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Duplamente queer: filme-ensaio brasileiro, narrativas dissidentes e direitos insurgentes

Genre/gender: Brazilian essay film, dissident narratives, and insurgent rights

Resumo

O artigo aborda a afirmação de direitos de pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero no Brasil de 1990 a 2020 por meio de duas obras audiovisuais ensaísticas de temática queer: Seams (1993) e Bixa Travesty (2018). O texto explora, ainda, como o filme-ensaio, forma cinematográfica avessa a classificações, garante uma linguagem suficientemente fluida para se narrar experiências LGBTQIA+ invisibilizadas. Por fim, o artigo reflete sobre a contribuição da ensaística audiovisual à epistemologia jurídica.

Palavras-chave:
Direito e cinema; Direitos LGBTQIA+; Filme-ensaio

Abstract

The article addresses the affirmation of the rights of sexual and gender dissenters in Brazil from 1990 to 2020 through two queer-themed essay films: Seams (1993) and Bixa Travesty (2018). The text also explores how the essay film, a cinematographic form averse to classifications, guarantees a language sufficiently fluid to narrate invisible LGBTQIA+ experiences. Finally, the article reflects on the contribution of audiovisual essays to legal epistemology.

Keywords:
Law and film; LGBTQIA+ rights; Essay film

Introdução1 1 Dedico este artigo a Edson Pinheiro Freire, cujo falecimento não apagará sua inscrição subjetiva permanente na minha ensaística narrativa de vida. Agradeço a Breno Alves de Sousa pelos diálogos e pelas reflexões que precederam a escrita deste texto.

Entre 1983 e 2008, a cartunista estadunidense Alison Bechdel publicou Dykes to watch out for, uma tirinha em quadrinhos que retratava a vida de um grupo heterogêneo de mulheres lésbicas. De tal série, uma tira em particular, publicada em 1985 e intitulada The rule, extrapolou o universo da arte sequencial ao consagrar um teste verificador do grau de silenciamento imposto às mulheres no universo cinematográfico. Conhecido atualmente como Bechdel test, a verificação se baseia em três critérios objetivos de análise: a presença de, ao menos, (1) duas mulheres na narrativa que (2) conversem entre si sobre (3) qualquer assunto que não se refira a homens (BECHDEL, 1985BECHDEL, Alison. “The rule”. Dykes to Watch Out For, 1985. Disponível em: https://bit.ly/32SELqA. Acesso em: 26/04/2021.
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).

Obviamente, o teste surgiu em um contexto de sátira social e, pela própria limitação posta pelo suporte artístico dos quadrinhos, não tinha a pretensão de estabelecer um modelo acadêmico-político de análise da representação de gênero nos meios de comunicação. Mesmo assim, ele obteve tamanha visibilidade que não só passou a ser utilizado, em muitas ocasiões, como um critério inicial de indexação de filmes – desde 2013, por exemplo, uma das avaliações feitas pelos cinemas suecos ao recomendar uma obra é indicar seu desempenho no Bechdel test (O’MEARA, 2016O’MEARA, Jennifer. “What ‘The Bechdel Test’ doesn’t tell us: examining women’s verbal and vocal (dis)empowerment in cinema”. Feminist media studies, v. 16, n. 6, p. 1-4, 2016.: 1) – como também inspirou novos instrumentos de verificação audiovisual de inclusividade mínima em relação a minorias numéricas e/ou vulneráveis.

Em 2013, a organização não-governamental Gay & Lesbian Alliance Against Defamation (GLAAD) desenvolveu o teste Vito Russo, cujo nome homenageia o ativista estadunidense e autor do livro The celluloid closed (RUSSO, 1987RUSSO, Vito. The celluloid closet: homosexuality in the movies (revised edition). New York: Harper & Row, 1987.). Segundo tal teste, um filme é minimamente inclusivo e aberto à visibilidade LGBTQIA+ se ele atende aos seguintes critérios simultaneamente: (1) apresentar, ao menos, uma personagem claramente identificável como sexo ou gênero-diversa (2) que não seja definida somente ou predominantemente por sua orientação sexual ou identidade de gênero e que (3) se vincule de tal modo à narrativa que seja impossível retirá-la sem comprometimento ou alteração substancial do roteiro original.

À luz do teste Vito Russo, seria possível questionar a representação fílmica queer manifesta durante o regime militar brasileiro (DENNISON, 2020DENNISON, Stephanie. “Cultura cinematográfica e identidades queer no Brasil contemporâneo”. Cadernos Pagu, n. 60, e206005, dez. 2020.): O menino e o vento (1967), cuja personagem principal, um jovem engenheiro, é indevidamente acusada de matar um outro homem por motivação sexual; O beijo no asfalto (1980), em que um homem cis-hetero, ao cumprir o último desejo de um moribundo, beijando-o, sofre forte rejeição do seu sogro – um homossexual não assumido que, no fundo, nutria por ele uma forte atração; Amor maldito (1984), em que uma mulher é acusada de matar a sua amante, embora, a rigor, a morte decorrera de um suicídio deflagrado pela pressão psicológica realizada por sua própria família lesbofóbica; Rainha Diaba (1974), baseado na história de Madame Satã, narra a vida de um marginal homossexual periférico que controlava uma rede de narcotráfico; O beijo da mulher aranha (1985), em que Luis Molina, uma personagem condenada por corrupção de menores e identificada pela crítica ora como um homossexual cisgênero afeminado (ECHAVARREN e KOPPLE, 1991ECHAVARREN, Roberto; KOPPLE, Kathryn. “Manuel Puig: beyond identity”. World Literature Today, v. 65, n. 4, p. 581-585, autumn 1991.), ora como uma mulher trans (DAVIS, 2008DAVIS, Kimberly Chabot. “Audience, sentimental postmodernism, and Kiss of the Spider Woman”. Comparative Literature and Culture, v. 10, n. 3, p. 1-12, 2008.), envolve-se na prisão com o militante político Valentin.

Ao enfatizarem o pânico moral suscitado por pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero, bem como a existência subalterna de suas vidas baseando-se apenas nesse marcador social de diferença, tais filmes dificilmente atenderiam ao segundo critério do teste Russo. Porém, mesmo uma cinematografia que o observasse, caso reproduzisse a jornada do herói, como aceitação ou recusa, acabaria enquadrando a historicidade das vidas precárias de populações LGBTQIA+ em modelos assimétricos de narratividade cis-heteronormativa. Assim, a retomada do cinema brasileiro em momento de redemocratização político-jurídica não exigiu apenas uma observância maior à composição diversa de suas personagens, mas também a novas estruturas narrativas. Nesse contexto, merecem ser analisada as possibilidades fluidas criadas pelo filme-ensaio.

Afinal, o ensaio, como um não-gênero literário aberto a reflexões marcadas pela confluência de processos de subjetivação e de história social, seria a forma mais adequada para provocar, metodicamente sem método, o lugar das narrativas tradicionais e dominantes (ADORNO, 2003ADORNO, Theodor W. “O ensaio como forma”. In: ______. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. p. 15-45.) ao permitir uma superposição da dupla fluidez de gênero enquanto literatura e identidade – o que, em português, é indicado pelo título deste artigo como “duplamente queer”, mas que, em inglês, costuma ser expresso pelo binômio genre/gender. O filme-ensaio é a transposição desta forma para o suporte audiovisual. O presente artigo pretende, assim, enfeixar estas três dimensões: (i) o ensaio visual brasileiro a partir de dois filmes – Seams (1993) e Bixa Travesty (2018) – cada qual situado em uma das pontas do intervalo temporal recortado por este dossiê, a fim de apontar (ii) as possibilidades imagéticas abertas à diversidade dos corpos, desejos e afetos em cada um desses dois momentos sociais do pós-1988, bem como (iii) as alternativas epistemológicas e político-jurídicas insurgentes, de que uma estética ensaística é indiciária.

