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Deslocamento casa-trabalho: o uso dos modais e do tempo na cidade de Fortaleza

Resumo

Este artigo analisa os dados de pesquisa realizada em Fortaleza, com objetivo de refletir sobre o deslocamento casa-trabalho e suas características socioespaciais, bem como sobre a relação entre modais de transporte e tempo. Demonstra a concentração de postos de trabalho na zona central (norte-leste), enquanto há concentração populacional num cinturão periférico oeste-sul, com tendência à monofuncionalidade. Isto aponta para o spatial mismatch que acomete a população mais pobre, penalizada ainda com jornadas mais longas e demoradas no transporte público. A pesquisa demonstra como as classes altas são beneficiadas com jornadas mais curtas e rápidas, ao passo que o sistema público de transporte sofre de desorganização e ineficiência e os terminais rodoviários de integração adicionam muito mais tempo à jornada casa-trabalho.

mobilidade urbana; modais de transporte; spatial mismatch; cidades; Fortaleza

Abstract

The article analyzes data from a research carried out in Fortaleza, with the objective of reflecting on the home-work journey and its socio-spatial characteristics, and also on the relationship between modes of transport and time. It shows concentration of jobs in the central area (north--east) and population concentration in a west- -south peripheral belt, with a tendency towards monofunctionality. This points to the spatial mismatch that affects the poor population, penalized by long, time-consuming journeys on public transport. The research demonstrates that the upper classes benefit from shorter and faster journeys from home to work, while the public transport system suffers from disorganization and inefficiency, and the Integration Bus Terminals add much more time to the home-work journey.

urban mobility; modes of transport; spatial mismatch; cities; city of Fortaleza

O cotidiano de qualquer grande cidade é marcado pelo fluxo de pessoas em suas vias, consistindo em uma característica vital, mas, ao mesmo tempo, problemática. Em aglomerados urbanos cada vez mais extensos e densos, como garantir que populações de literalmente milhões de pessoas se movam de um bairro a outro, de uma zona a outra, a fim de trabalhar todos os dias, dentro de limites aceitáveis de conforto, preço e tempo?

Num momento histórico em que vemos o planeta se tornar majoritariamente urbano pela primeira vez – pois, segundo dados da Organização das Nações Unidas, em 2014, metade da população mundial vivia em grandes aglomerados urbanos, e o número chegou a 55% quatro anos depois (UN, 2018) –, garantir boas políticas de mobilidade urbana é um dos maiores desafios.

Tal problema demanda a realização de pesquisas que possibilitem compreender os elementos sociais do problema e sugerir soluções que deem conta dos aspectos humanos que envolvem a forma como os sujeitos se movem nas grandes cidades. Nesse sentido, o Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec), da Universidade Federal do Ceará, realizou uma investigação sobre a mobilidade urbana em Fortaleza, capital do Ceará, a quinta cidade mais populosa do País, procurando entender como se davam os deslocamentos, os modais de transporte usados, o perfil dos usuários e a forma como usavam os espaços públicos.

A pesquisa abrangeu um projeto mais amplo,1 1 () A pesquisa está inserida em projeto de pesquisa do Lepec que envolve temas como mobilidade urbana, usos do espaço público e políticas públicas das quais apresentamos aqui um recorte. Os dados trazem outros resultados que podem ser explorados em textos futuros. porém, este artigo se propõe a analisar o deslocamento casa-trabalho, buscando entender de que modo fatores como uso do tempo e renda familiar se relacionam aos modais de transporte. Para isso, foram aplicados questionários com transeuntes a partir de um desenho de amostragem aleatória, ao mesmo tempo que foram acompanhadas as políticas públicas de mobilidade urbana, em especial aquelas da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Foi privilegiado o deslocamento casa-trabalho porque o compreendemos como indicador importante do fluxo de pessoas, parcela considerável dos deslocamentos cotidianos e também algo que se destacou nos dados, como se verá.

Os resultados permitem a reflexão sobre como as cidades são orientadas por políticas que beneficiam os automóveis particulares (auxiliados pelo investimento na construção de novas vias, túneis, viadutos, etc.) em detrimento do sistema de transporte público, que, a despeito de alguma qualificação recente – pelo menos no caso estudado –, termina por impulsionar seus usuários para longas e demoradas jornadas no translado cotidiano ao trabalho. Nesse sentido, apesar desse foco específico, não está tão distante das preocupações de Villaça (2009)VILLAÇA, F. (2009). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Institute. sobre a dinâmica interna das metrópoles.

Desenho metodológico da pesquisa e cartografia da cidade

A pesquisa utiliza dados de um survey realizado em Fortaleza entre os meses de agosto e novembro de 2019, com 388 questionários aplicados a partir de cálculo amostral não probabilístico, considerando a população de 2.669.342 (IBGE, 2019IBGE (2019). IBGE Cidades: Fortaleza – Panorama. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE Cidades. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/fortaleza/panorama. Acesso em: 17 mar 2019.
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), com grau de confiança de 95% e margem de erro de 5%. Os formulários foram aplicados presencialmente por 12 aplicadores em vias e praças públicas, terminais de transporte, pontos de ônibus, estacionamentos de grandes estabelecimentos comerciais e locais de grande fluxo de transeuntes. Os dados foram tabulados em formulário eletrônico da plataforma Google Forms e analisados por meio do software Microsoft Excel e do SPSS.

Em busca de qualificar os resultados, adotou-se um procedimento de estratificação amostral a partir de quatro variáveis: sexo, faixa etária, modal usado para o transporte cotidiano (priorizando a polaridade transporte público e privado) e distribuição geográfica na cidade. Neste último ponto, escolheu-se desenvolver uma nova divisão territorial, já que a cartografia oficial não foi considerada satisfatória: em 2019, Fortaleza era dividida em sete Secretarias Executivas Regionais (SERs), que atuavam como subprefeituras, porém, cobrindo vastos territórios de natureza heterogênea, sendo uma divisão administrativa, não baseada em caracterizações históricas ou sociais de maneira criteriosa.

