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Mobilidade sustentável e tecnologias digitais: uma agenda baseada nos comuns urbanos

Sustainable mobility and digital technologies:an agenda based on urban commons

Resumo

Desde 2020, o mundo vive uma crise sanitária atingindo com maior gravidade segmentos da população mais vulneráveis em termos socioeconômicos. Nesse contexto, este artigo defende a necessidade de um novo modelo civilizacional alternativo ao neoliberalismo atual, baseado no conceito dos comuns. Coloca-se a hipótese que conceitua as tecnologias digitais, a cidade e seus serviços públicos, a mobilidade em especial, enquanto instituições dos comuns, podendo contribuir para a construção de outro modelo civilizacional relativo a cidades sustentáveis, resilientes e inclusivas. Abordagens diversas sobre comuns urbanos apontam evidências que comprovam essa hipótese. Conclui-se com diretrizes para uma agenda baseada nos comuns urbanos que forneçam, às lideranças políticas, elementos para construir um novo modelo de gestão participativa da mobilidade nas cidades.

Covid-19; mobilidade sustentável; comuns; tecnologias digitais

Abstract

Since 2020, the world has been experiencing a health crisis that affects most seriously segments of the population that are more vulnerable in socioeconomic terms. In this context, this article defends the need for a new civilizational model based on the concept of commons, an alternative to the current neoliberalism. The hypothesis proposed here conceptualizes digital technologies, the city and its public services, mobility in particular, as institutions of the commons that, as such, can contribute to the construction of another civilizational model related to sustainable, resilient, and inclusive cities. Diverse approaches to urban commons have produced evidences that prove the hypothesis. In its conclusion, the article presents guidelines for an agenda based on urban commons that provide political leaders with elements to formulate an innovative model for the participatory management of mobility in cities.

covid-19; sustainable mobility; commons; digital technologies

Introdução

Em dezembro de 2019, em Wuhan, China, o mundo toma conhecimento de um vírus que ataca o aparelho respiratório das pessoas. Mas o Ocidente só percebe a gravidade do problema a partir de fevereiro 2020, quando a Covid-19 aparece em Bergamo, na Itália, alastra-se pela Europa e atinge os Estados Unidos. Era o início de uma das maiores crises sanitárias que o mundo já conheceu, com a pandemia chegando a todos os continentes e matando milhões de pessoas. Essa crise sanitária ocorre no contexto da urbanização planetária (Charmes e Rousseau, 2020CHARMES, E.; ROUSSEAU, M. (2020). La mundialisation du confinement. Une faille dans la planétarisation de l´urbain? Dossier: Les visages de la pandemie. Paris, La vie des idees.), em torno de quatro processos interconectados: o desaparecimento do mundo selvagem, a interconexão mundial dos territórios, a integração entre cidades e áreas rurais e a planetarização das desigualdades urbanas. Entre os países mais afetados, como o Brasil, embora a doença Covid-19 atinja todas as pessoas e as classes sociais, as evidências têm mostrado que são mais atingidos os segmentos mais vulneráveis econômica e socialmente, concentrados em áreas carentes de infraestruturas, com acesso precário a saúde, saneamento, habitação e transporte.

Portanto, a grande questão que se coloca, para a humanidade, é o que nos espera, uma vez superada a pandemia atual e, conforme previsões de muitos especialistas, diante de possíveis novas pandemias? Impõe-se a indagação: que outro mundo seria possível, diferente deste que vivemos tão injusto e desigual? Nesse novo mundo, qual poderá ser o papel das tecnologias digitais (as chamadas big techs) que emergem com força nas cidades, no contexto da sociedade hiperindustrial (Veltz, 2017VELTZ, P. (2017). La société hyper industrielle. Paris, Éditions du Seuil.)? Nossa hipótese de pesquisa é que a abordagem, tanto das cidades, de seus serviços públicos, da mobilidade urbana em especial, quanto do acesso e controle dos dados gerados pelas tecnologias digitais, enquanto comuns ou commons (Ostrom, 1990OSTROM, E. (1990). Governing the commons. The evolution of institutions for collective actions. Cambridge, Cambridge University Press, com tradução francesa em 2010; Dardot e Laval, 2017DARDOT, P.; LAVAL, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo, Boitempo.), podem sim contribuir para a construção de outro mundo, na perspectiva dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial aqueles baseados em cidades sustentáveis, resilientes, seguras e inclusivas (ODS 11).

No esforço para comprovar essa hipótese, este artigo, por meio de 6 seções, além desta seção 1, introdutória, apresenta, na seção 2, o conceito da atual sociedade neoliberal baseada na ideia central da concorrência entre indivíduos e empresas, que leva a desigualdades sociais crescentes, à degradação do meio ambiente, deduzindo-se daí a necessidade de um novo modelo civilizacional. A seção 3 discute o conceito de comuns, desenvolvido por Ostrom (1990OSTROM, E. (1990). Governing the commons. The evolution of institutions for collective actions. Cambridge, Cambridge University Press e 2010), ao qual se acrescenta vasta literatura produzida em todo o mundo, como alternativa ao atual modelo da sociedade neoliberal, destacando-se a definição da cidade como instituição do comum e, em decorrência, os espaços públicos e os serviços públicos, dentre os quais a mobilidade, definidos também enquanto comuns urbanos. Trata-se, pois, de uma abordagem original, uma vez que definir a mobilidade enquanto um comum urbano nos leva a repensar o modelo de gestão dos transportes, colocando a perspectiva da participação social nos processos de decisão de políticas públicas e nas agendas dos decisores políticos, com foco nas cidades brasileiras.

A seção 4 discute a emergência das tecnologias digitais, cujas bases de dados juntamente com a mobilidade devem ser vistas como comuns urbanos, procurando-se entender a importância das plataformas digitais na sociedade hiperindustrial, presentes nas cidades em todo o mundo e no Brasil. Defende-se, ainda, que o acesso e controle dos dados gerados pelos algoritmos devem ser de propriedade pública, sendo concebidos enquanto comuns urbanos. A seção 5 mostra que a emergência e o fortalecimento de experiências ligadas aos comuns urbanos têm relação direta com as lutas dos movimentos sociais por democracia e redução de desigualdades. A seção 6 trata da elaboração de um conjunto de diretrizes que fortaleçam uma narrativa em torno da necessidade de uma nova agenda urbana a ser assumida pelas lideranças políticas da sociedade, que coloquem como prioridade um novo modelo de gestão da mobilidade, tendo como fundamento central a participação social.

Em busca de alternativas à sociedade neoliberal

Ao colocarmos a questão sobre que outro mundo é possível após a atual pandemia, ou entre esta e a próxima pandemia, é necessário situar essa questão no contexto dos grandes momentos da evolução das relações Estado e sociedade, visto que as crises sanitárias resultam da ação de governos e empresas que, através de suas políticas e intervenções, impacta negativamente o meio ambiente e a natureza. Santos (2000)SANTOS, E. (2000). Concentração em mercados de ônibus urbanos no Brasil: uma análise do papel da regulamentação. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. mostra que as relações entre Estado e sociedade na provisão das infraestruturas, de transportes em particular, alteram-se ciclicamente, em consonância com a sucessão de ciclos na economia capitalista: da economia mercantil, do século XVI ao XVIII, ao capitalismo industrial de Estado mínimo no século XIX (Braudel, 1982BRAUDEL, F. (1982). The wheels of commerce. Nova York, Harper and Row.) e deste para o Estado do Bem Estar de base industrial no século XX, para, nas décadas seguintes, no contexto da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, os governos colocarem em prática um conjunto de políticas keynesianas. Isso deu origem à chamada economia do bem-estar social, com elevados investimentos públicos nas infraestruturas de energia, telecomunicação, saneamento e transportes, assim como nas infraestruturas sociais de saúde e educação, caracterizando os 30 anos de Estado de Bem-Estar Social, indo do pós-guerra a meados dos anos 1970.

Eis que, no contexto da crise do estado keynesiano (Harvey, 2013HARVEY, D. (2013). Condição Pós-Moderna. São Paulo, Loyola.), associada à crise do petróleo (1973), à desestruturação da União Soviética e à ascensão de Ronald Reagan e Margareth Thatcher ao comando dos EUA e da Grã-Bretanha, respectivamente, iniciam-se processos de desestatização, em praticamente todos os países, o que implica a redefinição das relações entre o público e o privado na provisão das infraestruturas. Tem início, agora, o predomínio do modelo de sociedade neoliberal, que já vinha se desenvolvendo, em conflito com o modelo liberal, tornando-se, finalmente, hegemônico dos anos 1980 até os dias atuais nos países ocidentais, com poucas exceções. Assim, estavam dadas as condições para as privatizações, desregulamentações e adoção das parcerias público-privadas no financiamento das infraestruturas.