1. O filme-ensaio como fluidez de gênero

A primeira vinculação do cinema ao ensaio costuma ser atribuída a Eisenstein. Em 1927, ao elaborar um projeto de filmagem da obra O Capital de Karl Marx, o cineasta russo propôs superar a linearidade sucessiva fílmica em favor de uma lógica associativa de ideias por meio de mônadas de pensamento que, ao refletirem sobre o tema, manteriam entre si uma posição dialética (ALTER, 2018: 17-18). O projeto, todavia, nunca foi realizado. Em 1940, Hans Richter voltou ao tema. Para ele, o filme-ensaio seria uma resposta ao desafio de “tornar visível o mundo invisível dos conceitos, pensamentos e ideias” (RICHTER, 2007RICHTER, Hans. “El ensayo fílmico. Una nueva forma de la película documental” [1940]. In: WEINRICHTER, Antonio (org.). La forma que piensa: tentativas en torno al cine-ensayo. Pamplona: Fondo de Publicaciones del Gobierno de Navarra, 2007, p. 186-189.: 188). Diferente do documentário tradicional, gênero cinematográfico que registrava seus objetos e ilustrava de modo cronológico todas as etapas de um fazer visível – sendo, à época, percebido como retrato do real e não somente um discurso sobre ele –, o ensaio fílmico precisaria integrar material visual de distintas procedências, encenar situações para as quais não haveria um registro, “saltar livremente no tempo e no espaço” para concretizar seu objeto abstrato e intervir criativamente no mundo.

Alexandre Astruc, em 1948, chamou essa linguagem visual de caméra-stylo, ou seja, câmera-caneta, já que o diretor de cinema escreveria com sua câmera assim como um escritor o fazia com sua esferográfica. Baseando-se tanto na metodologia imagética simbólica associativa que, ao relacionar as pessoas entre si ou com objetos, seria capaz de representar o pensamento, quanto numa democratização do suporte com o surgimento da bitola de 16mm, Astruc acreditava que o cinema superaria a tirania do visual, da imagem pela imagem, por meio de uma linguagem ensaística, uma escritura flexível sobre a película destinada à reflexão, não somente ao espetáculo (ASTRUC, 1989ASTRUC, Alexandre. “Nacimiento de una nueva vanguardia: la ‘Caméra-stylo’” [1948]. In: RAMIÓ, Joaquim; THEVENET, Homero (org.). Textos y manifiestos del cine: estética, escuelas, movimientos, disciplinas, innovaciones. Madrid: Cátedra, 1989, p. 220-224.). Nos anos 1950, a crítica já começava a identificar alguns filmes como efetivamente ensaísticos. Para Bazin, Lettre de Sibérie (1957) de Chris Marker era um ensaio sobre a realidade da Sibéria documentado por um filme (BAZIN, 2017BAZIN, André. “Bazin on Marker (1958)”. In: ALTER, Nora; CORRIGAN, Thimoty (ed.). Essays on the essay film. New York: Columbia UP, 2017, p. 102-105.). Para Burch, que chamava o audiovisual ensaístico de filme-meditação, Georges Franju com Hôtel des Invalides (1952) expunha teses e antíteses numa mesma obra, o que fazia um filme encomendado pelo Ministério do Exército parecer, ao mesmo tempo, um registro patriótico e uma ode contra a guerra; e Jean Luc-Godard, com a Nouvelle Vague, teria alcançado o desejo de Eisenstein: permitir que o tema fosse a base de uma construção intelectual capaz de se transformar na sua própria forma, sem precisar, pois, ser alterada ou atenuada (BURCH, 1973BURCH, Nöel. Práxis do cinema. Lisboa: Estampa, 1973.: 188-192). A estes, somaram-se, ainda, o cinema memorial de Alain Resnais, a etnofilmografia de Jean Rouch e cinescritura de Agnès Varda.

Se na década de 1940 o filme-ensaio foi percebido como uma forma aberta a várias possibilidades, a concreta realização audiovisual ensaística nos anos que se seguiram arrefeceu a reflexão teórica sobre tal linguagem. Assim, apenas nos anos 1980, com o surgimento de uma produção fortemente marcada pela auto-inscrição fílmica de cineastas, por meio de uma ensaística que mesclava experiências pessoais e história social, na qual se incluem, por exemplo, Trinh T. Minh-há com Reassemblage (1982), Michael Moore com Roger and me (1989) e, novamente, Chris Marker com Sans Soleil (1983), o tema voltou à tona (WEINRICHTER, 2007). Nesses novos estudos, o grande desafio passou a ser a identificação descritiva das características recorrentes do filme-ensaio diante da dificuldade de delimitá-lo conceitualmente, o que o levou a ser percebido como um não-gênero (ALTER, 1996ALTER, Nora M. “The political im/perceptible in the essay film”. New German Critique, n. 68, p. 165-192, spring-summer 1996.: 171) pois, embora rotulável como cinema de não-ficção, transita de modo fluido entre os gêneros documental e experimental, sem com eles se conformar.

A primeira dessas características seria o rebaixamento da imagem, uma redução de seu suposto sentido original e auto-explicativo por meio de mediações para convertê-la, assim, em instrumento de análise. O distanciamento necessário para a utilização da imagem em segundo grau se dá pela montagem, graças à sua capacidade de manipular o fluxo imagético. A forma mais evidente da montagem ensaística é a que se move do ouvido ao olhar (BAZIN, 2017BAZIN, André. “Bazin on Marker (1958)”. In: ALTER, Nora; CORRIGAN, Thimoty (ed.). Essays on the essay film. New York: Columbia UP, 2017, p. 102-105.: 104), valendo-se da palavra escrita ou falada como mecanismo de desnaturalização da imagem. Tal verbalidade deve apresentar uma certa unidade de pensamento, mesmo quando produzida conjuntamente por diretores e roteiristas, e corresponder a um identificável ponto de vista retórico em que as informações de fundo são articuladas de forma, ao mesmo tempo, eloquente e estética (LOPATE, 2017LOPATE, Phillip. “In search of the centaur: the essay-film (1992)”. In: ALTER, Nora; CORRIGAN, Thimoty (ed.). Essays on the essay film. New York: Columbia UP, 2017, p. 109-133.: 111-113). Ainda que possa ser manifesta por legendas ou cartelas, a palavra costuma ser veiculada oralmente, por meio de uma voz-over. A voz ensaística, porém, ao fundir o discurso público e a experiência privada, longe de se colocar de modo autoritário, monumental e epistemologicamente superior, aproxima-se mais da palavra interiormente persuasiva, metade própria metade alheia, intencional, porém, incompleta, fragmentada e dialogicamente aberta a novas possibilidades semânticas (BAKHTIN, 1990BAKHTIN, Mikhail. “O discurso no romance”. In: ______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec/Unesp, 1990.: 142-144; WEINRICHTER, 2007: 29-30).

Embora alguns autores aleguem a imprescindibilidade do comentário verbal no filme-ensaio (LOPATE, 2017LOPATE, Phillip. “In search of the centaur: the essay-film (1992)”. In: ALTER, Nora; CORRIGAN, Thimoty (ed.). Essays on the essay film. New York: Columbia UP, 2017, p. 109-133.), a desnaturalização da imagem também pode ser alcançada por outros métodos de montagem exclusivamente visuais: quer construindo uma sequencialidade imagética baseada na continuidade discursiva, e não na continuidade causal ou espaço-temporal; quer promovendo uma dialética de materiais, alternando distintas fontes tais como “filmagens originais, entrevistas, presença física do autor, captação de material visual e sonoro, reconstruções ficcionais” (WEINRICHTER, 2007: 28). Rompe-se, assim, o vínculo imediato entre a imagem e seu respectivo referente histórico, já que sua alegada transparência, da qual decorreria uma representação não mediada, cederia espaço para uma leitura alegórica da imagem factual, criando um característico mosaico benjaminiano a partir da edição de fragmentos visuais coletados em diferentes fontes, de distintas maneiras (WEINRICHTER, 2005WEINRICHTER, Antonio. “Jugando en los archivos de lo real. Apropiación y remontaje en el cine de no ficción”. In: TORREIRO, Mirito; CERDÁN, Josetxo (org.). Documental y vanguardia. Madrid: Cátedra, 2005, p. 43-64.).

