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Processos estruturais para além da retórica: contribuições indianas para o monitoramento de decisões judiciais

Structural litigation beyond rhetorics: Indian contributions to the monitoring of courts decisions

Resumo

Como os processos estruturais podem ir além dos efeitos simbólicos e produzir melhorias concretas para grupos vulneráveis? O artigo busca uma resposta na experiência da Índia em processos estruturais. A partir do estudo bibliográfico e da análise de decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal da Índia, objetiva-se compreender como a utilização de comissões sociojurídicas de investigação ajudaram o Tribunal a monitorar suas decisões e a mitigar a crítica de que o Judiciário, por carecer da capacidade técnica necessária, não deve intervir em políticas públicas. Constata-se que as referidas comissões aprimoraram a resolução dos litígios estruturais, contribuindo para que as decisões do Tribunal não tenham apenas um efeito retórico, mas concreto. Assim, a experiência indiana serve como exemplo para aprimorar os processos estruturais no Brasil.

Palavras-chave:
Processos estruturais; Comissões sociojurídicas de investigação; Controle judicial de políticas públicas; Supremo Tribunal da Índia

Abstract

How can structural litigation go beyond symbolic effects and produce concrete improvements for vulnerable groups? The article seeks an answer in India's experience in structural litigation. From the bibliographic study and the analysis of paradigmatic decisions of the Supreme Court of India, the objective is to understand how the use of socio-legal commissions of inquiry helped the Court to monitor its decisions and to mitigate the criticism that the Judiciary, for lacking necessary technique, it should not intervene in public policies. It appears that the aforementioned commissions have improved the resolution of structural disputes, contributing to the fact that the Court's decisions have not only a rhetorical effect, but a concrete one. Thus, the Indian experience serves as an example to improve structural litigation in Brazil.

Keywords:
Structural litigation; Socio-legal commissions of inquiry; Judicial control of public policies; Supreme Court of India

Introdução

Os processos estruturais não são uma novidade no mundo acadêmico. Desde o caso Brown v. Board of Education, referenciado como a origem desses processos, trabalhos de diversos países têm tratado sobre o tema. No Brasil, no entanto, a discussão tardou a chegar. Isso não significa que inexistiam processos estruturais na prática, mas sim que não havia um amplo estudo teórico sobre o fenômeno.

O grande interesse acadêmico no tema surgiu em 2015, com o ajuizamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, a qual busca o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) do sistema prisional brasileiro. Desde então, outras importantes ações estruturais foram ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF), como a ADPF nº 635, que trata da violência policial nas favelas do Rio de Janeiro; a ADPF nº 682, de 2020, para declarar ECI do ensino jurídico superior; a ADPF nº 709, que versa sobre a proteção dos povos indígenas na pandemia da Covid-19; a ADPF nº 742, cujo objetivo é promover a proteção de comunidades quilombolas durante a pandemia; e a ADPF nº 822, que pede o reconhecimento de um Estado de Coisas Inconstitucional na condução das políticas públicas de saúde durante a pandemia.

A crescente utilização de processos estruturais atraiu a atenção de críticos, que questionam a competência e a legitimidade do Judiciário para intervir em políticas públicas. Uma das principais objeções levantadas trata da incapacidade técnica do Judiciário para intervir em litígios estruturais. Juízes não possuem o conhecimento necessário para criar ou supervisionar a implementação de políticas públicas. Por essa razão, as decisões estruturais produziriam apenas efeitos simbólicos1 1 Segundo Rodríguez-Garavito (2011, p. 1675-1676), as decisões estruturais possuem uma dupla dimensão. A primeira dimensão é a concreta, relacionada ao grau de cumprimento das medidas estabelecidas pelo juiz. Por outro lado, a decisão também tem uma dimensão simbólica. Independentemente do grau de cumprimento das medidas estabelecidas, a decisão contribuiu para publicizar demandas até então ignoradas pela sociedade e pelo Poder Público? Fortaleceu o grupo beneficiado pela decisão e conseguiu apoio da opinião pública? São questionamentos relevantes para compreender a dimensão simbólica. , tendo, no máximo, um valor retórico ao mostrar que os direitos de determinado grupo vulnerável estão sendo violados. Na prática, os juízes pouco poderiam fazer.

Diante de uma crítica tão relevante, é importante questionar: há como tornar o processo estrutural um instrumento efetivo à proteção de direitos fundamentais? Tentando contribuir para a resposta dessa pergunta, o artigo analisa experiência da Índia em processos estruturais, iniciada no final da década de 1970 e que permanece em desenvolvimento. A Índia, além de enfrentar problemas socioeconômicos similares aos do Brasil e possuir uma constituição de caráter transformador, semelhante à Constituição de 1988, enfrentou a crítica da incapacidade técnica do Judiciário, desenvolvendo as comissões sociojurídicas de investigação.

Como metodologia de estudo, além da tradicional pesquisa bibliográfica e documental, realiza-se estudo jurídico comparativo, aprofundando o conhecimento sobre a experiência indiana no desenvolvimento dos processos estruturais. Conhecendo o contexto de desenvolvimento dessas demandas, será possível compreender a criação das comissões sociojurídicas de investigação, sua importância no contexto indiano e como elas podem contribuir com os processos estruturais no Brasil.

O artigo está divido em três partes. O tópico 1 apresenta o panorama constitucional que conduziu ao desenvolvimento dos processos estruturais e quais conceitos são importantes para compreender os temas aqui tratados. No tópico 2, estuda-se o desenvolvimento dos processos estruturais na Índia e o papel do Judiciário na implementação dos direitos fundamentais da Constituição indiana de 1950. Por fim, o tópico 3 apresenta as comissões sociojurídicas de investigação, bem como suas potenciais contribuições para os processos estruturais no Brasil.

1. Realidades inconstitucionais e os processos estruturais: almejando o impossível?

Desde 2015, diversas expressões têm sido empregadas em trabalhos acadêmicos sobre processos estruturais: litígios estruturais (VITORELLI, 2018VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, vol. 284, p. 333-369, out. 2018.), remédios estruturais (PUGA, 2013PUGA, Mariela G. Litigio Estructural. 2013. 329f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito, Universidade de Buenos Aires, Buenos Aires, 2013.), decisões estruturais (ARENHART, 2013ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Processo, [s.l.], v. 38, n. 225, p. 389-410, nov. 2013.), sentenças estruturais (CAMPOS, 2016CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de coisas inconstitucional. Salvador: Juspodivm, 2016.), dentre outros conceitos, utilizados, muitas vezes, com pouca clareza e precisão. Para não incorrer no mesmo erro, este tópico esclarece os conceitos fundamentais para a devida compreensão do artigo, apresentando, também, as principais críticas feitas aos processos estruturais.

Os processos estruturais têm origem no caso Brown v. Board of Education (JOBIM, 2021JOBIM, Marco Félix. Medidas estruturantes na Jurisdição Constitucional: da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021., p. 110-112), no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a inconstitucionalidade da segregação racional nas escolas do país. Contudo, os Estados americanos, especialmente do Sul do país, não demonstraram reais intenções de implementar a decisão da Corte. Assim, em 1955, a Corte determinou que os juízes locais promovessem a dessegregação racial, que deveria ser realizada o mais rápido possível (with all deliberate speed). A decisão ficou conhecida como Brown II. Após o julgamento, os processos estruturais foram utilizados em diversos outros casos nos Estados Unidos, inclusive na reforma de prisões e instituições de saúde mental (SCHLANGER, 1999SCHLANGER, Margo. Beyond the hero judge: Institutional Reform Litigation as Litigation. Michigan Law Review, v. 97, p. 1994-2036, 1999., p. 1994-1995).

Mas o novo tipo de processo não ficou restrito à jurisdição norte-americana. Hoje, países como África do Sul, Argentina, Colômbia, Índia, Bangladesh, Brasil e Sri Lanka possuem processos estruturais. Enquanto nos Estados Unidos essas demandas estiveram muito ligadas aos direitos individuais, violados por graves ações ou omissões estatais, o mesmo não ocorre no Sul Global.

