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A PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NA ITALIA TESTEMUNHO DE UM AUTOR: ENTREVISTA COM ROBERTO SANI

Com o intenso processo de internacionalização das universidades e das pesquisas vinculadas a programas de pós-graduação e a grupos de pesquisadores, cada vez mais é premente prospectar e divulgar os diferentes espaços constituídos para estudos na área de História da Educação.

Em 2014 Stephanou e Bastos publicaram a entrevista com Pierre Caspard1 1 Ver http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/44275/_13. , sobre sua trajetória na área de História da Educação na França. Seguindo perspectiva similar, neste número publica-se a entrevista realizada com o professor dr. Roberto Sani, na Universidade de Macerata/Itália, em fevereiro de 2016.

Roberto Sani é professor titular de História da Educação no Departimento di Scienze della formazione, dei Beni culturali e del Turismo da Università degli Studi di Macerata, onde dirige o Centro di studi e documentazione sulla storia dell'Università. Fundou e dirige a revista History of Education & Children's Literature (2006). Fundou e integra o Centro di documentazione e ricerca sulla storia del libro scolastico e della letteratura per l'infanzia/Cesco (2004). Foi reitor da Universidade de Macerata, no período de 2003 a 2010, e presidiu a Conferenza dos Reitores das Universidades de Marche - Macerata, Camerino, Urbino e Ancona.

No âmbito da pesquisa tem por temas de estudo: a) papel do sexo masculino e do sexo feminino no ensino nos institutos religiosos voltados à disseminação da educação popular e em instituições de ensino entre séculos 19 e 20; b) os processos educacionais e culturais promovidos pela Companhia de Jesus durante a experiência missionária dos séculos 16 e 17; c) a evolução da família e educação familiar na Europa moderna e contemporânea; d) as publicações e os manuais escolares em Itália durante o período liberal e era fascista; e) o papel desempenhado pela escola e educação popular no processo de construção da identidade nacional após a unificação e na promoção dos valores constitucionais e democráticos na República italiana; f) as origens e desenvolvimento precoce de educação especial, com particular atenção à educação de surdos, na Itália e na Europa nos séculos 18 e 19.

É autor de inúmeras obras, capítulos e artigos sobre a História da Educação e da instituição escolar na época moderna e contemporânea e sobre a política escolar italiana nos séculos 19 e 20.

Suas mais recentes publicações são: Tra disciplinamento sociale ed educazione alla cittadinanza: l'insegnamento dei Diritti e Doveri nelle scuole dell'Italia unita (1861-1900) (Ascenzi; Sani, 2016); Oscuri martiri, eroi del dovere: memoria e celebrazione del maestro elementare attraverso i necrologi pubblicati sulle riviste didattiche e magistral nel primo secolo dell'Italia unita (1861-1961) (Ascenzi; Sani, 2016); Dizionario biografico dell'educazione 1800-2000 (Chiosso, Sani, 2013, 2 vol.); Sub specie educationis: studi e ricerche su istruzione, istituzioni scolastiche e processi culturali e formativi nell'Italia contemporanea (2011); Unum ovile et unus pastor: la Compagnia di Gesù e l'esperienza missionaria di Padre Matteo Ricci in Cina tra reformatio ecclesiae e inculturazione del Vangelo (2010); Ad Maiorem Dei Gloriam: Istituti religiosi, educazione e scuola nell'Italia moderna e contemporanea (2009); L'educazione dei sordomuti nell'Italia dell'800: Istituzioni, metodi, proposte formative (2008), Il libro per la scuola tra idealismo e fascismo (2005); La civiltà cattolica e la politica italiana nel secondo dopoguerra (1945-1958) (2004).

É um pesquisador engajado em grupos locais, nacionais e internacionais; preocupado com a pesquisa documental e a constituição de acervos e repertórios. A entrevista é um estímulo aos pesquisadores de ofício e aos aprendizes de feiticeiros.

TESTEMUNHO DE UM AUTOR ENTREVISTA COM ROBERTO SANI

1) Gostaria de iniciar esta entrevista com as suas lembranças pessoais: como nasceu o seu interesse pela História da Educação e quais foram as principais etapas da sua carreira acadêmica?

Inscrevi-me na Faculdade de Magistério, atualmente Ciências da Formação, da Universidade de Roma La Sapienza no outono de 1977 e saí de lá quatro anos depois, em 14 de julho de 1981, com uma licenciatura em Pedagogia obtida com as notas máximas e o louvor discutindo uma tese em História Contemporânea com o prof. Pietro Scoppola, coorientador era o historiador do cristianismo contemporâneo prof. Andrea Riccardi, sobre o tema: La civiltà cattolica e a política italiana no segundo pós-guerra, posteriormente publicada, em 1986, na prestigiada coleção História contemporânea da editora Morcelliana de Bréscia dirigida por Gabriele De Rosa, com o título De De Gasperi a Fanfani: la civiltà cattolica e o mundo católico italiano no segundo pós-guerra (1945-1962).

No mesmo período, frequentei o Instituto de Ciências Religiosas e a Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, realizando, entre outros, os cursos de História da Igreja moderna e contemporânea, ministrados à época pelo grande historiador jesuíta padre Giacomo Martina.

Depois da licenciatura, enquanto eu esperava pela revisão da tese para a sua publicação, sob a direção de Pietro Scoppola e de Andrea Riccardi, tive a oportunidade de dar os primeiros passos na pesquisa e de me tornar conhecido da comunidade científica italiana, participando com uma série de comunicações e de verdadeiras e próprias palestras, como se dizia na época, em alguns importantes congressos de história, nacionais e internacionais. Situam-se nesta mesma fase algumas importantes estadas de estudo e de pesquisa no exterior - França, Bélgica, Espanha, etc. - e, sobretudo, o encontro e a colaboração com estudiosos destinados a exercerem uma notável influência no meu amadurecimento intelectual: lembro, entre outros, os franceses Émile Poulat -École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris -, e Jean-Dominique Durand -Universidade de Lyon 3 -, o espanhol Vicente Faubell Zapata - Pontifícia Universidade de Salamanca - e os italianos Giacomo Martina - Pontifícia Universidade Gregoriana -, Massimo Petrocchi e Gabriele De Rosa - Universidade de Roma La Sapienza -, Danilo Veneruso - Universidade dos Estudos de Gênova - e Francesco Traniello - Universidade dos Estudos de Turim.

A minha chegada na qualidade de pesquisador de História da Pedagogia à Faculdade de Magistério da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, na segunda metade dos anos 1980, foi bastante casual. Na origem de tal evento devem ser postas uma série de razões. A primeira delas foi a decisão do meu mestre Pietro Scoppola de suspender provisoriamente o ensino e a atividade acadêmica para se empenhar na política. O sempre maior envolvimento na atividade parlamentar de Scoppola, a partir de 1983, contribuiu indubitavelmente para tornar mais incerta e problemática a minha colaboração com a cátedra de História Contemporânea e, mais em geral, com o Instituto de Ciências Históricas da Universidade de Roma, levando-me a buscar novos interlocutores e uma colocação acadêmica diferente. Neste sentido foi-me de grande auxílio o próprio estudioso, agora senador, o qual se tornou apoiador, com Andrea Riccardi, do meu envolvimento direto num projeto de pesquisa nacional, coordenado pelo prof. Luciano Pazzaglia, da Universidade Católica de Milão, sobre as realizações da Igreja e dos católicos italianos em âmbito educativo e escolar na Itália dos séculos 19 e 20, projeto que, à época, embora recém-iniciado, já tinha mostrado as enormes potencialidades ínsitas na colaboração entre os historiadores da pedagogia e da escola e os estudiosos da Igreja e do catolicismo contemporâneo.

O encontro com Luciano Pazzaglia e o início da colaboração com o grupo de historiadores da educação e da escola que faziam parte do Departamento de Pedagogia da Universidade Católica de Milão, entre os quais recordo, especialmente, Luciano Caimi e Giorgio Chiosso, amadureceram neste contexto e resultaram, alguns anos mais tarde, após a aprovação no concurso para pesquisador universitário na Católica, na minha transferência em caráter estável a Milão. Milão, na realidade, teria sido apenas a primeira etapa de um longo e articulado itinerário acadêmico destinado a tocar várias sedes e aportar, depois, no pequeno ateneu de Macerata.

Depois de pouco mais de três anos da nomeação como pesquisador na Católica, estando entre os vencedores do concurso nacional, em novembro de 1992 deixei, pela primeira vez Milão, para assumir, na qualidade de professor de segunda classe de História da Escola, na Faculdade de Magistério da Universidade dos Estudos de Gênova. De tal sede, em novembro de 1995, na conclusão do triênio de confirmação no cargo, fui chamado novamente à Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão como professor associado de História da Pedagogia na Faculdade de Ciências da Formação. Um quinquênio mais tarde, em março de 2000, conseguia a idoneidade no procedimento de avaliação comparativa a uma vaga de professor de primeira classe e nos meses seguintes, como lembrava acima, era chamado a ocupar a cátedra de História da Educação na Universidade dos Estudos de Macerata.

2) O seu percurso é complexo e articulado. Em torno a quais temas de pesquisa centrou, inicialmente, a sua atenção? Quais estudiosos encontrou e influenciaram particularmente a sua caracterização historiográfica?

Na capital lombarda, como membro da Seção Histórica do Departamento de Pedagogia da Católica, seria contemporaneamente testemunha e coprotagonista de um ambicioso projeto de renovação da historiografia educativa e escolar realizada, a partir dos primeiros anos 1980, pelo grupo de jovens estudiosos reunidos em torno do prof. Luciano Pazzaglia. Um projeto, deve-se destacar, que imprimiria uma marca indelével na pequisa histórico-pedagógica e educativa no nosso País e abriria caminho a algumas pesquisas de longo termo e indiscutível importância, favorecendo também o surgimento na nossa área de estudos de uma nova geração de pesquisadores, mais qualificada sob a perspectiva metodológica e historiográfica.