A regionalização alternativa construída para a pesquisa objetivava que a distribuição de formulários pudesse responder às especificidades sociais que marcam a cidade. Para isso, o município foi dividido em 15 zonas (Figura 1), aglutinando de 6 a 13 bairros em cada, com acumulados populacionais variando entre 80 mil e 330 mil habitantes. A ideia não era criar blocos homogêneos em termos de área ou população, mas aglomerados orientados por suas histórias de ocupação do solo, lutas políticas, relações sociais, perfis socioeconômicos, etc., valendo-se da experiência prévia de pesquisas urbanas dos autores e da bibliografia de referência (Accioly e Nogueira, 2015ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.; Aragão et al., 2008ARAGÃO, E. F. et al. (2008). Fortaleza e suas tramas: olhares sobre a cidade. Fortaleza, EdUECE.; Costa e Amora, 2015COSTA, M. C. L.; AMORA, Z. B. (2015). “Fortaleza na rede urbana brasileira: de cidade à metrópole”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 31-76. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.; Iplanfor, 2015IPLANFOR (2015). Fortaleza 2040: Iniciando o diálogo por uma Fortaleza de oportunidades, mais justa, bem cuidada e acolhedora. Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza/Iplanfor, v. 2, n. 1, ano II.).

Figura 1
– Zoneamento de Fortaleza construído pela pesquisa

A territorialização criada para a pesquisa terminou por se mostrar acertada, pois, em dezembro de 2019, após o trabalho de campo, a Prefeitura Municipal de Fortaleza encaminhou projeto de lei à Câmara Legislativa propondo a nova divisão da cidade em 39 territórios, aglutinados em 12 regionais, alegando ser melhor à gestão política. O mapa das 12 novas SERs guarda muitas semelhanças às 15 zonas da pesquisa, “coincidência” que confirma, em alguma medida, a lógica de nossa divisão.2 2 () “A nova regionalização foi criada por lei complementar n. 278, de 23 de dezembro de 2019. Já o decreto n. 14.590, de 6 de fevereiro de 2020, trouxe a renomeação das regionais, com novos mapas. Em 31 de dezembro de 2020, por meio do decreto n. 14.899, o então prefeito Roberto Cláudio publicou a nova regulamentação da estrutura administrativa e do processo de transição das Regionais” (Entenda..., 2021, s/p).

O questionário tinha 32 questões objetivas e foi elaborado visando ao preenchimento ágil e rápido, já que seria aplicado em situações de deslocamento; e contemplava caracterização social (cidade e bairro de moradia, idade, gênero, cor da pele, renda familiar, grau de instrução, situação laboral); formas de deslocamento cotidiano; usos de espaços públicos na cidade em geral e no bairro de residência em particular; desafios e medos enfrentados no deslocamento. O conjunto de respostas possibilita múltiplos olhares e análises que estão sendo desenvolvidas pelo grupo de pesquisa.

Acerca do deslocamento cotidiano, a equipe usou o diagrama com símbolos criado para a pesquisa de Carneiro (2020)CARNEIRO, G. L. S. (2020). “De burca ou de biquíni”: direto à cidade, mobilidade urbana e assédio de rua em Fortaleza/CE. Dissertação de mestrado. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará., que permitia, no momento da entrevista, anotar rapidamente vários detalhes do trajeto e os múltiplos modais utilizados, descrevendo necessidade de caminhadas, uso de transporte (público ou privado), passagem pelos terminais rodoviários de integração, troca de modais, etc.

Como escrito, a construção amostral foi orientada pela estratificação em sexo, faixa etária, modal de transporte e distribuição geográfica, buscando manter a proporcionalidade quanto aos dados de referência do Censo 2010 (no caso da distribuição de sexo, faixa etária, território) e outros sobre o uso dos modais de transporte. A frota de veículos da cidade, em setembro de 2020, era de 1,149 milhão de unidades, das quais, 613.054 eram automóveis (Denatran, 2020DENATRAN (2020). Frota de Veículos – 2020. Brasília, Ministério de Infraestrutura/ Denatran. Disponível em: <https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/transito/conteudo-denatran/frota-de-veiculos-2020>. Acesso em: 31 out 2020.
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); distribuídos para uma malha viária de apenas 2.900 km (Frota..., 2014), o que significa que, se todos os veículos fossem enfileirados nas ruas ao mesmo tempo, não haveria espaço para todos no território municipal.

Já o sistema público de transporte é feito principalmente por ônibus, com frota de 1.751 veículos em 2019, segundo o Sindiônibus (Em meio..., 2021). Foi observada gradual diminuição da quantidade de passageiros antes mesmo da pandemia de Covid-19: segundo reportagem do Diário do Nordeste (Mesmo..., 2017), a média mensal de passageiros havia caído de 24,7 milhões para 22,8 milhões entre 2012 e 2016, respectivamente.

O decréscimo respondia a uma tendência nacional: os dados do Anuário da Associação Nacional de Empresas do Transporte Urbano (NTU, 2017NTU (2017). Anuário da Associação Nacional de Empresas do Transporte Urbano: 2016-2017. Brasília, Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos/NTU.) apontam queda na quantidade de passageiros no País entre 2014 e 2017, com pequeno crescimento, em 2018, que se manteve estável em 2019. Tanto a reportagem quanto o Anuário apontavam como causa a opção alternativa de transporte, como viagens por aplicativos ou modais como metrô e bicicletas. Em dezembro de 2019, período próximo à coleta de dados, o número de usuários de ônibus em Fortaleza foi de 21,6 milhões de passageiros/mês (Número..., 2021).

A partir desses números, foi construída a proporcionalidade de usuários de transporte particular e público para orientar a organização dos interlocutores em perfis. Para assegurar a aleatoriedade e melhorar a qualidade da amostra, os perfis foram distribuídos proporcionalmente aos dados (divisão por sexo, faixa etária, população das zonas, número estimado de usuários de transporte público e privado) e sorteados, resultando em metas a serem seguidas em campo pelos aplicadores, para preencher cada uma das variáveis: por exemplo, na zona 1, mediante o sorteio, era preciso entrevistar 7 mulheres de 15 a 29 anos, usuárias do transporte público; 4 homens da mesma faixa etária e modal; 6 mulheres de 30 a 49 anos do mesmo modal; mais 3 mulheres de 30 a 49 anos usuárias de transporte particular; assim, sucessivamente, totalizando 33 interlocutores na zona. Para garantir a diversidade de respondentes e das finalidades de deslocamento, as entrevistas foram realizadas nos turnos da manhã, tarde e noite e em todos os dias da semana.

Como se vê, para a aplicação, os modais foram classificados de modo binário (público e privado) para facilitar o desenho amostral. Para o perfil “transporte público”, realizaram-se entrevistas com transeuntes em pontos de grande concentração de usuários desse sistema: pontos de ônibus estratégicos ou terminais rodoviários de integração. Por sua vez, as entrevistas com usuários de automóvel particular foram feitas em locais de concentração de veículos, como a proximidade de corredores comerciais (nos quais há vagas para estacionar), grandes avenidas, ou estacionamentos de estabelecimentos comerciais e de serviços, como grandes supermercados e shopping centers.