Mas em que consiste a sociedade neoliberal? Em busca de respostas, utilizamos, como referência, o livro de Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo. São Paulo, Boitempo., para os quais o neoliberalismo pode ser definido como: “o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (p. 17) e, ainda, “um sistema de normas que hoje estão profundamente inscritas nas práticas governamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais” (ibid., p. 30).

The Sustainable Development Goals Report (UN, 2020UNITED NATIONS – UN (2020). The Sustainable Development Goals Report 2020. Disponível em: https://unstats.un.org/sdgs/report/2020/The-Sustainable-Development-Goals-Report-2020.pdf. Acesso em: 26 nov 2022.
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) mostra que as desigualdades que assolavam o mundo se ampliaram com a pandemia, atingindo populações mais vulneráveis socialmente, submetidas a serviços públicos de má qualidade. Essas desigualdades guardam relação com o modelo de desenvolvimento das cidades, cujas populações são expulsas das áreas centrais e passam a habitar áreas periféricas, carentes de emprego e de serviços públicos. Esse é o caso das metrópoles brasileiras, submetidas há décadas às políticas de construção de eixos viários para a circulação do automóvel (Brasileiro e Henry, 1998BRASILEIRO, A.; HENRY, E. (1998). Viação ilimitada. Ônibus das cidades brasileiras. São Paulo, Cultura.). É, portanto, crucial buscar alternativas para reduzir a dependência do automóvel nos deslocamentos urbanos, que representam tarefa difícil no contexto da sociedade neoliberal, que tem, no automóvel, o símbolo do individualismo, como bem expressam Brand e Wissen (2021BRAND, U.; WISSEN, M. (2021). Modo de vida imperial. Sobre a exploração dos seres humanos e da natureza no capitalismo global. São Paulo, Elefante., p. 217), ao mostrarem a compatibilidade entre o transporte individual motorizado e o modo capitalista de produção, ambos baseados em valores ligados à ascensão social e à competição. Dupuy (1978)DUPUY, G. (1978). Urbanisme et Technique. Chronique d´un marriage de raison. Paris, C.R.U. mostra de que maneira os papéis político e ideológico exercidos pelos modelos de planejamento de transportes urbanos adotados desde a década de 1960 em todo o mundo e no Brasil, ao induzirem a construção de rodovias e vias urbanas como alternativa à crise dos transportes nas cidades, impulsionaram o uso do automóvel e do combustível baseado no petróleo, influenciando, ainda, diversas gerações de técnicos que se formaram seguindo o padrão automobilístico rodoviário.

É, pois, em um contexto de desigualdades, que se acentuou com a pandemia, que se coloca a necessidade de um modelo de sociedade alternativo ao neoliberalismo. Conforme analisado por Santos (2020), desde meados dos anos 1980, o mundo tem vivido em crise permanente à medida que o neoliberalismo foi se impondo como expressão mais avançada do capitalismo. E adverte que essa crise se manifesta pela “escandalosa concentração de riqueza” e “iminente catástrofe ecológica” (ibid., p. 25).

Zizek (2020)ZIZEK, S. (2020). Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do comunismo. São Paulo, Boitempo. afirma que “a primeira coisa a admitir é que a ameaça veio para ficar: mesmo se essa onda recuar, ela voltará a surgir em novas formas, talvez até mais perigosas” (p. 45). Em razão disso, a necessidade, para o autor, de “começarmos a pensar em possibilidades alternativas de sociedade, possibilidades para além do Estado-nação, que se efetivem sob a forma de cooperação e solidariedade globais” (ibid., p. 41).

Santos (2020) coloca três cenários para o pós-pandemia: 1)“vai tudo voltar ao “normal” rapidamente”; 2)“vai haver mudanças mínimas para que tudo fique na mesma”; 3)“a pandemia é a oportunidade para pensar numa alternativa ao modelo de sociedade e de civilização em que temos vivido, baseada numa exploração sem precedentes dos recursos naturais que, em conjunto com a iminente catástrofe ecológica, vai lançar-nos num inferno de pandemias recorrentes” (ibid., p. 316). Na concepção de Santos (ibid., p. 18), trata-se agora de se construírem as “linhas da longa transição para um novo modelo civilizacional pós-capitalista, pós-colonial e pós-patriarcal”.

Para essa longa transição, o autor propõe uma “nova declaração cosmopolita insurgente de direitos e deveres humanos” (ibid., p. 251), composta por um conjunto de princípios e caminhos a partilhar, de direitos e deveres para o início da roda de conversa da humanidade (ibid., p. 272); dentre os quais destacamos o princípio dos “bens comuns da humanidade”, definidos como “todos os bens que devem ser compartilhados por todos os seres humanos, homens e mulheres, sem discriminação, por serem essenciais para que a vida floresça e a dignidade prevaleça” (ibid., p. 273). O autor define como bens comuns fundamentais: a água, o ar, o espaço, as florestas, os rios, os mares, as sementes, o espaço público, a cultura, a educação, a saúde, a eletricidade, a informação, a comunicação, a internet (ibid., p. 274).

Comum, uma alternativa possível ao neoliberalismo

A análise de Santos (2020) sobre um novo modelo civilizacional baseado nos bens comuns da humanidade aponta para a importância do conceito de bens comuns ou comuns, como chamaremos neste artigo, enquanto alternativa à atual sociedade neoliberal. Abordamos, a seguir, o conceito de comuns posto em evidência a partir das análises de Ostrom (1990)OSTROM, E. (1990). Governing the commons. The evolution of institutions for collective actions. Cambridge, Cambridge University Press, que lhe valeram o Prêmio Nobel de 2009, de Hardt e Negri (2016)HARDT, M.; NEGRI, A. (2016). Bem-estar comum. São Paulo, Record., e de Dardot e Laval (2017)DARDOT, P.; LAVAL, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo, Boitempo., estando em sintonia com Santos (2020) como conceito essencial para um novo modelo civilizacional.

Para a análise do conceito de comuns ou commons, segundo Ostrom, tomamos como referência a versão francesa do seu livro Governing the commons. The evolution of institutions for collective action, de 1990 (Ostrom, 2010OSTROM, E. (2010). Gouvernance des biens communs. Pour une nouvelle approche des ressources naturelles. Bruxelles, De boeck Supérieure.).

Data do início da década de 1960, os primeiros estudos de Elinor Ostrom que com Vincent Ostrom abordaram os problemas da ação coletiva encontrados por indivíduos utilizando recursos comuns. Era o caso do problema da intrusão de água salina em um aquífero em uma área da aglomeração de Los Angeles, tendo ela e equipe observado que medidas institucionais tiveram efeitos positivos sobre a gestão do aquífero. Em 1981, esses resultados foram tema de seminário sobre a “aprendizagem institucional”, financiado pelo serviço geológico americano.

Nesse seminário, Elinor e equipe ampliaram os estudos sobre medidas institucionais de gestão eficaz de recursos em outras regiões. Em 1985, ela organizou outro seminário então apoiado pela Academia Nacional de Ciências, cujo painel sobre a gestão de recursos de propriedade comum apresentou um método de análise, identificando: i) as propriedades físicas dos recursos, ii) as regras utilizadas para regulamentar os acessos e utilização, e iii) os tipos de interação que resultaram. Os resultados foram apresentados, em 1986, na Conferência Internacional de Annapolis, e publicados pela National Research Council. Na sequência, Elinor e equipe percebem que havia muitos estudos de caso, em todo o mundo, versando sobre várias temáticas, mas com pouca visibilidade quanto aos seus resultados, o que a levou a construir o quadro conceitual sobre a importância das instituições nas diversas configurações da gestão de recursos de propriedade comum.