Em geral o grupo de pesquisadores ao qual fiz referência acima partilhava com diversos outros estudiosos da época a necessidade de superar a abordagem historiográfica tradicional e de ir além da velha história do pensamento pedagógico e das teorias educativas, para abrir espaço a uma história da educação e da escola considerada no seu significado mais amplo, como história das doutrinas, mas também das instituições, das práticas, dos costumes, da mentalidade, etc. A posição deles, todavia, não se esgotava na instância de uma superação decisiva da quase esgotada historiografia pedagógica de matriz gentiliana2 2 SPADAFORA, Giuseppe (ed.). Giovanni Gentile: la pedagogia, la scuola - atti del convegno di pedagogia (Catania, 12-14 dicembre 1994). Roma: Armando, 1997. , mas articulava-se em uma concepção da história da educação e da escola como âmbito privilegiado para captar e avaliar nas suas características e dimensões a mais geral evolução cultural, civil e religiosa da sociedade italiana dos últimos dois séculos.

A tal respeito os jovens estudiosos do grupo milanês repropunham, adaptando-a ao peculiar cenário histórico-educativo, a clássica intuição de Pietro Scoppola, segundo o qual a história do movimento católico e a própria experiência do catolicismo político na Itália unida deveriam ser estudadas não como uma história em si, ou seja, segundo uma perspectiva meramente autorreferencial, mas, mais corretamente, como parte da mais abrangente história do nosso país.

Uma história, e os estudiosos da Católica de Milão estavam profundamente persuadidos disso, à qual aplicar pesquisadores que dispusessem de uma formação rigorosamente histórica, mas não exclusivamente histórico-pedagógica, ou seja, de uma abordagem interdisciplinar em âmbito histórico. Não só as metodologias de pesquisa eram em larga medida diferentes daquelas próprias da historiografia pedagógica tradicional de marca gentiliana, mas também a documentação e as múltiplas fontes arquivistas e impressas às quais recorrer sugeriam a necessidade de estudiosos dotados de competências não exclusivamente circunscritas ao âmbito pedagógico ou filosófico: um problema de não pouca importância, se só se têm presentes a atenção, embora totalmente episódica e marginal, atribuída nos anos 1980 e 1990, na Itália, aos estudos históricos nos cursos de licenciatura em Pedagogia, para não falar daqueles de filosofia, de onde provinha uma parte relevante dos pesquisadores de âmbito pedagógico, e a abordagem meramente histórico-teorética que caracterizava, naquele mesmo período, uma parte relevante das, embora à época pouco numerosas, cátedras de História da Pedagogia.

Não surpreende a este respeito que, a fim de perseguir o objetivo prioritário de aprofundar, com base em uma série de pesquisas orgânicas de amplo fôlego, o papel exercido pela Igreja e pelo catolicismo na história educativa e escolar italiana dos séculos 19 e 20 como contribuição à mais ampla e aprofundada compreensão da história cultural, social e civil do nosso país, tenha encontrado espaço uma exigência igualmente prioritária, a de constituir uma equipe, um cenáculo de jovens historiadores da pedagogia e da educação na idade moderna e contemporânea dispostos a trabalhar juntos e a fornecer a sua notável contribuição à pesquisa.

Situa-se nestes mesmos anos milaneses, e em especial em 1983, o início, da parte minha, de uma intensa e bastante fecunda colaboração científica e cultural com o prof. Giorgio Chiosso, da Universidade dos Estudos de Turim, destinada a desembocar numa fraterna amizade e em um verdadeiro e próprio empenho comum a dar vida a um ambicioso projeto de renovação cultural e historiográfico da história da pedagogia. Um projeto, deve-se destacar, que extraía inspiração de uma série de instâncias e de convicções que julgávamos de especial significado e importância.

Por exemplo: estávamos totalmente convictos que era preciso deixar definitivamente para trás a tradicional história da pedagogia de tipo gentiliano para dar finalmente espaço a uma história da educação e da escola considerada no seu significado mais amplo, como história das instituições, das práticas, dos costumes, da mentalidade, etc. Estávamos igualmente convictos, todavia, que uma tal tarefa, para não se esgotar em pouco tempo e não ficar de algum modo confinada ao âmbito da dimensão confessional - o papel exercido pela Igreja e pelo catolicismo em âmbito educativo e escolar - deveria se abrir a objetivos e horizontes mais amplos, isto é, destinados a criar as premissas para a promoção de uma séria e estruturada organização da pesquisa na área histórico-pedagógica, organização que, naqueles anos, na Itália, ainda era amplamente escassa.

Refiro-me ao desenvolvimento de instrumentos indispensáveis para uma investigação em condições de ir além das sínteses apressadas e superficiais e de fornecer contribuições de alto perfil: repertórios bibliográficos, coletâneas de fontes, estudos prosopográficos, pesquisas históricas com base local e de caráter setorial, etc., bem como à promoção de uma nova sensibilidade entre os estudiosos da área, graças à qual teria sido possível não somente ampliar e afinar as competências metodológicas e historiográficas de pesquisadores que tinham recebido uma formação mais filosófica e pedagógica do que autenticamente histórica, mas também favorecer - contra o tradicional estilo de trabalho individualista típico do estudioso de área humanista italiano - a capacidade de trabalhar em equipe e o gosto por empenhar-se em pesquisas de grande fôlego, as quais requerem a colaboração de amplas e qualificadas redes de especialistas, a exemplo do que acontecia, há décadas, em outros países europeus - França, Espanha e Grã-Bretanha. Tratava-se, também, de solicitar a toda a comunidade dos historiadores da pedagogia e da educação do nosso país para ampliar os próprios horizontes e buscar sempre mais inspiração nos reconhecidos modelos da historiografia educativa e escolar francesa, espanhola e britânica.

À luz de tais pressupostos encontra explicação o início de uma série de projetos de pesquisa de interesse nacional, cofinanciados pelo Ministério da Educação, da Universidade e da Pesquisa Científica - Miur - e coordenados por Giorgio Chiosso e por mim, os quais tornaram possível a recuperação e a valorização das principais fontes para a história da escola e dos processos formativos no nosso país e a criação de novas e mais sofisticadas abordagens e instrumentos de pesquisa. Bastaria aqui fazer referência à construção de dois vastos repertórios dos periódicos pedagógicos, escolares e magisteriais italianos do século 19 e 20, a criação daqueles dedicados às publicações escolares e educativas na Itália contemporânea, à construção da database Edisco sobre os manuais escolares e os livros-texto relativos às escolas de toda ordem e grau impressos na península de 1800 a hoje, bem como à grande seara de estudos e pesquisas realizados sobre diversos aspectos da instrução e da educação escolar na Itália dos últimos três séculos e, enfim, à crescente realização do monumental Dizionario biografico dell'educazione3 3 CHIOSSO, Giorgio; SANI, Roberto (orgs.). Dizionario biografico dell'educazione 1800-2000. Milano: Editrice Bibliografica, 2013, 2 v. , resultado da colaboração de mais de uma centena de pesquisadores oriundos de diversas universidades italianas, o qual, com os seus 2345 perfis dedicados às múltiplas e variadas figuras que entre os séculos 19 e 20 atuaram no mundo da escola e da educação: pedagogos, professores, autores de livros-texto, jornalistas escolares, fundadores de escolas infantis e de obras assistenciais e educacionais, escritores de literatura infantil, educadores especializados em portadores de necessidades especiais, etc., constitui talvez o fruto mais maduro da renovação historiográfica que marcou a nossa área nas últimas décadas.

As grandes pesquisas às quais se acenou, além de produzirem os resultados científicos supra-indicados, contribuíram fortemente para criar, no decurso das últimas três décadas, uma verdadeira e própria rede nacional de estudiosos e de sedes acadêmicas, a qual, no decurso do tempo, se estratificou e atualmente inclui pelo menos três gerações de pesquisadores e de especialistas da área, dos mais velhos, há um bom tempo na cátedra, e alguns já aposentados, aos mais jovens, compreendidos os doutorandos e os bolsistas de pesquisa. Bastaria aqui lembrar: Maria Cristina Morandini e Paolo Bianchini (Turim), Pino Boero e Davide Montino (Gênova), Carla Ghizzoni, Simonetta Polenghi, Renata Lollo e Sabrina Fava (Católica de Milão), Patrizia Zamperlin, Giuseppe Zago e Fabio Targhetta (Pádua), Giuseppe Bertagna (Bérgamo), Angelo Gaudio (Údine), Franco Bochicchio, Tiziana Pironi e Mirella D'Ascenzo (Bolonha), Carmen Betti, Gianfranco Bandini e Stefano Oliviero (Florença), Giovanni Genovesi e Luciana Bellatalla (Ferrara), Sira Serenella Macchietti e Giuseppe Serafini (Siena-Arezzo), Anna Ascenzi, Raffaele Tumino, Dorena Caroli e Elisabetta Patrizi (Macerata), Gaetano Bonetta (Chieti-Pescara), Furio Pesci (Roma, La Sapienza), Francesco Susi, Carmela Covato, Francesca Borruso e Lorenzo Cantatore (Roma Tre), Franco Trequadrini e Marco Antonio D'Arcangeli (Áquila), Alberto Barausse (Molise), Michela D'Alessio (Potenza), Hervè A. Cavallera (Lecce), Letterio Todaro (Catânia) e Salvatore Agresta (Messina).

3) A sua trajetória historiográfica, depois, aprofundou o papel que, no campo da educação, foi preenchido pelas ordens e pelas congregações religiosas. Qual foi a contribuição mais relevante que tal âmbito de estudos produziu na Itália no decurso destes últimos trinta anos? Quais, além disso, as razões de fundo que motivaram o senhor a aprofundar um filão de estudos por muito tempo negligenciado, senão totalmente ignorado, e não somente na Itália, pelos historiadores da educação?