Como os entrevistados eram abordados em situação de deslocamento, não era garantida a moradia ser coincidente à zona na qual se realizava a entrevista, mas em vista de Fortaleza ser, como a maioria das grandes cidades, de natureza policêntrica (Silva e Gonçalves, 2012SILVA, J. B. da; GONÇALVES, T. E. (2012). Urbanização e produção da cidade: Shopping Centers na dinâmica de novas centralidades em Fortaleza-CE. Geosul. Florianópolis, v. 27, n. 53, pp. 63-88.; Accioly e Nogueira, 2015ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.),3 3 () Silva e Gonçalves (2012) nomeiam 10 centralidades em Fortaleza: o Centro tradicional (zona 8) mais os bairros Aldeota (zona 9), Montese (7), Messejana (13), Parangaba (6), Benfica (também na zona 8), Barra do Ceará (1), São Gerardo e Antônio Bezerra (ambos na zona 2) e Edson Queiroz (14). Os autores associam a formação dessas centralidades ao surgimento de grandes shoppings centers, que servem como mobilizadores dos setores terciário e imobiliário. Accioly e Nogueira (2015) e Pequeno (2015) também mencionam os shoppings como esse tipo de mobilizadores para a Região Metropolitana. A partir disso, poderíamos considerar que outros polos estariam surgindo desde então, como no Papicu (zona 9), além do reforço dos centros já existentes com novos empreendimentos. Todavia, para além dos shoppings, contabilizamos outros fatores para o estabelecimento desses outros centros, associados ao chamado “comércio de rua”, como os casos de Messejana, Montese e Antônio Bezerra são exemplares. a circulação de pessoas atende a limitações estratégicas e é orientada por moradia e local de trabalho (ou de estudo). Ainda que tenha havido notória coincidência entre a zona de moradia e a da entrevista (42,3% da amostra), durante o planejamento metodológico, pensou-se que o fato de a abordagem se expandir em todas as 15 zonas garantiria a diminuição da possível distorção gerada em razão de os sujeitos estarem em deslocamento no momento da entrevista. Tal pressuposto se concretizou quando percebemos que a divisão da amostra por moradia nas 15 zonas se manteve relativamente proporcional à população delas, com as zonas 1, 4, 5 e 13 como as mais populosas, o que é próximo à realidade exibida no Quadro 1.

Quadro 1
– Territorialização construída para a pesquisa

De modo similar, abordar um transeunte na saída de um grande supermercado não era garantia de que ele fosse se deslocar de automóvel particular, o que garantia a diversidade da amostra nos outros modais motorizados (como motocicletas ou viagens por aplicativo). Essa abordagem também era válida para o deslocamento no momento da entrevista, o que não era necessariamente coincidente com o modal utilizado para o trabalho ou o estudo.

Urbanização e ocupação do solo

A problemática do mundo urbano pode ser analisada por muitos vieses, e a perspectiva que adotamos aqui é orientada tanto pela atenção aos impactos subjetivos da vida na grande cidade, estudados desde Simmel (1967)SIMMEL, G. (1967). “A metrópole e a vida mental”. In: VELHO, O. G. (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar. a Speck (2017)SPECK, J. (2017). Cidade caminhável. São Paulo, Perspectiva., e às dinâmicas de desigualdades mobilizadas no manejo de sua existência (Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. (2013). O Direito à Cidade. São Paulo, Centauro.; Harvey, 2014HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes. São Paulo, Martins Fontes.); quanto às consequências disso tudo expressas na ocupação do solo (Duhau e Giglia, 2016DUHAU, E.; GIGLIA, A. (2016). Metrópoli, espacio público y consumo. Ciudad de México, Fondo de Cultura Económica.). Um primeiro elemento a considerar em tal questão é seu escopo: 1 a cada 8 habitantes do planeta vive em uma das 33 megacidades existentes (UN, 2018UN (2018). World urbanization prospects: the 2018 revision. Key Facts. Nova York, United Nations.), ou seja, maciços aglomerados urbanos com vasta extensão territorial e mais de 10 milhões de habitantes, segundo a Organização das Nações Unidas.

Embora a vida nesses aglomerados urbanos seja dramática sob o ponto de vista das limitações infraestruturais e de suas consequências socioeconômicas, não se pode ignorar as dificuldades da organização espacial nas cidades de faixas populacionais inferiores. A expansão da urbanização não se detém aos limites políticos ou tradicionais das cidades, criando a conurbação que desafia a gestão dos municípios e impacta diretamente a vida de seus habitantes. O Brasil insere-se nisso de modo peculiar, com seus mais de 210 milhões de habitantes (IBGE, 2019IBGE (2019). IBGE Cidades: Fortaleza – Panorama. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE Cidades. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/fortaleza/panorama. Acesso em: 17 mar 2019.
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); taxa populacional urbana de 84,7% (EducaIBGE, 2019EDUCAIBGE (2019). Conheça o Brasil: população. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18313-populacao-rural-e-urbana.html. Acesso em:5 out 2019.
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); somando 17 municípios com mais de 1 milhão de residentes e outros 25 com mais de 500 mil pessoas.

As mudanças capitalistas do fim do século XX e passagem para XXI e o incremento do neoliberalismo impactaram fortemente a dinâmica das cidades com a ampliação do poder do capital imobiliário em consonância com a diminuição das políticas sociais, inclusive de moradia (Harvey, 2014HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes. São Paulo, Martins Fontes.). O Brasil vivenciou isso com algumas peculiaridades, com seu capitalismo tardio e a dependência econômica de países centrais, mas, no tópico que mais nos interessa aqui, a mobilidade urbana, há alguns pontos a explorar. Maricato (2015)MARICATO, E. (2015). Para entender a crise urbana. São Paulo, Expressão Popular. analisa como a autoconstrução das residências pelas camadas excluídas da população contribuiu para a acumulação capitalista, produzindo um modo pré-moderno ou pré-capitalista de produção das cidades que se focou essencialmente nas franjas de seus territórios, colocando as populações das mais baixas rendas longe das áreas centrais. Essa distância tem grande efeito na mobilidade urbana. Ao mesmo tempo, diz Maricato (ibid.), houve sistemática troca de investimento do transporte coletivo para o individual, ainda mais nas últimas décadas, dentro dos pacotes de infraestrutura que compuseram programas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Em paralelo, o governo brasileiro investiu maciçamente em subsídios para o consumo de automóveis, inclusive, para classes médias baixas, como estratégia para lidar com a crise econômica de 2008, o que contribuiu para transformar o País no quarto maior mercado de automóveis do mundo em 2013 (Lima Filho, 2013). Isso nos lembra das considerações de Villaça (2009)VILLAÇA, F. (2009). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Institute. sobre como não somente o transporte de mercadorias, mas também o de pessoas, precisa ser analisado na dinâmica das cidades, inclusive, porque se configura como consumo e demanda infraestrutura específica, em vias, viadutos e túneis.