Mas o que é um recurso comum? Ostrom (2010OSTROM, E. (2010). Gouvernance des biens communs. Pour une nouvelle approche des ressources naturelles. Bruxelles, De boeck Supérieure., p. 44) “designa um sistema de recursos suficientemente importante para que ele seja custoso (mas não impossível) de excluir seus beneficiários potenciais de acesso aos benefícios ligados à sua utilização”. Como exemplos, ela enumera “espaços de pesca, lençóis freáticos, áreas de pastagens, canais de irrigação, pontes, estacionamentos, computadores centrais, bem como os cursos d`água, lagos, oceanos e outras massas de água”. Em 1989, chamou-lhe a atenção um artigo no New York Times sobre a sobrepesca a 250 km da Nouvelle-Angleterre, onde se verificava a falta de consenso entre atores, diante das opções de regulação centralizada ou de privatização do lago. Analisando a literatura, Elinor observa que:

Certos artigos de pesquisadores sobre a “tragédia dos bens comuns” preconizam um controle pelo “Estado” do essencial dos recursos naturais para evitar sua destruição. Para outros, é a privatização desses recursos que resolverá o problema. O que se pode observar, entretanto, é que nem o Estado nem o mercado obtêm sucesso que permita aos indivíduos uma utilização produtiva no longo prazo de sistemas de recursos naturais. De outro modo, as comunidades e os indivíduos confiaram a coletividades que não pertencem nem ao Estado, nem ao mercado o cuidar de governar os sistemas de recursos naturais para longos períodos de tempo, com graus de sucesso diversos. (Ibid., p. 14)

Como síntese das pesquisas que lhe valeram o Prêmio Nobel em 2009, Ostrom (ibid., pp. 113-114) enumera oito princípios de concepção para as instituições do comum: 1) limites claramente definidos; 2) concordância entre as regras de apropriação e de fornecimento e as condições locais; 3) existência de dispositivos de escolhas coletivas (espaços para modificação das regras); 4) acompanhamento; 5) sanções graduais emanadas pelos apropriadores ou por agentes trabalhando por conta deles; 6) mecanismos de resolução de conflitos; 7) reconhecimento mínimo dos direitos de organização; e 8) para recursos comuns pertencentes a sistemas maiores, é necessário a constituição de múltiplos níveis de envolvimento das empresas que organizam as atividades e fornecimento, acompanhamento, aplicação das regras, resolução de conflitos e de governança.

Nos anos seguintes ao Prêmio Nobel, Ostrom cria a associação Iasc – The International Association for the Study of the Commons –, e o tema dos comuns assume relevância mundial, no contexto do aumento das desigualdades sociais, da concentração de riquezas e do colapso ambiental. A aplicação do conceito de comuns a casos concretos, sobretudo nas cidades, permitiu o aprofundamento das pesquisas de tal modo que existe hoje uma literatura que embasa a visão da cidade enquanto uma instituição do comum. Ressalte-se a importância de se inserir as análises das experiências nos comuns nos respectivos contextos econômicos, urbanísticos, sociais e jurídicos que variam de uma país a outro. Na dimensão jurídica, há que se observar a conceituação dos bens públicos à luz das duas grandes vertentes ligadas à noção de serviço público, segundo a tradição romana e francesa ligada à delegação dos serviços públicos à iniciativa privada, ou a vertente anglo-saxônica, que classifica os bens públicos como serviços de utilidade pública (Aragão et al., 2007ARAGÃO, J.; BRASILEIRO, A.; SANTOS, E.; ORRICO, R. (2007). Parcerias sociais para o desenvolvimento. Natal, Editora da UFRN.);

Ao abordar a literatura sobre o tema em seus diversos contextos, Foster e Iaione (2015)FOSTER, S.; IAIONE, C. (2015). The city as a commons. Yale Law & Policy Review, v. 34, n. 2, pp. 280-349. apresentam uma descrição abrangente dos bens comuns urbanos, colocando a ideia da própria cidade como um bem comum. Os autores mostram que a linguagem dos bens comuns destaca a necessidade de proteger uma série de recursos e bens urbanos de ameaças de “cercamento” pelo poder econômico, de modo a serem compartilhados de forma ampla. Além daqueles bens comuns tradicionais ligados aos aspectos ambientais, eles mencionam novos tipos relativos a conhecimento, infraestrutura, cultura, vizinhança, etc.

São destacadas, pelos autores, as lutas dos movimentos sociais em defesa de espaços das cidades altamente valorizados, reivindicando o uso de terrenos urbanos vazios, edifícios públicos ou privados abandonados ou subutilizados, espaços abertos no entorno de infraestruturas, áreas para habitações, hortas comunitárias e agricultura urbana, parques de bairros. Essas lutas abrangem também o campo da cultura, analisado por Festa (2016)FESTA, D. (2016). Les communs urbains. L’invention du commun. Tracés – Revue de Sciences humaines, n. 16, pp. 233-256., ao tratar da defesa de patrimônios históricos italianos contra ameaças de destruição devido ao lobby dos grandes interesses imobiliários.

A autora aponta ainda três aspectos que estão no “coração” do conceito dos comuns urbanos: os recursos comuns entendidos como objetos, espaços materiais e imateriais, independentemente de sua propriedade ser pública ou privada; a atividade de commoning (práticas de agir em comum); e as comunidades (commoners) envolvidas na criação e na reprodução dos bens comuns. No Brasil, existem experiências diversas de gestão de espaços públicos na perspectiva dos comuns, registrando-se, aqui, a dissertação de mestrado sobre o parque Augusta em São Paulo (Oliveira, 2019OLIVEIRA, M. L. S. (2019). Parque Augusta na luta pelo comum urbano: uma etnografia de redes e ruas. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), inaugurado recentemente; a tese de doutorado (Tonucci Filho, 2017) que desenvolve o conceito da cidade como um comum, juntamente com pesquisas realizadas por Cruz e Paulino (2020)CRUZ, S.; PAULINO, S. (2020). Urban commons in active mobility experiences. International Journal of the Commons, v. 14, n. 1, pp. 539–552. DOI: https://doi.org/10.5334/ijc.1018.
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sobre experiências de mobilidade ativa sob a ótica dos comuns urbanos.

A complexidade do conceito de comuns urbanos é tratada por Castro-Coma e Martí-Costa (2016)CASTRO-COMA, M.; MARTÍ-COSTA, M. (2016). Comuns urbanos: da gestão coletiva ao direito à cidade. Revista EURE. Santiago, v. 42, n. 125. Disponível em: https://www.eure.cl/index.php/eure/article/view/788. Acesso em: 26 nov 2022.
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, que apontam a existência de múltiplas interpretações sobre o que se entende por “común” e sua aplicação ao território urbano e gestão da cidade. Assim, realizam uma reflexão sobre as possibilidades e os limites do marco teórico dos comuns como projeto urbano. Os autores analisam, então, duas vertentes: a versão neoinstitucionalista desenvolvida por Ostrom, que põe acento sobre as normas de governança que as comunidades adotam para gerir recursos comuns; e a corrente marxista, que põe em evidência as práticas socioeconômicas de cercamento (enclosure) dos espaços urbanos, seguindo as lógicas de apropriação e “despossessão” do solo pelo setor privado na cidade neoliberal. Concluem mostrando a importância do diálogo entre as duas interpretações dos comuns urbanos, entendidos como espaços políticos que apontam para uma nova agenda política e para pistas para pesquisas de novas práticas sociais e comunitárias que ultrapassam tanto a visão da gestão estatal, quanto novas formas de mercantilização da vida urbana, tornando efetiva a luta pelo direito coletivo à cidade.

Essa complexidade conceitual é registrada por Harvey (2011)HARVEY, D. (2011). The future of the commons. Radical History Review, issue 109. DOI: 10.1215/01636545-2010-017., ao analisar os comuns segundo Ostrom. Ele aponta um limite importante para sua implementação, ligado à escala. Ele chama a atenção que a maioria dos exemplos de Ostrom envolve apenas uma centena ou mais de apropriadores. Para uma escala mais ampla de usuários dos recursos, coloca-se a complexidade da tomada de decisão que exige negociações diretas entre indivíduos, o que certamente traz dificuldades à sua gestão.

A agenda dos comuns urbanos é reforçada pela Rede Francófona para a Defesa dos Comuns, pela Carte de Los Communes (2011), a “Coalizão das cidades por direitos digitais”. Na América Latina, ocorreu em 2021, na Universidade Nacional Autônoma do México, o I Congresso Latino-Americano sobre Bens Comuns, e, no Brasil, registra-se a existência do Instituto Procomum, que publicou em 2018 um manifesto sobre o tema. Há que se ressaltar, na construção dessa agenda e na própria conceituação dos comuns urbanos, autores como Hess e Ostrom (2016)HESS, C.; OSTROM, E. (2016). Los bienes comunes del conocimiento. Quito, Iaen, Traficantes de Sueños., Hess (2008)HESS, C. (2008). Mapping New Commons. In: THE TWELFTH BIENNIAL CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF THE COMMONS. UK, Cheltenham, 14-18 July., Rose (2020)ROSE, C. M. (2020). Thinking about the Commons. International Journal of the Commons, v. 14, n. 1, pp. 557-566. DOI: https://doi.org/10.5334/ijc.987.
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e, mais recentemente, o Dictionnaire des biens comuns (Cornu, Orsi e Rochfeld, 2021), que reúne contribuições de pesquisadores sobre temas ligados aos comuns, que, ao ultrapassarem as análises originais ligadas à questão ambiental e ecológica, abrangem todas as práticas sociais e temas de sociedade: software livre, habitat participativo, bicicletas e veículos em uso comum, conhecimento, cultura, meio ambiente, terra, mar, agricultura, pesca, arquitetura, urbanismo, saúde, trabalho, sendo raros os aspectos da vida urbana que não podem ser analisados sob a ótica dos comuns (ibid., p. 4).