A segunda característica do filme-ensaio seria a abertura às multitemporalidades. O tempo homogêneo presente nas vertentes clássicas tanto do cinema de ficção, por meio da adesão à linearidade contínua da motivação da personagem, fracionada somente de modo ocasional por flashbacks, quanto do audiovisual documental, marcado por padrões coerentes relativamente unificados e vinculados a mitos eternos, ciclos diurnos, buscas progressivas ou memórias arquivísticas, cede lugar na narrativa ensaística a uma matriz de temporalidades conflitantes. O filme-ensaio permite a sobreposição de distintas experiências temporais: o tempo oficial e hegemônico, as historicidades insurgentes coletivas, as experiências próprias da subjetividade contemporânea que orbita entre a urgência e o tédio (e, consequentemente, entre o choque e a repetição) por meio de inúmeras remodulações de ritmo, tais como o delay, a imediatez, a sincronia, a espera, o atraso, a antecipação, reações que em sua amplitude acabam por gerar formas plurais de agência (CORRIGAN, 2015CORRIGAN, Timothy. O filme ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.: 136-146). O sujeito ensaístico materializa os saltos temporais antevistos por Richter quando cria desvios cronológicos ou lacunas de tempo inativo, subverte a sequencialidade ou, ao menos, reconfigura o tempo social. Afinal, a temporalidade ensaística “diz respeito essencialmente ao timing do pensamento como figura ativa da subjetividade pública” (CORRIGAN, 2015CORRIGAN, Timothy. O filme ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.: 132), ora sensível à velocidade do tempo intensivo marcado pela rapidez da exposição da imagem (CORRIGAN, 2015CORRIGAN, Timothy. O filme ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.: 145), ora rebelde à pressa do sistema tecnocrático por meio de uma reflexão intencionalmente anacrônica e lenta que se recusa a sintetizar a complexidade e ambiguidade do mundo (RASCAROLI, 2017RASCAROLI, Laura. How the essay film thinks. New York: Oxford UP, 2017.; WALKER, 2011WALKER, Michelle Boulous. “Becoming slow: philosophy, reading, and the essay”. In: OPPY, Graham; TRAKAKIS, N. N. (ed.). The Antipodean philosopher. Lanham: Lexington, 2011, p. 265-278 (vol. 1).).

Por fim, a auto-inscrição do cineasta também seria um traço marcante do ensaio fílmico. Retomando o argumento da democratização do suporte, Josep Domenech ressalta que o distanciamento da imagem exigido pela filmagem em 35mm, em razão da complexidade técnica, foi gradativamente superado: o registro em 16mm permitiu que a câmera ficasse no ombro do cineasta, assim como as câmeras de vídeo – ou, hoje, os celulares – se tornaram quase uma extensão do corpo, criando condições fáticas tanto para um olhar artístico mais próximo, quanto para gravações em espaços de intimidade (ALMEIDA; MELLO, 2012ALMEIDA, Gabriela; MELLO, Jamer. “A estética como ato político: entrevista com Josep Maria Català Domenech”. Em questão, v. 18, n. 2, p. 15-24, jul.-dez. 2012.). Assim, diretores dos anos 1980-1990, beneficiados por estes novos recursos imagéticos, promoveram um giro subjetivo no cinema de não-ficção, no qual se destaca o filme-ensaio. A inscrição fílmica, baseada em um jogo de presença-ausência, ora se dá pela visibilidade do corpo do diretor, ora pela audibilidade de uma voz-over ou, ainda, pela espectralidade no modo como as imagens são encadeadas a partir de sua própria reflexão. O aparato favorável a tal inscrição se torna ao mesmo tempo tela e espelho. Tela, porque registra o exterior constitutivo do sujeito, o outro como registro, memória, fonte, espaço e temporalidade de diferenças; espelho, porque reflete autopercepções do sujeito gravadas com intencionalidade. O dispositivo fílmico, transformado em mecanismo próximo do cineasta, tornou-se um instrumento por meio do qual “eixos gêmeos da prática ensaística (o olhar para fora e o olhar para dentro, a ‘medida da visão’ e a ‘medida das coisas’ montaignianos) encontram uma expressão adequada” (RENOV, 2017RENOV, Michael. “The eletronic essay (1995)”. In: ALTER, Nora; CORRIGAN, Thimoty (ed.). Essays on the essay film. New York: Columbia UP, 2017, p. 172-182.: 176).

Essas três características – desnaturalização da imagem, abertura a tempos plurais e inscrição fílmica subjetiva – não são os únicos descritores do ensaio audiovisual. Porém, como marcadores importantes deste não-gênero cinematográfico permitem que o presente artigo avance para a seguinte proposição: por que, afinal, a narrativa ensaística criou condições mais favoráveis para o discurso imagético-social de corpos, desejos e afetos sexo e gênero-diversos? O próximo tópico procura refletir sobre isso a partir de duas obras do cinema nacional.

2. Seams e Bixa Travesty: o filme-ensaio como fluidez de gênero(s)

A resistência do ensaio a um fechamento normativo e a estrutura não-linear de sua argumentação, quando não abertamente subjetiva, fez com que algumas autoras o identificassem como sendo uma forma eminentemente feminina (ALTER, 2002: 9) – o que não necessariamente significa um reforço do binarismo com sinal trocado. DuPlessis (1996)DuPLESSIS, Rachel Blau. “f-Words: an essay on the essay”. American Literature, v. 68, n. 1, p. 15-45, mar. 1996., por exemplo, embora defenda o caráter feminino do ensaio, faz do título de seu artigo (“f-words”, com uma letra “f” em itálico) um trocadilho entre as palavras feminine e fuck, uma abertura aos desejos que se colocam para além do viriarcado2 2 Embora Christine Delphy (2015) já tenha destacado que a noção de patriarcado por ela defendida se refere a um sistema de opressão sobre as mulheres e à exploração de suas forças produtiva e reprodutiva, não restrito apenas às relações de poder exercidas pelo patriarca sobre as demais pessoas da família, o artigo opta pelo termo viriarcado, proposto por Nicole-Claude Mathieu e menos utilizado, justamente para gerar um estranhamento na leitura e reforçar que a manifestação do poder hegemônico masculino normativo independe de tais homens serem pais ou da sociedade ser patrilinear ou patrilocal. Cf. Welzer-Lang, 2001: 475-476. . Feminino, nesta visão, como um espaço não teorizado de insubordinação, redefiniria a heterossexualidade como heterogeneidade e, portanto, uma abertura a múltiplas identidades de gênero e orientações sexuais. A forma ensaística destacaria, assim, não só uma certa pessoalidade, mas, também, a posicionalidade da autoria (DuPLESSIS, 1996DuPLESSIS, Rachel Blau. “f-Words: an essay on the essay”. American Literature, v. 68, n. 1, p. 15-45, mar. 1996.: 26), um conceito invocado pelos estudos queer para indicar uma “identidade sem essência” (HALPERIN, 1995HALPERIN, David M. Saint Foucault: towards a gay hagiography. New York: Oxford UP, 1995.: 62), um horizonte de possibilidades que não são definidas a priori mas, a cada experiência, apenas de modo relacional. Tal debate acabou criando as condições para uma afirmação mais contundente; segundo David Lazar (2020LAZAR, David. “O gênero queer”. Serrote, n. 35-36, p. 16-23, nov. 2020.: 18), “o ensaio é um gênero [genre] queer”.