Autores como Gehl (2015)GEHL, J. (2015). Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva. ou Speck (2017)SPECK, J. (2017). Cidade caminhável. São Paulo, Perspectiva. mostram que, ao analisar a mobilidade nas cidades, deve ser considerado não somente o transporte motorizado, mas especialmente a qualidade do nível de caminhabilidade, ou seja, a infraestrutura disponível à caminhada. Afinal, como discute Gehl (2015)GEHL, J. (2015). Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva., a mobilidade torna-se eficiente em uma grande cidade quando há a possibilidade de integração entre vários modais (que devem agregar sistemas eficientes de transporte público e veículos “limpos”, como as bicicletas), com a caminhada, servindo como etapa final, o que impacta não apenas a sociabilidade (criando relações comunitárias), mas também a economia, aspecto enfatizado por Speck (2017)SPECK, J. (2017). Cidade caminhável. São Paulo, Perspectiva..

Para isso, é necessária a criação, assim como a manutenção de boas calçadas, passeios e vias para pedestres destinadas à população transeunte. Contudo, apesar de investimentos constantes nos últimos anos – as obras de BRTs e os binários instalados por Fortaleza sempre incluem a requalificação de calçadas –, a qualidade geral das vias para pedestres e acessibilidade ainda é sofrível, como diagnosticam os estudos sobre vias, calçadas e praças de Azevedo (2016)AZEVEDO, M. do S. M. de (2016). Caminhar na cidade: uma reflexão sobre o uso das calçadas em Fortaleza como estrutura de mobilidade do pedestre. Dissertação de mestrado. Fortaleza, Universidade Estadual de Fortaleza. e Santiago, Santiago e Soares (2016). Num levantamento nacional sobre a qualidade das calçadas (Mobilize Brasil, 2019MOBILIZE BRASIL (2019). Calçadas do Brasil: Relatório Final, Campanha 2019. S.l.), Fortaleza ficou em 26º lugar entre as capitais brasileiras, sendo, portanto, uma cidade hostil à caminhabilidade.

Quando analisam o desenvolvimento das cidades no século XX, Duhau e Giglia (2016)DUHAU, E.; GIGLIA, A. (2016). Metrópoli, espacio público y consumo. Ciudad de México, Fondo de Cultura Económica. destacam os casos dos Estados Unidos, onde se deram a descentralização, por meio dos subúrbios destinados às classes médias e altas, e o consequente esvaziamento da zona central; ao passo que, nas metrópoles da América Latina, num contexto de fordismo periférico e substituição das importações, a expansão deu-se ligeiramente diferente, com a concentração das classes médias e altas em zonas centrais, ao mesmo tempo que se criavam extensas periferias populares nas regiões afastadas e intermunicipais. De acordo com Villaça (2009)VILLAÇA, F. (2009). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Institute., que anota a tendência das metrópoles brasileiras à concentração das classes ricas em áreas específicas, é possível perceber isso claramente nos exemplos de São Paulo (com sua região “rica” imediatamente ao sul do Centro), do Rio de Janeiro (em que o Centro serve quase como um apêndice da zona sul); e este definitivamente foi o caso de Fortaleza (Pequeno, 2015PEQUENO, R. (2015). “Condições de moradia e desigualdades socioespaciais: o caso de Fortaleza”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.).

Fundada no início do século XVII pelos colonizadores portugueses, em busca de consolidar o litoral do Nordeste contra invasões estrangeiras (Farias, 2012FARIAS, A. (2012). História do Ceará. Fortaleza, Armazém Cultural.), a ocupação consolidou-se na zona 8 (para usar a territorialização que construímos neste estudo – ver Figura 1) e manteve crescimento lento.4 4 () Nos tempos coloniais, Fortaleza foi a sede do poder político do Ceará, mas não detinha riquezas, e outras cidades mobilizavam a economia através da produção pecuária; e ela só ganhou importância econômica com o desenvolvimento da agricultura do algodão no contexto da revolução industrial, especialmente na segunda metade do século XIX (Lima, 2006; Farias, 2012). A área correspondente às zonas 5, 6 e 13 (Modubim, Parangaba, Messejana) eram outros municípios, que terminaram fagocitados pela capital. No primeiro terço século XX, em busca de distinção (Bruno e Farias, 2012BRUNO, A.; FARIAS, A. de (2012). Fortaleza: uma breve história. Fortaleza. Demócrito Rocha.), as elites moveram-se ligeiramente ao leste (para a zona 9), fazendo surgir a área da Aldeota, que concentra a oferta de comércio e serviços, mas também serve de moradia às classes privilegiadas (Pequeno, 2015PEQUENO, R. (2015). “Condições de moradia e desigualdades socioespaciais: o caso de Fortaleza”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.), ajustando-se ao modelo latino-americano. Disto deriva que nada menos do que 8 dos 10 bairros de maior renda nominal média (Iplanfor, 2015IPLANFOR (2015). Fortaleza 2040: Iniciando o diálogo por uma Fortaleza de oportunidades, mais justa, bem cuidada e acolhedora. Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza/Iplanfor, v. 2, n. 1, ano II.) estão alocados nas zonas 9 e 10. Em contrapartida, há a formação de um grande cinturão de periferias de baixa renda e infraestrutura precária de oeste a sul, correspondendo às zonas de 1 a 5 e 13 (ver Figura 1).

O que é peculiar em Fortaleza é a mancha entre as zonas 10, 11 e 14 ter permanecido como um vazio geográfico – região de rios, lagoas e bosques – até sofrer movimento de ocupação, a partir do final do século passado, resultando tanto em áreas degradadas quanto em novas regiões “nobres” (Pequeno, 2015PEQUENO, R. (2015). “Condições de moradia e desigualdades socioespaciais: o caso de Fortaleza”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.). Refletindo isso, enquanto o cinturão oeste-sul realiza conurbação de zonas empobrecidas dos municípios de Maracanaú e Caucaia; a porção leste-sul cria enclaves de classe alta também conurbados com o Eusébio (Accioly e Nogueira, 2015ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.). Lima et al. (2021)LIMA, L. S.; LOUREIRO, C. F. G.; SOUSA, F. F. L. M.; LOPES, A. S. (2021). Espraiamento urbano e seus impactos nas desigualdades socioespaciais da acessibilidade ao trabalho em Fortaleza. Transportes, v. 29, n. 1. Anpet-Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes. analisam esse movimento mais recente, a partir da noção de segregação espacial, que adota característica voluntária para as classes altas e compulsória para as classes baixas, percebendo a problematização do espraiamento urbano causado pelo duplo movimento.