Outra obra essencial sobre a cidade como um comum é o livro Bem-estar comum de Hardt e Negri (2016)HARDT, M.; NEGRI, A. (2016). Bem-estar comum. São Paulo, Record., no qual os autores partem do conceito de “democracia da multidão” que se fortalece e assume sua plenitude no “compartilhamento do comum” (p. 8), relativo às riquezas universais, tais como o ar, a água, os frutos da terra, considerados como “heranças da humanidade”, sendo “a cidade a fonte do comum e o receptáculo para o qual ele flui” (p. 177), pois não consiste apenas de redes de infraestruturas físicas e cabos de comunicação, devendo ser entendida enquanto “uma fábrica de produção do comum” (p. 278).

O fato de que a cidade possa ser pensada, planejada e gerida como um comum significa que os seus equipamentos materiais (parques, praças, ruas, calçadas) e imateriais (redes informacionais) constituem um bem comum; a consequência, então, é que os espaços públicos, nos quais circulam e se conectam as redes de infraestruturas, também são comuns urbanos. Portanto, ao definir vias, ruas, avenidas, como espaços públicos comuns a todos, o seu uso e apropriação não podem ser feitos majoritariamente pelos usuários de carro particular. Cabe, ao poder público, a responsabilidade de equilibrar a oferta de tecnologias, indo do automóvel particular e compartilhado à bicicleta, patinete, marcha a pé, ônibus, trens e metrôs, que devem ocupar os espaços públicos de modo justo e equânime.

Assim, o fio condutor deste artigo se constrói a partir da ideia de que, se a cidade e seus espaços públicos se constituem em um comum, então os serviços públicos em rede, a exemplo do saneamento básico, da energia e dos transportes, são classificados também como comuns. E, portanto, aí se inclui a mobilidade urbana, objeto empírico deste artigo. É nessa direção que chegamos a Dardot e Laval (2017)DARDOT, P.; LAVAL, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo, Boitempo. que conceituam os serviços públicos como instituições do comum.

Os autores conceituam a instituição do comum como “princípio político” que se constitui em alternativa ao capitalismo em sua fase neoliberal, uma vez que esse sistema não consegue resolver os problemas que ele próprio gera. Os autores são críticos quanto ao papel do Estado de alterar esse contexto de desigualdades, concentração de riquezas e desastre ecológico, muito embora considerem essencial definir funções específicas que o Estado deve desempenhar, ligadas ao financiamento dos serviços públicos e à definição de um quadro regulatório que permita acesso da população a esses serviços, que constituem bens públicos.

Na conceituação do comum como um “princípio político”, os autores associam historicamente, desde a Inglaterra medieval, os commons ou comuns aos termos múnus, munis, communis, commune, communia, todos formados a partir da mesma articulação de cum e múnus, designando não apenas o que é “posto em comum”, mas os que têm “encargos em comum”. Portanto, o comum implica sempre certa “obrigação de reciprocidade”, ligada ao exercício da “responsabilidade pública”, da “codecisão” (ibid., pp. 24-25). Deduz-se disso que o termo comum é apto a designar o princípio político da “coobrigação” para todos que estejam engajados numa mesma atividade de forma participativa. Assim, os autores associam os comuns ao princípio político do agir comum, no qual homens se engajam juntos, para o exercício de uma atividade conjunta.

Isso torna necessária a criação de novas instituições, voltadas para implementar formas de “autogoverno” (ibid., p. 455) dos comuns através de cooperativas, da cogestão de espaços urbanos, pondo em prática organismos de “cogestão” e assim por diante; nas quais “órgãos de governo de cada comum abram espaço para os usuários e os cidadãos envolvidos; e que não lhes abram apenas espaço, mas lhes deem status de coprodutores do serviço ou do bem” (ibid., p. 492).

Eis, então, uma questão importante posta pelos autores: serviços públicos são instituições da sociedade ou instrumentos do poder público? Olhando sua retrospectiva histórica, defendem que os serviços públicos devem ser considerados “serviços comuns” da sociedade, no entanto que só podem se desenvolver pelo poder administrativo encarregado da ordem e da segurança pública, portanto, não podem prescindir do Estado. Assim, para que os serviços públicos passem a ser instituições do comum, orientadas para atender aos direitos de uso comum, sendo geridos de forma democrática, os autores concebem o “Estado não mais como uma gigantesca administração centralizada”, mas, ao contrário, como “o sumo garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos” no que diz respeito à satisfação de necessidades consideradas coletivamente essenciais, enquanto a administração dos serviços seria entregue a órgãos dos quais fariam parte não só representantes do Estado, como também trabalhadores e usuários-cidadãos (ibid., p. 547).

Os autores defendem que caberia, ao “Estado central, cuidar da coordenação dos serviços públicos, de sua conformidade com o direito, mas deveria saber delegar, a entidades autônomas, e conceder, a organismos regionais e locais, a execução dos serviços. Os agentes, por sua vez, seriam dotados de um estatuto que os protegeria da arbitrariedade dos governantes e teriam margem de ação suficiente para poder avaliar a forma como o serviço público deve ser prestado”. Para isso, é fundamental reconhecer o caráter profissional dos agentes, através da criação de associações de funcionários públicos, ”concebidos não apenas como órgãos corporativos, mas também como órgãos de intercâmbio com a sociedade” (ibid., p. 545).

Trata-se, portanto, de uma concepção inovadora e original que Dardot e Laval (2017)DARDOT, P.; LAVAL, C. (2017). Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo, Boitempo. trazem para os objetivos deste artigo, pois são também instituições do comum as cidades e os espaços públicos, junto com os serviços públicos que são responsáveis pela circulação nas cidades de fluxos materiais e imateriais ou informacionais. Isso significa que esses serviços devem ser ofertados à sociedade através de mecanismos de cogestão pelos atores diversos, em processos democráticos de participação social, através de instituições ou organizações existentes, mas remodeladas ou criadas para esse fim. Para isso, o Estado é essencial, pois a ele cabe definir o quadro regulatório e o financiamento das atividades.

Mobilidade sustentável e tecnologias digitais: comuns urbanos

Nos itens anteriores, procuramos construir o quadro conceitual dos comuns como alternativa à sociedade neoliberal e eixo central de um novo modelo civilizacional em torno do qual se constroem cidades sustentáveis, resilientes e inclusivas. Para isso, é fundamental que os dados gerados pelas tecnologias digitais sejam classificados enquanto comuns de acesso público e controle pelas autoridades de tutela, como veremos a seguir.

No contexto da atual sociedade neoliberal, Veltz (2017)VELTZ, P. (2017). La société hyper industrielle. Paris, Éditions du Seuil. aponta elementos que compõem a chamada sociedade hiperindustrial, que explica em grande parte a emergência das tecnologias digitais resultantes da expansão da internet. Ele observa convergência e complementaridade entre características da produção nas indústrias e nos serviços que, ao invés de antagônicas, são complementares. Essa articulação que ocorre por conta da presença das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) permite que a indústria automobilística não produza apenas carros, mas oferte uma gama de serviços conexos, com foco muito mais em propiciar mais e melhor mobilidade às pessoas que produzir apenas carros. Para o autor (ibid.), o mais importante não é tanto a robotização da economia com a automatização das atividades, mas o aumento da conectividade, o fato de que todas as tarefas, atores e processos possam estar ligados entre si, criando uma base de dados que se constitui em matéria-prima de imenso valor.

Daí resulta o que ele (ibid.) considera uma mudança de paradigma: a economia baseada em plataformas conectadas em redes. As empresas atuando em plataforma constituem um sistema cujo valor é criado, do lado da oferta, pela mobilização de uma multitude de ofertantes e, do lado da demanda, pelas interações com os demandantes. Tudo isso se amplificando por conta das TICs, que permitem interações entre uma oferta baseada em múltiplos serviços e uma demanda segmentada. Articular oferta e demanda em redes é o segredo do sucesso dessas plataformas nascidas da internet, surgindo daí a expressão Gafam – Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft, que exprime a presença das big techs nas cidades. Mas, observa Veltz (ibid.), esses processos de globalização tecnológica não incidem da mesma forma nos países, regiões e seus interiores. Crescem as desigualdades territoriais sob “efeitos de aglomeração” – maior flexibilidade de certas áreas em reconfigurar cadeias de atividades industriais e culturais por onde circulam fluxos de conhecimento e onde há melhor qualidade de vida com boas redes de infraestruturas técnicas – em oposição e ruptura com áreas periféricas mais distantes e menos bem servidas por essas redes.