Essa queeridade seria percebida em diversos momentos: na resistência ao impulso de normalização comum a outros gêneros literários; na existência marginal durante grande parte da periodização canônica da história; na fluidez com que a persona pensante do ensaio performa sua escrita e subverte o cálculo esperado do que seja uma autoria (LAZAR, 2020LAZAR, David. “O gênero queer”. Serrote, n. 35-36, p. 16-23, nov. 2020.). Transposta para o filme-ensaio, a observação permanece válida. Não sem motivo, ao lado da crítica política, especialmente focada em eventos contemporâneos e do passado recente, e da reflexão sobre a própria natureza da imagem, das formas de suporte e do ofício do cineasta, o ensaio audiovisual abriu espaço para que análises sobre questões identitárias subvertessem conteúdo e forma de obras fílmicas, visibilizando novas discursividades (ALTER, 2018: 143) – o que, no cinema nacional, pôde ser percebido no pós-1988 e que, no presente artigo, será exemplificado por meio de duas produções: Seams (1993) e Bixa Travesty (2018).

2.1. Seams

O curta-metragem Seams, vencedor do prêmio Vito Russo do New Festival em Nova Iorque, segundo o próprio diretor Karim Aïnouz, é um ensaio sobre as mulheres em meio à sociedade patriarcal cearense. Buscando se “expressar visualmente em um nível não só pessoal, mas também político” (CYPRIANO, 2008CYPRIANO, Tânia. Karim Aïnouz by Tânia Cypriano (entrevista). BOMB, v. 102, jan. 2008. Disponível em: <https://bombmagazine.org/articles/karim-a%C3%AFnouz>. Acesso em 15.05.2021.
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, tradução do autor), o cineasta costura seu filme – assim como o próprio título sugere – a partir de três fios visuais: (i) as memórias da avó Branca (Banban) e suas respectivas irmãs Ilka, Maria Holandina (Pinoca), Joanita (Juju), Zélia (Dedei), por meio de testemunhos registrados no espaço da intimidade familiar; (ii) uma reconstituição encenada de uma história contada em família, a da moça enferma que, ao não poder acompanhar o marido em uma mudança de cidade, perdeu seu contato graças às artimanhas da tia que, inconformada com tal casamento, escondera todas as cartas de amor por ele enviadas; (iii) imagens em preto e branco, sem qualquer menção nos créditos, indicativas de distintas práticas sociais, como dança, esporte e trabalho praticadas em lugares comuns, que foram localizadas pelo diretor no Arquivo Nacional de Washington como parte da coleção Ford Motor Company (MACHADO e BLANK, 2015MACHADO, Patrícia; BLANK, Thais. “A outra vida das imagens: elaborando memórias de um Brasil invisível”. Devires, v. 12, n. 2, p. 68-93, jul.-dez. 2015.) e que, originalmente, registraram a cidade de Fordlândia – empreendimento de Henry Ford às margens do rio Tapajós, na Amazônia, que pretendia plantar seringueiras para produzir borracha, mas que acabou fracassando em razão do solo arenoso, da praga do seringal chamada “mal das folhas” e da imposição, aos trabalhadores brasileiros, de parâmetros de produção e, até mesmo, das dietas dos refeitórios da matriz estadunidense em Detroit (SENA, 2008SENA, Cristovam. “Fordlândia: breve relato da presença americana na Amazônia”. Cadernos de História da Ciência, v. 4, n. 2, p. 89-108, jul.-dez. 2008.; GRANDIN, 2009GRANDIN, Greg. Fordlandia: the rise and fall of Henry Ford’s forgotten jungle city. New York: Metropolitan, 2009.).

A resistência feminina ao viriarcado, por meio de narrativas de mulheres idosas que sustentaram a família na ausência dos maridos, quer por morte, quer por abandono, dialoga com a f-word de DuPlessis, a diversidade que resiste à heteronormatividade. Não sem motivo, em entrevista, após ser questionando se o filme não seria sobre si mesmo, Karim admitiu: “é, mas eu não posso falar que ele é sobre mim, né? Ele já é tão narcisista, que não preciso dizer nada. Acho que o fogo de ignição do filme é a experiência delas (...) [que] consegue se aliar à minha experiência daquele momento” (MUNHOZ e URBAN, 2013MUNHOZ, Marcelo; URBAN, Rafael (org.). Conversas sobre uma ficção viva. Curitiba: Imagens da Terra, 2013.: 37). A partir de seus estudos de gênero nos Estados Unidos, época em que migrou da arquitetura para o cinema (CYPRIANO, 2008CYPRIANO, Tânia. Karim Aïnouz by Tânia Cypriano (entrevista). BOMB, v. 102, jan. 2008. Disponível em: <https://bombmagazine.org/articles/karim-a%C3%AFnouz>. Acesso em 15.05.2021.
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), o diretor identificou na experiência contra-hegemônica das mulheridades a possibilidade de construir um ensaio visual que não só realizasse uma denúncia social do patriarcado, mas também lhe permitisse sair do armário, a experiência simultaneamente pessoal e pública de se assumir como homem gay – o que, todavia, ainda foi feito de modo bastante sutil num momento em que a reabertura democrática dava esperanças de superação do padrão moral conservador oficial que caracterizara a ditadura militar no Brasil (PINHEIRO, 2018PINHEIRO, Douglas. “Autoritarismo e homofobia: a repressão aos homossexuais nos regimes ditatoriais cubano e brasileiro (1960-1980)”. Cadernos Pagu, n. 52, e185213, 2018.).

No ensaio-fílmico de Seams, o espectador é conduzido por uma voz-over em inglês que, valendo-se do jogo de convergências e assincronias entre imagens e narração, parte da normatização patriarcal para criar paralelos entre a opressão sofrida por mulheres e por pessoas de orientação sexual dissidente – o que fica manifesto em três momentos. No primeiro, antecipando algumas das palavras que surgiriam no decorrer do filme, é apresentado um pequeno glossário português-inglês das vidas precárias e vulneráveis: menina, mulher, coroa, veado (“significa deer, mas também significa faggot que significa queer”), sapatão (“significa big shoes, mas também significa dyke que significa queer”) e puta. Estabelece-se, então, o paralelismo: em contexto sexista, se a maneira de insultar uma mulher é chamá-la “puta”, a de ultrajar um homem é chamá-lo “veado”. A voz ensaística, então, conclui: “eu temi a palavra veado desde que eu era pequeno” (SEAMS, 1993); enquanto isso, exibe-se uma cena em preto e branco na qual um grupo de garotos se diverte em uma escadaria até que um deles surpreende o colega vizinho com um beijo no rosto. Tal plano, descontextualizado do documentário-propaganda de Ford, já é capaz de promover uma crítica, mas, reenquadrado pelo texto, aprofunda a reflexão de que a demonstração de afeto entre dois meninos só é possível se recoberta “pela lógica do jogo e do improvável” (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Rafael de. “Da montagem ao collage: found footage, voz-over e filme-ensaio”. Comunicação, mídia e consumo, v. 17, n. 18, p. 148-168, jan.-abr. 2020.: 161); do contrário, só há o medo.

Em outro momento, uma fotografia de 1937 mostra Joanita, a tia-avó de Karim, caracterizada como atriz em uma cabana utilizada como cenário de filme. Lançam-se duas perguntas: “O que um homem teria feito se a encontrasse sozinha em tal lugar posando desta forma? O que um homem faria se eu o olhasse do mesmo modo que ele a encara?” (SEAMS, 1993). O curta, então, indica que enquanto as mulheres latinas são rotuladas como charmosas, os homens latinos são normalizados como violentos. Aliás, a montagem found footage, que se vale de materiais originariamente destinados a outros fins, é conhecida por não suavizar a violência arbitrária do processo de costura das imagens (ALMEIDA, 2020ALMEIDA, Rafael de. “Da montagem ao collage: found footage, voz-over e filme-ensaio”. Comunicação, mídia e consumo, v. 17, n. 18, p. 148-168, jan.-abr. 2020.: 156). Em Seams, por vezes, essa violência é de forma e de conteúdo. No início do filme, a lembrança de um guia de viagens no qual o Brasil era comparado a uma mulher suave e doce é seguida de uma tela preta, um som de faca sendo afiada e a sequência de imagens de vários trabalhadores encarando a câmera enquanto a narração recorda o prefácio de um livro em que a autora descrevera o país como um lugar muito agressivo, masculino e difícil/violento (no original, tough).

