando na reconversão propostas pelo plano. Para tanto, o “preço por metro quadrado”, concebido para cada tipo de unidade proposta no Plano Urbanístico e na Viabilidade Econômica, deve ser determinado pela possibilidade de pagamento da demanda, constituída de habitação de interesse social (His) e de habitação de mercado popular (Hmp). A quantidade de oferta dessas unidades é definida pelas regras de habitação de interesse social, de uso e ocupação do solo (flexibilizadas pela Concessão Urbanística11 11 A regra orienta para um lucro médio e a exceção para um sobrelucro monopolizado na forma de renda imobiliária. ) e sua relação à aposta de viabilidade econômica na realização do construído. A forma da valorização, segundo a análise, define o “público” que terá condições de adquirir essas unidades, interferindo e moldando as formas produzidas e a política de habitação social.

3. A NATUREZA DA RENDA

A produção de propriedades ilumina uma forma específica de remuneração econômica a partir da produção do espaço: a renda. Para a análise da construção do preço através da renda, contudo, é necessário distinguir as suas diferentes formas, como elas são relacionadas à produção e ao uso. Esta distinção visa dar relevo a especificidade da “valorização imobiliária” na produção do espaço e nas suas eventuais formas de disputa. Parte-se, portanto, de uma importante citação de O Capital, em seu terceiro livro:

Parte da sociedade exige da outra um tributo pelo direito de habitar a Terra, assim como, de modo geral, está implícito na propriedade fundiária o direito dos proprietários de explorar o corpo terrestre, as entranhas da Terra, a atmosfera e, com isso, a manutenção do desenvolvimento da vida. Não só o aumento populacional, e por conseguinte a crescente necessidade de moradias, mas também o desenvolvimento do capital fixo - o qual se incorpora à terra ou nela cria raízes, nela repousa, como todos os edifícios industriais, ferrovias, casas comerciais, estabelecimentos fabris, docas, etc. - necessariamente aumenta a renda imobiliária. Nesse caso, nem com a boa vontade de Carey é possível confundir o aluguel, enquanto juros e amortização do capital investido na casa, com a renda pelo mero solo, sobretudo se, como ocorre na Inglaterra, o proprietário da terra e o especulador imobiliário são duas pessoas completamente diferentes. Aqui, dois elementos entram em consideração: por um lado, a exploração da terra para fins de reprodução ou de extração; por outro, o espaço que é necessário como um elemento de toda a produção e de toda a atividade humana. E em ambos sentidos a propriedade fundiária exige seu tributo. A demanda de terrenos para a construção eleva o valor do solo enquanto espaço e fundamento, e por meio disso aumenta a demanda de elementos do corpo terrestre que servem como material de construção» (Marx, 1985-1986, Vol. V: 237-238, grifos meus).

A exploração da terra para “reprodução ou extração” e o espaço como base para “toda a produção e de toda a atividade humana” abrem duas diferentes formas de uso e cada uma delas, a seu modo, “exige seu tributo”. No primeiro caso, importa o aspecto concreto da terra, o material que retirado dela e que pode ser reproduzido no mesmo espaço (a agricultura), ou aquele que é extraído até a exaustão (a mineração), tal como os materiais de construção. São qualidades e quantidades tangíveis, retiradas da terra, trabalhadas e comercializadas fora dela: o produto da terra. No segundo caso, importa o aspecto abstrato da terra, a definição das fronteiras do perímetro espacial onde se realiza ou irá se realizar uma atividade (indústria, comércio, moradia, lazer). São qualidades e quantidades intangíveis da terra, que utilizam seus limites espaciais como suporte para a atividade, fixando-se nele: a terra do produto.

Na construção, por exemplo, de um edifício industrial, de equipamento de comércio ou de serviço, de infraestrutura, de espaços livres e habitação, essas duas formas de uso da terra se complementam e se “confundem”, cabendo à análise distingui-las, separá-las. As construções resultam de relações de produção (exploração da força de trabalho, materiais, energias) que incorporam seu produto no espaço representado por um título jurídico, relações de propriedade. Ela é usada, portanto, como amálgama entre produção e propriedade. Por outro lado, estas duas formas representam, também, formas diferentes de remuneração em função do lugar de cada uma delas, como valor e como renda, respectivamente. São remunerações que se realizam a partir de suas respectivas propriedades, seja a dos meios de produção, seja a da terra. Assim, em uma relação capitalista, produção e propriedade se complementam e disputam entre si o excedente de valor que é produzido pela exploração da força de trabalho socialmente necessário (Marx, 1985-1986, livro III, cap. XLVIII e LII).

Contudo, para realizar essas atividades, a produção de materiais (agricultura e mineração) e a construção no canteiro de obras (imobiliário), é necessário que se pague pelo uso da terra, dado que ela não é livre a todos, pois está monopolizada em títulos de propriedades (privada, coletiva, estatal): o direito sobre a coisa submetendo o uso da coisa em si. O preço pago pelo uso da terra conforma uma renda ao proprietário. Este montante de dinheiro, que não é um custo efetivamente produtivo, aparece como custo para a produção. Assim, existência da renda depende da produção em geral, da exploração da força de trabalho como momento de criação de valor e da espoliação do cidadão como momento de uso, cuja propriedade apropria de uma parcela do excedente. Por outro lado, a realização de uma produção é condicionada pelo uso da terra em particular e seu produtor já deve possuir o montante de dinheiro necessário para pagamento de seu uso antes da realização efetiva. Este montante, excedente já acumulado, é subtraído do investimento estritamente produtivo e deverá ser reposto ao final como equivalente a um capital. Deste modo a produção também depende da renda para existir. A construção de uma mútua dependência.