Nas últimas duas décadas, no quadro das mais gerais pesquisas sobre a vida religiosa e sobre o papel da Igreja e do catolicismo na Itália moderna e contemporânea, dediquei uma atenção crescente ao aprofundamento do realizado e das iniciativas das congregações e das ordens religiosas ligadas à educação, masculinas e femininas, surgidas na Itália e na França na idade moderna e contemporânea, especialmente entre os séculos 16 e 20. Com base em novas fontes e em uma grande seara de documentos inéditos, fruto de acuradas pesquisas arquivistas, analisei, de tais institutos religiosos, não somente os aspectos relativos à vida interna - origens, regras e constituições, espiritualidade dos fundadores, organização, etc. - mas também, e sobretudo, as características e dimensões da sua presença social, ou seja, o papel e a incidência que elas tiveram no campo caritativo-assistencial e naquele mais propriamente educativo e escolar. Entre os numerosos trabalhos que foram publicados sobre este tema limito-me aqui a relembrar: Chiesa, educazione e società nella Lombardia del primo ottocento: Gli Istituti religiosi tra impegno educativo e nuove forme di apostolato (1815-1860) (1996); Sulle orme di Vincenzo de' Paoli: Jeanne-Antide Thouret e le Suore della Carità dalla Francia rivoluzionaria alla Napoli della Restaurazione (2001, em colaboração com P. Arosio); Ad Maiorem Dei Gloriam: istituti religiosi, educazione e scuola nell'Italia moderna e contemporanea (2009); Unum ovile et unus pastor: la Compagnia di Gesù e l'esperienza missionaria di Padre Matteo Ricci in Cina tra reformatio ecclesiae e inculturazione del Vangelo (2010).

Estes trabalhos constituem o fruto de uma intensa fase de pesquisas, na base das quais devem ser destacados alguns impulsos oferecidos pela mais acreditada historiografia italiana e europeia sobre o realizado pelos institutos religiosos de antiga e recente fundação e, mais em geral, sobre as iniciativas educacionais da Igreja na idade moderna e contemporânea. O primeiro impulso diz respeito ao papel, ainda amplamente a aprofundar nas suas múltiplas dimensões e características - instituições, propostas formativas, regimento e métodos didáticos, etc. - exercido pelas ordens religiosas surgidas na Itália e no restante da Europa a partir das primeiras décadas do século 16, no contexto daquela que foi definida como a Reforma católica, não somente na formação da juventude das elites e dos meios aristocráticos e burgueses, mas também nos processos de alfabetização e escolarização das classes populares que marcaram a sociedade do Antigo Regime. Uma história ainda a aprofundar sob o perfil da história educativa e escolar, no âmbito da qual a Igreja, nas suas diversas expressões e articulações, e sobretudo os institutos religiosos, exercem uma função de importância primária. Ao lado dos processos de escolarização, também, as congregações e as ordens religiosas surgidas na época moderna foram promotoras de uma mais completa obra de formação religiosa da juventude de ambos os sexos, de diferentes classes sociais, por meio do recurso a instituições, práticas e iniciativas amplamente estranhas aos contextos e às formas da verdadeira e própria realidade escolar, mas também destinadas a exercer uma notável e difusa incidência sobre a educação ético-civil e sobre o crescimento cultural dos indivíduos e das comunidades: bastaria aqui relembrar o papel exercido por organismos tais como as confrarias leigas ou as congregações marianas e por iniciativas como as práticas litúrgicas e as múltiplas e variadas formas de devoção, pregação e catequese paroquiais: as missões populares.

Um segundo e fundamental impulso veio da questão das mudanças que, após o período revolucionário, marcaram a vida religiosa na Europa e tornaram possível o florescimento de uma grande seara de institutos regulares de vida ativa, os quais elegeram como âmbitos privilegiados, e às vezes exclusivos, do seu apostolado caritativo, os compreendidos na vasta gama da assistência aos enfermos, aos encarcerados e à juventude pobre e marginalizada, da recuperação dos menores em situação de risco e, mais ainda, em risco do ponto de vista moral, do cuidado dos órfãos e da infância abandonada, da instrução e educação civil e religiosa das crianças e jovens de ambos os sexos, da catequese e da animação cristã nas paróquias, bem como à afirmação, sempre no século 19, de uma nova práxis canônica relativamente ao reconhecimento e à aprovação, pela Santa Sé, de fundações femininas baseadas em um novo modelo: a chamada congregação religiosa, instituto centralizado de votos simples, com superiora-geral, dedicado preferencialmente às obras sociais.

Um ulterior impulso historiográfico, enfim, veio das recentes e importantes pesquisas iniciadas nestes últimos anos por historiadores da educação na França, e em outras partes da Europa, sobre o papel exercido pelos novos institutos religiosos surgidos no decurso do século 19 na renovação dos modelos educativos e das instituições e práticas escolares herdadas do Antigo Regime e, mais em geral, nos processos de modernização dos sistemas formativos nacionais que interessaram a Europa dos séculos 19 e 20.

4) No decurso destas últimas décadas a História da Educação, como âmbito de pesquisa, passou, na Itália e não só, por uma significativa mudança paradigmática. De uma abordagem muito ligada aos estudos de matriz idealista passou-se à análise das culturas escolares e da caixa-preta da escola, como a definiu D. Julia. De que modo tal mudança se refletiu nos seus itinerários de investigação e nas iniciativas promovidas?

Acho que posso dizer que o intenso desenvolvimento das pesquisas e dos estudos de história da educação ocorrido no decurso das últimas décadas foi acompanhado por uma série de mudanças substanciais:

  • - a superação definitiva, em primeiro lugar, da perspectiva gentiliana que identificava a história da educação com a história do pensamento e das teorias pedagógicas ou, se quisermos, com a história das filosofias da educação;

  • - uma abertura gradual aos novos endereços da pesquisa histórica europeia e extraeuropeia, com especial referência à experiência da historiografia marxista e aos endereços da social history de matriz anglo-saxônica e da historiografia francesa das Annales;

  • - uma significativa evolução das metodologias de pesquisa e das fontes, que tornou possível a recuperação e a valorização dos arquivos e de tipologias de materiais documentários - iconografia, epistolares e cartáceos, tratados de educação menor, periódicos e revistas para a escola e para os professores, manuais escolares e livros-texto, literatura juvenil, etc. - por longo tempo esquecidos ou totalmente ignorados pelos estudiosos;

  • - a atenção crescente, enfim, a problemáticas e filões de pesquisa realmente novos e, ao mesmo tempo, o recurso a metodologias de pesquisa de tipo quantitativo, completamente ausentes na tradicional abordagem de pesquisa de matriz gentiliana;

  • - a tematização da necessidade, estreitamente correlata com a evolução supralembrada, de uma diferente e mais articulada formação dos pesquisadores calibrada sobre dois elementos característicos da área científico-disciplinar: uma indispensável competência no âmbito das metodologias da pesquisa histórica e da historiografia e uma igualmente significativa e sólida preparação nas ciências da educação.

Num âmbito diferente tudo isso comportou, em primeiro lugar, a necessidade, para os historiadores da educação, de considerar os endereços de fundo, os quadros interpretativos e os resultados obtidos pelos outros ramos da pesquisa histórica - da história política àquela social e econômica, da história das instituições àquela religiosa e dos processos culturais, etc. -, por meio de um processo que viu amadurecer, também na nossa área, uma sempre maior e indispensável sensibilidade a uma abordagem de caráter interdisciplinar às instituições, às práticas e aos processos educativos.

Em segundo lugar a ampliação do horizonte e dos filões e âmbitos de pesquisa, não mais somente as teorias pedagógicas e não somente o âmbito escolar, fez emergir a exigência de uma sempre maior definição dos campos de pesquisa - frequentemente caracterizados por abordagens, metodologias, fontes documentares de natureza particular -, com a consequente e sempre mais marcada especialização da parte dos estudiosos: bastaria aqui fazer referência às macroáreas de pesquisa - história da pedagogia, história da educação, história da escola e dos sistemas formativos, história da literatura infantil ou da literatura juvenil - que atualmente conotam a área na Itália.

Tal rápida e radical evolução, se de um lado permitiu à nossa área científico- disciplinar realizar um inquestionável salto de qualidade na questão do afinamento dos métodos de pesquisa e da ampliação dos filões e das perspectivas de pesquisa, por outro levou ao surgimento de alguns problemas e, num nível diferente, a ameaça de algumas possíveis desvios.

Concretamente o quadro acima descrito produziu uma cada vez mais marcada diferenciação dos itinerários de pesquisa. De fato, de um lado registramos a persistência de uma história da pedagogia old style, de abordagem tradicional, que continua se reconhecendo em um percurso de história das ideias, de história das doutrinas, de história do pensamento pedagógico e das filosofias da educação em sentido clássico, que continua utilizando os instrumentos teóricos e os quadros conceituais característicos da concepção idealista de matriz gentiliana e que atenta constantemente a uma identidade epistemológica forte, a qual todavia apresenta evidentes riscos de abstração e autorreferencialidade, de isolamento - porventura fosse o esplêndido isolamento de quem se sente herdeiro de uma grande, ainda que obsoleta, tradição de estudos e de pesquisas - e de evidente auto-marginalização e irrelevância em relação aos novos endereços e aos mais recentes e significativos filões da historiografia de área italiana e estrangeira. Uma abordagem à história que, inclusive em relação às outras ciências pedagógicas e à pluralidade dos saberes sobre a educação, tem dificuldade de dar conta da complexidade do passado.

Por outro lado, assiste-se ao surgimento de uma história da educação que arrisca constantemente um depauperamento da própria identidade epistemológica em razão, sobretudo, da crescente, e muitas vezes inconsciente, tendência dos historiadores da educação a assimilar e a reproduzir nas suas pesquisas e nos seus estudos os esquemas conceituais, os quadros interpretativos e a abordagem características da história social, da história dos processos culturais, da história política. Este é, sob certos aspectos, um risco análogo àquele que corre uma certa reflexão pedagógica quando assume e torna próprios, também aqui com um certo grau de inconsciência, o arsenal teórico, as categorias interpretativas e o próprio olhar prospectivo de disciplinas tais como a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia Cultural. Caso me permitam a metáfora diria que a história da educação, ou melhor, os historiadores da educação se encontram na difícil situação de quem caminha na crista de uma montanha e é obrigado a manter constantemente um equilíbrio, que não é simples, entre a vertente representada por uma abordagem tradicional, aquela histórico-pedagógica de herança gentiliana, tranquilizadora no âmbito epistemológico, mas totalmente autorreferencial e isolacionista nos limites da irrelevância científica e cultural, ou seja, sem reais e significativas ligações com a evolução da historiografia, e a vertente constituída pelo risco de uma gradual assimilação à história tout court, ou seja, pelo progressivo abandono, ou perda, daquele que é o objeto específico de pesquisa do historiador da educação: os processos, as práticas, os costumes, as instituições e as normas que caracterizaram a educação e a formação nos diversos contextos e nas diferentes fases históricas, bem como as ideias, as teorias e os sistemas doutrinais, a complexa gênese e evolução de um determinado imaginário individual e coletivo em questão.