É, pois, esse contexto da sociedade hiperindustrial que explica a emergência das plataformas que se constituem em guardiães da economia digital, como bem chamou Tirole (2016). Trata-se de um modelo de “mercado biface”, no qual uma plataforma permite que vendedores e compradores se encontrem e interajam. O advento das tecnologias digitais propicia uma revolução nos modos de vida e nas relações econômicas, com o desenvolvimento de uma economia de compartilhamento para a escolha de habitações para turismo (Airbnb), veículos particulares (Drivy), aviões privados (Wingly), transportes regionais (BlablaCar) ou entrega de pacotes (Amazon) (ibid.), incluindo, ainda, os serviços de streaming (Netflix, Spotfy, GloboPlay, Amazon), plataformas de música, séries, filmes, que têm por detrás algoritmos cujos dados são controlados pelas empresas de tecnologia.

As cidades constituem-se em espaços de inovações tecnológicas, de conhecimento pela presença de universidades, da ação coletiva, da criatividade e solidariedade. É nas cidades que se desenvolvem plataformas digitais que, como vimos, influenciam e agem sobre o cotidiano da vida urbana. Assim, para Courmont e Le Gàles (2019), o determinismo tecnológico exerce grande poder na sociedade, sua influência sendo vista sob dois campos opostos: para uns, o digital é vetor de progresso, torna o mundo mais eficiente, propicia crescimento econômico; para outros, é um risco para a sociedade, reforça a precarização dos indivíduos, a vigilância societária, a privatização dos serviços.

É, nesse contexto, que surgem expressões como “cidade inteligente” (smart city), referindo-se, em geral, ao universo das empresas hightech do Silicon Valley, mas também “cidade criativa”, “cidade digital”, usadas por profissionais da gestão urbana para designar grandes “inovações técnicas” que exprimiriam uma gestão estratégica da cidade, no contexto da revolução tecnológica (Ghorra-Gobin, 2018GHORRA-GOBIN, C. (2018). Smart City: “Fiction” et innovation estratégique. Quaderni (en ligne) v. 96. Printemps, pp. 5-15.). A essa concepção se agregariam polos de competitividade, projetos de infraestruturas, equipamentos culturais, que representariam uma visão neoliberal das políticas públicas urbanas.

Em sentido inverso, surgem expressões mais orientadoras de outro modo da ação pública, a exemplo “cidade resiliente, sustentável e inclusiva”, na perspectiva dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ibid.). Portanto, não se trata de opor de forma simplista uma visão à outra, pois ambas podem representar uma política pública sustentável e criativa, dependendo das orientações dos decisores políticos. Se o uso de big data e da inteligência artificial representa um avanço em termos de progresso da sociedade, o seu uso, a capacidade de aumentar (ou reduzir) desigualdades, depende de decisões políticas.

A smart city é, para Morozov e Bria (2019MOROZOV, E.; BRIA, F. (2019). A cidade inteligente – Tecnologias urbanas e democracia. São Paulo, Ubu., p. 14), um dos conceitos mais importantes que têm influenciado a imaginação humana. Essa presença no cotidiano das pessoas assume expressões como smart house, smart growth, smart citizens, smart money, que podem ser encontradas em “curtos folhetos publicitários”, divulgando a cidade “midiática”, “informacional”, “telemática”. A expressão reflete, também, as políticas das grandes empresas de tecnologias industriais que desenvolvem plataformas que impulsionam seus modelos de negócios, refletindo o contexto da convergência entre indústria e serviços (Veltz, 2017VELTZ, P. (2017). La société hyper industrielle. Paris, Éditions du Seuil.). Uma vez que essas tecnologias vieram para ficar, quais os limites ou barreiras existentes que impedem (ou dificultam) a busca por cidades sustentáveis e inclusivas? Morozov e Bria (2019MOROZOV, E.; BRIA, F. (2019). A cidade inteligente – Tecnologias urbanas e democracia. São Paulo, Ubu., pp. 18-19) consideram que qualquer tentativa de compreensão dos aspectos relativos à dominação ideológica da expressão smart nas cidades deve ser relacionada com os preceitos neoliberais que restringem a autonomia das cidades, suas escolhas e decisões econômicas.

Essas tecnologias constituem um componente essencial das análises que Harvey (2016HARVEY, D. (2016). Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo, Boitempo., p.155) chamou da passagem do “gerencialismo urbano ao empreendedorismo urbano”, ou o que Faburel (2018)FABUREL, G. (2018). Les métropoles barbares. Paris, Le passager clandestine. chamou a “emergência do neoliberalismo urbano”.

Harvey (ibid., p. 161) destaca também que as políticas voltadas para o empreendedorismo urbano se referem à “luta ferrenha em torno da aquisição de funções-chave de controle e comando nas altas finanças, no governo ou na coleta e no processamento de informações, incluindo a mídia” (ibid., p. 164). Para isso, são necessários investimentos nas infraestruturas e serviços de transportes, na construção de aeroportos, terminais de integração e redes de internet disponíveis para a formação qualificada de jovens quadros técnicos em hubs universitários associados a parques tecnológicos que se localizam nessas áreas. Essa é a cidade que Harvey (ibid., p. 165) chama de “cidade informacional e pós-industrial em que a exportação de serviços (financeiros, informacionais, produtores de conhecimento) se torna a base econômica para a sobrevivência urbana”.

Portanto, a visão empreendedora que as cidades buscam construir em torno de uma imagem de modernidade, no atual século XXI, obedece à lógica da racionalidade neoliberal, que se expressa pela competição entre indivíduos e empresas. Assim, os fenômenos da precarização das relações de trabalho e a emergência das big techs são a expressão dessa racionalidade neoliberal, que atinge o cotidiano das pessoas, acentuado ainda mais durante a atual pandemia Covid-19 que obriga as pessoas a realizarem o trabalho on-line (quando podem e o possuem) ou, então, a se transformar em precarizados submetidos aos aplicativos do e-commerce que dominam a vida cotidiana das cidades

Que elementos de análise podemos então tirar das experiências práticas de alternativas à gestão das cidades sob a ótica do neoliberalismo e das tecnologias digitais? A experiência recente original vivida por Morozov e Bria (2019MOROZOV, E.; BRIA, F. (2019). A cidade inteligente – Tecnologias urbanas e democracia. São Paulo, Ubu., pp. 108-109) mostra que o acesso e controle dos dados gerados pelas plataformas tecnológicas constituem-se em recurso estratégico para as cidades, daí por que é essencial a propriedade e o controle pelo poder público. Essa é discussão central do livro clássico elaborado por Zuboff (2019ZUBOFF, S. (2019). A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro, Intrínseca., p. 19) sobre a era do capitalismo de vigilância, que “reivindica de maneira unilateral a experiência humana como matéria-prima gratuita para a tradução em dados comportamentais”.

Assim, a questão do acesso e controle dos dados pelos poderes públicos é crucial para a gestão das cidades; esses poderes, sendo atribuídos pelos quadros jurídicos locais aos poderes públicos, tornam-nos, portanto, legítimos proprietários dos dados, gerados pelas plataformas digitais através dos algoritmos que registram a vida das pessoas, a exemplo dos serviços públicos e da mobilidade urbana. Por isso importância de os dados serem definidos como comuns, através de softwares livres e de alternativas de código aberto, por exemplo.

É possível elaborar e implantar uma “smart city não neoliberal”? Essa é a questão central de Morozov e Bria (2019)MOROZOV, E.; BRIA, F. (2019). A cidade inteligente – Tecnologias urbanas e democracia. São Paulo, Ubu. que, ao responderem positivamente, alertam para pelo menos três aspectos: 1) os modelos políticos e econômicos em que se baseiam as políticas das cidades são determinados nos planos local, nacional e mundial (ibid., p. 77); 2) o que requer a construção de alianças solidárias com organizações da sociedade civil e empreendedores de tecnologias que ofertem serviços contemplando direitos trabalhistas e aspectos ambientais (p. 183); 3) de modo que os dados gerados pelas plataformas “não sejam trancafiados em silos corporativos”, mas que sejam disponibilizados para usos públicos (pp. 181-182).

Foletto (2021)FOLETTO, L (2021). A cultura é livre. Uma história da resistência antipropriedade. São Paulo, Autonomia literária. aborda o debate sobre propriedade intelectual, controle de dados e domínio público, mostrando que as concepções e os regulamentos se alteram com o tempo, em função do desenvolvimento do capitalismo e da cultura de propriedade das obras artísticas e culturais. O autor mostra que, na antiguidade, a cultura oral tinha circulação pública e se expressava livremente, com o predomínio da ideia de que “o publicado pertence a todos”. Na passagem do feudalismo ao mercantilismo, surge a cultura impressa, com a Bíblia de Gutemberg, as publicações em grande escala; surgindo daí as primeiras licenças para impressores e editores de obras, que passam a ser seus proprietários. Essa cultura da propriedade intelectual se fortalece no século XIX no contexto do capitalismo industrial, do liberalismo e dos avanços das tecnologias de comunicação lideradas pelas invenções do telégrafo, rádio, ferrovias, barcos a vapor e automóvel, já no início do século XX, com as grandes empresas de energia e comunicações. Estamos, um século depois, na era internet, com os debates sobre o software livre e a creative commons, surgida em 2001 para construir licenças alternativas ao copyright, com as batalhas judiciais que se sucederam.