Se esta renda condiciona o processo de produção do material (o produto da terra), o preço pago pelo seu uso conforma ao proprietário uma renda fundiária na agricultura ou uma renda extrativista na mineração. Este custo se expressa no preço do produto da terra, que é comercializado fora dela. Porém, se a renda resulta de uma atividade que se fixa na terra, que é imóvel, o preço pago pelo uso do espaço (a terra do produto) conforma uma renda imobiliária ao proprietário. Uso que pode ser tanto para produzir quanto para consumir um imóvel. Este custo se expressa no preço da terra do produto, a propriedade que é comercializada junto ao imóvel produzido. Assim, na atividade da construção, além dos custos dos materiais, energias e trabalhos, devem ser incorporadas as rendas imobiliárias, que antecedem (custo não produtivo, o preço do terreno ou do imóvel) e sucedem a produção (aumento de preço do terreno, renda que se capitaliza). O produto imobiliário.

Outra distinção entre essas formas da renda se refere às condições de produção e o modo como elas se expressam no produto. No caso da renda fundiária ou extrativista, em função da tendência dos preços a se equalizar em um preço médio no mercado, as piores condições de produção determinam o preço médio do produto: as terras menos férteis, improdutivas ou aquelas cujas localizações são piores, distantes dos mercados consumidores (maior custo de deslocamento), produzem uma dada quantidade de produtos com maior custo de produção se comparado a terras mais férteis ou bem localizadas. Como o produto deve ter o mesmo preço no mercado, custos da produção heterogênea que se expressam em preços do produto homogêneos, aqueles que produziram com custos menores garantem um sobrelucro se comparado aos produtores das piores terras. Este sobrelucro do produtor, resultante de uma vantagem da produção que é monopolizável na propriedade, transforma-se em renda diferencial para seu proprietário, remuneração que decorre da utilização produtiva das fronteiras de sua terra.

No caso da renda imobiliária as diferentes características de cada espaço na metrópole fazem que condições de produção heterogêneas se expressem em produtos também heterogêneos. A formação de um preço médio se dá em relação à diferenciação da metrópole como um todo, suas formas de produção, distribuição, troca e consumo. Equivalência entre não equivalentes. Desloca-se, portanto, das condições imediatas de produção e se relaciona globalmente a especificidades socioespaciais: a desigual distribuição do produto social, as desigualdades sociais, a segregação. Ainda que se busque definir um “produto homogêneo”, a partir da “vocação” pressuposta para a área, como já visto, ao incorporar a propriedade do terreno e suas características morfológicas, cada produção em particular se realiza de modo específico (meio de satisfação de necessidades e desejos), que incorpora aspectos exteriores à produção em si, como especificidade que é iluminada pela “forma-propriedade”, estruturante da formação do preço. Neste sentido, a propriedade, que não é produto de trabalho, mas é um título jurídico socialmente aceito, tem preço apesar de não ter valor: preço que incorpora a privatização do valor socialmente produzido.

O descolamento entre o preço do produto e o valor da produção é acentuado em função de condições especiais de produção e uso. O preço acima da média socialmente constituída decorre da associação entre alguma especialidade-espacialidade monopolizável, além da possibilidade de pagamento do comprador, também acima da média, que dá realidade a esse deslocamento. Esta possibilidade de pagamento acima da média depende de um acúmulo de capital previamente realizado ou constituído pela oferta de crédito a título de juros. Este alto preço constitui uma restrição ao uso, portanto, um é preço de monopólio. Sua formação se diferencia em função de como ele se relaciona com a renda: se o preço de monopólio gera a renda ou se a renda gera o preço de monopólio (Marx, 1985-1986).

No primeiro caso, o preço de monopólio gera renda quando a monopolização de uma qualidade específica se torna uma vantagem diferencial para a produção, que permite uma qualidade superior do produto (seja uma qualidade concreta, como “um terreno fértil”, o produto da terra; seja uma qualidade abstrata, como “uma vista privilegiada para o parque”, a terra do produto). Esta qualidade excepcional, por sua vez, faz com que o alto preço de mercado desse produto em particular possa ser realizado, mesmo no âmbito da concorrência que tenderia a rebaixar globalmente os preços. Essa qualidade monopolizada realiza uma mercadoria diferenciada e a monopolização desta qualidade transforma seu “sobrepreço” em renda diferencial: decorre de uma condição diferenciada de produção de valor, localização, uma vista privilegiada da paisagem, acesso a uma infraestrutura, uma inovação do produto que satisfaz necessidades e desejos diferenciados. Uma dimensão subjetiva na apreciação desta mercadoria, de consumi-la como desfrute e de precificá-la acima da média.