O terceiro paralelo acontece no fim do ensaio visual. O narrador, vocalizando o processo de filmagem do diretor, narra ter perguntado a Zélia se ela já se deitara com um homem. Sem responder, a tia-avó alegou não ter escutado. Refeita a pergunta, respondeu apenas: “eu nunca me casei”. No minuto seguinte do filme, o diretor inverte a ação como se fosse um pesadelo. Zélia, então, recordando a idade de 26 anos de seu sobrinho-neto, pergunta se ele não tem uma namorada. Sem responder, Karim diz não ter ouvido. Refeita a pergunta, ele responde: “Não, eu não tenho... não exatamente. A vida é tão complicada” – momento em que se segue uma imagem em preto e branco de dois homens dançando e a superposição da música Dancin’ Days, tema de abertura da novela homônima de Gilberto Braga, marcada por várias referências à cultura gay dos anos 1970. Afinal, se a heteronormatividade cria dispositivos temporais de poder que privilegiam um padrão linear, produtivo e reprodutivo (FREEMAN, 2000FREEMAN, Elizabeth. “Packing history, count(er)ing generations”. New Literary History, v. 31, n. 4, p. 727-744, autumn 2000.), as temporalidades queer apontam para experiências que borram as fronteiras claramente determinadas dos momentos sociais da juventude e da vida adulta, cujo trânsito definitivo supostamente só se daria pelo casamento. Por isso, pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero usualmente são consideradas adolescentes tardias, imaturas e irresponsáveis pelo discurso hegemônico (HALBERSTAM, 2005HALBERSTAM, Judith[Jack]. In a queer time and place: transgender bodies, subcultural lives. New York: New York UP, 2005.). Seams, como ensaio-fílmico, não é multitemporal apenas em seu formato, mas também no conteúdo indiciário dos ritmos insurgentes e plurais de mulheridades e homens gays, abrindo espaço para a duplicidade visual queer de que trata o título deste artigo.

2.2. Bixa Travesty

O lapso temporal de 25 anos que separa Seams de Bixa Travesty é historicamente marcado por um forte processo social de afirmação de outras identidades de gênero, o que se reflete no enfoque deste último. Bixa Travesty, por sua sinopse, é um longa-metragem sobre a mulher trans negra Linn da Quebrada e seu corpo político, dirigido por Kiko Goifman e Claudia Priscilla e vencedor do Teddy Award, prêmio de melhor filme com temática queer no Festival de Cinema de Berlim (Berlinale), um dos principais eventos audiovisuais do mundo cuja curadoria é reconhecida pelo foco em questões sociais contemporâneas. Em 2018, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, um evento com carga política semelhante à de Berlinale, o filme, apesar de ganhar o prêmio do júri popular, foi alvo de duras críticas por ser uma história de travestilidade dirigida por um casal de cineastas cisgênero, branco e de classe média que, segundo a própria Linn, “não conhecia as vivências das duas transexuais [Jup do Bairro e ela própria], negras e periféricas” (SOBRINHO, 2020SOBRINHO, Gilberto Alexandre. “Bixa Travesty e o queerlombismo: a negritude trans no documentário”. Anais de textos completos do XXIII Encontro SOCINE. São Paulo: SOCINE, 2020, p. 435-440.: 438). Porém, a escolha de Bixa Travesty para este artigo, ao invés de uma obra dirigida por cineastas trans, como Calí dos Anjos e Ariel Nobre, para além de sua visibilidade nacional e internacional, decorre justamente da subversão que a “terrorista de gênero” Linn da Quebrada, creditada como roteirista do filme, realizou na narrativa diante do caráter ensaístico da proposta, algo que não acontecera nos documentários clássicos anteriores de Goifman sobre a temática trans: Amapô (2008) e Olhe para mim de novo (2011).

Se o ensaio fílmico desnaturaliza a imagem, Linn potencializa esta técnica com sua própria corporeidade. O filme, então, “articula expressões de imagem e som em relação à autoimagem de Linn, o que desdobra em uma autoria partilhada, à medida que suas performances, arquivos pessoais, ideias, sociabilidade e intimidade” (SOBRINHO, 2020SOBRINHO, Gilberto Alexandre. “Bixa Travesty e o queerlombismo: a negritude trans no documentário”. Anais de textos completos do XXIII Encontro SOCINE. São Paulo: SOCINE, 2020, p. 435-440.: 438) convergem para uma visão não essencializada da artista. Conforme Linn afirmou em entrevista, após não mais se reconhecer no espelho e diante da imprecisão da imagem construída, ela passou “a brincar com essa imagem, a brincar com todas as possibilidades daquelas que poderia ser, sem ter certeza e fazendo do corpo um processo” (TRÓI, 2019TRÓI, Marcelo de. “Obra das travas: entrevista com Linn da Quebrada”. Periódicus, n. 10, v. 1, p. 446-457, abr. 2019.: 457). Bixa Travesty aciona, assim, o dispositivo tela-espelho da prática ensaística: ao refletir sobre seu reflexo, Linn desnaturaliza não só o olhar de si, mas o olhar do espectador sobre a outridade. A montagem fílmica, ao renunciar à continuidade temporal linear, revela a impossibilidade de se manter fiel à unicidade de tom ao tratar das formas de vida queer, complexas e fraturadas por distintas causas físicas e emocionais (GALT e SCHOONOVER, 2018: 352).

Por meio de uma sucessão de recortes que incluem um falso programa radiofônico apresentado pela artista e por Jup do Bairro – à época, sua backing vocal –, encenações teatrais, performances musicais, fotografias, arquivos de vídeo pessoal, Linn da Quebrada amplia o espectro temporal do filme: à cena contemplativa do banho compartilhado com a mãe contrapõe-se o ritmo frenético da eroticidade explícita registrada na enfermaria de um hospital, quando se tratava de um câncer testicular. Assim, a imagem da paciente debilitada, sem cabelos e em tratamento que transforma o corpo enfermo em corpo desejado e expressa prazer com um consolo peniano em meio a um ambiente hospitalar impessoal e assexuado acaba por subverter a expectativa hegemônica acerca do tempo do desejo no próprio filme. O ensaio audiovisual, porém, não opera uma mera inversão, substituindo uma temporalidade por outra, já que mantém o registro da intersecção dos distintos ritmos. Linn percebe e externa essas confluências aparentemente paradoxais: se por um lado, a artista questiona o straight time, a temporalidade linear e heteronormativa que, por exemplo, legitima arranjos afetivos tradicionais e padrões estéticos reificados – como a necessária adequação “do corpo da travesti ao padrão do feminino” –, por outro, ela admite a vontade de colocar próteses mamárias, o que acabou fazendo em 2021, e de se casar. Isso, porém, só demonstra que a temporalidade queer, assim como o tempo ensaístico, é aberta a entrecruzamentos. Longe de reforçar uma lógica acumulativa, como o tempo homogêneo e vazio da modernidade (BENJAMIN, 2012BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: ______. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 7-20.) que abstratamente e de modo sucessivo empilha anos, décadas e séculos, o tempo queer é coincidente, plural e aberto a escolhas, o que faz com que um determinado desejo de pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero, como o casamento homoafetivo, possa apenas perpassar a temporalidade heteronormativa sem ser por ela incorporada (BOELLSTORFF, 2007BOELLSTORFF, Tom. “When marriage falls: queer coincidences in straight time”. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, v. 13, n. 2-3, p. 227-248, 2007.).