Assim, a questão da propriedade e do controle dos dados é essencialmente política e depende da evolução dos contextos e interesses dos atores da sociedade; justificando-se, pois, na perspectiva dos comuns, o controle público sobre os dados gerados pelas tecnologias digitais. Isso não significa que a operacionalização dessa concepção seja simples (Savazoni, 2018SAVAZONI, R. (2018). O comum entre nós. Da cultura digital à democracia do século XXI. São Paulo, Edições Sesc.). O autor reafirma a validade do conceito, devendo-se, para isso, atuar nos âmbitos local e global, junto às comunidades, para desenvolver modelos que possam ser implantados, atuando para a construção de uma “consciência planetária sobre a importância da sustentabilidade, participação, cooperação, liberdade, democracia, produção entre pares, bens comuns, entre outros aspectos, e levando seus resultados para o nível regulatório”(ibid., pp. 31-32).

Mostramos, até aqui, que se constituem comuns urbanos as cidades e seus espaços públicos, os serviços públicos que nela são ofertados à população juntamente com a propriedade e o controle dos dados gerados pelas plataformas digitais. Portanto, um dos serviços públicos essenciais, a mobilidade constitui também um comum urbano. Essa visão conceitual nos permite pensar um novo modelo civilizacional, nos termos definidos por Santos (2021)SANTOS, B. S. (2021). O futuro começa agora: da pandemia à utopia. São Paulo, Boitempo., estando também em sintonia com a Declaração da Plataforma Global do Direito à Cidade (2015)PLATAFORMA GLOBAL DO DIREITO À CIDADE (2015). Declaração da Plataforma Global do Direito à Cidade. Disponível em: https://www.caubr.gov.br/wp-content/uploads/2015/10/GPR2C-diamundialhabitat5outubro2015.pdf. Acesso em: 26 nov 2022.
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, que defende uma gestão pública tendo como eixo central a participação cidadã na preservação das cidades como bens comuns, ressaltando a importância dos governos locais, que devem contar com os meios adequados para garantir, à população, o acesso a serviços básicos ligados à gestão da mobilidade, dos espaços públicos, do meio ambiente, entendidos como patrimônios de todos.

Essa concepção do direito à cidade, que remonta a Lefebvre (1968)LEFEBVRE, H. (1968). Le droit à la ville. Paris, Anthropos., está em sintonia com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) aprovados pelas Nações Unidas em 2015, destacando-se, para o propósito deste artigo, o ODS 11, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Isso significa a defesa do acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, em especial para mulheres, crianças, idosos e deficientes, em uma visão holística integrativa entre políticas habitacionais, saneamento básico, transportes públicos, em perspectiva de proteção ao meio ambiente e da urbanização inclusiva e sustentável.

Comuns urbanos no contexto das lutas sociais atuais

Trata-se, portanto, de retomar essa concepção do direito à cidade, entendida hoje como um comum urbano, que vem se fortalecendo no contexto dos protestos e lutas dos diversos movimentos sociais em todo o mundo e cujas reivindicações (Zizek, 2020ZIZEK, S. (2020). Pandemia: Covid-19 e a reinvenção do comunismo. São Paulo, Boitempo., p. 104) lidam com pelo menos duas questões: uma de natureza econômica e social, voltada à redução das desigualdades, e outra político-ideológica, que inclui desde demandas pela democracia até exigências para a superação da democracia multipartidária usual. Essas lutas vêm ocorrendo em espaços públicos, dando-lhes um caráter simbólico de espaços de resistência comum, refletindo “o descontentamento geral com o sistema capitalista que, é claro, adquire diferentes formas aqui e ali” (Occupy, 2012OCCUPY (2012). Movimentos de protestos que tomaram as ruas. São Paulo, Boitempo., p. 21). Essas lutas sociais recentes que ocorrem desde a primeira década do século XXI (ibid.) têm início no Movimento Verde Iraniano de 2009, com os protestos contra as eleições presidenciais iranianas, seguindo-se, em 2011, a chamada Primavera Árabe na Praça Tahir, no Egito, estendendo-se, entre outros, ao Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e chegando ao Brasil com as Jornadas de Junho, em 2013.

Essas lutas sociais em torno de temas ligados aos comuns urbanos adquirem toda a sua plenitude na Espanha, a partir de 15 de maio de 2011, quando movimentos sociais ocuparam a Puerta del Sol de Madrid, dando origem ao movimento conhecido como os “indignados” ou Movimento de 15 Maio (M15). Seu crescimento ocorreu em um contexto de crise econômica, de incapacidade de as instituições tradicionais responderem às necessidades das pessoas, culminando, em 2015, com a eleição de Ada Colau à municipalidade de Barcelona. A sua plataforma política, “Barcelona en Comú”, expressa, com o conteúdo político ligado à abordagem dos comuns, como alternativa de governo e da atual sociedade neoliberal. Nas palavras da prefeita: “nós nos apropriamos das redes, das ruas, das praças. Confrontados por um verdadeiro bloqueio institucional impedindo qualquer mudança vinda do alto, nós decidimos nos apropriar dessas instituições, a fim de colocá-las a serviço das maiorias e do bem comum. Para nós, ‘ganhar a cidade’ ultrapassa a simples vitória nas eleições municipais; o desafio consiste em colocar em prática um novo modelo de governo local sob controle cidadão, transparente e participativo, que permita lançar políticas justas, redistributivas e duráveis, para enfrentar a crise econômica e política” (Barcelone en Comú, 2016).

É, nesse contexto, que Barcelona se torna mundialmente conhecida como la ciudad de los comunes, identificando-se, daí uma agenda urbana que emerge dessas experiências, na perspectiva da criação de alternativas à cidade capitalista, tendo Câmara-Menoyo, Ribera-Fumaz e León-Casero (2022) identificado experiências de comuns que emergem das lutas pela ocupação de espaços vazios urbanos, com criação de hortas urbanas, direito à habitação, gestão de equipamentos e serviços públicos, soberania tecnológica, educação, mobilidade e uso dos espaços públicos, contra a especulação imobiliária, pela democracia e participação social. O amplo leque de propostas observadas nos comuns urbanos de Barcelona fundamenta-se em princípios de equidade, do direito à cidade e à ação coletiva, apontando para uma nova agenda urbana, em oposição às políticas neoliberais ou ao cercamento das áreas urbanas que beneficiam poucos atores econômicos, em detrimento da maioria. Em Barcelona, registre-se que as experiências de comuns urbanos presentes na gestão da mobilidade se referem ao uso compartilhado de bicicletas e veículos elétricos geridos por comunidades de usuários, através de plataformas cooperativas que vêm sendo criadas, desde o início da gestão da prefeita Ada Colau, e que se estendem a outras cidades da aglomeração (Cities, 2019CITIES (2019). Les comuns urbains. Régards croisés sur Montreal et Barcelone, um ouvrage collectif. Centre International de Transfert d´Innovations et de Connaissances em Économie Sociale et Solidaire. Montreal.).

No Brasil, a operacionalização desse novo modelo de gestão democrática das cidades somente será possível se formos capazes de formular uma nova agenda para as cidades, em torno de uma narrativa capaz de mobilizar os atores sociais, em especial as lideranças políticas, que precisam estar convictas da importância de políticas públicas que implementem diretrizes voltadas para um novo modelo de gestão da mobilidade urbana e das bases de dados necessárias ao seu planejamento, na perspectiva dos comuns.

Holden et al., (2020)HOLDEN, E.; BANISTER, D.; GÖSSLING, S.; GILPIN, G.; LINNERUD, K. (2020). Grand Narratives for sustainable mobility: a conceptual review. Energy Research& Social Science, v. 65., em artigo seminal sobre a evolução conceitual das narrativas para a mobilidade sustentável, ressaltam o comentário do historiador Yuval Noah Harari, sobre a força das narrativas que se constroem em torno de um tema. Uma narrativa parte de uma ideia, de uma história que pode vir a ter o poder de mobilizar pessoas para a sua concretização. Os autores debruçam-se sobre as dificuldades para pôr em prática, 30 anos depois, o conceito de mobilidade sustentável (que aparece, pela primeira vez, no Livro Verde da União Europeia, em 1992, em sequência ao Relatório Bruntdland de 1987). Para isso, constroem nove narrativas, ressaltando que qualquer tentativa para viabilizar o objetivo da mobilidade sustentável deve abordar os três imperativos do desenvolvimento sustentável: satisfazer as necessidades humanas, garantir a justiça social e respeitar os limites ambientais.