No segundo caso, a renda gera preço de monopólio quando o preço pago pelo uso da propriedade em princípio é elevado em função de sua monopolização restritiva, a escassez da oferta ou da paulatina incorporação de trabalho e capital no espaço como um todo, que acarreta no aumento em geral da renda: “sobrepreço” pago pelo uso de propriedades. Este aumento, por decorrência, reflete no preço do produto, mas que ainda assim pode ser realizado, reproduzindo a capitalização da renda pressuposta à princípio. O encarecimento da renda se desdobra no encarecimento em geral do produto imobiliário, tanto para produzir quanto para consumir (um boom imobiliário). Aqui se ilumina a renda em sua forma mais pura, a renda absoluta que decorre simplesmente do uso da propriedade.

Na medida em que esta renda entra na produção e na reprodução como um custo global sem ser meio efetivo de produção, o pagamento pelo uso da terra se constitui como expressão de um poder da classe de proprietários sobre classes não proprietárias. Um monopólio que é socialmente reconhecido, legitimado, assegurado e reproduzido. Isso se desdobra como entendimento da urbanização a partir da complementaridade espacial entre produção e propriedade: como toda produção deve ser reproduzida, o paulatino uso da terra e incorporação de trabalho nela fazem com que o pagamento pelo seu uso tenda sempre a aumentar. Há um momento em que a renda absoluta se eleva a ponto de reduzir o sobrelucro do produtor, interditando uma nova produção. Isso ocorre quando uma vantagem produtiva, que gera a renda diferencial em um momento, se generaliza, reduzindo a possibilidade do sobrelucro pela vantagem diferencial. A partir deste ponto, para se reproduzir é necessário que haja uma extensão do espaço para a produção ou a intensificação da produção para o espaço, fazendo corresponder a diferenciação de formas predominantes de renda e de urbanização. A extensão do espaço para a produção se dá em função da possibilidade de uso de terras mais baratas, que reduz sua incidência no custo de produção. A intensificação da produção para o espaço depende do incremento tecnológico para o aumento da força produtiva, um maior custo e expectativa de capitalização, para gerar um maior número de unidades e redução proporcional do preço da terra relativo a cada uma delas.

Contudo, na exploração de terrenos novos a possibilidade de sobrelucro (renda diferencial) pode ser contrariada pelo aumento dos custos de produção em função desta extensão espacial. A demanda por novos terrenos implica, também, em um aumento da renda absoluta nos espaços onde uma nova exploração pode vir a ser incorporada. Deste modo, o acréscimo de preço dos terrenos novos, decorrente da demanda por novas áreas de exploração, neutraliza possíveis vantagens que conferem rendas diferenciais. Por isso o montante global de renda da terra aumenta com a difusão espacial da produção, mesmo que ela se mantenha (ou se reduza) em termos relativos a cada uma das parcelas do espaço. A massa global de capital incorporado aumenta e a massa de renda aumenta. Deste modo, o montante de dinheiro que deve ser gasto improdutivamente com a renda em geral tende a aumentar se comparado com o montante investido produtivamente. Este montante improdutivo se acumula, se capitaliza e se reproduz sem necessariamente ter uma nova produção: constitui-se um capital fictício12 12 O fictício do imobiliário é análogo ao fictício do financeiro. Aproximação que se explicita na atualidade na medida em que a acumulação pela propriedade passa a predominar sobre a acumulação pela produção, especificidade histórica constituinte do complexo imobiliário financeiro. .

Portanto diferenciam-se os modos de construir em função de sua relação com a renda. As localizações mais densas e desejadas, ou onde há menor oferta de espaço ou de imóveis necessários, proporcionam rendas mais elevadas, predominando a renda imobiliária. As localizações menos densas, ou onde há uma maior oferta, proporciona rendas mais baixas, predominando a renda fundiária. Porém, em ambos os casos, com a reprodução paulatina da atividade de construir, a redução da renda relativa a cada uma das unidades do produto imobiliário é espelhada pelo aumento absoluto global das rendas no conjunto da produção social. Este aumento global da renda aumenta a parcela do excedente produzido socialmente que deve ser privatizada, a partir da propriedade, centralizando capital no espaço retido como monopólio de propriedade.

Com isso ressalta-se que em uma produção em particular, além dos custos específicos, a formação do preço de mercado se dá necessariamente em decorrência de relações globais. Descola-se da aparente identidade entre valor e preço (entre lucro e renda), acentuando o caráter fictício da composição final do preço do produto imobiliário. Uma arbitrariedade que decorre da renda, que, por sua vez, constitui o produto. O que remunera a lucratividade de uma produção em particular é a diferença entre o preço do produto e os custos de produção. Como os preços podem variar socialmente, os lucros particulares também podem, mas compõe socialmente uma média. O que remunera a rentabilidade de uma propriedade é o excedente de valor em relação a essa média, que foi gerado no conjunto da sociedade, em diversos ramos e setores no processo global de produção capitalista. Excedente que é privatizado sem ter equivalente em trabalho. O descolamento entre valor e preço é acentuado em função da mistificação social de necessidades e desejos, que o produto imobiliário pretende satisfazer: quanto mais raro, mais específico e, por outro lado, quanto maior o ímpeto e a possibilidade de pagamento daquele que necessita ou deseja consumi-lo, maior a possibilidade de realização da renda. Neste sentido, explicita-se uma importante dimensão de arbitrariedade na construção do preço do produto imobiliário, que responde ao poder de classe proprietária e, por sua vez, instrumentaliza sua realização como meio de satisfação de necessidades e desejos objetivos e subjetivos.