Tendo em vista o caráter transformador2 2 Segundo Klare, o conceito de constitucionalismo transformador pode ser compreendido como um projeto de longo prazo, no qual as instituições públicas têm o dever constitucional de transformar a realidade política e social do país, fazendo com que as relações de poder sejam mais democráticas, participativas e igualitárias. Dessa forma, o texto constitucional olha tanto para o passado, quanto para o futuro. Olha para o passado ao pretender transformar uma realidade histórica de desigualdades sociais. E olha para o futuro ao fixar as diretrizes e os valores que devem nortear o Estado na construção de uma sociedade mais justa. (KLARE, 1998, p. 150). de várias constituições do Sul Global - como a brasileira, a colombiana, a indiana e a sul-africana -, é comum que processos estruturais estejam relacionados não só a direitos individuais, mas aos direitos sociais, econômicos e culturais (DESCs), amplamente positivados nos textos constitucionais desses países. Essa é uma diferença importante, que foi percebida pela doutrina indiana e será abordada no tópico seguinte.

Antes de iniciar o estudo da experiência indiana, é importante diferenciar dois conceitos fundamentais para a pesquisa: litígios estruturais e processos estruturais. Os litígios coletivos estruturais são conflitos entre interesses juridicamente relevantes, em que uma das partes é vista enquanto uma coletividade titular de direitos ou deveres (VITORELLI, 2018VITORELLI, Edilson. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, vol. 284, p. 333-369, out. 2018., p. 340). Contudo, os direitos da coletividade não são violados por uma ação específica da outra parte, mas decorrem de um estado de coisas contrário ao direito, cuja mudança depende, geralmente, da reestruturação de uma política, programa ou instituição pública. Os litígios estruturais são um dado da realidade, isto é, eles existem ainda que o Direito não forneça instrumentos processuais para que sejam tutelados coletivamente (VIOLIN, 2019VIOLIN, Jordão. Processos estruturais em perspectiva comparada: a experiência norte americana na resolução de litígios policêntricos. 2019. 256 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019., p. 219).

Já os processos estruturais podem ser compreendidos como um conjunto ordenado de atos jurídicos destinados a obter uma tutela judicial coletiva, capaz de transformar, gradualmente, um estado de coisas A, violador de direitos fundamentais, em um estado de coisas B, apto a promover os direitos que dele dependem (GALDINO, 2020GALDINO, Matheus Souza. Processos estruturais: identificação, funcionamento e finalidade. Salvador: Juspodivm, 2020., p. 123). O interesse público desses processos decorre do fato de que a coletividade pleiteia a efetivação de direitos em face do Estado, o que costuma implicar em uma reestruturação de políticas, programas ou instituições públicas (SERAFIM, 2021SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha; NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Processos estruturais e direito à moradia no Sul Global: contribuições das experiências sul-africana e colombiana. Revista Opinião Jurídica (Fortaleza), v. 19, n. 32, p. 148-183, 2021., p. 39).

Por fortalecerem o controle judicial de políticas públicas, os processos estruturais rapidamente atraíram críticos, que suscitam importantes objeções (SOUZA, 2021SOUZA, Hudson Jorge Oliveira de. Ativismo, publicismo e processos estruturais: um estudo de caso sobre a ACP da Represa Laranja Doce. 2021. 104 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Brasília, 2021.). É possível identificar quatro críticas principais: a ameaça à separação de poderes, a ilegitimidade democrática da intervenção judicial, a possibilidade de um efeito backlash e a incapacidade técnica do Judiciário para intervir em políticas públicas (SERAFIM, 2021SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha; NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Processos estruturais e direito à moradia no Sul Global: contribuições das experiências sul-africana e colombiana. Revista Opinião Jurídica (Fortaleza), v. 19, n. 32, p. 148-183, 2021., p. 54-55).

A primeira questão levantada contra a intervenção judicial no âmbito das políticas públicas é o clássico argumento de que o Judiciário, ao proceder dessa forma, usurpa competências exclusivas dos poderes políticos. Na concepção mais rígida da separação de poderes, “[...] sempre haverá um núcleo essencial da função que não é passível de ser exercido senão pela Poder competente” (RAMOS, 2015RAMOS, Eival da Silva. Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015., p. 118). Tentando proteger direitos fundamentais por meio da intervenção em políticas públicas, o Judiciário adentraria nas atribuições do Executivo e do Legislativo, violando a separação de poderes.

A crítica está diretamente ligada ao dilema da justiciabilidade dos DESCs. É comum que o Judiciário, ao julgar processos estruturais, veja-se refém do dilema de justiciabilidade dos direitos socioeconômicos, devendo escolher entre uma postura ativista ou de autoconstrição, decisão que sempre leva ou ao embaraço ou ao descrédito institucional (MICHELMAN, 2003MICHELMAN, F. I.. The constitution, social rights, and liberal political justification. International Journal Of Constitutional Law, [s.l.], v. 1, n. 1, p. 13-34, jan. 2003., p. 16). Por um lado, a instância judicial intervém diretamente na formulação de políticas públicas, ainda que não tenha a capacidade técnica necessária para reorganizar as prioridades do orçamento público. Por outro, adotando uma postura deferente, pode esvaziar o conteúdo normativo dos DESCs, deixando-os dependentes da discricionariedade do Poder Público. Para os críticos, a resposta correta à tensão é uma posição de autoconstrição judicial, evitando-se decisões consideradas ativistas.

Diretamente ligado à primeira crítica, a objeção democrática afirma que, além de não possuir a atribuição de gerenciar políticas públicas, o Judiciário não está democraticamente autorizado a realizar intervenções desse tipo. Os juízes não possuem legitimidade de investidura e, já que não são eleitos para seus cargos, não são responsáveis politicamente, tampouco devem prestar contas à opinião pública, como o Executivo e, principalmente, o Legislativo devem fazer.

A terceira crítica alerta para a possibilidade de um efeito backlash que comprometa a eficiência do processo estrutural. Segundo Kozicki (2015KOZICKI, Katya. Backlash: as “reações contrárias” à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF no 153. In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo de et al. (Org.). O Direito Achado na Rua: introdução crítica à justiça de transição na América Latina. Brasília: UnB, 2015. v. 7, p. 192-196., p. 194), o termo tem sido utilizado para designar uma contundente reação contrária a decisões judiciais consideradas excessivamente progressistas, podendo advir tanto da sociedade quanto dos poderes políticos instituídos, comprometendo a eficiência da sentença proferida. O fenômeno tende a ocorrer quando uma decisão diverge consideravelmente da normatização consagrada socialmente ou das instituições em relação às quais segmentos influentes da população mantenham uma significativa fidelidade normativa (VALLE, 2013VALLE, Vanice Regina Lírio do. Backlash à decisão do Supremo Tribunal Federal: pela naturalização do dissenso como possibilidade democrática [online]. 2013. Disponível em: https://www.academia.edu/5159210/Backlash_%C3%A0_decis%C3%A3o_do_Supremo_Tribunal_Federal_pela_naturaliza%C3%A7%C3%A3o_do_dissenso_como_possibilidade_democr%C3%A1tica. Acesso em: 26 nov. 2019.
https://www.academia.edu/5159210/Backlas...
, p. 9). Intervenções unilaterais do Judiciário em políticas públicas podem conduzir a um efeito backlash, dificultando o comprometimento da Administração Pública com a implementação da decisão.

Por fim, tem-se a crítica da incapacidade técnica dos membros do Judiciário, seja para intervir e formular políticas públicas, seja para supervisionar a sua implementação. Os órgãos jurisdicionais são compostos por magistrados que têm o Direito como formação acadêmica, não reunindo, em tese, conhecimentos suficientes para realizar realocações orçamentárias ou analisar todos os fatores envolvidos na formulação de uma política pública (VITORELLI, 2020VITORELLI, Edilson. Processo Civil Estrutural: teoria e prática. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 109-110). O mesmo pode ser dito de seus assessores, que os auxiliam no embasamento jurídico das decisões, mas não são, em regra, especialistas em outras áreas de conhecimento fundamentais à criação de políticas públicas.