Pensando na mobilidade urbana, a expansão da ocupação da zona central para o oeste empobrecido e o leste enriquecido não foi planejada e enfrenta três obstáculos físicos à integração da cidade. O primeiro é herança do passado no qual produtos e capitais fluíam do interior à capital por antigas estradas que se transformaram nas principais avenidas (Farias, 2012FARIAS, A. (2012). História do Ceará. Fortaleza, Armazém Cultural.), mantendo o sentido norte-sul, o que garante um conjunto de vias relativamente rápidas, ligando o centro aos corredores industriais da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e ao fluxo de mercadorias advindo de outras regiões do estado. Em contrapartida, a integração interna leste-oeste é bastante precária (Lima Filho, 2019): não há um anel viário interno de conexão leste-oeste, o que obriga a crescente demanda de pessoas das periferias a se locomover seguindo percursos labirínticos até as zonas centrais.

O segundo obstáculo de conexão é físico: a ocupação tardia da zona 14 contribuiu para a preservação do rio Cocó e a criação de seu parque ecológico. Na Figura 2 é possível visualizá-lo como um arco ao leste e notar a diminuição da ocupação humana em uma vasta região nas imediações, especialmente ao sul. Obviamente, manter tal área verde é positivo por um lado; mas, por outro, torna bem mais difícil o fluxo em seu extenso entorno, justamente quando tal região sofre um surto de desenvolvimento em décadas recentes. De maneira quase complementar, o terceiro obstáculo é a presença do Aeroporto Internacional de Fortaleza no centro geográfico (zona 6), impedindo conexões leste-oeste e norte-sul. Ele é visível na Figura 2 no centro da imagem (ao lado da Parangaba e acima da CE-401).

Figura 2
– Foto aérea de Fortaleza – 2022

Além da dinâmica interna, é preciso, ainda que rapidamente, citar a conexão com a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que soma mais de 4 milhões de residentes (IBGE, 2019IBGE (2019). IBGE Cidades: Fortaleza – Panorama. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE Cidades. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/fortaleza/panorama. Acesso em: 17 mar 2019.
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), distribuídos em 19 municípios, dos quais três (Caucaia, Maracanaú e Maranguape) têm mais de 100 mil habitantes. A RMF concentra três polos industriais,5 5 () A saber: Complexo Industrial e Portuário do Pecém, em São Gonçalo do Amarante e Caucaia; o Distrito Industrial de Maracanaú (que já se conurba em Maranguape e Pacatuba); e o corredor industrial sul (Eusébio, Aquiraz, Horizonte, Pacajus). Ver Accioly e Nogueira (2015). mas, apesar da oferta de postos de trabalho nos municípios de origem, o movimento pendular em direção a Fortaleza ainda é significativo: 23,1% da população ocupada em Maracanaú e 32,9% da de Caucaia (Accioly e Nogueira, 2015ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.). Reflexo disso, a capital ainda acumula 43,8% do PIB do estado (Ipece, 2018IPECE (2018). Produto Interno Bruto Municipal: análise do PIB dos municípios Cearenses – 2002, 2010, 2014 e 2015, n. 1. Fortaleza, Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará. Disponível em: http://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2018/10/PIB_dos_Municipios_Cearenses_2002_2015.pdf. Acesso em: 22 out 2018.
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).

Locais de moradia e destino de trabalho

A pesquisa preocupou-se em conhecer como se dava a dinâmica da mobilidade da população de Fortaleza no cotidiano, em especial, como eram usados os modais e as inferências que podemos fazer a partir dos locais de moradia e trabalho, associados a elementos outros, como renda. A abordagem do survey foi escolhida não somente por fornecer dados primários, mas, fundamentalmente, porque possibilitaria dar foco ao aspecto humano que, por vezes, parece quase ausente, com números frios em uma tabela. Desse modo, apesar de ser uma pesquisa de cunho quantitativo, o objetivo era compreender o impacto da dinâmica urbana e das políticas públicas de mobilidade nos sujeitos (e em seu cotidiano), atentando aos elementos destacados por Lefebvre (2013)LEFEBVRE, H. (2013). O Direito à Cidade. São Paulo, Centauro. e Harvey (2014)HARVEY, D. (2014). Cidades rebeldes. São Paulo, Martins Fontes. quanto ao direito à cidade e às consequências da desigualdade de capital em tal contexto.

Comecemos, portanto, pelo perfil geral da amostra. Quanto ao sexo e à faixa etária, respondeu mais ou menos à representação do censo, com ligeira maioria feminina (55,4%) e concentração do público menor de 50 anos (75%); trazendo, ainda, uma maioria de pardos (56,2%); quase metade com renda familiar média mensal entre 1 e 2 salários-mínimos (47,4%); e três quartos possuindo ocupação laboral (71,7%).

O fato de a pesquisa ser realizada com sujeitos em situação de deslocamento pela cidade parece contribuir ao aumento na proporção de ocupados: no momento da entrevista, o motivo de deslocamento de 30,2% era ir ao trabalho, enquanto 27,5% estavam realizando compras ou usufruindo de algum serviço. Apenas 6,4% moviam-se pelo lazer, por exemplo.

Quanto à moradia, pela natureza da aplicação, a interface entre residência e local de trabalho rendeu algumas reflexões interessantes. O Gráfico 1 mostra correspondência da amostra com os dados demográficos, com as zonas 1, 4 e 5 com os maiores contingentes populacionais, enquanto as taxas de local de trabalho se apresentam de maneira diversa. Em algumas zonas, como 1, 3, 4 e 5 (todas ao oeste), a quantidade de residentes é muito maior do que a dos trabalhadores entrevistados que circulam por elas. De modo contrário, nas zonas 8 (região do Centro) e 9 (da Aldeota), sem surpresas, o contingente de trabalhadores em trânsito é bem maior do que os dos moradores entrevistados, pois estas são as regiões com maior oferta de postos de trabalho.

Gráfico 1
– Residência e destino de trabalho por zona

Em correspondência aos dados do Quadro 1, os bairros mais populosos da amostra localizam-se nas franjas da cidade, formando o cinturão oeste-sul, com o primeiro extrato ocupado pelas zonas 1, 4 e 5 (cada qual retendo mais de 10% dos trabalhadores da amostra); e um segundo extrato com as zonas 2, 3 e 13 (variando entre 6,4 e 7,7% das residências). Segundo o Censo 2010 (Iplanfor, 2015IPLANFOR (2015). Fortaleza 2040: Iniciando o diálogo por uma Fortaleza de oportunidades, mais justa, bem cuidada e acolhedora. Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza/Iplanfor, v. 2, n. 1, ano II.), esse cinturão soma mais de 1,4 milhão de habitantes, e sua natureza em nossa pesquisa indica um movimento pendular interno com uma massa trabalhadora saindo da região oeste-sul em direção à centro-leste para trabalhar todos os dias.