O preço da unidade imobiliária, expressão da renda capitalizada, define-se como o limite de pagamento a partir de sua circulação no mercado. Ao ser descontado o preço do custo de produção, chega-se ao preço da terra, que privatiza o excedente socialmente produzido. Esta “involução”, como já visto, inverte a relação entre o preço da construção e a construção do preço. Embora a conformação social dos preços de mercado independa imediatamente da atividade de construir, ela se realiza dependendo do que é efetivamente construído: a reificação das relações sociais e a fetichização do construído. Ao se conceber a inversão do processo, o preço definindo a possibilidade do valor, percebe-se que o desenvolvimento técnico da construção decorre da diferenciação dos espaços da metrópole, da relação com as formas de construção, uso e relações com a distribuição da propriedade.

Nesta inversão, portanto, ilumina-se a propriedade como estrutura da urbanização, uma mistificação socialmente legitimada e reproduzida, momento de privatização da parcela do produto social. A renda da terra, que é obscurecida na totalização ideológica da indústria fabril sobre a imobiliária13 13 A “totalização das relações fabris” ora acentua a necessidade de redução do custo de produção com o aumento das forças produtivas, em um processo que beneficia a realização da valorização da mercadoria produzida nos termos do monopólio de produção; ora concebe o aumento de preço do imobiliário como expressão do entesouramento, “irracionalidade” que constitui um preço de monopólio, e que beneficia sua capitalização, nos termos do monopólio de propriedade. Ambas concepções obscurecem a “racionalidade-propriedade”, submergindo no entendimento da produção do espaço. , ilumina diferentes modos de realizar o produto da diferenciação do espaço (a dimensão urbanística), mediante a diferenciação da construção (a dimensão arquitetônica). Neste particular, a construção da arquitetura, como meio de satisfação de necessidades e desejos, “do estômago ou da fantasia”, objetivos ou subjetivos, tangíveis ou intangíveis, extensivos ou intensivos, contribui com a materialização de vantagens locacionais e com a realização da privatização do produto social.

A relação entre o preço da construção e a construção do preço ainda pode se distender por meio do controle da oferta da terra ou do produto imobiliário, possibilidade que é assegurada pelos monopólios de produção e de propriedade. Isso constitui o arbítrio da produção social da escassez, baseada no título jurídico. Equilíbrio entre o monopólio de construir, maior oferta, e o monopólio de usar, menor oferta. Equilíbrio entre a tendência à desvalorização do produto imobiliário que não é realizado, sendo compensada pelo aumento de preço decorrente da escassez de sua oferta. Como o preço pode ser construído, isso se dá nos dois sentidos antagônicos: em sua elevação, apreciação, na construção de necessidades e desejos que permitem a realização de preços de monopólio, lucro extraordinário e renda absoluta; ou em seu rebaixamento, depreciação, na “desvalorização simbólica”, mistificada, ou degradação material, que reconfiguram o monopólio de produção e de propriedade na concorrência da construção, do imobiliário e dos usos subsequentes. Esta desvalorização expande a fronteira de exploração econômica em um novo processo produtivo permitindo revalorizar e recapitalizar seus investimentos. Fronteiras infernais da renovação urbana.

4. CONDOMINIALIZAÇÃO DA CIDADE

Aqui se pensará em questões que emergem dessas discussões anteriores. Inicialmente, a construção do preço do produto imobiliário coloca alguns problemas. O primeiro, relativo à forma como se realiza essa construção arbitrária, resultante do manejo que tem como base, por um lado, a incorporação fantasmagórica de mistificações no interior do pensamento racional e científico, o “imponderável na verdade” da conta matemática dos custos de produção; e, por outro lado, a necessidade que esta arbitrariedade tem de mobilizar e de privatizar, portanto, recursos que foram socialmente constituídos, centralizados a partir dos fundos públicos, para assegurar a viabilidade econômica das pressuposições privadas. O segundo problema emergente é que esta construção define a própria forma, função e estrutura dos “planos urbanísticos do século XXI”, das parcerias público privada e da exploração econômica dos imóveis e serviços públicos neles alocados. Uma exploração que se dá a partir de uma racionalidade empresarial, de concorrência e de ganhos financeiros.

Assim, a dimensão “social” que mobiliza a ação dos planos, emerge como um discurso invertido, que vela a sua verdade, isto é, a produção de propriedades: meio de assegurar a renda, que é, por sua vez, compartilhada e distribuída entre os proprietários parceiros do plano e em proporção ao montante de cada um de seus respectivos investimentos financeiros. Constitui-se, deste modo, no interior deste domínio comum, uma “hierarquia financeira” que é regulamentada pelo contrato das parcerias (Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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: 50), uma participação que se dá aos moldes da cota-parte de condomínios fechados ou de ações de empresas. Estes planos, no entanto, são propostos por gestões públicas de colorações político partidárias diferentes, da “esquerda à direita”. O espanto é perceber que a partir deles emerge uma forma consensual de proposições urbanísticas, estratégias de produção e de comercialização. Sua relação com os interesses de mercado e a reestruturação institucional. Um consenso que é revelado como uma “racionalidade supra ideológica”, fruto da forma de governo neoliberal que “nega-se como ideologia, porque ele é a própria razão” (Dardot&Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016.: 242): uma onipresença que interdita a busca efetiva de novas formas de conceber a produção do espaço e do devir.