É neste cenário, sem dúvida bastante complexo e problemático, que é preciso situar a reflexão iniciada, há alguns anos, pelo historiador francês Dominique Julia, o qual, é oportuno lembrar, em uma contribuição intitulada Reflexões sobre a crescente historiografia da educação na Europa: por uma história comparada das culturas escolares4 4 JULIA, Dominique. Riflessioni sulla recente storiografia dell'educazione in Europa: per una storia compa-rata delle culture scolastiche. In: Annali di storia dell'educazione e delle istituzioni scolastiche, 3, 1996, p. 119-148. , traçou um rápido quadro dos novos filões de pesquisa relativos à história da educação e da escola, revelando como, no âmbito de tal área, um papel proeminente deva ser hoje atribuído à análise da cultura escolar, ou seja, ao conjunto dos fatores que marcaram, concretamente, o papel e a atuação desta instituição. Entre as numerosas pistas que se abrem a uma história da cultura escolar, escrevia Julia, três me parecem especialmente fecundas: as normas e as finalidades da escola, o papel desempenhado pela profissionalização do professor, a análise dos conteúdos do ensino e das práticas escolares. Relativamente a estas diversas pistas de pesquisa o historiador francês se detinha a ilustrar aquele que, na sua opinião, era o filão de maior interesse: a história das práticas escolares, a qual, ele notava, tenta individuar, por meio das práticas de ensino atuantes em sala, o núcleo constitutivo de uma renovada história da educação.

Com o auxílio de uma metáfora de caráter aeronáutico Dominique Julia destacava, enfim, como a história das práticas escolares permitia abrir a caixa-preta da escola, ou seja, compreender aquilo que se verifica neste espaço particular. As recentes e significativas pesquisas realizadas em diversos países da Europa - França, Espanha, Itália, Portugal, Bélgica, etc. - e em outras regiões do mundo - América Latina, África, América do Norte, etc. - sobre manuais e sobre livros-texto e sobre história das disciplinas escolares e das práticas didáticas confirmam a centralidade e a indubitável atualidade de uma abordagem à história da escola que, além de nos devolver - seja inclusive em formas às vezes fragmentadas e parciais - a concretude das experiências realizadas, as reais dimensões e características das dinâmicas e dos processos educativos iniciados, a vivência dos sujeitos envolvidos - professores, alunos, etc. -, permite estabelecer novas e mais fecundas ligações entre a história da escola - considerada aqui como história das culturas e das práticas escolares - e a história da infância e dos processos de socialização e de aculturação infantil, por exemplo, ou, num âmbito diferente, a mais abrangente história social.

5) Há dez anos nasceu a revista que você hoje dirige - History of Education and Children's Literature - HECL - que é um ponto de referência fundamental para a pesquisa histórico-educativa a nível mundial. Você pode nos explicar as razões que estiveram na origem do projeto? Considera ainda válidas as motivações que o induziram a promover a iniciativa?

History of Education & Children's Literature - HECL - nasceu da vontade de criar uma revista científica de área capaz de superar as barreiras nacionais e realizar um programa articulado e indubitavelmente ambicioso, o qual poderia ser sintetizado nos seguintes pontos: estabelecer ligações orgânicas entre especialistas da área e grupos de pesquisa atuantes nos diversos países europeus e extraeuropeus; favorecer um profícuo e indispensável confronto no âmbito metodológico e historiográfico e uma igualmente significativa abordagem interdisciplinar aos temas e às problemáticas objeto de estudo; contribuir para a difusão dos mais significativos resultados das pesquisas realizadas a nível nacional e internacional, e, enfim, dar conta da atividade de instituições e organismos especializados que, na Europa e em outros continentes, atuam no campo da documentação e da pesquisa na dupla frente da história da educação, considerada na sua acepção mais ampla, e da história da literatura infantil.

Especificamente a ideia de dar vida a uma revista científica de marcada vocação internacional e indexada nos principais database do mundo nasceu de duas convicções precisas, as quais, na minha opinião, ainda guardam uma indiscutível validade. A primeira - amadurecida bem antes que na Itália tivesse começado o debate sobre a avaliação e a internacionalização da pesquisa e fosse instituída a Agência Nacional de Avaliação do Sistema Universitário e da Pesquisa - refletia a consciência de que na vertente da história da educação e da literatura infantil - o problema, naturalmente, referia-se também aos outros âmbitos das ciências pedagógicas e da área humanista e social - não dispúnhamos ainda, na Itália, de revistas científicas de área com caráter autenticamente internacional e indexadas nos principais database: ISI Web of Science, Scopus, etc. -, em condições, portanto, de atrair as contribuições dos mais qualificados pesquisadores estrangeiros e de nos propormos como competentes pontos de referência para a comunidade científica não só nacional, mas também europeia e extraeuropeia.

Em tempos de crescente e irreversível internacionalização da pesquisa histórico-educativa, a este respeito, o risco que corríamos na Itália era que, a longo termo, a nossa área de estudos se tornasse uma espécie de forçada deslocalização dos canais e dos instrumentos de divulgação dos resultados da própria pesquisa em condições de influenciar, em medida relevante, os filões de pesquisa e de condicionar a própria seleção dos produtos da pesquisa. Em outras palavras, a ausência de revistas científicas italianas entre as de história da educação e da literatura infantil indexadas nos principais database internacionais tornava, de fato, muito problemática e por alguns lados totalmente marginal, a circulação dos estudos de área italianos a nível internacional e, ao mesmo tempo, obrigava os estudiosos da península que aspiravam projetar as suas pesquisas além dos limitados confins nacionais a sujeitarem-se, necessariamente, a critérios de seleção dos artigos às vezes decididamente distantes dos nossos padrões.

A segunda convicção refletia, e reflete, o papel que o grupo de pesquisa promotor de History of Education & Children's Literature se propunha, e se propõe, a exercer. Em 2006, o ano em que a revista começou as suas publicações, a quase totalidade, ou pelo menos uma parte decididamente preponderante, da produção científica - artigos, monografias, etc. - da área da história da educação e da literatura infantil da península era editada em língua italiana, em revistas e em coleções editoriais que não figuravam nos database internacionais. Em uma palavra: tal produção científica era totalmente ignorada fora dos confins nacionais e, portanto, não incidia de modo algum no debate historiográfico internacional.

A criação de History of Education & Children's Literature, a este respeito, testemunha a ambição do grupo de historiadores da educação e da literatura infantil italianos que colaboram com ela de exercer um papel de primeiro plano na renovação dos estudos de área a nível internacional e de se constituírem em ponto de referência para os estudiosos europeus e extraeuropeus da disciplina. Em outras palavras, de garantir uma presença e um papel autenticamente internacionais nas pesquisas de história da educação e da literatura infantil realizadas na Itália, o que significa, em tempos de acelerada e quase já maciça globalização dos estudos não só de área, mas do mais global âmbito humanista, garantir, em perspectiva, a própria possibilidade de uma pesquisa histórico-educativa e de literatura infantil que, no cenário internacional, reflita o trabalho e as experiências de cada pesquisador e das equipes de estudiosos da península.

Posso acrescentar que, atualmente, History of Education & Children's Literature está indexada em numerosos bancos de dados nacionais e internacionais. Em especial, desde 2008, está indexada no banco de dados Scopus, do editor Elsevier, e no banco de dados Ebsco, ao passo que desde 2009 está indexada no banco de dados ISI Web of Science de Thomson Reuters, especificamente em Arts and Humanities Citation Index. Desde 2013, além disso, o fascículo de dezembro de History of Education & Children's Literature é enriquecido por uma bibliografia internacional organizada por Dorena Caroli e por Luigiaurelio Pomante, realizada com a colaboração de algumas dezenas de estudiosos e correspondentes de todo o mundo, a qual é efetuada por meio da abertura de mais de 400 revistas científicas internacionais da área e dos catálogos - monografias, coleções, anais, etc. - de diversas centenas de editores especializados de todo o mundo. No decurso dos anos, enfim, a revista foi ladeada por uma específica coleção editorial internacional: a biblioteca de History of Education & Children's Literature, articulada em três seções: Estudos, Instrumentos e Elencos bibliográficos, a qual, assim como a revista, recebe textos em várias línguas - inglês, francês, espanhol, português, alemão e italiano - e conta, atualmente, com mais de trinta obras publicadas.

6) Você pode nos contar, também, como nasceu a ideia da realização do Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil e do Museu da Escola, da Universidade dos Estudos de Macerata?

Como já recordei, em junho de 2000 fui chamado a assumir a cátedra de História da Pedagogia na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade dos Estudos de Macerata. Aqui, em estreita colaboração com a colega Anna Ascenzi, e, depois, também com a colaboração de um pequeno grupo de jovens pesquisadores chamados a contribuir de várias partes da península - Dorena Caroli, Elisabetta Patrizi, Juri Meda, Marta Brunelli, Luigiaurelio Pomante e Luca Montecchi - encarreguei-me de uma série de iniciativas destinadas a implementar a pesquisa histórico-educativa e a internacionalização dos estudos de área realizados na Universidade de Macerata.