Conforme relembra Arenhart (2017ARENHART, Sérgio Cruz. Processo multipolar, participação e representação de interesses concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org.). Processos Estruturais. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 423-448., p. 448), os processos estruturais envolvem um extenso rol de complexas questões econômicas, sociais e culturais, não sendo uma tarefa fácil fixar a solução para as omissões políticas que originaram o litígio. Assim, uma atuação unilateral da instância judicial pode não só violar a separação de poderes, mas também conduzir à aplicação de medidas paliativas, que, na melhor das hipóteses, produzem efeitos em curto prazo, porém não resolvem o verdadeiro problema.

A crítica da incapacidade técnica apresenta uma segunda dimensão, a qual questiona a capacidade institucional do Judiciário em manter a supervisão sobre a execução de políticas públicas, mesmo aquelas que foram originadas de um processo estrutural. Os juízes, já superlotados de processos e preocupados em atender às metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não conseguiriam abarcar uma nova competência: supervisionar a realização do plano de ação formulado pela Administração Pública. Em síntese, seja pela falta de conhecimentos técnicos para formular políticas públicas, seja por incapacidade institucional para monitorar a implementação das referidas políticas, os processos estruturais não devem ser vistos como alternativas adequadas à solução das omissões políticas.

Diante de críticas tão robustas, é possível defender os processos estruturais como instrumentos efetivos de proteção dos direitos fundamentais? Tentando colaborar com a resposta ao questionamento, o presente artigo analisa uma objeção específica e extremamente relevante: a incapacidade judicial para intervir na formulação e no monitoramento políticas públicas que conduzam a reformas estruturais. Feitos os esclarecimentos conceituais necessários, passa-se ao estudo da experiência indiana e de suas potenciais contribuições para o Brasil.

2. O ativismo do supremo tribunal da índia em resposta às desigualdades socioeconômicas

Não é possível compreender os processos estruturais na Índia sem entender o papel do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal, nas décadas posteriores à independência do país. Fruto de inovações jurisprudenciais, os processos estruturais tiveram uma dupla função no contexto sociopolítico indiano: restaurar a boa imagem do Tribunal e proteger os grupos mais vulneráveis da sociedade.

Após a independência, em 1947, a Índia promulgou uma nova Constituição em 1950. O texto constitucional pode ser enquadrado no conceito de constitucionalismo transformador, revelando a preocupação com a pobreza e a desigualdade que assolava o país, depois de quase 100 anos de colonização britânica. Já em seu preâmbulo, encontra-se o compromisso do novo Estado indiano em promover, para todos os cidadãos, liberdade, justiça (social, econômica e política) e igualdade (de status e de oportunidades)3 3 “WE, THE PEOPLE OF INDIA, having solemnly resolved to constitute India into a 1 [SOVEREIGN SOCIALIST SECULAR DEMOCRATIC REPUBLIC] and to secure to all its citizens: JUSTICE, social, economic and political; LIBERTY of thought, expression, belief, faith and worship; EQUALITY of status and of opportunity; and to promote among them all FRATERNITY assuring the dignity of the individual and the 2 [unity and integrity of the Nation] [...]”. (ÍNDIA, 1950, p. 22). . Para assegurar a transformação social almejada, os constituintes não só estabeleceram direitos fundamentais dotados de força normativa como também determinaram garantias institucionais para que o Judiciário assegurasse que esses direitos não seriam apenas declarações vazias (DEVA, 2009DEVA, Surya. Public interest litigation in India: A critical review. Civil Justice Quarterly, v. 28, p. 19-40, 2009., p. 21).

O Supremo Tribunal também foi criado em 1950, substituindo a Corte Federal. Nas primeiras décadas de sua existência, o Tribunal não explorou todo o potencial transformador da nova Constituição. À época, a Índia, além de ser um país recém-independente e principiante no caminho democrático, era efetivamente controlada por um único partido (BHAGWATI; DIAS, 2012BHAGWATI, P. N.; DIAS, C. J. The judiciary in India: A hunger and thirst for justice. NUJS Law Review, v. 5, p. 171-188, 2012., p. 172): o Partido do Congresso. Nesse contexto, o Tribunal adotou interpretações mais formalistas da Constituição e buscou promover o constitucionalismo, o respeito à separação de poderes e ao Estado de Direito.

Ainda nesse período, desenvolveu a doutrina da estrutura básica da Constituição4 4 A doutrina da estrutura básica da Constituição foi criada pelo Supremo Tribunal no julgamento do caso Kasavananda, em 1973, como tentativa de limitar o poder do Parlamento de reformar a Constituição. Na prática, o Supremo Tribunal criou uma lista não taxativa de cláusulas pétreas, limitando decisões majoritárias que ameacem elementos essenciais à Constituição de 1950, como a supremacia da Constituição, separação de poderes, independência judicial, federalismo, laicidade estatal, entre outros. (MATE, 2010, p. 183-185). , para impedir que reformas legislativas removessem do texto constitucional elementos essenciais, como a separação de poderes, a laicidade, o federalismo e os direitos fundamentais. Havia uma tensão constante entre o Legislativo e o Supremo Tribunal sobre quem deveria ter a última palavra sobre a Constituição. Segundo Austin (2003AUSTIN, Granville. Working a Democratic Constitution: A History of the India Experience. Oxford: Oxford University Press, 2003., p. 85), o período anterior ao estado de emergência de 1975 é marcado pela “grande guerra” entre a supremacia parlamentar e a supremacia judicial.

O Tribunal só adota uma postura mais ativista em prol de transformações sociais após o estado de emergência de 1975. À época, a então primeira-ministra, Indira Gandhi, declarou estado de emergência no país, impondo severas restrições à nova democracia: os cidadãos tiveram seus direitos fundamentais limitados; a imprensa perdeu sua liberdade e passou a ser censurada; opositores políticos foram perseguidos e presos; e os oficiais do governo exerceram suas atribuições de forma arbitrária e sem responsabilização pelos seus atos (CHAUDHURI, 2018CHAUDHURI, Rudra. Re-reading the Indian Emergency: Britain, the United States and India’s Constitutional Autocracy, 1975-1977. Diplomacy & Statecraft, v. 29, n. 3, p. 477-498, 2018., p. 477-478). Em um cenário de claras inconstitucionalidades, esperava-se que o Supremo Tribunal tomasse decisões contrárias ao governo de Indira. No entanto, ocorreu o oposto. Importante exemplo de deferência ao novo regime foi a decisão de que nenhum cidadão tinha o direito de ajuizar habeas corpus para questionar uma prisão, ainda que claramente ilegal (BHUWANIA, 2014BHUWANIA, Anuj. Courting the people: the rise of public interest litigation in post-emergency India. Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East, v. 34, n. 2, p. 314-335, 2014., p. 321). Decisões como essa fizeram de sua atuação no estado de emergência o momento mais sombrio do Judiciário indiano.

Com o final do estado de emergência, em 1977, o Tribunal precisava recuperar sua imagem no regime democrático, e o principal instrumento para isso foi o desenvolvimento da Public Interest Litigation (PIL), inspirada no modelo americano, mas com um objetivo mais amplo de promover transformações sociais e proteger grupos pobres e vulneráveis (CASSELS, 1989CASSELS, Jamie. Judicial activism and public interest litigation in India: Attempting the impossible?. The American Journal of Comparative Law, v. 37, n. 3, p. 495-519, 1989., p. 509-511). Tendo em vista o foco em transformações sociais, Baxi (1985BAXI, Upendra. Taking suffering seriously: Social action litigation in the Supreme Court of India. Third World Legal Studies, v. 4, p. 107-132, 1985., p. 108-109) defendia que esses processos deveriam ser nomeados como Social Action Litigation (SAL). Várias PILs eram processos estruturais, que demandavam a transformação de estados de coisas contrários à Constituição.