Em seguida, na natureza da renda, incorpora-se mais alguns problemas. Em primeiro lugar, em relação ao descolamento entre preço e valor da produção imobiliária. Por um lado, isso destaca a necessidade de se compreender sua formação em relação à produção social e à diferenciação da metrópole como um todo, extrapolando seus limites particulares, tanto de canteiro (Ferro, 2006FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo, Cosac Naify, 2006.); quanto de localização (Villaça, 1998VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1998.). Esta limitação da particularidade cria campos cegos (Lefebvre, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.), que devem ser iluminados pela análise crítica: “obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque” (Engels, 1981ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo, Global, 1981.: 47). Por outro lado, o deslocamento se realiza ao incorporar, também fantasmagoricamente, os possíveis de satisfação de necessidades e desejos que também resultam de uma construção, em relação à produção social e à diferenciação da metrópole. Esta satisfação decorre da capacidade (e da vontade) de pagamento de um determinado segmento social, por um determinado bem.

Por esta via, associado à arbitrariedade da construção do preço, o deslocamento entre preço e valor expressa a disputa social pela produção do espaço. Uma disputa que revela, nestes termos, especificidades políticas, econômicas e ideológicas. Como manifestação política, entende-se que se realiza a partir do domínio da classe proprietária e suas frações (“classe patrimonialista imobiliária e financeira”). Este poder de classe tem sua manifestação econômica: a realidade da renda, como remuneração do monopólio, se realiza através da privatização de parte da produção social do valor (e do fundo público) sem a contrapartida em trabalho. Privatização que é assegurada por estruturas jurídicas, policiais, legitimadas e reproduzias na sociedade. Condição que é facilitada e acentuada na atualidade na medida em que o “patrimonialismo imobiliário e financeiro” emerge como expressão de classe hegemônica na sociedade contemporânea, relativa à forma predominante de acumulação capitalista, baseada na espoliação e na capitalização da renda. Isso aproxima o complexo imobiliário financeiro, a financeirização e o neoliberalismo.

Esta dimensão político econômica se relaciona também como uma forma ideológica. A condição de ser “não-proprietário” significa a necessidade de submissão do sujeito a formas de espoliação econômica e de insegurança de posse, que condicionam o “viver a cidade” a modos “improdutivos” de reprodução da vida. A negação desses “modos improdutivos”, como oposição à espoliação, se metamorfoseia em positivação da propriedade, que emerge e que se realiza como equivalente de rendimento financeiro. São objetividades e mistificações relacionadas, que identificam a propriedade à liberdade (visão clássica do liberalismo).

Esta construção não é nova no processo brasileiro, tendo sido amplamente explorada pelo poder hegemônico ao longo de sua história. Assim apareceu para o colono imigrante europeu, que substituiu o trabalhador escravizado, assumindo uma série de dívidas de deslocamento, moradia, alimentação (Martins, 1986MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. São Paulo, Hucitec, 1986.); na “casa própria” instrumentalizada para “apaziguar as feridas cívicas” como agente “balsâmico” no período do BNH/SFH da ditadura militar (Zaluar, 2000ZALUAR, A. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo, Brasiliense, 2000.); mais recentemente a “casa” como sentido e sentimento da forma de “manifestação da vida” no pacto social constituído sob o lulismo (Ferreira, 2012FERREIRA, J. S. W. (coord.). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo, LABHAB, FUPAM, 2012.; Rolnik, 2015ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo, 2015.; Tone, 2015TONE, B. São Paulo, século XXI: valorização imobiliária e dissolução urbana. São Paulo, FAUUSP, Doutorado, 2015.), além da experiência de precarização associada às diversas formas “irregulares e informais” de urbanização. A propriedade constituída na ordem do liberalismo é identificada e reconhecida como condição de reprodução da vida e de definição da individualidade do sujeito, acentuados na atualidade pela emergência da racionalidade e da subjetividade neoliberal e financeira (Dunker, 2015DUNKER, C. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, Boitempo, 2015.; Dardot&Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016.; Safatle, 2018SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2018.; Rolnik, 2018), a serem discutidas em outra ocasião.

Dito isto, a partir desta problematização destaca-se agora questões propriamente relacionadas à concepção de condominialização da cidade, que aqui emerge de modo mais exploratório. Concebe-se este movimento como uma forma que nasce das experiências de produção dos enclaves privadas e particulares, os condomínios fechados feitos pelo mercado imobiliário, que se estende como racionalidade para a produção do espaço público, a partir dos planos de renovação urbana estruturados pelas parcerias público privada. Esta extensão tende a intensificar a disputa pelo espaço ao universalizar a propriedade privada em sua forma não absolutizada: o domínio relativo à proporção do investimento monetário de cada um dos proprietários, sejam eles imobiliários ou financeiros (combinados nas parecerias).

A “propriedade desabsolutizada” que se estende à cidade institui um (pretendido) domínio a partir da hierarquia financeira no interior do monopólio da propriedade. Instituição que é análoga à cota-parte do condomínio privado ou da ação da empresa, o complexo imobiliário e financeiro revelado pelas renovações urbanas neoliberais. Por outro lado, nesta construção se exacerba a condição de sujeitos que ficam de fora desta racionalidade proprietária, os não-proprietários excluídos e exteriores aos muros reais e fictícios da condominialização (Dunker, 2015DUNKER, C. Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo, Boitempo, 2015.). O estabelecimento dessas fronteiras objetivas e subjetivas, entre o ser e o outro, entre formas de reconhecimento e de pertencimento postos em jogo, emerge associado à subjetividade neoliberal, que acentua na produção do espaço o domínio e a submissão dos corpos, do trabalho e do desejo (Safatle, 2018SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2018.) à reprodução do capital. Uma produção pública e privada que é realizada pelo imbricamento entre estratégias de “governamentalidade”, de Estado e de Empresa (Dardot&Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo, 2016.), e urbanização.