Com isso, a auto-inscrição da subjetividade ensaística não se restringe a Goifman e Priscilla, diretores de Bixa Travesty. Linn da Quebrada subverte o filme. O mesmo rastro que, no título da obra, recorda o jogo presença/ausência derridiano no termo différance, acaba se mostrando na obra. A voz ensaística é una, mas fruto das negociações da imagem e do tempo ocorridas entre diretores e artista. A montagem fílmica encontra causa e limite na montagem que Linn faz de si própria, ora travesti, ora – segundo provocação dela mesma – mulher cis, numa fluidez entre verdade e ironia impossível de ser demarcada apenas pela direção, recordando os vários sentidos possíveis das piscadelas que, segundo Geertz (1978)GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978., só são compreendidos pelos iniciados no sistema cognitivo de determinado grupo social. Mesmo silente, Linn faz com que a inscrição fílmica de seu próprio corpo impeça o juízo definitivo do olhar cinematográfico; assim, o espectador precisa lidar com a impossibilidade de um acabamento estético sobre a artista, que percebe seu próprio corpo como sujeito a uma arqueologia, “esse processo de escavação, de descobertas de territórios, de rachaduras que se fazem de terremotos que modificam as coisas” (BIXA, 2018) – o que faz do filme, um ensaio duplamente dissidente de gênero (genre/gender).

Tanto Seams quanto Bixa Travesty fazem registro da imagem desejante que, segundo Nick Davis (2013)DAVIS, Nick. The desiring-image: Gilles Deleuze and contemporary queer cinema. New York: Oxford UP, 2013., caracteriza uma cinematografia queer3 3 Para Nick Davis, a cinematografia queer, longe de se prender a convenções fixas, manifesta-se na imagem desejante, um conjunto complexo de aspirações, impulsos e orientações coletivas que emerge das subjetividades sem ser por elas limitada. Com isso, tanto se reforça a ideia do desejo como fluxo que atravessa as subjetividades, quanto se evita reificá-lo imageticamente em corpos, sexualidades e gêneros naturalizados por um imperativo visual normativo hegemônico. . Cada qual, porém, ecoa a quadra histórica em que foi produzido, o que revela uma gradual insurgência de corpos, desejos e afetos plurais contra as práticas político-jurídicas heteronormativas entre 1993 e 2018, respectivas datas de lançamento do curta de Karim Aïnouz e do longa de Goifman, Priscilla e Linn. Sobre tal afirmação histórica das populações sexo e gênero-diversas se detém o próximo item.

3. Do ensaio Constituinte às imagens de justiça

Em 1987, Karim Aïnouz fixou-se em Nova Iorque, dando início aos estudos em cinema que o levariam a produzir Seams. No mesmo ano, teve início a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) que, após anos de ditadura militar, legaria ao Brasil um novo texto constitucional. Marco da redemocratização do país, a Constituinte é um bom termômetro de como o senso comum lidava, à época, com a dissidência de sexo e gênero, já que mesmo na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias, vinculada à Comissão de Ordem Social, as demandas por reconhecimento e proteção jurídica por vezes ecoavam as práticas de hierarquização social. Dois exemplos são esclarecedores. Em 28/04/1987, na audiência pública destinada a discutir as propostas relativas às pessoas negras, Natalino Cavalcante de Melo, advogado, conselheiro do Instituto Nacional Afro-Brasileiro (Inabra) e fundador do Centro de Estudos Afro-Brasileiros (CEAB), ao questionar a atribuição do debate étnico-racial a uma comissão sobre minorias, dada a condição numericamente majoritária da população negra no país, afirmou ter “conotação colonialista e racista, colocar o negro, por exemplo, ao lado do homossexual”, especialmente porque, segundo ele, não haveria provas de que “nos navios negreiros, nos quilombos, nas senzalas, existia a prática do homossexualismo” (BRASIL, 1987aBRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Atas de comissões: Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Brasil: Senado Federal, 1987a.: 75) – afirmação que, frise-se, foi logo rechaçada pela então deputada constituinte Benedita da Silva, para quem a subcomissão deveria garantir direitos aos homossexuais, pessoas que “por uma série de circunstâncias, foram colocados em terceiro ou quarto plano na escala ou na hierarquia, na ascensão social, política e econômica do nosso País” (BRASIL, 1987aBRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Atas de comissões: Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Brasil: Senado Federal, 1987a.: 77).

Na audiência pública seguinte, relativa às populações indígenas e homossexuais, João Antônio de Souza Mascarenhas, na condição de representante do Triângulo Rosa, um “grupo carioca de liberação homossexual”, fez uma defesa contundente da inclusão, no texto constitucional, de vedação expressa à discriminação por orientação sexual – proposta que, embora contemplada no art. 2º, § 1º do Anteprojeto de Direitos e Garantias da referida subcomissão, acabou não obtendo igual êxito na Comissão de Sistematização (BRASIL, 1987b). A fala de João Antônio, militante de longa data e um dos fundadores do jornal Lampião da Esquina (HOWES, 2003HOWES, Robert. “João Antônio Mascarenhas (1927-1998): pioneiro do ativismo homossexual no Brasil”. Cadernos AEL, v. 10, n. 18-19, p. 289-311, 2003.), ressaltou a origem histórica do “movimento de liberação homossexual”, a despatologização da homossexualidade e a invisibilidade dos homicídios de pessoas sexo-diversas. Porém, ao criticar o reforço do estigma social realizado pelos meios de comunicação, quer pela reiterada sátira do gay afeminado, quer pelo destaque à orientação sexual de ocasionais delinquentes, acabou ratificando uma certa hierarquização ao se voltar contra uma matéria jornalística cujo título mencionava uma operação policial que prendera prostitutas e travestis: “Prostitutas, continuam no corpo da notícia, como prostitutas. E os travestis-prostitutos passam a ser (...) os homossexuais. O leitor desavisado lê aquilo e termina pensando que homossexual é travesti-prostituto” (BRASIL, 1987aBRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Atas de comissões: Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Brasil: Senado Federal, 1987a.: 101) – afirmação que não representava, naquele momento, uma diferenciação entre orientação sexual e identidade de gênero, mas sim, um indicativo de que a travestilidade ainda não se firmara como performatividade digna de proteção. Assim, embora a presença do ativista na Subcomissão possa não ter efetivamente contribuído para a desnaturalização da imagem estigmatizada de corpos, sexualidades e gêneros não normativos, ela marcou uma inscrição subjetiva inédita, mesmo que restrita, de tal experiência sexodiversa no processo político constituinte.

Seams reflete, pois, um momento em que a agência gay – com destaque para o Grupo Gay da Bahia, além do já mencionado Triângulo Rosa, ambos invocando um genérico movimento homossexual brasileiro – conseguia maior inserção nos espaços de poder heteronormativos. Todavia, a partir de meados dos anos 1990, o movimento passou por um processo de complexificação de seu sujeito político, decorrente, sobretudo, das distintas experiências de invisibilidade. Em 1995, por exemplo, surgiu a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Ainda assim, o poder de captura dos gays tanto da pauta política, determinando quais seriam as bandeiras prioritárias, quanto da difusão imagética, por ser uma versão mais assimilável das homossexualidades, acabou fazendo com que, na virada de década, começassem a surgir organizações nacionais com delimitações identitárias mais restritas (FACCHINI, 2018FACCHINI, Regina. “Múltiplas identidades, diferentes enquadramentos e visibilidades: um olhar para os 40 anos do movimento LGBT”. In: GREEN, James et al. (org.). História do movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018, p. 311-329.). Partindo de experiências locais exitosas – tais como: a Associação das Travestis e Liberados (ASTRAL), criada, no Rio de Janeiro em 1992, por causa da violência policial; a Associação das Travestis de Salvador (ATRAS) constituída em 1995 e a Associação das Travestis na Luta pela Cidadania (Unidas) fundada em Aracaju em 1999 – e diante da necessidade de se criar uma rede ampla de interlocução e atuação políticas, surgiu, em 2000, a ANTRA: a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (originariamente, Articulação Nacional de Transgêneros) (CARVALHO e CARRARA, 2013CARVALHO, Mario; CARRARA, Sergio. “Em direção a um futuro trans? Contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil”. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 14, p. 319-351, ago. 2013.).