É nesse ponto em que a ocupação do solo cria interface com a distribuição econômica e a consolidação dos fluxos laborais. Por isso, apesar de assumirmos que Fortaleza seja uma cidade policêntrica (Silva e Gonçalves, 2012SILVA, J. B. da; GONÇALVES, T. E. (2012). Urbanização e produção da cidade: Shopping Centers na dinâmica de novas centralidades em Fortaleza-CE. Geosul. Florianópolis, v. 27, n. 53, pp. 63-88.; Costa e Amora, 2015COSTA, M. C. L.; AMORA, Z. B. (2015). “Fortaleza na rede urbana brasileira: de cidade à metrópole”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 31-76. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.), ainda há concentração da oferta de comércios e serviços (e, portanto, de postos de trabalho) nas zonas 8 e 9. Bairro polo dessa região, a Aldeota possui ocupação mista: primeiro, é espaço de residência de classe média alta, pois aparece como o 5º bairro com maior renda média mensal da cidade (Iplanfor, 2015IPLANFOR (2015). Fortaleza 2040: Iniciando o diálogo por uma Fortaleza de oportunidades, mais justa, bem cuidada e acolhedora. Fortaleza, Prefeitura Municipal de Fortaleza/Iplanfor, v. 2, n. 1, ano II.), enquanto as posições 1ª e 3ª do ranking são vizinhos imediatos (Meireles e Cocó, respectivamente). Em segundo lugar, é um corredor de comércio e serviços (com destaque ao sistema bancário e uma rede de hospitais e clínicas médicas), que é possível de observar numericamente nos dados oficiais (Paitt, 2014PAITT (2014). Binário Santos Dumont/Dom Luís – Resumo da análise, 17 de março. Documento em PDF. Fortaleza, PMF/ Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito.; Fortaleza em Mapas, 2018FORTALEZA EM MAPAS (2018). Territoriais: área edificada: comercial; serviços. Fortaleza, Fortaleza em Mapas. Disponível em http://mapas.fortaleza.ce.gov.br/#/. Acesso em: set 2018.
http://mapas.fortaleza.ce.gov.br/#/...
).

Por causa disso, é uma região de grande circulação e foco de congestionamentos diários. Os desafios são reconhecidos pelo poder público: estudo da Prefeitura (Paitt, 2014PAITT (2014). Binário Santos Dumont/Dom Luís – Resumo da análise, 17 de março. Documento em PDF. Fortaleza, PMF/ Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito.) revela que, embora o entorno da Aldeota possua somente 3 km2 2 () “A nova regionalização foi criada por lei complementar n. 278, de 23 de dezembro de 2019. Já o decreto n. 14.590, de 6 de fevereiro de 2020, trouxe a renomeação das regionais, com novos mapas. Em 31 de dezembro de 2020, por meio do decreto n. 14.899, o então prefeito Roberto Cláudio publicou a nova regulamentação da estrutura administrativa e do processo de transição das Regionais” (Entenda..., 2021, s/p). e abrigue 2% da população da cidade, ela corresponde a 77,8% do PIB municipal. Tal concentração tem óbvio impacto na mobilidade: concentra 16% do fluxo de veículos privados, 18% das linhas do transporte público e 30% de seus usuários.6 6 () Os dados do Paitt (2014) referem-se a um recorte geográfico chamado de Quadrilátero Aldeota, uma região que compõe uma parcela específica da Aldeota e de bairros vizinhos que concentram tais índices, todos na zona 9.

Lima et al. (2021)LIMA, L. S.; LOUREIRO, C. F. G.; SOUSA, F. F. L. M.; LOPES, A. S. (2021). Espraiamento urbano e seus impactos nas desigualdades socioespaciais da acessibilidade ao trabalho em Fortaleza. Transportes, v. 29, n. 1. Anpet-Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes. chamam a atenção ao fenômeno do spatial mismatch, no qual há oposição entre o espaço de residência e onde se localizam os postos de trabalho. Em consonância com os nossos resultados, os autores demonstram que, apesar da região da Aldeota (zona 9) ser área de residência de classes de renda alta, sua característica de oferta de postos de trabalho se dá tanto a estas quanto às classes mais baixas. Tal oferta se relaciona à concentração comercial, institucional e de serviços da região, mas, também, ao fenômeno da demanda de trabalhadores domésticos (faxineiras, diaristas, porteiros, vigias, zeladores, etc.) gerada por aquelas moradias de alta classe, como demonstramos em outra pesquisa (Gonçalves et al., 2020GONÇALVES, D. N.; LIMA FILHO, I. P.; SANTOS, H. R. R.; FREITAS, R. M. F. (2020). Estar em isolamento social: quando a desigualdade atua como fator. Aval: Revista Avaliação de Políticas Públicas, v. 3, n. 17, pp. 151-169.).

A discrepância entre oferta de trabalho e território de moradia das classes baixas (que ocupam o cinturão oeste-sul) gera a necessidade de deslocamento das franjas periféricas em direção à região central polarizada na zona 9, mas que se irradia também à zona 8.

Nossa pesquisa demonstrou o fenômeno, como se pode ver no Gráfico 1, em que as zonas 8 e 9 acumulam 32,6% dos destinos de ocupação laboral da amostra. Todavia, a despeito dessa primazia, há outros clusters de destino para trabalho identificados pelos formulários: um segundo nível com as zonas 2 e 5 (com 9,3% e 9% dos destinos de trabalho da amostra, respectivamente); e um terceiro nível com as zonas 6 e 13 (7,2% e 7,5%). E, embora não seja desprezível que essas seis zonas concentrem 65,6% dos destinos de trabalho da amostra e que os dois primeiros níveis acumulem mais da metade, a distribuição geográfica forma uma nítida mancha de aglutinação das zonas 2, 8 e 9, reunindo 41,6% dos destinos de trabalho, como pode ser visualizado na Figura 3.