As nove narrativas construídas no artigo (ibid.) são transformadas em três: 1) eletromobilidade; 2) prioridade ao transporte coletivo; 3) sociedade com baixa mobilidade; que se constituem nas estratégias a serem adotadas para se chegar à mobilidade sustentável, através da melhoria da eficiência dos serviços de transportes, da alteração dos deslocamentos em favor dos modos ativos e transportes públicos e da redução das viagens de carro. Isso significa, para os autores (ibid.), a busca por cidades com baixa mobilidade, usando teletrabalho, combinando boa qualidade de vida com menos viagens, em deslocamentos mais curtos, através de um planejamento compacto do uso do solo, em uma cidade sem carros; com foco na excelência do transporte público acessível a todos, integrado com modos ativos, ofertados em pacotes aos usuários por plataformas integradoras, fortalecendo o compartilhamento de viagens e incentivando a eletromobilidade.

Para a implantação dessa mobilidade sustentável com foco no conceito do comum, Holden et al. (ibid.) colocam um grande desafio que é a definição da liderança que deve conduzir esse processo; ou seja, quem, entre os atores públicos (políticos e burocratas), os atores cívicos (pessoas) e atores privados (empresas), pode exercer essa liderança? Para a liderança política é colocada uma narrativa construída em torno da mobilidade como instituição do comum (Brasileiro et al., 2021BRASILEIRO, A.; MEIRA, L. H.; RABAY, L.; CAVALCANTI, N.; SANTOS, P. R. G. (2021). A mobilidade sustentável como instituição do comum: o desafio de sua inclusão na agenda das políticas públicas do Brasil pós Covid-19. Revista Transporte y Territorio, v. 25, pp. 138-159. DOI: https://doi.org/10.34096/rtt.i25.1096.
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), que se operacionaliza através de diretrizes voltadas para a redução do uso do carro para fins particulares (reforçando a mobilidade compartilhada), a prioridade aos modos ativos e aos transportes públicos, a mudança no padrão energético, com prioridade aos veículos elétricos que possibilitam a transição ecológica, e o atendimento do ODS 11. Uma narrativa construída em torno dessas diretrizes necessita da adoção de novas formas de governança integrada da mobilidade e dos serviços urbanos, de modo que o conceito dos comuns fortaleça essas novas abordagens que possibilitam a gestão integrada das políticas públicas nas cidades (De Gouvello e Jaglin, 2021DE GOUVELLO, B.; JAGLIN, S. (2021). Commons et services urbains: un croisement fructueux? Flux, n. 124-125, pp. 1-11.).

Diretrizes para um modelo de gestão da mobilidade

A necessidade de um novo modelo de gestão da mobilidade nas cidades brasileiras parte da constatação da incapacidade do atual modelo baseado na concessão dos serviços de transportes a empresas privadas, em responder às necessidades de deslocamentos da população. Isso aliado à fragilidade das autoridades públicas em aplicar os princípios constitucionais, de modo a resolver problemas que se já existiam antes da pandemia Covid-19 se ampliaram e tendem a se agravar com o tempo. Dentre esses problemas, destacam-se: queda da demanda; superlotação e longas filas de espera nos terminais e paradas de ônibus; tempos de viagem elevados; modelo de tarifação esgotado, pois baseado em recursos oriundos da tarifa paga pelos usuários; processos licitatórios emperrados (ou ausentes); forte desarticulação entre níveis de governo que dificulta o frágil controle das informações; além da omissão das autoridades metropolitanas em promover uma gestão integrada dos serviços públicos com o planejamento do uso do solo (Andrade, Lima Neto e Rabay, 2021).

Essa crise dos transportes públicos no Brasil nada mais é do que uma expressão das políticas neoliberais que vêm sendo adotadas no País desde meados dos anos 1980. São exemplos: a desestruturação e extinção das empresas públicas de ônibus, como a famosa CMTC – Companhia Municipal de Transporte Coletivo de São Paulo, extinta em 1994 (Brasileiro e Henry, 1999), acompanhadas do sucateamento e da extinção das redes de trólebus ocorridas desde as décadas de 1990 e 2000, muito bem-documentadas, por exemplo, para o caso da cidade de Araraquara, que se constituiu até recentemente em um exemplo de sucesso do transporte público (Borchers e Figuerrôa-Ferreira, 2022).

Essas políticas desestruturadoras da ação pública nas cidades brasileiras vieram acompanhadas pela ascensão progressiva das empresas privadas de ônibus urbanos na oferta de serviços à população, cujos contratos de concessão por longos períodos resultam de licitações com elevadas barreiras à entrada, o que favorece as empresas já presentes nos mercados urbanos – metropolitanos. Um aspecto essencial a registrar é a fragilidade da participação de atores representativos da população na formulação e aplicação das políticas de transportes, a exemplo da definição das tarifas ou da programação operacional das linhas de ônibus, revelando mais uma face do modelo de governança neoliberal que domina as políticas públicas brasileiras (Brasileiro et al., 2021BRASILEIRO, A.; MEIRA, L. H.; RABAY, L.; CAVALCANTI, N.; SANTOS, P. R. G. (2021). A mobilidade sustentável como instituição do comum: o desafio de sua inclusão na agenda das políticas públicas do Brasil pós Covid-19. Revista Transporte y Territorio, v. 25, pp. 138-159. DOI: https://doi.org/10.34096/rtt.i25.1096.
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). Urge, pois, a construção de uma nova agenda urbana com vistas a outro modelo de gestão da mobilidade em nossas cidades, sendo para isso necessário um reposicionamento político dos atores sociais e das lideranças políticas em torno das cidades e seus serviços públicos como comuns urbanos.

Observe-se, nesse sentido, que soluções existem, como mostram os resultados do Fórum realizado em 2020, logo após o início da pandemia, por universidades brasileiras, cujas soluções de curto, médio e longo prazo estão expostas em Andrade, Lima Neto e Rabay (2021). Ressalte-se, ainda, a robustez do quadro jurídico brasileiro, que, através da Constituição Federal, define os papéis das autoridades de tutela, em seus diversos níveis. Acrescente-se a clareza das diretrizes de políticas públicas de transportes e serviços urbanos, expressas no Estatuto da Cidade (2001) e na Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU).

Ora, se existem instrumentos legais de suporte a essas políticas, por que então os problemas não são resolvidos? Essa questão se desloca para o campo da ciência política, das instituições e dos grupos de interesse, exigindo a construção de narrativas baseadas na abordagem dos comuns urbanos que fortaleçam a ação das lideranças políticas (Brasileiro et al., 2021BRASILEIRO, A.; MEIRA, L. H.; RABAY, L.; CAVALCANTI, N.; SANTOS, P. R. G. (2021). A mobilidade sustentável como instituição do comum: o desafio de sua inclusão na agenda das políticas públicas do Brasil pós Covid-19. Revista Transporte y Territorio, v. 25, pp. 138-159. DOI: https://doi.org/10.34096/rtt.i25.1096.
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), na construção de uma nova agenda para as cidades brasileiras, na qual um dos pilares esteja na implantação de um novo modelo de gestão da mobilidade cujas diretrizes indicamos a seguir.

A primeira diretriz de gestão da mobilidade sustentável aborda a dimensão relativa à necessidade de uma coordenação integrada das redes de infraestruturas urbanas e do planejamento urbano, através de uma organização criada (ou repensada entre as existentes) para esse fim. Uma vez que a cidade e seus espaços públicos são conceituados enquanto comuns, portanto, a serem compartilhados de forma equilibrada, há que se exercer a regulação e o controle sobre as bases de dados e algoritmos que geram informações para a gestão das vias e suas infraestruturas em rede, indo dos transportes públicos, modos ativos e individuais, às redes de saneamento, telefonia, gás, energia, habitação; de modo que a mobilidade definida aqui como a capacidade da população de ter acesso aos serviços públicos e à cidade possa ser atendida em uma nova agenda urbana.

A segunda diretriz trata da necessidade de se conhecer o perfil e o comportamento da demanda por transporte público e individual; sendo necessárias a realização de pesquisas periódicas e a gestão pública dos dados de oferta e demanda, por uma autoridade metropolitana que tenha controle sobre itens essenciais como: programação operacional dos serviços de ônibus, avaliação dos operadores, gestão dos contratos previamente licitados, com definições claras da propriedade pública dos dados gerados pelos algoritmos das empresas operadoras contratadas, junto com a elaboração de políticas tarifárias baseadas no financiamento das tarifas pelos chamados beneficiários indiretos dos sistemas de transportes (Brasileiro e Henry, 1998BRASILEIRO, A.; HENRY, E. (1998). Viação ilimitada. Ônibus das cidades brasileiras. São Paulo, Cultura.).