Seguindo caminho semelhante, as lideranças lésbicas aproveitaram uma oficina realizada no III Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2003, para fundar a Liga Brasileira de Lésbicas (SELEM, 2007SELEM, Maria Célia Orlato. A Liga Brasileira de Lésbicas: produção de sentidos na construção do sujeito político lésbica. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, 2007.: 99). Em 2005, foi criado o Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB) que, embora dissolvido dois anos depois por divergências internas, abriu caminho para novas organizações semelhantes. Na última década, as transidentidades também passaram por um processo de especificação com o surgimento, em 2011, da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT) e, em 2013, do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT). E, em 2018, surgiu a Associação Brasileira de Intersexos (ABRAI), o que demonstra a permanência do processo de diversificação institucional como forma de visibilização de identidades e de verticalização de demandas das populações dissidentes de sexualidade e de gênero (FACCHINI, 2018FACCHINI, Regina. “Múltiplas identidades, diferentes enquadramentos e visibilidades: um olhar para os 40 anos do movimento LGBT”. In: GREEN, James et al. (org.). História do movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018, p. 311-329.). Tal inscrição diversa e gradual de subjetividades plurais nos processos de afirmação de direitos como interlocutoras legítimas acabou colocando em perspectiva o protagonismo socialmente atribuído à cismasculinidade gay, desnaturalizando não só sua centralidade imagética, mas também o imaginário social de que o “movimento homossexual brasileiro” que ganhara visibilidade na Constituinte fosse homogêneo em suas experiências de exclusão e em suas temporalidades de vida.

Em relação à institucionalidade estatal, o Legislativo – excetuadas iniciativas pontuais, como a Lei n. 9.313/1996 que tornou obrigatória a distribuição, pelo Sistema Único de Saúde, de medicamentos antirretrovirais – pouco contribuiu para o processo de garantia de direitos de pessoas sexo e gênero-diversas, provavelmente em decorrência da maior suscetibilidade parlamentar às forças conservadora do eleitorado. Exemplo disso é que o primeiro projeto de lei para regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo, proposto, em 1995, pela então deputada federal Marta Suplicy, nunca foi pautado em plenário. Coube, assim, ao Executivo em diálogo com a sociedade civil demarcar os primeiros avanços institucionais. O governo Fernando Henrique Cardoso esboçou os primeiros passos de tal avanço com o Programa Nacional de Direitos Humanos: na primeira versão, de 1996, incluindo “homossexuais” em um item genérico que elencava grupos vulneráveis passíveis de atendimento por programas de prevenção à violência; na segunda versão, de 2002, no eixo temáticos relativo à garantia do direito à liberdade, sob um item intitulado “orientação sexual”, propondo excluir o termo “pederastia” do Código Penal Militar, aperfeiçoar a legislação penal em relação à discriminação e violência motivadas por orientação sexual, apoiar a regulamentação da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo (utilizando, pois, a terminologia do substitutivo do deputado federal Roberto Jefferson ao projeto apresentado por Marta Suplicy) e a possibilidade de mudança de registro civil para transexuais, garantir, por emenda à Constituição, o direito à livre orientação sexual e a proibição de discriminação nela baseada e, por fim, incluir em pesquisas oficiais e no censo demográfico tal categoria de análise.

Tais programas, porém, não tinham força vinculante; eram diretrizes cujo impacto social dependia de políticas públicas concretas. Por isso, em 2004, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de proposta formulada pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, elaborou-se o “Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual” cujo objetivo era o de “promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais” (BRASIL, 2004: 11). O amplo programa de ações que propunha pautar o tema em outras pastas ministeriais, tais como saúde, segurança, educação, trabalho e cultura, não possuía, porém, rubrica própria no orçamento. Assim, somente pela pressão feita por movimentos sociais junto a parlamentares, os recursos para a efetivação de algumas ações do programa foram garantidos no Plano Plurianual 2008-2011, como, por exemplo, a realização da primeira conferência ampliada destinada a elaborar um “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis” (AGUIÃO, 2018AGUIÃO, Silvia. Fazer-se no “Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018.).

Enquanto a I Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT), realizada em Brasília em 2008, foi marcada por forte expectativa de mudanças, em razão do próprio reconhecimento estatal, momento em que a sigla do movimento passou a ser LGBT, com o “L” de lésbicas anteposto ao “G” de gays para dar às mesmas maior visibilidade, a II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, ocorrida em Brasília em dezembro de 2011, aconteceu sob forte crítica ao governo de Dilma Rousseff, já que a Presidente, sujeitando-se às pressões de lideranças religiosas, suspendera a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas, um material pedagógico elaborado pelo Ministério da Educação e destinado a estudantes de ensino médio da rede pública (AGUIÃO, 2018AGUIÃO, Silvia. Fazer-se no “Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018.: 57-60). Assim, na II Conferência, foi o Supremo Tribunal Federal (STF) que recebeu o maior reconhecimento já que, em maio daquele mesmo ano, em sede de duas ações de controle concentrado, a ADI 4277 e a ADPF 132, interpretara o art. 1723 do Código Civil conforme à Constituição Federal, excluindo qualquer sentido contrário à constitucionalidade das uniões homoafetivas. A partir daquele ano, o Judiciário se tornou o principal ator institucional para a garantia de direitos de pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero. Não é difícil entender a razão: a presença de distintos ritmos de vida no debate público torna evidente que a experiência democrática, assim como o ensaio fílmico, é multitemporal. Em tal contexto, o direito deveria evitar tanto a imposição de um cronocentrismo singular excludente, mesmo que majoritário, quanto a completa discronia social (OST, 2005OST, François. O tempo do direito. Bauru: Edusc, 2005.: 34-38), garantindo o livre fluxo das temporalidades de minorias numéricas e/ou vulneráveis em meio ao compasso predominante, papel que, no atual desenho institucional do constitucionalismo democrático, tem sido legado ao Judiciário.

Assim, praticamente todos os pontos que constavam do item “orientação sexual” da segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em 2002, e que não foram efetivados por meio de políticas públicas propostas por Legislativo e Executivo acabaram sendo judicializados: em 2016, no julgamento da ADPF 291, embora tenha sido mantida a criminalização da prática de atos libidinosos por militares em ambiente sujeito à administração militar, o STF decidiu, ao menos, pela não recepção das expressões “pederastia” e “homossexual” que, respectivamente, no nome e na descrição do tipo previsto no art. 235 do Decreto-lei n. 1.001/1969, davam ênfase discriminatória a determinados grupos; em 2019, no julgamento da ADI 4275, considerando que o direito à igualdade sem discriminação abrangia a identidade de gênero como manifestação própria da personalidade da pessoa humana, cabendo ao Estado reconhecê-la ao invés de constituí-la, decidiu pela constitucionalidade da alteração de prenome e classificação de gênero no registro civil por pessoas trans, ou pela via administrativa, ou pela judicial, independentemente de sujeição à cirurgia de redesignação sexual ou apresentação de quaisquer tipos de laudos. Por fim, neste mesmo ano de 2019, em julgamento conjunto da ADO 26 e do mandado de injunção 4733, reconhecendo a mora legislativa em matéria de criminalização dos atos de homofobia e transfobia, o STF determinou a aplicação da Lei n. 7716/1989 – que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor – às condutas que caracterizem discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero até que o Congresso Nacional edite lei específica (BRASIL, 2020).