Para desenvolver a PIL, o Supremo Tribunal precisou promover a flexibilização da regra de locus standi e dos procedimentos para apresentar petições em defesa de direitos fundamentais ao Judiciário (DEVA, 2009DEVA, Surya. Public interest litigation in India: A critical review. Civil Justice Quarterly, v. 28, p. 19-40, 2009., p. 23-24).

Segundo a regra do locus standi, apenas pessoas que sofreram uma violação específica do seu direito, em virtude de atual violação ou ameaça, poderiam apresentar o seu caso ao Judiciário (BHAGWATI; DIAS, 2012BHAGWATI, P. N.; DIAS, C. J. The judiciary in India: A hunger and thirst for justice. NUJS Law Review, v. 5, p. 171-188, 2012., p. 177-178). Assim, apenas o titular do direito em questão poderia ir a juízo, já que outras pessoas não poderiam ajuizar ações em seu lugar. Isso dificultava muito a vida dos mais pobres, maioria no país, que careciam de recursos financeiros e técnicos para lutar por seus direitos na esfera judicial. Reconhecendo isso, o Supremo Tribunal percebeu que era necessário flexibilizar a regra do locus standi para ampliar o acesso à justiça. Assim, passou a entender que em casos de violação de direitos de uma pessoa ou grupo de pessoas - as quais, por alguma razão, não podiam buscar proteção judicial - qualquer membro do público ou entidade social sem fins lucrativos poderia ir aos tribunais regionais ou ao Tribunal buscar proteção para o grupo vulnerável. Além disso, um cidadão, interessado em uma questão de violação de direitos, poderia apresentar uma petição baseada no interesse público do seu próprio direito (CHANDRACHUD, 2019CHANDRACHUD, Chintan. Structural Injunctions and Public Interest Litigation in India. In: YAP, Po Jen (Ed.). Constitutional Remedies in Asia. Nova York: Routledge, 2019. p. 121-137., p. 124-125).

Quanto ao procedimento para apresentar petições, o Tribunal iniciou a chamada epistolary jurisprudence: uma PIL poderia ser iniciada mediante o envio de uma carta, juntando-se como provas da violação de direitos fundamentais até mesmo notícias de jornais (BHUWANIA, 2014BHUWANIA, Anuj. Courting the people: the rise of public interest litigation in post-emergency India. Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East, v. 34, n. 2, p. 314-335, 2014., p. 333). Naquele contexto, não seria razoável esperar que os grupos mais pobres, ou um cidadão movido por espírito cívico, tivessem condições e recursos para contratarem um advogado para peticionar conforme os formalismos exigidos ou que obtivessem as provas das alegadas violações.

Em um primeiro momento, as duas flexibilizações podem assustar juristas mais formalistas, especialmente a segunda. Com a possibilidade de iniciar um processo com uma carta, o Supremo Tribunal não ficaria superlotado de PILs? Aparentemente, não. Realizando um levantamento quantitativo das ações ajuizadas no Tribunal, Gauri (2009GAURI, Varun. Public interest litigation in India: overreaching or underachieving?. World Bank Policy Research Working Paper, n. 5109, p. 1-25, 2009., p. 23) constata que os processos coletivos de interesse público, na verdade, ocupam uma pequena parte do total de casos do Tribunal, não drenando grandes recursos, nem impedindo que se dedique a outros assuntos importantes da administração da justiça. Além disso, das 260 PILs apresentadas por ano, a maioria é instituída por petições formais. Das milhares de cartas recebidas, poucas são convertidas em PIL.

Outro ponto digno de nota é a utilização da técnica processual continuing mandamus, reconhecida formalmente em 1998, no caso Jain Hawala, mas utilizada desde as primeiras PILs (PODDAR; NAHAR, 2017PODDAR, Mihika; NAHAR, Bhavya. “Continuing Mandamus” - A Judicial Innovation to Bridge the Right-Remedy Gap. NUJS Law Review, v. 10, p. 555-608, 2017., p. 569). A técnica nada mais é do que o proferimento de decisões enquanto o órgão judicial retém a jurisdição sobre o caso. Preocupado em monitorar a implementação de suas ordens, o Tribunal mantém a jurisdição e não profere um julgamento definitivo do mérito, observando como o problema está sendo resolvido, se as partes estão cumprindo suas determinações e se os direitos do grupo vulnerável afetado estão sendo preservados. De tempos em tempos, o Tribunal expede novas ordens, objetivando aprimorar a solução do problema.

Analisando o desenvolvimento da Public Interest Litigation na Índia, tanto a doutrina (CHANDRACHUD, 2019CHANDRACHUD, Chintan. Structural Injunctions and Public Interest Litigation in India. In: YAP, Po Jen (Ed.). Constitutional Remedies in Asia. Nova York: Routledge, 2019. p. 121-137., p. 121-122) quanto o Supremo Tribunal (ÍNDIA, 2010, p. 13) identificam três fases em sua evolução. A classificação é baseada em 4 variáveis: quem inicia a PIL, qual a matéria tratada, contra quem ela é ajuizada e como o Judiciário responde à demanda (DEVA, 2009DEVA, Surya. Public interest litigation in India: A critical review. Civil Justice Quarterly, v. 28, p. 19-40, 2009., p. 27-29).

Na primeira fase, os processos de interesse público costumavam ser ajuizados por pessoas de espírito público, como advogados, jornalistas e acadêmicos. A maioria dos casos estava relacionada às violações dos direitos de grupos pobres da sociedade e a tutela jurisdicional era solicitada em face de ações ou omissões estatais. O Judiciário costumava responder reconhecendo os direitos violados e estabelecendo diretrizes para os governos corrigirem as violações alegadas. A primeira PIL, que inaugurou esta fase, foi ajuizada em 1979 e apresentou o problema de presos provisórios que passavam tempos exorbitantes aguardando o seu julgamento (ÍNDIA, 1979). Por se tratar de um problema estrutural, o Tribunal reteve a jurisdição sobre o caso por anos, monitorando o cumprimento de suas ordens e determinando medidas estruturais (CHANDRACHUD, 2019CHANDRACHUD, Chintan. Structural Injunctions and Public Interest Litigation in India. In: YAP, Po Jen (Ed.). Constitutional Remedies in Asia. Nova York: Routledge, 2019. p. 121-137., p. 125-126). Ao decidir o caso, o Tribunal fez referências expressas à experiência norte-americana com processos estruturais relacionados ao sistema prisional, como Holt v. Sarver (ÍNDIA, 1979, p. 10).

Na segunda fase, iniciada nos anos 1990, o número de PILs ajuizadas por ONGs e advogados especializados aumentou. O âmbito de matérias se expandiu, englobando proteção ambiental, corrupção administrativa, direito à educação e assédio sexual no ambiente de trabalho. Não se requeria ordens apenas contra o governo, mas contra entes privados. Nessa fase, o Tribunal não hesitou em expedir decisões detalhadas para preencher as lacunas do Poder Público, além de punir aqueles que não cumprissem suas ordens. Também tentou controlar o mau uso dos processos de interesse público. Deva (2009DEVA, Surya. Public interest litigation in India: A critical review. Civil Justice Quarterly, v. 28, p. 19-40, 2009., p. 28-29) explica que, na segunda fase, a classe média passou a ser mais beneficiada com os resultados das PILs, conclusão que também é corroborada pela pesquisa de Gauri (2009GAURI, Varun. Public interest litigation in India: overreaching or underachieving?. World Bank Policy Research Working Paper, n. 5109, p. 1-25, 2009., p. 12-14).

Por fim, na terceira e atual fase, iniciada com o começo do século XXI, a amplitude temática continua, mas o Tribunal parece estar mais contido em estabelecer ordens diretas para o governo. De forma geral, há uma ênfase em questões relacionadas ao mercado, ao desenvolvimento e à transparência governamental. As tentativas de diminuir o ajuizamento de PILs desnecessárias continuam. Chandrachud (2019CHANDRACHUD, Chintan. Structural Injunctions and Public Interest Litigation in India. In: YAP, Po Jen (Ed.). Constitutional Remedies in Asia. Nova York: Routledge, 2019. p. 121-137., p. 134-135) constata uma contradição nesta fase: ao procurar promover a transparência do governo, o Tribunal escolhe não dar, ou dar de forma insuficiente, razões que fundamentem as suas decisões mandamentais, que costumam ser curtas e diretas.