A terceira diretriz busca fortalecer as relações entre transportes e economia de proximidade, o que significa valorizar os espaços públicos locais e as economias de proximidade através do fomento à produção local familiar capaz de gerar emprego e renda. É essencial que o poder público qualifique esses espaços públicos, sobretudo nos bairros populares, para o uso de bicicletas e caminhadas, tornando agradável e segura a vida dos pedestres e ciclistas. As tecnologias digitais podem contribuir para a mobilidade compartilhada com o uso integrado de transporte público e de automóveis para viagens comuns entre habitantes da região, o que contribui para a diminuição do uso do carro em nível individual.

Uma quarta diretriz refere-se à dimensão relativa à governança da gestão da mobilidade e de suas bases de dados pelas autoridades públicas locais, mas contando com o apoio essencial do Estado, em nível federal e estadual, como define a própria Constituição Brasileira. Uma nova agenda urbana para as cidades brasileiras há que partir da criação de um fórum permanente com representação de todos os atores sociais, com atribuições para definir políticas de planejamento do uso do solo, da mobilidade e seu acompanhamento. Assim, na perspectiva da gestão pública da mobilidade sustentável e dos dados gerados pelos aplicativos, ambas entendidas enquanto comuns urbanos, a cogestão e a coparticipação na definição e aplicação das diretrizes acima pelas organizações da sociedade, seguindo regras claras de escolha de suas representações, são condições básicas para um novo modelo de gestão das cidades na direção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Considerações finais

A recente crise sanitária, econômica e social provocada pela pandemia da Covid-19 mostrou claramente os limites do modo de produção capitalista em sua fase neoliberal, expresso pela crise climática e pelo aumento das desigualdades sociais em todo o mundo. Todavia, essas desigualdades têm atingido, de modo mais intenso, as camadas mais vulneráveis em termos socioeconômicos da população, também carentes de serviços públicos e infraestruturas de habitação, saneamento, transportes e vivendo, em geral, em áreas periféricas das metrópoles mundiais e brasileiras em particular.

Daí a necessidade da construção de uma nova agenda urbana que tenha como foco um novo modelo civilizacional baseado na abordagem dos comuns. Nessa perspectiva, os resultados deste artigo apontam para a comprovação da hipótese da pesquisa, de que a abordagem tanto das cidades, de seus serviços públicos, da mobilidade urbana em especial, quanto do acesso e controle dos dados gerados pelas tecnologias digitais, enquanto comuns urbanos, pode contribuir para a construção de uma transição para um novo modelo civilizacional, baseado em cidades sustentáveis, resilientes, seguras, atendendo-se, assim, aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Mas, para isso, procurou-se mostrar a necessidade da construção de narrativas robustas o suficiente para influenciar as lideranças políticas de modo que coloquem, em uma nova agenda urbana, diretrizes e ações voltadas para a defesa da mobilidade urbana e das bases de dados geradas pelas tecnologias digitais como comuns urbanos. Essas diretrizes apontam a necessidade de um novo modelo de gestão para a mobilidade nas cidades brasileiras baseada na prioridade ao transporte público e aos modos ativos, na valorização dos espaços públicos e na transição energética, com redução do uso do automóvel individual e com o aumento dos usos de modos compartilhados, integrados por plataformas digitais, cuja propriedade e controle dos dados sejam assumidos pelas autoridades de tutela.

Há também que se buscar a coordenação entre as redes de infraestruturas e serviços urbanos, associada ao planejamento do uso do solo, com atividades que gerem emprego e renda nas proximidades dos locais de moradia. Mas, para isso, é essencial o fortalecimento das autoridades de tutela, seguindo-se a Constituição Federal de 1988 e pondo em prática um pacto federativo através da cooperação entre o Estado federal, que estabelece diretrizes de políticas públicas, além de financiar a expansão e a manutenção das infraestruturas urbanas, em especial nas áreas de habitação, saneamento e transportes; e os estados e municípios da federação, que devem contar com servidores públicos concursados com competências voltadas para o exercício da regulação dos serviços públicos.

Este artigo apontou algumas diretrizes a serem adotadas em uma nova agenda urbana, que levem a um novo modelo de gestão participativa da mobilidade nas cidades brasileiras. Todavia, a questão que se coloca, para pesquisas futuras, diz respeito a sua operacionalização. Para isso, os oito princípios definidos por Ostrom (2010)OSTROM, E. (2010). Gouvernance des biens communs. Pour une nouvelle approche des ressources naturelles. Bruxelles, De boeck Supérieure. e enunciados neste artigo se constituem em uma espécie de quadro de referência a seguir, para a implementação da mobilidade enquanto um comum urbano.

Assim, em futuro próximo, as pesquisas a serem objeto de teses, dissertações e trabalhos de profissionais ligados aos transportes e sua mobilidade na perspectiva dos comuns devem elaborar diagnósticos das situações atuais da gestão da mobilidade nas cidades, seus organogramas e mecanismos formais (ou não) de participação social, normas e regulamentos existentes, mecanismos de decisão das políticas de transportes e sua mobilidade. Com isso, será possível identificar as barreiras e oportunidades à participação social na gestão da mobilidade, podendo ser realizadas pesquisas através de grupos focais para identificar formas de participação social para um novo modelo de gestão da mobilidade urbana, que seja inclusivo e equânime, permitindo o acesso da população aos benefícios gerados pelas tecnologias digitais que, submetidas à regulação pública, possam contribuir para a geração de emprego e renda. Portanto, a abordagem dos comuns desenvolvida através das diretrizes acima mencionadas constitui uma narrativa a ser assumida pelas lideranças políticas e sociais, que possibilite a mobilização da sociedade em para uma nova agenda urbana voltada para a mobilidade sustentável em nossas cidades.

Mas é preciso sempre lembrar que a construção de uma alternativa ao neoliberalismo a partir da abordagem dos comuns é diretamente ligada à capacidade de mobilização dos atores sociais em defesa de reivindicações ligadas ao acesso com qualidade aos serviços públicos, pois há estreita relação entre as lutas dos movimentos sociais e a implementação de práticas de coparticipação e cogestão ligadas aos comuns urbanos. A emergência e o fortalecimento dos comuns são, pois, inseparáveis das lutas urbanas pelo direito à cidade, como já afirmava Lefebvre (1968)LEFEBVRE, H. (1968). Le droit à la ville. Paris, Anthropos. há mais de 50 anos atrás. Em permanente luta política pelo direito à cidade, há que se acompanhar experiências atuais, a exemplo de Barcelona onde a prefeita Ada Colau vem implementando, com sucesso, sua plataforma política Barcelone em Comú.

No campo da mobilidade, é necessário recensear e acompanhar as experiências internacionais e brasileira de governança dos comuns, que se fazem presentes, por exemplo, em Barcelona, através do compartilhamento de viagens em bicicletas ou em veículos com o uso de plataformas digitais, cujos dados são de propriedade das comunidades de cidadãos que gerenciam esses recursos. Nesse sentido, a importância de se ter em conta a escala ou o tamanho das experiências de comuns urbanos (Harvey, 2011HARVEY, D. (2011). The future of the commons. Radical History Review, issue 109. DOI: 10.1215/01636545-2010-017.), pois, quanto maior o tamanho da atividade a ser gerida como um comum urbano, mais difícil a sua gestão, porque exigirá negociações mais complexas entre os atores em seus diversos níveis de governo.

Daí porque as experiências mostram ser mais recomendável na gestão da mobilidade na perspectiva dos comuns que se parta de escalas micro, a exemplo da experiência de Barcelona aqui narrada. E à medida que as experiências vão se sucedendo e se firmando em termos de autonomia e perenidade, as escalas de gestão da mobilidade vão se ampliando até abranger o território municipal e os modos de transportes. Trata-se de um longo percurso a percorrer, na certeza de que esse é o melhor caminho para a gestão compartilhada dos serviços públicos e da mobilidade das cidades. Em pesquisas futuras, há que se aprofundar os modelos de governança dos comuns urbanos em termos de seu financiamento, das responsabilidades entre níveis de governo e atores sociais, do quadro jurídico a ser adotado para proteger a perenidade dos comuns. Se sabemos que os comuns constituem um conceito complexo, estando presentes em praticamente todas as atividades das cidades, é bem verdade que suas práticas de cogestão e coparticipação necessitam da existência de uma permanente luta pela democracia e construção da cidadania, em especial nas cidades brasileiras

Nota de agradecimento

Agradecemos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pelo apoio financeiro que viabilizou a elaboração desta pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    11 Nov 2022
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