Ao se colocar como tendência à generalização, a propriedade desabsolutizada ilumina outros virtuais problemas. De um lado, a exclusão efetiva dos não-proprietários: o poder jurídico e policial do Estado associado ao poder econômico de “reprodução sem fim” do capital fictício do mercado, duas cabeças ligadas a um mesmo corpo siamês, avança sobre a desconstituição de relações sociais coletivas e de solidariedade14 14 Podem, inclusive, em sua face mais extrema, chegar à realização fascista de políticas de extermínio. A se pensar, por exemplo, na política de encarceramento em massa da população negra, na criminalização de movimentos sociais, no desmonte de políticas de seguridade social, a violência institucional e policial sobre populações em situação de rua. Isso, se se ficar restrito à metrópole de São Paulo, como exemplo. Condição que se estende e se intensifica ao se incorporar outras experiências globais desta deflagrada “guerra dos lugares” (Rolnik, 2015). , intensificadas a partir da produção do espaço. Isso retira do interior da propriedade seu “elemento outro”, exterior ao monopólio, que lhe assegura a renda: o fundamento econômico do domínio político. De outro lado, constitui-se uma forma que “inclui” todos os demais como proprietários em uma única estrutura de submissão, que se manifesta pela hierarquia financeira relativa ao domínio de suas respectivas cota-partes proprietárias. Estes sujeitos são submetidos a uma ordem e a uma norma totalizadora (cuja captura do indivíduo se dá de modo voluntário, como resultante de sua performance própria), que são mediadas pela pressuposição da alienação de cada uma de suas cota-partes, o cálculo de sua equivalência financeira. Agrupa seus integrantes a partir da hierarquia e de uma forma comum de concorrência, a disputa pelo seu domínio.

Mas também, a condominialização da cidade é concebida como um movimento que é passível de ser apreendido historicamente: um enquadramento temporal, representado pelo predomínio da renda e da propriedade, típicas dos séculos XIX e XXI, que emolduram o predomínio da totalização industrial-fabril do lucro e da produção, típicas do século XX. A propriedade que antecede e sucede a produção. Neste sentido, se desloca o lugar da propriedade no entendimento da urbanização: ao invés de ser percebida como resquício do arcaico, do atraso, como uma reminiscência pré-moderna no moderno (visão consagrada no século XX), ela é percebida como a estrutura da urbanização. Essa mudança de lugar expressa o deslocamento da visão “industrial, fabril e maquinista”, que projeta a lógica do conjunto habitacional sobre o urbano, conexões sistêmicas identificadas a “conjuntificação da cidade” (Petrella, 2012PETRELLA, G. Das fronteiras do Conjunto ao conjunto das Fronteiras: Experiências comparadas de Conjuntos Habitacionais na Região Metropolitana de São Paulo. 1 ed.. São Paulo: Annablume Editora, 2012.), para formas diferenciadas que condicionam a reprodução social à espoliação, aproximando a dimensão política, econômica e ideológica ao imbricamento Estado-mercado, que emerge sobre as formas sociais de organização, intensificando a experiência do conflito.

Daí decorre uma outra questão, que se refere aos avanços que a própria marcha da reprodução capitalista empreende. Esta marcha avança ao criar novas formas a partir da apropriação e da ressignificação de antigas resistências, incorporando-as ao seu próprio movimento. Se a “conjuntificação da cidade” aparecia como a forma típica de coerção industrial e fabril, através da submissão à experiência homogeneizada, fragmentada e hierarquizada da cidade moderna (Lefebvre, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1999.), a “condominialização da cidade” aparece como sua virtual negação, a partir da experiência da diferenciação, da liberdade individual e da flexibilização. A “sociedade urbana” (Idem) contemporânea em oposição à “sociedade industrial” moderna. Contudo, na marcha da condominialização, os ideais utópicos contidos nas concepções modernas (a negação da forma-lote e da forma-propriedade decorrente da não historicidade da cidade, do desenho urbano resultante do ordenamento sistêmico de espaços e funções, descolados dos determinismos da história) são incorporados como simulacro da “experiência da urbanidade” a partir, exatamente, da generalização destas dimensões: a totalização da propriedade-una, desabsolutizada, e a extensão-ampliação do “lote” à gleba e a toda a cidade, sob domínio da renovação urbana neoliberal. Neste sentido, esta marcha se apropria dessa utopia, tornando-a instrumento de reprodução do capital.