A Public Interest Litigation e, consequentemente, os processos estruturais, receberam elogios e críticas ao longo dessas três fases. Por um lado, os críticos afirmam que a PIL se desviou de seu objetivo inicial de proteger os direitos fundamentais dos grupos mais pobres e vulneráveis, sendo utilizada para promover interesses da classe média ou para gerar publicidade para determinados grupos. Há também a crítica da banalização, já que, atualmente, um processo de interesse público pode ter como objeto as mais diversas situações. Por fim, afirmam que esses processos são uma ameaça ao sistema de checks and balances e favorecem o populismo judicial, com os juízes se percebendo como guardiões que devem corrigir as falhas da democracia (BHUWANIA, 2014BHUWANIA, Anuj. Courting the people: the rise of public interest litigation in post-emergency India. Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East, v. 34, n. 2, p. 314-335, 2014., p. 320-322). A preocupação com a intervenção judicial no âmbito de atuação do Executivo e do Legislativo não foi apenas doutrinária, mas também surgiu dentro do Supremo Tribunal. O juiz Markandey Katju, no julgamento do caso Aravali Golf Course, sintetiza algumas dessas preocupações:

A moral desta história é que se o Judiciário não exercer uma autocontenção e forçar demais os seus limites, é provável que haja uma reação de políticos e outros grupos. Os políticos, então, irão interferir e restringir os poderes, ou mesmo a independência, do Judiciário (na verdade, a mera ameaça pode servir, como o exemplo acima demonstra). O Judiciário deve, portanto, limitar-se à sua esfera própria, percebendo que em uma democracia muitos assuntos e controvérsias são mais bem resolvidos em um contexto extrajudicial5 5 “The moral of this story is that if the judiciary does not exercise restraint and over-stretches its limits there is bound to be a reaction from politicians and others. The politicians will then step in and curtail the powers, or even the independence, of the judiciary (in fact the mere threat may do, as the above example demonstrates). The judiciary should, therefore, confine itself to its proper sphere, realizing that in a democracy many matters and controversies are best resolved in non-judicial setting.”. (ÍNDIA, 2007, p. 9).

Por outro lado, os seus defensores elencam pontos como o maior contato do Judiciário com os grupos mais pobres e vulneráveis da sociedade (BHAGWATI; DIAS, 2012BHAGWATI, P. N.; DIAS, C. J. The judiciary in India: A hunger and thirst for justice. NUJS Law Review, v. 5, p. 171-188, 2012., p. 174-175); o aumento da legitimidade do Judiciário, que se tornou uma instituição mais respeitada e independente; o maior prestígio internacional da jurisprudência indiana, que passou a influenciar os processos de interesse público em outros países asiáticos, como Paquistão, Sri Lanka, Bangladesh e Nepal (DEVA, 2009DEVA, Surya. Public interest litigation in India: A critical review. Civil Justice Quarterly, v. 28, p. 19-40, 2009., p. 31-33). Além disso, como mostram Brinks e Gauri (2014BRINKS, Daniel M.; GAURI, Varun. The Law’s Majestic Equality? The Distributive Impact of Judicializing Social and Economic Rights. Perspectives On Politics, [S.L.], v. 12, n. 2, p. 375-393, jun. 2014., p. 385), em pesquisa comparativa sobre a judicialização de direitos socioeconômicos em diferentes países, inclusive o Brasil, o caráter coletivo da PIL e seus efeitos sistêmicos fazem com que, na Índia, as demandas sobre DESCs beneficiem majoritariamente os grupos mais pobres. Segundo os autores, em demandas que tratam sobre o direito à saúde e à educação, 84% dos beneficiados são os menos privilegiados, em média.

Até aqui, examinamos a origem e a evolução dos processos coletivos de interesse público na Índia, sendo os processos estruturais uma espécie de PIL. Mas uma das principais inovações do Supremo Tribunal da Índia ainda não foi apresentada. No próximo tópico, veremos o que são as comissões sociojurídicas de investigação, o seu papel nessas demandas e quais contribuições esse modelo pode fornecer ao Brasil.

3. O papel das comissões sociojurídicas no monitoramento de reformas estruturais

O Supremo Tribunal da Índia, ao desenvolver a PIL, teve duas preocupações principais. Primeiro, viabilizar que grupos vulneráveis tivessem acesso direto à sua jurisdição. Isso se deu, principalmente, pelas flexibilizações procedimentais vistas no tópico passado, especialmente a flexibilização do locus standi. Segundo, a preocupação em obter provas das violações alegadas e supervisionar a implementação das decisões fez com que o Tribunal desenvolvesse novos mecanismos de monitoramento. O presente tópico analisa um dos principais recursos utilizado: as comissões sociojurídicas de investigação. No próximo subtópico, veremos o desenvolvimento jurisprudencial das comissões, seus primeiros casos e sua utilização. Em seguida, analisaremos como essa inovação pode contribuir com os processos estruturais no Brasil.

3.1. As comissões sociojurídicas e o poder do Supremo Tribunal para criar remédios

Desde 1979, várias formalidades processuais foram flexibilizadas com o objetivo de permitir que grupos vulneráveis tivessem acesso à justiça. A flexibilização do locus standi foi fundamental nesse processo, permitindo que cidadãos e instituições, cientes das violações de direitos fundamentais de determinados grupos, ajuizassem uma ação na defesa desses direitos. Até mesmo uma carta, embasada em notícias de jornais, poderia dar origem a um processo coletivo de interesse público.

Entretanto, isso conduziu o Tribunal a duas questões importantes: como seria possível comprovar as alegações feitas pela parte demandante? E como verificar que a decisão proferida está realmente sendo cumprida? Se a flexibilização das formalidades foi feita para beneficiar grupos pobres e vulneráveis, não seria razoável pedir que eles arcassem com a produção de provas necessárias ou com o monitoramento da decisão. Em 1985, Baxi (1985BAXI, Upendra. Taking suffering seriously: Social action litigation in the Supreme Court of India. Third World Legal Studies, v. 4, p. 107-132, 1985., p. 120) já constatava que uma grande dificuldade dos processos de interesse público era a obtenção de provas, já que muitos eram iniciados com base em notícias de jornais e as informações eram questionadas pelo governo.

O Tribunal, desde o seu primeiro caso, estava ciente de que precisava reter a jurisdição sobre o litígio para saber em que medida a reforma estrutural foi efetivada. A decisão judicial, por si só, não é capaz de modificar a realidade, ela é apenas um ponto de partida (BARCELLOS, 2018BARCELLOS, Ana Paula de. Políticas públicas e o dever de monitoramento: “levando os direitos a sério”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 8, nº 2, p.251-265, 2018., p. 254-255). É preciso saber em que medida a decisão foi implementada, o que melhorou na vida do grupo afetado e quais problemas ainda precisam ser solucionados. Mas como assegurar o monitoramento da implementação da decisão? Os juízes, ocupados com diversas demandas, deveriam ir a campo e conferir pessoalmente o andamento da reforma estrutural?

Vê-se que o Tribunal estava diante da crítica da incapacidade institucional do Judiciário para criar e monitorar políticas públicas, que vimos no tópico 2. Diante desse impasse, a instituição desenvolveu um mecanismo inovador para solucionar tanto o problema da obtenção de provas, quanto a questão do monitoramento. Trata-se das comissões sociojurídicas de investigação, compostas por ativistas sociais, jornalistas, oficiais do governo e oficiais da justiça (BHAGWATI; DIAS, 2012BHAGWATI, P. N.; DIAS, C. J. The judiciary in India: A hunger and thirst for justice. NUJS Law Review, v. 5, p. 171-188, 2012., p. 179-181). Os membros da comissão atuam como comissários do Tribunal, visitando locais para fazer uma verificação de fatos e produzir as provas necessárias. Além disso, devem submeter relatórios detalhando suas conclusões, podendo apresentar também sugestões e recomendações.