Entre Seams e Bixa Travesty, decorreram duas décadas e meia. Ao imprimir o contexto em que foram produzidos, ambos os filmes, pensados em conjunto, demonstram o processo gradual de uma reivindicação insurgente de direitos. A desnaturalização da imagem, a abertura a tempos plurais e a inscrição subjetiva não são, assim, indícios somente da forma ensaística das respectivas produções audiovisuais. Afinal, a afirmação dos direitos de pessoas sexo e gênero-diversas precisou desvelar padrões arbitrários de uma heterossexualidade cisgênera compulsória, uma imagem naturalizada que tanto mais promove violência física e simbólica quanto menos é percebida como construção social hegemônica. Além disso, a reinvindicação de ritmos sociais diversos, expressões da própria temporalidade plural que perpassa o movimento LGBTQIA+ e a sociedade em geral, está na base da crítica que se faz a projetos estatais da modernidade que reforçam a lógica binária dos sistemas produtivo e reprodutivo. Por fim, a inscrição social das pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero, efetivada não só por demandas apresentadas em voz-over, mas, principalmente, pelo exercício do direito performativo de aparição (BUTLER, 2019BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.), teve destaque nas ruas por meio das Paradas já nos anos 1990 (CAMARGOS, 2018CAMARGOS, Moacir Lopes de. “O surgimento das Paradas LGBT no Brasil”. In: GREEN, James et al. (org.). História do movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018, p. 421-434.) e, gradativamente, tem exigido acesso cidadão às estruturas estatais, tanto as de proteção e cuidado, quanto as de deliberação e poder. Assim, a busca por uma realidade político-jurídica mais inclusiva além de ser registrada pela filmografia queer ensaística, com ela partilhou de pressupostos epistemológicos.

Considerações finais

Os anos 1980-1990 não marcaram apenas a emergência de estudos sobre o ensaio fílmico. No mesmo período, surgiu um ramo de pesquisas interdisciplinares sobre direito e cinema, iniciado nos Estados Unidos e incorporado pela área de Law and Society (MACHURA e ROBSON, 2001MACHURA, Stefan; ROBSON, Peter. “Law and Film: introduction”. Journal of Law and Society, v. 29, n. 1, p. 1-8, mar. 2001.). Embora já houvesse uma produção prévia e consistente de filmes com temática jurídica, apenas naquele momento ela se tornou objeto de estudos sistemáticos, que podem ser agrupados em três vertentes principais: a primeira, costuma analisar as obras que realizam uma certa doutrinação legal, fazendo com que a audiência pedagogicamente internalize as normas, os procedimentos e, por que não, até mesmo os direitos inerentes ao cidadão (KAMIR, 2005KAMIR, Orit. “Why ‘Law-and-Film’ and what does it actually mean? A perspective”. Continuum, v. 19, n. 2, p. 255-278, jun. 2005.); afinal, é provável que, entre brasileiros, o princípio da vedação de autoincriminação seja mais conhecido em razão da representação audiovisual do Miranda warning – praxe policial estadunidense desde que, em 1966, Ernesto Miranda foi absolvido pela Suprema Corte da acusação de estupro, sequestro e roubo por não ter sido previamente informado do direito de não produzir prova contra si – do que pela ciência do enunciado normativo do art. 5º, LXIII da Constituição Federal de 1988 (“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”).

Uma segunda vertente estuda o modo como a filmografia de temas jurídicos molda a compreensão social relativa às categorias de justiça, liberdade e igualdade, interferindo na construção pública dos sentidos que constituem o substrato fático acessado pelos juízes no processo de concretização do texto de norma constitucional. Por fim, há uma corrente que destaca o paralelismo existente entre direito e cinema: na medida em que ambos refletem e refratam não só os valores compartilhados pela sociedade, mas igualmente suas perspectivas de futuro, eles apresentariam estruturas e modos de operação de algum modo análogos, o que faria com que um acabasse ecoando e reforçando o outro (KAMIR, 2005KAMIR, Orit. “Why ‘Law-and-Film’ and what does it actually mean? A perspective”. Continuum, v. 19, n. 2, p. 255-278, jun. 2005.). Exemplo disso, para Kamir (2005KAMIR, Orit. “Why ‘Law-and-Film’ and what does it actually mean? A perspective”. Continuum, v. 19, n. 2, p. 255-278, jun. 2005.: 264-265), é a simultaneidade com que surgiram filmes sobre perseguição obsessiva, cujo maior expoente foi Atração Fatal (1987), e a própria legislação californiana anti-stalking, promulgada em 1990. O presente artigo já poderia ser incluído em tal vertente por indicar como a insurgência de pessoas dissidentes de sexualidade e de gênero ecoou, simultaneamente, na sociedade brasileira e na produção audiovisual ensaística do pós-1988; mas também deve sê-lo por sugerir a possibilidade de se pensar o direito como cinema, algo já consolidado na área de estudos em Direito e Literatura (GONZÁLEZ, 2015GONZÁLEZ, José Calvo. “Teoría literaria del derecho. Derecho y literatura: intersecciones instrumental, estructural e institucional”. In: ZAMORA, Jorge; VAQUERO, Álvaro (org.). Enciclopedia de Filosofía y Teoría del Derecho. Ciudad de México: UNAM, 2015, p. 695-736 (v. 1).). Neste sentido, de que modo uma prática ensaística duplamente queer poderia subsidiar uma nova hermenêutica aberta à diversidade e atenta à inclusão de populações LGBTQIA+?

A necessidade de se pensar a prática decisória do Judiciário sob a lentes de um método hermenêutico antidiscriminatório já encontra precedentes nos estudos feministas (BARTLETT, 1990BARTLETT, Katharine T. “Feminist Legal Methods”. Harvard Law Review, v. 103, n. 4, p. 829-888, feb. 1990.) e étnico-raciais (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.). Uma postura crítico-propositiva que, para além da reivindicação de direitos subjetivos, refunda a epistemologia jurídica em outros termos parece ser a nova fronteira do queer legal. Afinal, mesmo a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a constitucionalidade de uniões homoafetivas reforça, na sua fundamentação, a imagem naturalizada do casamento heterocisnormativo como condição-paradigma para ampliação de direitos, negligenciando a especificidade dos ritmos de vida de pessoas sexo e gênero-diversas, clandestinizando outras formas de convivialidade possíveis – de que o poliamor, cujo registro civil em escritura pública foi vedado pelo Conselho Nacional de Justiça, é um exemplo dentre tantas possibilidades negadas pela estatalidade – que foram, assim, impedidas de uma inscrição social cidadã. Uma prática decisória que, à semelhança do ensaio fílmico, promova a desnaturalização de imagens hegemônicas de justiça, o reconhecimento de tempos múltiplos sem qualquer precedência hierárquica e a inscrição visível e efetiva de vidas precárias e vulneráveis talvez tenha a potência de deflagrar uma epistemologia jurídica duplamente queer.

  • 1
    Dedico este artigo a Edson Pinheiro Freire, cujo falecimento não apagará sua inscrição subjetiva permanente na minha ensaística narrativa de vida. Agradeço a Breno Alves de Sousa pelos diálogos e pelas reflexões que precederam a escrita deste texto.
  • 2
    Embora Christine Delphy (2015DELPHY, Christine. “O inimigo principal: a economia política do patriarcado”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 17, p. 99-119, maio-ago. 2015.) já tenha destacado que a noção de patriarcado por ela defendida se refere a um sistema de opressão sobre as mulheres e à exploração de suas forças produtiva e reprodutiva, não restrito apenas às relações de poder exercidas pelo patriarca sobre as demais pessoas da família, o artigo opta pelo termo viriarcado, proposto por Nicole-Claude Mathieu e menos utilizado, justamente para gerar um estranhamento na leitura e reforçar que a manifestação do poder hegemônico masculino normativo independe de tais homens serem pais ou da sociedade ser patrilinear ou patrilocal. Cf. Welzer-Lang, 2001WELZER-LANG, Daniel. “A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia”. Estudos Feministas, v. 9, n. 2, p. 460-482, jul.-dez. 2001.: 475-476.
  • 3
    Para Nick Davis, a cinematografia queer, longe de se prender a convenções fixas, manifesta-se na imagem desejante, um conjunto complexo de aspirações, impulsos e orientações coletivas que emerge das subjetividades sem ser por elas limitada. Com isso, tanto se reforça a ideia do desejo como fluxo que atravessa as subjetividades, quanto se evita reificá-lo imageticamente em corpos, sexualidades e gêneros naturalizados por um imperativo visual normativo hegemônico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    09 Out 2021
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