Figura 3
– Mapa de zonas por destino para trabalhar

Cada uma dessas regiões parece apontar dinâmicas próprias de geração de postos de trabalho. Isso é nítido na zona 2 (região do Antônio Bezerra), que possui o corredor da avenida Bezerra de Menezes, que fornece ampla oferta de comércio e serviços, inclusive, bancários. Ambos os bairros polos das zonas 6 (Parangaba) e 13 (Messejana) foram municípios autônomos no passado (Lima, 2006LIMA, C. F. (2006). “Cidades do Ceará: origens, transformações e perspectivas”. In: CAMPOS, F. (ed.) Anuário do Ceará 2006. Fortaleza, Jornal O Povo, pp. 394-452.) e guardam até hoje vocação comercial independente do Centro-Aldeota (Costa e Amora, 2015COSTA, M. C. L.; AMORA, Z. B. (2015). “Fortaleza na rede urbana brasileira: de cidade à metrópole”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 31-76. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.), com o adicional de a zona 6 também abrigar o aeroporto. Silva e Gonçalves (2012)SILVA, J. B. da; GONÇALVES, T. E. (2012). Urbanização e produção da cidade: Shopping Centers na dinâmica de novas centralidades em Fortaleza-CE. Geosul. Florianópolis, v. 27, n. 53, pp. 63-88., inclusive, colocam Antônio Bezerra, Parangaba e Messejana como parte dos outros núcleos policêntricos da cidade. Tivemos mais dificuldade em entender as razões de a zona 5 (Mondubim) aparecer em destaque, sendo aparentemente fruto dos polos locais de comércio e serviços, como Conjunto Esperança e Prefeito José Walter, ambos nascidos a partir de grandes conjuntos habitacionais. Esse tópico pode ser objeto de estudos futuros.

Quando fazemos o recorte a partir das zonas de residência, o resultado é bastante revelador da complexa dinâmica de mobilidade da cidade. Com base nos microdados do Censo 2010, Lima et al. (2021)LIMA, L. S.; LOUREIRO, C. F. G.; SOUSA, F. F. L. M.; LOPES, A. S. (2021). Espraiamento urbano e seus impactos nas desigualdades socioespaciais da acessibilidade ao trabalho em Fortaleza. Transportes, v. 29, n. 1. Anpet-Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes. apontam a tendência de periferias monofuncionais em Fortaleza, ou seja, com bairros voltados majoritariamente à residência das classes baixas em contraposição à oferta de trabalho concentrada na região central.

Contudo, essa dinâmica de ocupação do solo ainda responde a algumas peculiaridades. Foi notado algum grau coincidente de residência e destino (para ocupação) de 26,5% dos trabalhadores da amostra, indicando deslocamentos relativamente curtos, especialmente nas zonas 1, 4, 5, 11 e 12, cada qual com mais de 50% dos residentes trabalhando em bairros da própria zona.

As zonas que concentraram maior número de trabalhadores exógenos em termos de moradia foram 2, 8 e 9, sendo, portanto, as que mais demandam deslocamentos e justamente aquelas que criaram a mancha da Figura 3. Embora elas também mantenham certo grau de coincidência residência-trabalho (13,6%, 12,8% e 18,6%, respectivamente), guardam fluxo mais heterogêneo do que as demais e, por isso, são as maiores mobilizadoras de residentes de outras zonas.

A forma como impactam na mobilidade para o trabalho, contudo, é diferenciada. A zona 2 concentra trabalhadores de regiões circunvizinhas (zonas 1 e 3) ou relativamente próximas (zona 4), criando um cluster de bairros da região oeste integrados por residência e trabalho. Tecnicamente também ao oeste, a zona 8 influencia especialmente bairros daquela região, com a maioria de seus trabalhadores advindos das zonas 1, 2, 4 e 7.

Campeã de destino de trabalho, a zona 9 também recebe principalmente trabalhadores advindos do oeste, das zonas 1, 2 e 8; contudo, os que lá trabalham têm origens mais diversificadas (de quase todas as zonas), e é importante notar que as zonas 3, 4 e 5 se somam em um bloco emissor secundário de trabalhadores que precisam cruzar a cidade para chegar ao local de labor.

Os dados também exibem que a expansão de residências e serviços para a zona 14 começa a dar frutos: embora em percentuais ainda pequenos (variando entre 12% e 20%), essa região é destino de trabalho para moradores das zonas 6, 9, 10, 13 e 15, ou seja, majoritariamente do lado leste.

Tempo de deslocamento casa-trabalho

Tendo em vista que 73,5% dos trabalhadores da amostra precisam sair de sua zona de residência para trabalhar, e que a mancha das zonas 2, 8 e 9 concentra 41,6% dos destinos desses sujeitos, percebe-se a forte tendência de spatial mismatch, que tem implicações diretas na mobilidade urbana e no tempo necessário para efetuar tal deslocamento.

A distribuição da amostra por modais foi mais ou menos polarizada entre usuários do transporte público (58,5%) e do transporte particular (18,8%), respondendo até certo ponto à indicação da própria aplicação, conforme descrito na metodologia, mas foram registrados usuários de outros modais, mesmo que em poucas quantidades.7 7 () O percentual válido de distribuição da amostra, quanto ao uso dos outros modais para trabalhar foi: a pé (7,4%), motocicletas (6,5%), bicicleta (6,2%), carona (1,5%), metrô (0,9%) e carros por aplicativo ou táxi (0,3%). Vale destacar que os usos de carona e aplicativo são realizados por meio de automóveis, de modo que o índice dos que utilizam esse modal (independentemente de serem ou não motoristas) foi de 20,6%.

Todavia, apesar de o foco do artigo estar na polaridade entre os transportes público e privado, não podemos deixar de fazer rápida consideração sobre o modal da caminhada, afinal, 95% dos trabalhadores da amostra relataram realizar pelo menos um trecho a pé no deslocamento até o trabalho. Assim, apesar de “apenas” 7,4% usarem o modal de forma exclusiva, o caminhar é algo necessário à maioria esmagadora dos sujeitos no uso de qualquer modal.

Em contrapartida, as calçadas de Fortaleza apresentam uma realidade precária e inadequada ao caminhar, cheias de irregularidades e obstáculos, ainda que algumas tragam identificação tátil ou rampas de acesso. Na avaliação da Mobilize Brasil (2019)MOBILIZE BRASIL (2019). Calçadas do Brasil: Relatório Final, Campanha 2019. S.l., a cidade ficou em penúltimo lugar entre as capitais brasileiras, com uma média de 4,53. Foram usados 13 critérios de avaliação (inclinação, largura, barreiras, existência de mobiliários, etc.) e, embora o critério inclinação transversal tenha atingido a nota 7,39, outros apresentaram indicadores muito ruins, como existência de mobiliário urbano e praças (2,90) e mapas e placas de orientação (0,10).