Devo recordar que a situação de verdadeira e própria tabula rasa que caracterizara até àquele momento a disciplina na pequena universidade marchigiana constituía, ao mesmo tempo, um grave limite, ao passo que a ausência de tradição de estudos e de experiências precedentes tornava necessários um projeto de amplo fôlego e uma série de operações de amplo alcance, mas também uma indubitável vantagem, pela possibilidade de realizar ex novo um verdadeiro e próprio laboratório didático e de pesquisa ao redor do qual agregar, com estudiosos de indiscutível prestígio e de fama internacional, também jovens estudiosos de várias proveniências, dos quais pudera apreciar as indubitáveis qualidades científicas e a disponibilidade a colaborar no projeto.

Em fevereiro de 2004, no final de uma longa e complexa fase de gestação, foi constituído, na Universidade de Macerata, o Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil, cujo objetivo era atuar de modo específico em um âmbito da pesquisa histórico-educativa - aquele concernente à edição e à publicação para a escola e a literatura infantil na Itália dos séculos 19 e 20 - que, diante do amplo interesse adquirido a nível internacional, com referência à realidade italiana à época em ampla medida inexplorada.

Dirigido por longo tempo por mim e caracterizado por um comitê científico internacional do qual fazem parte Alberto Barausse (Universidade dos Estudos de Molise, Itália), Vitaly Bezrogov (Institute of Theory and History of Education of Moscow, Rússia) Pino Boero (Universidade dos Estudos de Gênova, Itália), Giorgio Chiosso (Universidade dos Estudos de Turim, Itália), Alain Choppin (Institut National de Recherche Pédagogique, França) Mariella Colin (Université de Caen, França), Agustín Escolano Benito (Universidade de Valladolid, Espanha), Simonetta Polenghi (Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, Itália), Bernat Sureda Garcìa (Universitat de les Illes Baleares, Espanha) e Fang Weiping (Children's Culture Institute of Zhejiang Normal University, China), o Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil objetivou, desde as origens, realizar as seguintes finalidades: a constituição de uma biblioteca especializada que acolhesse a vasta produção de livros de leitura para as escolas fundamentais e de manuais disciplinares para as escolas primárias e secundárias editados na Itália durante os séculos 19 e 20, com especial atenção à fase pós-unitária; a localização, a inventariação e a publicação, na forma de elencos, catálogos históricos, correspondências, edições críticas de textos, coletâneas antológicas, etc., de fontes arquivistas e publicações relativas à história das tipografias e das casas editoras de predominante vocação escolar e educativa, à legislação e à produção, circulação e fruição dos livros-texto, à história das publicações para a infância e a juventude, com especial referência à produção editorial italiana dos séculos 19 e 20; a participação em projetos de pesquisa financiados pela União Europeia, pelo Miur e por outras entidades e organismos de caráter local, nacional e internacional; a acolhida de jovens estudiosos e especialistas da área de todo o mundo para o desenvolvimento de investigações e pesquisas sobre fundos arquivistas e livreiros conservados no Centro; a promoção, também em colaboração com outras instituições científicas e de pesquisa nacionais e internacionais de congressos, seminários, jornadas de estudo, mostras, apresentações de livros etc.; a instituição, enfim, de um doutorado de pesquisa sobre os temas que constituíam o objeto do Centro.

Justamente no âmbito das iniciativas promovidas pelo Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil nascia, a partir do ano acadêmico 2004-2005, o doutorado de pesquisa em História do livro escolar e da literatura infantil, destinado depois a assumir a nova e mais geral denominação History of Education. Tratou-se do primeiro e único curso de doutorado de pesquisa da península italiana dedicado, exclusivamente, à formação de historiadores da educação e da escola, no qual se formou, no arco de uma década, uma nova geração de historiadores da educação.

Em dezembro de 2009, enfim, no Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil da Universidade dos Estudos de Macerata foi instituído o Museu da Escola Paolo e Ornella Ricca, o qual, sob a direção da colega Anna Ascenzi, objetivou, desde as origens, a realização de iniciativas voltadas a promover, entre os alunos das escolas primárias e secundárias, entre os estudantes universitários dos cursos de licenciatura em ciências da educação e da formação, entre os alunos dos cursos de especialização em ensino e entre os professores das escolas de todo tipo e grau, o conhecimento das origens e dos desenvolvimentos do sistema formativo e das instituições escolares da Itália unida, seja por meio de encontros e visitas guiadas, seja, mais especificamente, por meio de atividades didáticas e formativas específicas: seminários, laboratórios, pós-graduações, estágios, etc.

O Museu da Escola Paolo e Ornella Ricca, de Macerata, se dedicou, além disso, a constituir uma rede nacional dos museus da escola, seguindo o modelo do que foi feito com excelentes resultados em outros países - Alemanha, Reino Unido, França, Espanha - bem como a promover, em colaboração com os museus da supracitada rede, uma série de iniciativas dirigidas à realização de verdadeiros e próprios polos periféricos de sistemático recenseamento, coleta, conservação e valorização do patrimônio histórico-educativo nacional e ao desenvolvimento de uma maior sensibilidade do mundo da escola, e mais em geral da sociedade civil, em relação aos bens culturais da educação.

Recentemente, além dos objetivos supralembrados, o grupo de estudiosos reunidos em torno do Museu se empenhou na promoção de uma série de estudos e de pesquisas sobre o papel dos museus da escola e da educação e sobre a pedagogia do patrimônio histórico-educativo, inaugurando, a este respeito, um novo e estimulante filão de pesquisa de relevo internacional.

7) Quais são os principais filões de pesquisa e as contribuições científicas que o Centro ofereceu nestes anos para o desenvolvimento da história da educação?

Naturalmente não é possível mesmo apenas elencar os numerosos e qualificados trabalhos científicos publicados pelos membros do Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil da Universidade dos Estudos de Macerata. Limitar-me-ei, portanto, a recordar que, no decurso destes anos, o grupo de pesquisa de Macerata, coordenado por mim, concentrou a sua atenção numa série de novos filões de pesquisa e em algumas temáticas histórico-educativas ignoradas por muito tempo ou amplamente negligenciadas pela historiografia tradicional, tais como: a história dos manuais educativos e escolares e dos livros-texto e a história das disciplinas escolares, os cadernos de escola como fonte para a história da educação e das práticas formativas, o papel da escola e do associacionismo juvenil na promoção da identidade nacional e da ideia de cidadania, a história da educação especial e das instituições escolares para os surdos, a influência exercida pela imprensa periódica para a infância na formação e mobilização da juventude italiana no século 20, as propostas formativas dos institutos religiosos de ensino, bem como, com específica referência à idade moderna, os tratados educativos e familiares em época humanista e renascentista e no tempo do Concílio de Trento, o papel exercido pelas missões católicas dos séculos 16-18 na renovação cultural e na vida da Igreja e da sociedade europeia, a história da educação e das instituições escolares na Itália do humanismo à idade napoleônica. Mais recentemente, enfim, a história das creches e da educação da primeira infância, a história do associacionismo magisterial e de matriz laica e socialista, a história da luta contra o analfabetismo e do desenvolvimento das escolas rurais e a história do ensino superior e das universidades entre os séculos 19 e 20.

7.1) As pesquisas iniciadas sobre a história do livro escolar representaram um ponto bastante relevante no panorama da pesquisa histórico-educativa. Quais foram, na sua opinião, os resultados mais férteis de tal análise? Considera esgotado o âmbito de pesquisa, ou reputa que haja espaços para ulteriores aprofundamentos?

Como destacou recentemente a colega Anna Ascenzi, em um seu lúcido e brilhante balanço historiográfico, no qual me apoio amplamente para responder ao presente quesito, as conspícuas e articuladas pesquisas iniciadas há quase quinze anos não somente na Itália, mas também na França, Espanha, Portugal e em outros países, mais que esgotar uma temática tão vasta e relevante forneceram as indispensáveis premissas - tanto sob o perfil do afinamento das metodologias e dos instrumentos da pesquisa, quanto do ponto de vista da localização e da valorização das fontes arquivistas e impressas - para um trabalho ainda amplamente a ser realizado. Acho que posso dizer, a este propósito, que não só ainda estamos bem longe de ter identificado todas as potencialidades heurísticas daquela fonte extremamente complexa e variada que indicamos como manuais escolares e livros-texto, mas também que parece nada esgotada a análise do papel exercido por uma tal fonte sobre a evolução das práticas didáticas e dos processos formativos escolares, como também sobre o mais completo crescimento cultural e civil das sociedades escolarizadas.

A construção de adequados instrumentos, tais como os elencos e os database dos manuais e livros-texto em uso nas escolas de diferente ordem e grau ao longo do arco cronológico dos últimos dois séculos; o aprofundamento das disposições legislativas e normativas que, no decurso do tempo, disciplinaram a área, em especial do ponto de vista das formas de controle sobre os textos a adotar; as numerosas sondagens relativas à gênese e à evolução no tempo da produção editorial destinada essencialmente à escola e aos professores e à constituição de um verdadeiro e próprio mercado escolar com características autônomas e dimensões às vezes conspícuas; os igualmente numerosos estudos relativos aos livros de leitura para as escolas elementares e aos manuais disciplinares em uso nos cursos de ensino fundamental e médio - gramática e língua nacional, história, geografia, línguas estrangeiras, religião, etc. -; o reconhecimento nos catálogos e nas coleções editoriais de alguns entre os principais editores escolares do século 19 e do século 20 testemunham a extrema riqueza do trabalho desenvolvido nestes anos, mas, ao mesmo tempo, confirmam como o autêntico volume da grande parte das investigações e pesquisas realizadas até este momento tenha sido a recuperação e valorização de uma fonte por muito tempo ignorada ou amplamente negligenciada pela historiografia tradicional sobre a escola e sobre práticas didáticas e educativas.

Este meritório trabalho preliminar, destinado a fornecer as indispensáveis premissas e os instrumentos para uma pesquisa capaz de gerar frutos a partir das potencialidades heurísticas de uma fonte como a representada pelos manuais escolares e pelos livros-texto precisa atualmente, a meu ver, dar um verdadeiro e próprio salto de qualidade nas direções que tentarei indicar a seguir.