Isso obriga, portanto, a se conceber outras formas de resistência, que decorrem da experiência do conflito e da espoliação (Thompson, 1979THOMPSON, E. Tradición, revuelta y consciencia de clase: estudios sobre la crisis de la sociedad preindustrial. Barcelona, Editorial Crítica, 1979.; Wood, 1983WOOD, E. El concepto de clase en E. P. Thompson. Publicado en Cuadernos Políticos, número 36, Ediciones Era, México, 1983, pp.87-105.) e que possam incidir sobre os fundamentos desta marcha: uma “contramarcha”, um “contra-espaço” comum, que já se experimenta como sub-produto da marcha (Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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: 322). Como resíduo. Oposição à “condominialização da vida” (a submissão do corpo e da natureza às formas predominante de reprodução do capital) e da subjetividade (a servidão voluntária e a necessidade de insurreição pelo reconhecimento da identidade de sofrimento). Uma luta que emerge como luta de classes “socioespacial” contra a experiência de expropriação, imediata, global e total (Petrella, Prieto, 2020).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência social recente mostra que o capitalismo precisa da produção do espaço para se reproduzir. A urbanização, não restrita apenas à “forma-cidade”, atua como meio de absorção do excedente financeiro através da produção imobiliária e de infraestrutura (Harvey, 2011HARVEY, D. O enigma do Capital. São Paulo, Boitempo, 2011.), diminuindo o risco de sua desvalorização. Mas, também como meio de ampliação de excedente, através da capitalização da renda, que decorre do título jurídico de propriedade (imobiliária e financeira): uma reprodução ampliada que equivale a capital fictício, pois seu excedente não resulta de uma relação imediata de produção, mas do direito decorrente do monopólio de propriedade ao permitir a captura de parcela do mais valor produzido socialmente (Pereira org., 2018PEREIRA, P. (org.). Imediato, global e total na produção do espaço: financeirização da cidade de São Paulo. São Paulo, FAUUSP, 2018. Disponível em: http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/302
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).

Por outro lado, a noção de “produção do espaço” (Lefebvre, 1974LEFEBVRE, H. La production de l'espace. Paris: Éditions Anthropos, 1974.) indica uma necessária simultaneidade entre “produção de coisas no espaço” e a “produção de relações sociais”. O espaço-social, portanto, não resulta de uma relação “causa-efeito”, que concebe o espaço como cenário passivo ou resultado das formas de organização da sociedade. O espaço, concebido, percebido e vívido (Idem) como uma relação social, é ele mesmo um momento que organiza a reprodução social em função das formas (pre)dominantes de (re)produção capitalistas, que são, por sua vez, mediadas pelas relações de propriedade, forma do Estado moderno, liberal e burguês. A urbanização, um particular da “produção do espaço”, é uma relação social que produz infraestruturas (saneamento, energia, mobilidade) como condição geral de (re)produção, cuja construção e gestão de serviços figuram como meios de acúmulo econômico; e produz uma rede de edifícios e equipamentos, a “especificidade imobiliária” que se revela pelo amálgama entre relações de produção, o uso de materiais, de energias e de exploração da força de trabalho, e relações de propriedade, forma jurídica do monopólio sobre uma parcela (real ou fictícia) do “globo terrestre” (Marx, 1985-1986).

Essa relação entre produção e propriedade tem intensificado, na experiência recente, sob domínio do neoliberalismo e predomínio das formas rentistas da financeirização na reprodução social, a submissão das relações de produção às relações de propriedade, resultando em uma construção social que se orienta à produção de propriedades. Neste constructo é que se insere a emergência das renovações urbanas (Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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) como forma predominante de urbanização, implicando, a um só tempo, a transformação do planejamento (notadamente a partir das parcerias público privada) e das formas de mobilização da propriedade (marcos legais imobiliários e financeiros, que se aproximam).

Pode-se dizer que a mobilização da propriedade, em sua forma desabsolutizada, é resultado do próprio desenvolvimento do capitalismo. Porém, se ao desabsolutizar é possível que estenda as formas de acumulação e de domínio, inclusive, a partir da produção do espaço, ao mesmo tempo se distancia do domínio absoluto, condição original de sua formação e reprodução. Esta marcha, portanto, se realiza contraditoriamente (inclusive nos termos do direito, pois a dimensão espacial da produção e reprodução da propriedade ilumina concretamente limites à abstração da forma jurídica). A questão é se esta contradição, interna, é capaz de pôr freios ao seu próprio movimento, reprodução capitalista da propriedade, ao retirar de si, virtualmente, a remuneração que decorre do monopólio, abrindo brechas à luta social. Por outro lado, é uma marcha que se constitui a partir da desconstituição da dimensão anterior, do espaço e da vida: um comum que antecede a propriedade moderna. Outra questão é se esse comum será capaz, também, de sucedê-la, a partir do autogoverno e da autogestão (Dardot&Laval, 2017DARDOT, P.; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo, Boitempo, 2017.), de outras formas de produção e propriedade, de posse e apropriação: a partir da produção do espaço, opor-se ao condomínio, a forma urbana por excelência do neoliberalismo e da financeirização, do Estado e mercado imbricados na acumulação e reprodução de capital fictício. Se o comum emerge como uma virtual negação do condomínio, instituição prática da identidade entre produção do espaço e produção de relações sociais (que pode, por ventura, orientar a instituição prática do direito), emerge, então, também, como uma forma de cooperação e solidariedade que institui o “co-domínio”, o efetivo domínio comum das condições de produção e reprodução da vida.