O entendimento de que o Supremo Tribunal pode indicar peritos ou constituir as comissões de investigação foi consolidado no caso Bandua Mukti Morcha v. Union of India, julgado em 1983. Uma carta foi escrita para o Tribunal, alegando que trabalhadores em minas, em diferentes estados do país, viviam em situações degradantes e semelhantes à escravidão, tendo que trabalhar para pagar dívidas suas ou de familiares (MATE, 2010MATE, Manoj. Two Paths to Judicial Power: The Basis Structure Doctrine and Public Interest Litigation in Comparative Perspective. San Diego International Law Journal, v. 12, p. 175-222, 2010., p. 198). O autor da carta, que foi transformada em uma PIL, afirmava que o governo indiano estava violando a sua obrigação constitucional de proteger os direitos dos trabalhadores e abolir o trabalho análogo à escravidão.

A primeira decisão do caso foi proferida em dezembro de 1983. O Tribunal nomeou dois advogados como comissários para visitar as minas apontadas na carta e produzir um relatório. Também nomeou um médico para conduzir uma investigação das condições de trabalho e apresentar um plano de melhoria dessas circunstâncias. Ao proferir a decisão, enfrentou o argumento do governo de que o Judiciário não poderia nomear peritos ou formar comissões de investigação. Para isso, fundamentou a possibilidade de utilização de comissões sociojurídicas em dois artigos da Constituição: o artigo 326 6 “32. Remedies for enforcement of rights conferred by this Part.—(1) The right to move the Supreme Court by appropriate proceedings for the enforcement of the rights conferred by this Part is guaranteed. (2) The Supreme Court shall have power to issue directions or orders or writs, including writs in the nature of habeas corpus, mandamus, prohibition, quo warranto and certiorari, whichever may be appropriate, for the enforcement of any of the rights conferred by this Part.”. (ÍNDIA, 1950, p. 32). , que concede amplos poderes ao Tribunal para desenvolver remédios efetivos na proteção de direitos fundamentais o artigo 2267 7 “226. Power of High Courts to issue certain writs.—(1) Notwithstanding anything in article 32, every High Court shall have power, throughout the territories in relation to which it exercises jurisdiction, to issue to any person or authority, including in appropriate cases, any Government, within those territories directions, orders or 5 [writs, including writs in the nature of habeas corpus, mandamus, prohibition, quo warranto and certiorari, or any of them, for the enforcement of any of the rights conferred by Part III and for any other purpose.] (2) The power conferred by clause (1) to issue directions, orders or writs to any Government, authority or person may also be exercised by any High Court exercising jurisdiction in relation to the territories within which the cause of action, wholly or in part, arises for the exercise of such power, notwithstanding that the seat of such Government or authority or the residence of such person is not within those territories.”. (ÍNDIA, 1950, p. 87). , que estende esses mesmos poderes aos Tribunais Regionais. Na ocasião, o Tribunal afirmou que:

Se o Supremo Tribunal adotasse uma abordagem passiva e se recusasse a intervir em tal caso porque o material relevante não foi produzido pela parte que busca sua intervenção, os direitos fundamentais permaneceriam meramente uma ilusão provocadora para os segmentos pobres e desfavorecidos da comunidade. É por esta razão que o Supremo Tribunal desenvolveu a prática de nomear comissões com o objetivo de reunir fatos e dados relativos a uma denúncia de violação de direito fundamental feita em nome de camadas mais frágeis da sociedade. O Relatório do comissário forneceria evidência prima facie dos fatos e dados recolhidos pelo comissário, e é por isso que o Supremo Tribunal tem o cuidado de nomear uma pessoa responsável como comissário para fazer um inquérito ou investigação sobre os fatos relacionados à denúncia8 8 “If the Supreme Court were to adopt a passive approach and decline to intervene in such a case because relevant material has not been produced before it by the party seeking its intervention, the fundamental rights would remain merely a teasing illusion so far as the poor and disadvantaged sections of the community are concerned. It is for this reason that the Supreme Court has evolved the practice of appointing commissions for the purpose of gathering facts and data in regard to a complaint of breach of fundamental right made on behalf of the weaker sections of the society. The Report of the commissioner would furnish prima facie evidence of the facts and data gathered by the commissioner and that is why the Supreme Court is careful to appoint a responsible person as commissioner to make an inquiry or investigation into the facts relating to the complaint.”. (ÍNDIA, 1983, p. 10).

Nos anos seguintes, o Tribunal seguiria utilizando comissões para monitorar reformas estruturais e para obter dados técnicos sobre o problema, permitindo uma intervenção judicial fundamentada. Exemplo disso ocorreu no caso M.C. Mehta v. Union of India (ÍNDIA, 1986). O Tribunal permitiu a reabertura de uma unidade da empresa Shriram, após um grande vazamento de gás em uma populosa área de Delhi. Como condições para a reabertura, diversas melhorias de infraestrutura, práticas de segurança e capacitação profissional deveriam ser realizadas. Para estabelecer essas medidas, utilizou as recomendações de quatro diferentes comissões técnicas. Após a decisão, formou um comitê independente para monitorar a indústria a cada duas semanas, bem como determinou que um inspetor do governo local fizesse visitas surpresa uma vez por semana (CASSELS, 1989CASSELS, Jamie. Judicial activism and public interest litigation in India: Attempting the impossible?. The American Journal of Comparative Law, v. 37, n. 3, p. 495-519, 1989., p. 506).

No caso Godavarman (ÍNDIA, 1996, p. 3), que tratava sobre a proteção e gerenciamento das florestas da Índia e foi um dos mais importantes da segunda fase da PIL, um poderoso comitê foi formado para investigar as alegações das partes e monitorar a implementação das ordens judiciais. O Supremo Tribunal e a Comissão se tornaram tão envolvidos com a gestão das florestas do país que chegaram a ser ironicamente chamados de novos Ministros das Florestas (MATE, 2010MATE, Manoj. Two Paths to Judicial Power: The Basis Structure Doctrine and Public Interest Litigation in Comparative Perspective. San Diego International Law Journal, v. 12, p. 175-222, 2010., p. 203-204).

Por fim, vale ressaltar a utilização das comissões no caso People’s Union for Civil Liberties (PUCL) vs. Union of India (ÍNDIA, 2007), considerado um dos maiores sucessos do Supremo Tribunal. A PUCL ajuizou uma PIL em 2001, apresentando uma grave situação de mortes por fome no país, enquanto os reservatórios de comida estavam com níveis elevados. O Tribunal reconheceu que o combate à fome é um dos deveres do Estado, proferindo decisões por mais de uma década e monitorando o seu cumprimento. O monitoramento foi feito por meio de comissários que deveriam acompanhar a implementação das ordens, junto com assistentes fornecidos pelos governos estaduais (PODDAR; NAHAR, 2017PODDAR, Mihika; NAHAR, Bhavya. “Continuing Mandamus” - A Judicial Innovation to Bridge the Right-Remedy Gap. NUJS Law Review, v. 10, p. 555-608, 2017., p. 596-600). Os comissários deveriam monitorar e produzir relatórios detalhados, recomendando medidas a serem adotadas. Além disso, um Comitê com amplos poderes foi formado, com a atribuição de propor medidas para superar as lacunas do sistema de distribuição de comida e recomendar reformas.

Cientes de como as comissões sociojurídicas de investigação são utilizadas, resta saber o que o Brasil pode aprender com a experiência indiana.

3.2. A importância das comissões para a implementação de reformas estruturais

Apresentada a criação e o desenvolvimento das comissões de investigação, resta saber quais as suas potenciais contribuições para os processos estruturais no Brasil. Defende-se que a utilização pode mitigar as duas dimensões da crítica da incapacidade técnica do Judiciário, ou seja, o argumento de que os juízes não têm conhecimento técnico para intervir em políticas públicas e de que não possuem recursos e disponibilidade para monitorar a implementação de uma decisão judicial.