Sob o perfil estritamente metodológico evidenciam-se ainda amplamente carentes - e quase episódicas - as pesquisas que visam à cruzar uma fonte como os manuais e os livros-texto com outras fontes e filões de pesquisa que se revelaram particularmente férteis e significativos. Bastaria aqui fazer referência, em primeiro lugar, aos programas didáticos que, nas diversas fases da história da escola, delinearam os endereços de fundo nos quais o ensino deveria ter se inspirado. Num terreno diferente, é o caso de destacar a importância, para os fins da nossa conversa, dos cadernos de escola, tradicional instrumento de mediação entre a transmissão dos saberes codificada pelos manuais e os níveis de recepção e aprendizagem dos alunos. A questão poderia ser posteriormente desenvolvida por meio do aprofundamento da complexa relação decorrente entre a escolha e a adoção de determinados livros-texto e, de um lado os modelos e as características da formação dos professores, de outro a evolução das disciplinas curriculares: dois fatores ainda pouco tomados em consideração, erroneamente, pelos estudos de que dispomos sobre manuais e livros-texto. Enfim, na lógica de uma efetiva compreensão daquelas que foram historicamente as práticas didáticas concretas e a efetiva incidência dos manuais e livros-texto na formação escolar dos alunos, parece sem dúvida oportuno pôr em relação tal fonte com as informações e os dados fornecidos pelas sondagens ministeriais sobre a escola e sobre o ensino, pelos relatórios dos inspetores escolares que atuam a nível local, bem como - num âmbito diferente - pela imprensa periódica magisterial e didática e por outras fontes em condições de nos restituir o ponto de vista dos professores a este respeito.

Ainda faltam pesquisas orgânicas, de amplo fôlego, voltadas a explorar a relação instaurada, nas diversas fases históricas, entre os programas didáticos de cada disciplina escolar, isto é, as prescrições ministeriais acerca do que deve ser ensinado em cada aula e os manuais das disciplinas adotados com o fim de satisfazer tais prescrições. Trata-se de um filão de pesquisa particularmente significativo e fecundo, como testemunham as poucas sondagens efetuadas nestes anos, com especial referência a disciplinas do calibre da gramática e língua italiana, da história e geografia, do latim e das línguas estrangeiras, do ensino religioso. Em especial, de tais sondagens emergiu uma diferença significativa entre as disposições indicadas pelos programas ministeriais, às vezes extremamente sucintas e genéricas, outras vezes analíticas e rigidamente prescritivas, e a recepção ou interpretação que de tais disposições se pode encontrar nos manuais adotados para o ensino das respectivas disciplinas.

Justamente a análise, nas diferentes fases históricas, da entidade e das características de uma tal diferença, permite iluminar as múltiplas facetas da peculiar e complexa função de mediação cultural e didática exercida pelos manuais e pelo livro-texto. A título puramente exemplificativo, poder-se-ia aqui acenar à incidência que tais tipologias de manuais e livros-texto revestem - especialmente para disciplinas tais como a história, a literatura nacional, os direitos e a educação cívica - do ponto de vista da veiculação de uma determinada ideologia ou concepção política, mais ou menos em sintonia ou em consonância com o sistema de princípios e de referências ideológicas da classe dirigente e dos grupos políticos hegemônicos. A análise da ideologia subentendida à transmissão escolar dos saberes e dos conhecimentos se configura, substancialmente - e não só no caso emblemático dos regimes totalitários - como um filão de pesquisa ainda pouco aprofundado e, todavia, capaz de projetar uma fonte como os manuais escolares em um horizonte muito mais amplo e fecundo do que o exclusivamente didático, fazendo do livro-texto uma espécie de teste decisivo, um peculiar e eficaz ponto de observação para avaliar, na sua complexidade, a incidência - sobre a escola e sobre a formação escolar das gerações jovens - das ideologias e das culturas polícias presentes em uma determinada sociedade nas diversas fases históricas.

Do mesmo modo, ainda não dispomos de pesquisas orgânicas e de longo período dedicadas à análise dos modelos ético-civis e culturais veiculados por aquela particular tipologia de textos escolares que são os livros de leitura para as escolas elementares e populares e para os cursos de alfabetização reservados às populações adultas: um filão de pesquisa, também este, que, como testemunham os estudos disponíveis, parece igualmente fecundo, especialmente por permitir avaliar - de modo bem mais preciso e articulado de quanto emerge das sintéticas prescrições contidas a respeito nos programas didáticos - as formas e as características da transmissão aos meios sociais subalternos - as plebes rurais bem como as classes artesãs e operárias e a pequena burguesia dos centros urbanos - do sistema de valores e dos modelos de comportamento das elites políticas e das classes dominantes.

Em outra vertente faltam quase completamente pesquisas destinadas a verificar, de modo sistemático, para as diversas fases históricas, o fosso às vezes extremamente consistente que é possível identificar entre os conteúdos das matérias científicas e tecnológicas fixadas pelos programas didáticos e aqueles veiculados pelos manuais da mesma época das respectivas disciplinas. Quero referir-me, especialmente, ao fato que muito dificilmente os programas didáticos das matérias científicas e tecnológicas - de particular modo nas escolas secundárias de caráter técnico e profissional - mostram saber acompanhar a evolução, às vezes extremamente acelerada, do debate científico e a inovação tecnológica. Um caso exemplar, a este respeito, é representado pelos programas didáticos para as disciplinas tecnológicas - mecânica, eletrotécnica, eletrônica, etc. - dos Institutos técnicos industriais em vigor na Itália do segundo pós-guerra, por mais de quinze anos, cuja crescente inadequação e obsolescência, em relação às tecnologias e às competências requisitadas pelo mercado de trabalho e pelas indústrias do setor, foram amplamente compensadas pela possibilidade de utilizar manuais constantemente atualizados e em condições de conciliar a respeito pelas prescrições didáticas com as exigências de uma adequação à rápida evolução dos saberes e das tecnologias do setor.

Mais em geral, está ainda bem longe de ser esgotado o amplo campo de pesquisa para os historiadores da escola e da educação representado pela diferença entre saberes codificados nos programas didáticos e nos manuais e livros-texto de um lado e os conhecimentos concretamente adquiridos por meio da mediação didática do professor do outro. Neste caso o verdadeiro desafio para o historiador é representado pela impossibilidade de integrar uma fonte como a dos manuais escolares e dos livros-texto, em condições de fornecer luzes em relação aos conteúdos codificados do ensino, com fontes de diversos tipos, capazes de nos devolver as reais características e dimensões quantitativas e qualitativas da aprendizagem conseguida pelos alunos.

7.2) O último e importante resultado das suas pesquisas foi o Dicionário biográfico da educação, uma obra de excelência codirigida com o professor Giorgo Chiosso. Você pode nos explicar a ideia do projeto e a estrutura da obra?

O Dicionário biográfico da educação - DBE -, coordenado e dirigido por mim e por Giorgio Chiosso, da Universidade dos Estudos de Turim, constitui o resultado de um projeto de pesquisa de interesse nacional promovido por um grupo de universidades italianas - Gênova, Macerata, Católica de Milão, Roma Tre e Turim - e aprovado em 2010 ao cofinanciamento do Ministério da Educação, da Universidade e da Pesquisa - Miur -, a cuja concreta realização colaboraram cerca de uma centena de estudiosos e pesquisadores. Conduzido na base de rigorosos critérios científicos e caracterizado por 2.345 perfis biográficos, fruto de originais e aprofundadas pesquisas arquivistas e por uma sistemática valorização dos resultados da mais recente e acreditada historiografia educativa italiana e internacional, a obra pretendeu atingir diversos objetivos: em primeiro lugar, preencher a grave carência de levantamentos biográficos orgânicos e atualizados a respeito de pedagogos, educadores, homens de escola e escritores para a infância e para a juventude que marcou por muito tempo o nosso país.

Na origem da decisão de organizar o Dicionário biográfico da educação - DBE - estão, outrossim, a superação da tradicional abordagem idealista de matriz gentiliana dos estudos histórico-pedagógicos e a nova e mais ampla sensibilidade historiográfica e cultural amadurecida no decurso da fecunda estação de pesquisas de história da educação, da escola e da literatura infantil que marcou as últimas décadas. Não por acaso os 2.345 perfis dos quais a obra se compõe constituem uma espécie de biografia coletiva dos educadores italianos dos últimos dois séculos, em cujo âmbito figuram, pela primeira vez, ao lado dos bem conhecidos pedagogos e preceptores de fama nacional e internacional, também as numerosas e diversificadas figuras dos novos profissionais da educação e da escola produzidas pela crescente expansão, a partir das primeiras décadas do século 19, dos processos de alfabetização e de escolarização de massa e pelo paralelo desenvolvimento de uma editoria especializada para a educação e a escola e de uma produção livresca essencialmente dirigida à infância e à juventude em formação: uma espécie de novo meio intelectual de operadores do alfabeto e da educação com características peculiares em relação às tradicionais elites acadêmicas e literárias, cuja atividade e atuação, embora atuando às vezes exclusivamente em âmbito local, se revelam fundamentais - como a historiografia educativa e escolar recentemente pôs em evidência - para a compreensão das concretas dinâmicas formativas e culturais que marcaram o crescimento e a evolução, nos últimos dois séculos, da sociedade italiana.

Refiro-me à vasta e composta realidade dos pedagogos, educadores e homens de escola que, em diversos níveis e com diferentes responsabilidades, agindo em cenários bastante diversificados, foram os autênticos artífices e os protagonistas do crescimento cultural e civil das populações e do desenvolvimento socioeconômico do nosso país. Pense-se, especialmente, nos fundadores e animadores de instituições escolares e educativas para a infância e a juventude de ambos os sexos - escolas maternais e de educação infantil, escolas primárias e profissionais para crianças carentes, orfanatos, conservatórios femininos, educandários e colégios de ensino médio, etc. -, nos promotores das reformas escolares e da renovação dos métodos de ensino e das práticas didáticas, nos teóricos da pedagogia de reforma e nos promotores de institutos e escolas especiais para a educação e a instrução dos portadores de necessidades especiais -cegos, surdos, portadores de necessidades especiais, etc. -, nos diretores e redatores dos periódicos escolares e magisteriais e nos autores de livros-texto e de subsídios didáticos, nos teóricos e nos promotores da educação física e esportiva, nos promotores do associacionismo juvenil e, enfim, nos escritores e ilustradores de livros para a infância e a juventude e nos promotores e animadores das revistas destinadas ao mundo das crianças e dos adolescentes.