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  • ZALUAR, A. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo, Brasiliense, 2000.
  • 1
    Há de se notar que o então prefeito, Gilberto Kassab, depois Ministro das Cidades no Governo de Dilma Rousseff, expressa a ponte entre a experiência local e a extensão federal das medidas de mobilização da propriedade imobiliária.
  • 2
    A exemplo de Fundos de Investimento Imobiliário (1993), Sistema Financeiro Imobiliário e Alienação Fiduciária (1997), Previdência Privada de Servidores Públicos (2003), PPP e SPE (2004), abertura de capitais em bolsa de valores (2005), Regularização fundiária e PMCMV (2009), Concessão Urbanística (2009), MP700 (2015), MP 759 (2016) (cf. Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
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    ).
  • 3
    Os denominados “Planos do Século XXI”, semelhantes em sua estrutura público privada (cf. Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
    https://teses.usp.br/teses/disponiveis/1...
    : 26, 114).
  • 4
    Para um maior detalhamento do cálculo matemático ver FGV, 2009 e “O prêmio de imagem da Nova Luz é parecer ser uma Bela Vista, uma Consolação” em Petrella, 2017PETRELLA, G. A fronteira infernal da renovação urbana em São Paulo: região da Luz no século XXI. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-29062017-132232/pt-br.php
    https://teses.usp.br/teses/disponiveis/1...
    : 224.
  • 5
    Uma privatização empreendida pelo consórcio a partir do trabalho socialmente necessário representado pela presença do Estado e da cidade. Sobre a problematização da “presença” ou “ausência” do Estado, ver Petrella, 2018PETRELLA, G. Aprendendo com a São Paulo delirante: reestruturação imobiliária, movimentos sociais e espoliação. In: PEREIRA, P.C.X. (org.). Imediato, global e total na produção do espaço: a financeirização da cidade de São Paulo no século XXI. São Paulo: FAUUSP, 2018, p. 163-195.: 165.
  • 6
    Aqui, é excluída a exploração direta ou indireta de áreas públicas, “pois tornariam o projeto da Concessão Urbanística muito mais complexo, agregando outros fatores que poderiam afetar a área, os comerciantes ou até os moradores, o que traria incertezas ao processo e ao papel da concessionária” (FVG, 2011: 12, grifos meus). Ao fugir dessa polêmica, apesar de já estar instaurada no horizonte das parcerias, que poderia acentuar a resistência à implantação do plano, os parceiros se concentram na lógica de mercado como se este fosse livre de contradições. As atividades exclusivas ao desenvolvimento imobiliário aparecem como um processo “natural” de desenvolvimento da metrópole, de simples compra de terrenos e de venda de imóveis.
  • 7
    Se as variáveis objetivas explicam 96,2% “das diferenças de preço de m2” (como se chega a este número?), isso significa que a variável não-objetiva (μ) corresponde aos restantes 3,8%? Do objetivo “involui-se” ao não-objetivo?
  • 8
    E toda uma sorte de estudo arquitetônicos e urbanísticos que se desenvolvem nesta linha do canteiro e da localização.
  • 9
    “De 2000 a 2006, há um movimento de elitização do mercado, em que cresce, em termos absolutos e relativos, o número de imóveis lançados com preço superior a R$ 350 mil. Em 2006, esse padrão chega a representar 46,4% das unidades lançadas na cidade. O segundo movimento está diretamente associado à ampliação do crédito para o financiamento habitacional. De 2006 em diante, reduz-se de forma expressiva a participação de imóveis com preço superior a R$ 350 mil e cresce a faixa dos imóveis para a classe média, com valores de lançamento entre R$ 150 mil e R$ 350 mil. Essa faixa, que representava 26,8% em 2006, atinge a participação de 49,3% em 2009” (p.26-27, grifos meus). Há, neste sentido, uma “marcha” que deixa para trás mercados e espaços mais caros e se dirige a espaços e mercados mais baratos (Tone, 2010). Ainda que o preço imobiliário, em geral, tenha aumentado em função da “simples” presença de crédito circulando do mercado, o boom imobiliário.
  • 10
    Segundo e Estudo, apenas os distritos periféricos apresentam preços imobiliários menores aos da área central.
  • 11
    A regra orienta para um lucro médio e a exceção para um sobrelucro monopolizado na forma de renda imobiliária.
  • 12
    O fictício do imobiliário é análogo ao fictício do financeiro. Aproximação que se explicita na atualidade na medida em que a acumulação pela propriedade passa a predominar sobre a acumulação pela produção, especificidade histórica constituinte do complexo imobiliário financeiro.
  • 13
    A “totalização das relações fabris” ora acentua a necessidade de redução do custo de produção com o aumento das forças produtivas, em um processo que beneficia a realização da valorização da mercadoria produzida nos termos do monopólio de produção; ora concebe o aumento de preço do imobiliário como expressão do entesouramento, “irracionalidade” que constitui um preço de monopólio, e que beneficia sua capitalização, nos termos do monopólio de propriedade. Ambas concepções obscurecem a “racionalidade-propriedade”, submergindo no entendimento da produção do espaço.
  • 14
    Podem, inclusive, em sua face mais extrema, chegar à realização fascista de políticas de extermínio. A se pensar, por exemplo, na política de encarceramento em massa da população negra, na criminalização de movimentos sociais, no desmonte de políticas de seguridade social, a violência institucional e policial sobre populações em situação de rua. Isso, se se ficar restrito à metrópole de São Paulo, como exemplo. Condição que se estende e se intensifica ao se incorporar outras experiências globais desta deflagrada “guerra dos lugares” (Rolnik, 2015ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo, 2015.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    21 Jul 2020
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