Primeiro, analisemos como as comissões podem ajudar com a primeira parte da crítica. Em um processo estrutural dialógico, o juiz não se vê como o detentor de todas as respostas para a reforma estrutural (CASIMIRO; MARMELSTEIN, 2022CASIMIRO, Matheus; MARMELSTEIN, George. Meaningful engagement: South African contributions to structural litigation in Brazil. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, v. 20, n. 33, p. 165-201, jan./abr. 2022., p. 186-188). Na verdade, ele está consciente de que não dispõe dos conhecimentos técnicos necessários para transformar realidades de graves violações a direitos fundamentais. O seu papel é identificar a falha estrutural, determinar os direitos fundamentais violados, quais as obrigações do Poder Público e fixar a obrigação de criar um plano de superação do problema.

Ainda assim, pode ser necessário estabelecer medidas emergenciais para proteger direitos do grupo em questão. Não se trata de construir toda uma política pública, mas de fixar medidas pontuais e temporárias em circunstâncias que, se não tratadas de imediato, gerarão uma lesão irremediável ao direito em questão. Dorf e Sabel (1998DORF, Michael C.; SABEL, Charles F. A constitution of democratic experimentalism. Columbia Law Review, p. 267-473, 1998., p. 453) as chamam de “medidas profiláticas”, possuindo caráter temporário e adotadas para proteger os grupos mais vulneráveis enquanto os atores envolvidos no litígio desenvolvem a solução definitiva para o problema a partir das medidas já estabelecidas. Nesses casos, é importante que o juiz não dê um passo no escuro e esteja munido de informações técnicas. Uma comissão integrada por especialistas no problema estrutural pode ajudar nessa tarefa, fornecendo ao juiz dados técnicos para fundamentar a sua decisão.

Além disso, tem sido comum, em ações estruturais ajuizadas no STF, a parte autora formular o pedido de que o Tribunal complemente o plano elaborado pelo Executivo com as medidas que achar necessárias. Esse pedido foi expressamente formulado na ADPF nº 347 (BRASIL, 2015, p. 70-73). Isso poderia dar uma carta em branco ao Tribunal, que, desprovido de conhecimentos técnicos sobre o problema enfrentado, alteraria o plano construído pelos órgãos competentes.

No entanto, o cenário muda caso os juízes estejam assessorados por uma comissão de especialistas. Na Índia, essas comissões não só verificam a ocorrência dos fatos alegados pelas partes, mas monitoram a superação do problema estrutural e podem sugerir novas medidas a serem implementadas pelo Poder Público. Se um órgão judicial, como o STF, precisar acrescentar novas medidas ao plano apresentado, para que este possa ser homologado, ou desejar sugerir medidas ao longo da execução do plano, é melhor que esteja munido de informações técnicas, fornecidas por especialistas imparciais. Nesse sentido, as comissões de investigação podem mitigar a primeira crítica.

Mas as contribuições não param aí. As comissões também podem diminuir a preocupação com a segunda parte da crítica, ou seja, o argumento de que o Judiciário não possui condições para supervisionar a implementação de reformas estruturais. O monitoramento de uma decisão estrutural é fundamental para assegurar a transformação do estado de coisas violador de direitos fundamentais (RODRÍGUEZ-GARAVITO, 2019RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Empowered Participatory Jurisprudence. The Future Of Economic And Social Rights, [s.l.], p. 233-258, abr. 2019., p. 235-236). Sem esse acompanhamento, a decisão pode ter apenas um efeito retórico, sendo, na verdade, uma declaração ineficaz de direitos, deixando o grupo vulnerável em questão à mercê das circunstâncias (SERAFIM; FRANÇA; NÓBREGA, 2021SERAFIM, Matheus Casimiro Gomes; FRANÇA, Eduarda Peixoto da Cunha; NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. Processos estruturais e direito à moradia no Sul Global: contribuições das experiências sul-africana e colombiana. Revista Opinião Jurídica (Fortaleza), v. 19, n. 32, p. 148-183, 2021., p. 176). Como visto no tópico anterior, a utilização de comissões técnicas permite que o Judiciário obtenha dados empíricos confiáveis e monitore a implementação do plano de ação, sem onerar excessivamente o juiz, que receberá os relatórios da comissão.

O monitoramento judicial é fundamental não só para promover ajustes no plano de ação, mas para proporcionar um dos principais efeitos dos processos estruturais: a transparência (SABEL; SIMON, 2004SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization rights: How public law litigation succeeds. Harvard Law Review, v. 117, p. 1016-1101, 2004., p. 1077). O Executivo, ainda que retenha a atribuição de formular os detalhes das políticas públicas necessárias para realizar a reforma estrutural, deve apresentar justificativas técnicas para as suas escolhas (SCOTT; STURM, 2006SCOTT, Joanne; STURM, Susan. Courts as catalysts: re-thinking the judicial role in new governance. Columbia Journal of European Law, v. 13, p. 565-594, 2006., p. 583-584). Essas justificativas não devem ser apresentadas apenas quando a primeira versão do plano é formulada, mas na medida em que ele é reavaliado e modificações são feitas9 9 O primeiro plano apresentado para superar um problema estrutural não costuma ser o último. Isso porque não se sabe em que medida os seus objetivos serão alcançados e quais novas circunstâncias influenciarão o caso (VIOLIN, 2019. p. 192). Por isso, é importante reter a jurisdição sobre o caso e monitorar a reforma estrutural. . As comissões técnicas podem fornecer informações importantes para o Judiciário, que, com base nesses dados, pode avaliar as justificativas dadas pelos órgãos executivos e sugerir medidas complementares.

Decisões estruturais do Supremo Tribunal Federal (STF) têm determinado a formação de comitês semelhantes aos encontrados na experiência indiana. Exemplos disso são a ADPF nº 709 (BRASIL, 2020aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709. Decisão monocrática sobre os pedidos cautelares. Relator: Ministro Luis Roberto Barroso. Diário Oficial da União. Brasília, 2020a. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343710124&ext=.pdf. Acesso em: 31 out. 2020.
http://portal.stf.jus.br/processos/downl...
) e 742 (BRASIL, 2020bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 742. Decisão monocrática sobre os pedidos cautelares. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário Oficial da União. Brasília, 2020b. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6001379. Acesso em: 26 jun. 2021.
http://portal.stf.jus.br/processos/detal...
), que tratam, respectivamente, da proteção de grupos indígenas e quilombolas durante a pandemia de COVID-19. Nas duas ações, o STF determinou a criação de comitê composto por órgãos técnicos e representantes das comunidades indígenas e quilombolas, que deveriam, junto à União, elaborar um plano de ação e monitorar a sua implementação.

Há também recente exemplo na Ação Civil Pública nº 5012843-56.2021.4.04.7200/SC, que requer a adoção de medidas estruturais para a implementação de um sistema de governança socioecológica de gestão da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. No julgamento dos pedidos liminares, o juízo de primeira instância determinou a criação da Câmara Judicial de Proteção da Lagoa da Conceição, com a finalidade de assessorar o juízo na adoção das medidas estruturais necessárias (SANTA CATARINA, 2021, p. 4).

Apesar desses avanços, a utilização de comissões técnicas em processos estruturais não é uma prática amplamente difundida no País, especialmente nos que estão em trâmite em primeira e segunda instância. As ações estruturais do STF, ainda que sejam de grande importância, são apenas a ponta do iceberg. A criação de comissões técnicas de monitoramento, com capacidade para sugerir medidas a serem implementadas, pode contribuir com os processos estruturais no STF e em instâncias inferiores, mitigando a crítica da incompetência técnica.

Considerações finais

Apesar de pouco estudada no Brasil, a experiência indiana pode fornecer importantes contribuições para os processos estruturais no País.