No esforço de restituir à memória coletiva uma imagem articulada e o mais possível exaustiva das diversas experiências educativas e escolares que caracterizaram o nosso país durante os séculos 19 e 20 por meio das biografias dos homens e das mulheres que foram os seus artífices e os protagonistas, o Dicionário biográfico da educação - DBE - dedicou também uma atenção particular às personalidades de estudiosos e educadores pertencentes às principais minorias linguísticas, sobretudo alemãs e latinas, e àquelas religiosas, em especial os judeus, os valdenses e os representantes das outras confissões cristãs evangélicas, presentes e atuantes na península.

Publicado mais proximamente às celebrações do 150° aniversário da unificação nacional, o Dicionário biográfico da educação - DBE - permite iluminar o papel fundamental exercido pela escola na obra de alfabetização e elevação cultural e civil dos italianos e, igualmente, no processo de construção da identidade nacional e de promoção de um novo ideal de cidadania em meio às populações. Do mesmo modo, por meio dos perfis biográficos de eclesiásticos e religiosos empenhados no âmbito educativo e dos numerosos expoentes da filantropia laica ativos na mesma vertente, ele permite captar a riqueza e a variedade das iniciativas e experiências situadas fora dos espaços propriamente escolares, como as dirigidas ao cuidado e educação da infância órfã e abandonada, à animação da juventude nos oratórios paroquiais e nos institutos de recreação leigos, enfim, ao treinamento das atividades artesãs e às atividades profissionais no setor agrícola e industrial por meio de laboratórios e oficinas adequadas.

Enfim, pode-se dizer que o Dicionário biográfico da educação - DBE - fornece uma imagem bastante significativa, e sem dúvida mais aderente à realidade, do papel historicamente exercido pelos processos escolares e educativos no crescimento e na modernização da sociedade italiana. Por meio de uma longa galeria de perfis biográficos, de fato, ele restitui à memória coletiva a centralidade de uma presença molecular de homens e mulheres os quais, animados por ideologias, instâncias religiosas, convicções políticas, orientações culturais e pedagógicas às vezes muito distantes, testemunharam uma dedicação apaixonada à causa da educação e tornaram possível a execução de processos vitais na história do nosso país, como a alfabetização e a escolarização de massa, a difusão de sempre mais elevadas competências profissionais, a veiculação do sentimento nacional e, mais recentemente, a aquisição de uma mais ampla e compartilhada ideia de cidadania democrática.

8) No quadro da atual configuração e organização da universidade italiana, como julga a condição da disciplina? A área arrisca a marginalização diante da evolução cultural e estrutural que incide nos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura e pós-graduação?

Não é fácil formular uma reflexão de caráter geral sobre o presente e, sobretudo, sobre o futuro da área científico-disciplinar - a História da Educação - ao qual pertenço. As iniciativas conduzidas por quem escreve e pela equipe de historiadores da educação da Universidade dos Estudos de Macerata se realizaram numa fase decididamente crítica não somente para a nossa área científico-disciplinar, mas mais em geral para o sistema universitário italiano na sua totalidade. Uma fase de extrema confusão e de crise do sistema, na qual a maciça redução dos financiamentos e os cortes lineares feitos nos orçamentos das universidades serviram de fundo à crescente marginalização e deslegitimação das instituições acadêmicas e da pesquisa científica no nosso país. Não parecem haver dúvidas, a respeito, acerca do fato que a situação na qual nos encontramos constitua para todos nós um autêntico desafio e implique, necessariamente, junto à superação dos velhos egoísmos e das lógicas autorreferenciais deletérias, também a assunção de novas competências e de novas responsabilidades.

Após as grandes rupturas ideológicas dos anos 1980 e 1990 e os pesados efeitos das contraposições de indivíduos e grupos ocorridas na época mais recente, é indispensável agir para fazer crescer, no interior da nossa área científico-disciplinar, o respeito e a colaboração entre as diversas sedes universitárias, os vários grupos de pesquisadores, as diferentes escolas e tradições historiográficas. Contemporaneamente é cada vez mais necessário afinar a capacidade de trabalhar juntos e perceber os grandes desafios deste nosso tempo - a potencialização e a internacionalização da pesquisa, a formação e o recrutamento dos jovens pesquisadores da nossa área, os desafios conectados com o planejamento europeu e com a localização de novas formas de financiamento da pesquisa, etc. - já não como algo a viver e a gerir dispersamente ou, pior ainda, em concorrência entre nós, mas como uma grande tarefa comum, um desafio a enfrentar e a vencer todos juntos, sabendo que somente uma comunidade científica qualificada e coesa pode aspirar, legitimamente, a exercer um papel de relevo no sistema universitário e na realidade cultural do nosso país.

Tenho a certeza de que é preciso percorrer, com convicção, este caminho e que é necessário apoiar e dar impulso à atividade e às iniciativas das nossas sociedades científicas nacionais: o Centro Italiano para a Pesquisa Histórico-Educativa - Cirse - e a Sociedade Italiana de Pedagogia - Siped. E isto não só por nós, mas também, e sobretudo, pelas novas gerações de estudiosos e, em especial, pelo próprio futuro da nossa disciplina.

9) Ao final desta entrevista gostaríamos de um juízo seu sobre os destinos da História da Educação na Europa: qual poderia ser a agenda para a História da Educação para a próxima década? Quais perspectivas de pesquisa e quais fontes poderiam ser objeto de novas explorações? Quais espaços e instrumentos poderiam ser necessários para enfrentar os desafios postos pelo crescente processo de internacionalização da pesquisa?

Durante as últimas décadas a historiografia educativa e escolar europeia concentrou a sua atenção em uma pluralidade de instituições, metodologias didáticas, propostas formativas e culturais, pretendendo às vezes pôr em confronto, segundo uma perspectiva de tipo comparativo, e pelo recurso a metodologias de pesquisa mais sofisticadas e a utilização de novas e importantes fontes, os múltiplos itinerários que, em cada Estado europeu, marcaram, ao longo dos séculos 19 e 20, os processos formativos e os sistemas de instrução e de educação. De diversas partes foi chamada a atenção às pesquisas realizadas por alguns importantes network e grupos de pesquisa - o Ische, os encontros anuais da British History of Education Society, etc. -, bem como sobre o papel fundamental exercido em tal vertente por revistas científicas do calibre de Paedagogica Historica. Poder-se-ia acrescentar que tal área de estudos conheceu, nos últimos anos, um ulterior e fecundo desenvolvimento, como testemunham, por exemplo, as contribuições que apareceram na revista científica internacional History of Education & Children's Literature, a qual, junto à já lembrada Paedagogica Historica e a um pequeno grupo de revistas de área ligadas às comunidades científicas de área francesa, espanhola ou britânica, quase já representa um ponto de referência inevitável para quem queira captar as dinâmicas e os novos endereços aos quais se orientou e vai orientando a pesquisa na área histórico-educativa do velho continente, bem como para avaliar as interações e as sempre mais estreitas ligações entre a historiografia educativa e escolar europeia e aquela que vai amadurecendo, por exemplo, na Ásia e nos países da América Latina. Mais em particular em torno da History of Education & Children's Literature foi se constituindo uma rede de centros de pesquisa universitários, de arquivos e museus da educação e da escola e de comunidades de estudiosos empenhados no âmbito histórico-educativo, os quais, com específica referência ao contexto europeu, tornaram possível uma fecunda renovação da historiografia sobre a educação em países tais como a Itália, a Espanha, Portugal, a França, a Rússia, a Croácia, a Eslovênia e a Hungria, para citar somente os principais, conferindo novo impulso à área também por meio do início de pesquisas destinadas a aprofundar, em escala europeia, novos filões de pesquisa e a valorizar fontes inéditas e ignoradas pelo mercado editorial ou insuficientemente consideradas pela historiografia tradicional e que se revelaram, em contrapartida, de particular importância para os fins de uma mais aprofundada e inovativa análise dos processos formativos e escolares.

Bastaria aqui fazer referência às complexas e inovativas pesquisas centradas na história comparada das culturas escolares, de acordo com a bem conhecida definição proposta pelo historiador francês Dominique Julia e, mais em especial, naquela que Agustín Escolano Benito eficazmente definiu como a cultura empírica da escola, no âmbito das quais devem ser postos os estudos sobre as características e sobre a evolução das disciplinas escolares, aqueles sobre livros-texto e sobre o mercado editorial essencialmente destinado à escola e à educação, as investigações relacionadas à formação e à atualização dos professores das escolas de diferentes ordens e graus, bem como aquelas iniciadas mais recentemente, mas de alcance igualmente significativo, relativas à história material do ensino, para dizê-lo com Juri Meda, isto é, dos objetos escolares e dos instrumentos didáticos destinados a veicular os princípios e os conteúdos próprios do processo de ensino e aprendizagem que se exerce na sala de aula e a constituir o recurso instrumental das práticas do ensino.

O desenvolvimento deste gênero de pesquisas tornou possível, entre outras coisas, a construção de instrumentos adequados de trabalho, tais como uma série de repertórios e de database em condições de fornecer aos estudiosos um quadro orgânico das publicações periódicas especializadas para a didática e a atualização dos professores, bem como dos editores escolares e dos manuais e livros-texto em uso nas escolas fundamentais e médias de diversos países europeus ao longo do arco cronológico dos últimos dois séculos, permitindo à historiografia de área agir, no aprofundamento das concretas práticas educativas e didáticas que conotaram historicamente a escola, bem além da tradicional abordagem fundamentada na análise das fontes normativas e da legislação escolar vigente ou naquele, igualmente parcial e redutivo, que punha no centro os programas de ensino das diversas disciplinas e a totalidade das prescrições didáticas ditadas do alto.

As problemáticas relativas às características e à evolução do ensino médio feminino, bem como as questões relativas ao acesso das mulheres ao ensino superior e universitário e ao ensino nas escolas de todo tipo e grau, receberam um notável impulso também das importantes pesquisas e dos estudos iniciados recentemente em diversos países europeus sobre o papel exercido pelos respectivos sistemas formativos e pelas instituições escolares para a construção da identidade nacional e para a educação à cidadania, com especial referência aos séculos 19 e 20. Trata-se, como é sabido, de um tema sobre o qual, nas últimas décadas, a historiografia educativa e escolar se concentrou por muito tempo, em função dos impulsos oferecidos pelas contribuições fundamentais de G. L. Mosse, E. Gellner, E. J. Hobsbawm e E. Gentile. Testemunham-no, por exemplo, os trabalhos relativos à contribuição de determinadas disciplinas escolares -a história, as literaturas nacionais, o direito, a moral civil, a educação cívica, etc. - e aquelas centradas nos manuais e nos livros-texto para o ensino destas disciplinas. De modo especial a peculiar curvatura ideológica e política tradicionalmente conferida ao ensino escolar da história, em relação a outras disciplinas curriculares fundamentais, levou diversos estudiosos a concentrarem a atenção no papel que tal disciplina desempenhou, nas escolas fundamentais e médias dos séculos 19 e 20, na questão da formação do sentimento nacional e da promoção de uma identidade civil e política comum entre as populações dos respectivos países europeus.

Nesta vertente justamente o fecundo entrelaçamento entre as problemáticas relativas ao papel da escola e da instrução nos processos de construção da identidade nacional e do sentimento da cidadania e aquelas ligadas às características e dinâmicas assumidas pela sempre mais ampla escolarização fundamental e média feminina, pela gradual diminuição, segundo uma perspectiva de gênero, dos conteúdos e valores transmitidos por meio do ensino e dos modelos didáticos e culturais veiculados nas salas escolares, enfim, pelo peculiar e complexo processo de progressiva feminilização do ensino individuado em diversas partes da Europa, na passagem do século 19 ao 20, permitiu aos historiadores da educação e da escola focalizar a atenção em aspectos e problemáticas de indubitável relevância em relação às específicas importâncias socioculturais e ético-políticas assumidas pelo fenômeno do sempre mais amplo acesso das mulheres, na Europa do fim do século 19 e início do século 20, ao ensino e formação de caráter médio e superior.

Por último acho que posso dizer que uma agenda de pesquisa sobre a educação e ensino na Europa contemporânea não pode desconsiderar, seja somente como simples fator de verificação das mais gerais dinâmicas evolutivas da mentalidade e da sensibilidade cultural de massa em torno da formação e dos estudos, aquilo que se configura indubitavelmente como um fenômeno destinado a acompanhar e a entrelaçar-se dialeticamente com a evolução da escolarização e com o constante crescimento dos níveis de instrução feminina na realidade europeia dos séculos 19 e 20. Quero referir-me, especificamente, à vasta e multiforme publicação educativa destinada ao mundo feminino difundida em diversos países da Europa durante o século 19, a qual, além de não ter igual nos séculos precedentes, pela extrema variedade de abordagens, de gêneros literários, de reflexões e cenários propostos, revela a verdadeira e própria centralidade concedida pelos contemporâneos à questão da educação e instrução da mulher em todos os níveis.

Trata-se, em geral, de publicações muito diversificadas sob o perfil ideológico e destinadas essencialmente a um público feminino com finalidades explícitas, não somente de entretenimento e educação, no âmbito das quais devem ser considerados opúsculos, pequenos tratados, almanaques, avisos e advertências às meninas e adolescentes, álbuns para jovens, plutarcos femininos e galerias de mulheres célebres modeladas no molde da literatura de autoajuda de marca masculina, novelas, narrativas, romances morais e comédias destinadas aos internatos e conservatórios para meninas e adolescentes ou à representação em âmbito doméstico, boas maneiras para senhoritas e manuais de vários feitios para jovens esposas e mães de família, enciclopédias e outras publicações periódicas especializadas, bem como coletâneas de leituras e de biografias destinadas, sobretudo a partir da segunda metade do século 19, às escolas e aos colégios e educandários femininos.

Diversificada é também a tipologia dos autores destas publicações, em cujas fileiras se encontra eclesiásticos, literatos, pedagogos, educadores, professores e cientistas um pouco representativos de todas as orientações políticas e culturais, do catolicismo tradicionalista e intransigente ao liberalismo moderado, das instâncias democráticas de marca mazziniana ao socialismo. Trata-se de uma editoria prodigiosa, destinada a assumir, ao longo do século 19, na França, na Itália, na Inglaterra e em outras partes da Europa, dimensões bastante amplas e uma difusão maciça em todos os estratos da população, como testemunham as frequentes reimpressões e as numerosas reedições de muitas das obras que foram subdivididas, em cujo âmbito é dado encontrar uma produção modulada para satisfazer as diferentes exigências de um público de leitoras profundamente diversificado sob o perfil da condição social e da origem cultural. Mas, para além das conspícuas dimensões do fenômeno editorial - que também por força da gradual elevação, durante o século 19, dos níveis de alfabetização e de escolarização feminina estava destinado a conhecer um constante incremento - tais publicações, como foi justamente destacado, revelam um elevado e inédito nível de especialização, encarregando-se de aprofundar cada aspecto e dimensão da educação feminina: física, intelectual, moral, civil, religiosa, etc., e articulando as suas propostas por faixas de idade: infância, pré-adolescência, adolescência, idade adulta, etc., por estado civil: solteiras, estudantes, casadas, mães de família, viúvas, religiosas, etc., e, sobretudo, repropondo e enfatizando as dimensões conectadas com a rígida estratificação e separação das classes sociais características do século 19. Por isso não somente as indicações e propostas educativas, mas a própria identidade feminina, declinou de modo extremamente diferenciado de acordo com o dirigir-se à mulher da aristocracia de antiga ou recente linhagem, àquela das classes pobres e dos meios sociais abastados ou às mulheres do povo, isto é, ao mundo feminino dos estratos mais baixos da população urbana e rural.

10) Que relações teve e atualmente tem o Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil da Universidade dos Estudos de Macerata com os pesquisadores e a pesquisa brasileiros?

Desde a sua constituição, no ano acadêmico 2004-2005, como já lembrei, o Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil da Universidade dos Estudos de Macerata hospedou, para estadas de estudo, cursos universitários, conferências e ciclos de seminários, dezenas de estudiosos de história da educação e da literatura infantil - doutorandos, pesquisadores e professores - provenientes de universidades e faculdades europeias e extraeuropeias, nestes incluídos muitos brasileiros. No decurso dos últimos anos, por exemplo, foram nossos hóspedes a professora Gizele de Souza, da Universidade Federal do Paraná (novembro de 2014), a doutora Etienne Baldez Louzada Barbosa, também da Universidade Federal do Paraná (abril-outubro de 2015) e a professora Vera Lucia Gaspar da Silva, da Universidade do Estado de Santa Catarina (junho de 2015). Atualmente, como professor visitante, é hóspede do Centro de documentação e pesquisa sobre a história do livro escolar e da literatura infantil a professora Maria Helena Camara Bastos, professora de História da Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com a qual começaram diversos projetos e iniciativas de colaboração, os quais, tenho certeza, produzirão frutos significativos nos próximos anos.

As relações entre o nosso Centro de documentação e pesquisa e a comunidade científica e os estudiosos de História da Educação brasileiros se desenvolveram, nestes anos, também por meio da colaboração com a revista internacional History of Education & Children's Literature, de cujo comitê científico internacional fazem parte as estudiosas: Maria Helena Camara Bastos (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Maria Luiza Marcilio (Universidade de São Paulo), Terciane Ângela Luchese (Universidade de Caxias do Sul), Ariclê Vechia (Universidade Tuiuti do Paraná - Curitiba).

A revista acolheu artigos científicos de altíssima qualidade de estudiosos brasileiros que abriram novos e importantes filões de pesquisa e ofereceram contribuições referenciais ao debate internacional sobre a história da educação. Bastaria aqui destacar: Bruno Bontempi Junior (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Geraldo Inacio Filho (Universidade Federal de Uberlândia), Elaine Cátia Falcade Maschio (Uninter Curitiba - Paraná), Paulo Mello (Universidade Estadual de São Paulo), Ademir Valdir do Santos (Universidade Federal de Santa Caterina), Heloísa Helena Pimenta Rocha (Universidade Estadual de Campinas), Eliane Mimesse Prado (Uninter Curitiba - Paraná), Irma Rizzini (Universidade Federal de Rio de Janeiro), Maria Helena Camara Bastos (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Bruno Gonçalves Borges (Universidade de Goiás), Décio Gatti Júnior (Universidade Federal de Uberlândia), Flávia Obino Corrêa Werle (Universidade do Vale do Rio Sinos), Luciane Sgarbi Santos Grazziotin (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Rio Grande do Sul), José Gonçalves Gondra (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Maria do Rosário Longo Mortatti (Universidade Estadual de São Paulo), Carlo Eduardo Vieira (Universidade Federal do Paraná), Claudemir de Quadros (Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul), Maria Staphanou (Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul), Ariclê Vechia (Universidade Tuiuti do Paraná - Curitiba).

Em suma, uma colaboração fecunda e rica de estímulos para nós, que desejamos se intensifique e se enriqueça com novos objetivos e mais eficazes iniciativas no futuro próximo.

  • 1
  • 2
    SPADAFORA, Giuseppe (ed.). Giovanni Gentile: la pedagogia, la scuola - atti del convegno di pedagogia (Catania, 12-14 dicembre 1994). Roma: Armando, 1997.
  • 3
    CHIOSSO, Giorgio; SANI, Roberto (orgs.). Dizionario biografico dell'educazione 1800-2000. Milano: Editrice Bibliografica, 2013, 2 v.
  • 4
    JULIA, Dominique. Riflessioni sulla recente storiografia dell'educazione in Europa: per una storia compa-rata delle culture scolastiche. In: Annali di storia dell'educazione e delle istituzioni scolastiche, 3, 1996, p. 119-148.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2016
  • Aceito
    17 Abr 2016
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