Vimos que a atuação do Supremo Tribunal da Índia, a partir de 1979, foi fundamental para a criação da PIL e para a ampliação do acesso à justiça, permitindo que grupos pobres e vulneráveis levassem os seus litígios até o Judiciário. Para isso, alguns procedimentos foram flexibilizados, como a regra do locus standi e as tradicionais formalidades de uma petição escrita. A maior maleabilidade processual fez com que os processos de interesse público produzissem mais efeitos coletivos sistêmicos, favorecendo os grupos mais pobres.

Mas o Tribunal também percebeu que, para alcançar o potencial transformador da Constituição de 1950, não seria suficiente flexibilizar o acesso ao Judiciário. Afinal, o acesso à justiça envolve levar o litígio à apreciação judicial, mas não termina aí. É preciso que os direitos fundamentais violados obtenham a tutela adequada. Dessa forma, decidiu manter a sua jurisdição sobre alguns casos relevantes, acompanhando a implementação das reformas estruturais que deveriam ser realizadas.

É aqui que podemos encontrar a grande contribuição da experiência indiana. Para não proferir decisões de caráter retórico, produtoras apenas de efeitos simbólicos, o Supremo Tribunal da Índia passou a apontar comissões sociojurídicas de investigação, integradas por especialistas no objeto do litígio e com competência para produzir provas, monitorar a implementação de reformas e sugerir medidas complementares a serem adotadas pelo Executivo.

Como visto no primeiro tópico do artigo, a crítica da incompetência técnica do Judiciário é justificada e precisa ser enfrentada. Por um lado, o juiz, realmente, não possui condições de monitorar pessoalmente a implementação de uma decisão estrutural, tampouco possui o conhecimento técnico necessário para formular políticas públicas. Por outro, uma decisão que apenas anuncie direitos, sem apontar objetivos e parâmetros normativos para o Executivo, e que não estabeleça mecanismos de monitoramento, dificulta a produção de efeitos concretos para o grupo afetado pelo problema estrutural.

A experiência indiana com as comissões de investigação mostra como é possível contornar esse dilema com soluções criativas, que forneçam ao juiz os dados técnicos e o suporte necessário à tarefa de monitoramento. Ainda que comitês semelhantes tenham sido recentemente adotados no País, essa é uma prática ainda pouco utilizada, especialmente em processos estruturais em instâncias inferiores. O caminho trilhado pelo Supremo Tribunal da Índia mostra a importância de ampliar a utilização de comissões técnicas de investigação e monitoramento no Brasil.

Referências bibliográficas

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  • VITORELLI, Edilson. Processo Civil Estrutural: teoria e prática. Salvador: Juspodivm, 2020
  • 1
    Segundo Rodríguez-Garavito (2011, p. 1675-1676), as decisões estruturais possuem uma dupla dimensão. A primeira dimensão é a concreta, relacionada ao grau de cumprimento das medidas estabelecidas pelo juiz. Por outro lado, a decisão também tem uma dimensão simbólica. Independentemente do grau de cumprimento das medidas estabelecidas, a decisão contribuiu para publicizar demandas até então ignoradas pela sociedade e pelo Poder Público? Fortaleceu o grupo beneficiado pela decisão e conseguiu apoio da opinião pública? São questionamentos relevantes para compreender a dimensão simbólica.
  • 2
    Segundo Klare, o conceito de constitucionalismo transformador pode ser compreendido como um projeto de longo prazo, no qual as instituições públicas têm o dever constitucional de transformar a realidade política e social do país, fazendo com que as relações de poder sejam mais democráticas, participativas e igualitárias. Dessa forma, o texto constitucional olha tanto para o passado, quanto para o futuro. Olha para o passado ao pretender transformar uma realidade histórica de desigualdades sociais. E olha para o futuro ao fixar as diretrizes e os valores que devem nortear o Estado na construção de uma sociedade mais justa. (KLARE, 1998KLARE, Karl E. Legal culture and transformative constitutionalism. South African Journal on Human Rights, v. 14, n. 1, p. 146-188, 1998., p. 150).
  • 3
    “WE, THE PEOPLE OF INDIA, having solemnly resolved to constitute India into a 1 [SOVEREIGN SOCIALIST SECULAR DEMOCRATIC REPUBLIC] and to secure to all its citizens: JUSTICE, social, economic and political; LIBERTY of thought, expression, belief, faith and worship; EQUALITY of status and of opportunity; and to promote among them all FRATERNITY assuring the dignity of the individual and the 2 [unity and integrity of the Nation] [...]”. (ÍNDIA, 1950, p. 22).
  • 4
    A doutrina da estrutura básica da Constituição foi criada pelo Supremo Tribunal no julgamento do caso Kasavananda, em 1973, como tentativa de limitar o poder do Parlamento de reformar a Constituição. Na prática, o Supremo Tribunal criou uma lista não taxativa de cláusulas pétreas, limitando decisões majoritárias que ameacem elementos essenciais à Constituição de 1950, como a supremacia da Constituição, separação de poderes, independência judicial, federalismo, laicidade estatal, entre outros. (MATE, 2010MATE, Manoj. Two Paths to Judicial Power: The Basis Structure Doctrine and Public Interest Litigation in Comparative Perspective. San Diego International Law Journal, v. 12, p. 175-222, 2010., p. 183-185).
  • 5
    “The moral of this story is that if the judiciary does not exercise restraint and over-stretches its limits there is bound to be a reaction from politicians and others. The politicians will then step in and curtail the powers, or even the independence, of the judiciary (in fact the mere threat may do, as the above example demonstrates). The judiciary should, therefore, confine itself to its proper sphere, realizing that in a democracy many matters and controversies are best resolved in non-judicial setting.”.
  • 6
    “32. Remedies for enforcement of rights conferred by this Part.—(1) The right to move the Supreme Court by appropriate proceedings for the enforcement of the rights conferred by this Part is guaranteed. (2) The Supreme Court shall have power to issue directions or orders or writs, including writs in the nature of habeas corpus, mandamus, prohibition, quo warranto and certiorari, whichever may be appropriate, for the enforcement of any of the rights conferred by this Part.”. (ÍNDIA, 1950, p. 32).
  • 7
    “226. Power of High Courts to issue certain writs.—(1) Notwithstanding anything in article 32, every High Court shall have power, throughout the territories in relation to which it exercises jurisdiction, to issue to any person or authority, including in appropriate cases, any Government, within those territories directions, orders or 5 [writs, including writs in the nature of habeas corpus, mandamus, prohibition, quo warranto and certiorari, or any of them, for the enforcement of any of the rights conferred by Part III and for any other purpose.] (2) The power conferred by clause (1) to issue directions, orders or writs to any Government, authority or person may also be exercised by any High Court exercising jurisdiction in relation to the territories within which the cause of action, wholly or in part, arises for the exercise of such power, notwithstanding that the seat of such Government or authority or the residence of such person is not within those territories.”. (ÍNDIA, 1950, p. 87).
  • 8
    “If the Supreme Court were to adopt a passive approach and decline to intervene in such a case because relevant material has not been produced before it by the party seeking its intervention, the fundamental rights would remain merely a teasing illusion so far as the poor and disadvantaged sections of the community are concerned. It is for this reason that the Supreme Court has evolved the practice of appointing commissions for the purpose of gathering facts and data in regard to a complaint of breach of fundamental right made on behalf of the weaker sections of the society. The Report of the commissioner would furnish prima facie evidence of the facts and data gathered by the commissioner and that is why the Supreme Court is careful to appoint a responsible person as commissioner to make an inquiry or investigation into the facts relating to the complaint.”.
  • 9
    O primeiro plano apresentado para superar um problema estrutural não costuma ser o último. Isso porque não se sabe em que medida os seus objetivos serão alcançados e quais novas circunstâncias influenciarão o caso (VIOLIN, 2019VIOLIN, Jordão. Processos estruturais em perspectiva comparada: a experiência norte americana na resolução de litígios policêntricos. 2019. 256 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.. p. 192). Por isso, é importante reter a jurisdição sobre o caso e monitorar a reforma estrutural.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2021
  • Aceito
    02 Fev 2022
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