Verifica-se uma clara desigualdade na estrutura de pedestres quando se fazem recortes por áreas: as três melhores calçadas avaliadas ficam na zona 9, todas destinadas ao setor turístico e em regiões de moradia das classes altas, enquanto as três piores calçadas ficam nas zonas 7 e 6 (Mobilize Brasil, 2019MOBILIZE BRASIL (2019). Calçadas do Brasil: Relatório Final, Campanha 2019. S.l.).8 8 () As melhores calçadas estão na avenida Beira-Mar (bairro Meireles), na praia de Iracema e no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, um dos principais equipamentos turísticos da cidade. As piores estão nos bairros Damas, Itaoca e Parangaba (as duas primeiras na zona 7 e a última na 6). A avaliação nacional levou em consideração calçadas que deem acesso a equipamentos públicos, como serviços de transporte, praças, instituições de ensino e segurança pública, saúde, cultura, lazer e dos poderes executivo, legislativo e judiciário (Mobilize Brasil, 2019).

Quando consideramos o deslocamento casa-trabalho, um dos principais fatores a avaliar é o tempo necessário para realizá-lo. A maioria dos trabalhadores da amostra não precisa de muito: 12,6% o fazem em menos de 10 minutos, e 35,5% entre 10 e 30 minutos, com uma faixa de 34,6% precisando de um tempo entre 30 e 60 minutos. Consideramos alto, porém, o índice de 17,3% que gastam mais de 1 hora.

O que chama a atenção são as diferenças do tempo de deslocamento quando as estratificamos por modais: 27,3% dos usuários de ônibus precisaram de mais de 1 hora no deslocamento casa-trabalho, atingindo 10 pontos percentuais a mais do que a média; enquanto apenas 3,3% dos usuários de automóvel particular usaram o mesmo tempo.

Isso quer dizer que os usuários de automóvel são beneficiados em termos de tempo em seus deslocamentos cotidianos, a despeito dos congestionamentos. Embora existam políticas públicas orientadas à diminuição do tempo de jornada dos ônibus, isso não parece se refletir de modo horizontalizado no quadro geral da amostra. Desde 2012, Fortaleza conta com um sistema de BRS (Bus Rapid Service), ou seja, faixas preferenciais para os transportes coletivos, nas quais os demais veículos só podem acessar para realizar conversões. A partir de 2014, foi implementado, também, o BRT (Bus Rapid Transit), que são faixas exclusivas de ônibus, estruturadas em corredores isolados e equipados com pequenas estações. Figueroa (2012)FIGUEROA, V. (2012). “La política pública del Transantiago: implicancias conceptuales y metodológicas para um estúdio de caso”. In: OLAVARRÍA, M. (ed.). Cómo se formulan las políticas públicas en chile? Tomo 3. El Transantiago. Santiago de Chile, Universitaria. estudou esse modelo e o identifica como originário das intervenções urbanas de Curitiba, no fim dos anos 1980, dali se expandindo para outras cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre) e sendo adotada nas grandes metrópoles latino-americanas na virada do século, como Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá e Cidade do México.

Em Fortaleza, entre 2014 e 2018, foram construídos dois corredores de BRTs (na avenida Bezerra de Menezes, zona 2; e na avenida Aguanambi, zona 8), somando pouco mais de 4 quilômetros ao custo de R$477 milhões. Apesar do ganho real de velocidade dos coletivos dentro das faixas exclusivas – a Prefeitura Municipal de Fortaleza chegou a divulgar que o BRT da Bezerra de Menezes aumentou a velocidade média de seus ônibus de 12 km/h para 18,3 km/h (Corredor..., 2018), o que sem dúvidas impacta o tempo de viagem dos passageiros –, o alto investimento necessário à implementação do sistema atua como forte impeditivo à continuidade da política.

Como analisamos em outro estudo (Lima Filho, 2019), o projeto Expresso Fortaleza, lançado em 2014, previa a construção inicial de oito BRTs na cidade, mas, depois, foi reduzido para somente quatro, dos quais apenas dois foram construídos. O planejamento Fortaleza 2040 (Iplanfor, 2018) prevê uma malha de aproximadamente 110 quilômetros de BRTs. No entanto, tendo em vista ser um tipo de obra intrusiva (afetando e bloqueando vias de grande fluxo), demorada (média de dois quilômetros construídos por ano) e cara (ao custo de mais de 100 milhões por quilômetro), o BRT apresenta um grande desafio de realização. Isso está em consonância ao que diz Figueroa (2012)FIGUEROA, V. (2012). “La política pública del Transantiago: implicancias conceptuales y metodológicas para um estúdio de caso”. In: OLAVARRÍA, M. (ed.). Cómo se formulan las políticas públicas en chile? Tomo 3. El Transantiago. Santiago de Chile, Universitaria., que não considera o BRT um modelo adequado a grandes metrópoles e que, normalmente, funciona apenas em trechos muito específico das cidades.

Com a pouca capilaridade dos BRTs e a eficiência limitada dos BRS (que mantêm os veículos sujeitos ao tráfico), o adicional de tempo é uma constante aos usuários do transporte público, ainda mais em vista do movimento pendular interno. E a maneira como o sistema de transporte público de Fortaleza está organizado obriga 50,5% dos usuários da amostra a realizarem a troca de condução (baldeação), e 38,5% daqueles que usam dois ônibus ou mais consumiam mais de 1 hora para chegar ao trabalho. Ou seja, 11 pontos percentuais a mais do que a média do modal.

A situação é ainda pior quando o intercâmbio de veículos é realizado através dos terminais de integração. Esses equipamentos, organizados como hubs rodoviários, permitem a troca de linhas sem precisar pagar outra viagem, e, em 2019, existiam sete deles.9 9 () O Sistema Integrado de Transportes de Fortaleza (SIT-FOR) foi implantado no início dos anos 1990 e somente agora está sendo ampliado. Os terminais existentes em 2019 eram: Parangaba, Lagoa (ambos na zona 6), Conjunto Ceará, Siqueira (ambos na zona 4), Papicu (zona 9), Messejana (zona 13) e Antônio Bezerra (zona 2). Enquanto este texto estava sendo escrito, outros dois foram entregues: nos bairros José Walter (zona 5) e José de Alencar (zona 14). Dessa forma, o transporte público atende à lógica dos terminais distribuídos em locais “estratégicos”, coletando o fluxo de pessoas vindas das franjas das periferias e direcionando-as em rotas orientadas aos conglomerados de comércio e serviços. O problema é que os terminais não são bem-distribuídos geograficamente, existindo, de um lado, a concentração de quatro deles num raio de apenas 6 quilômetros nas zonas 4 e 6; de outro, a dispersão dos demais nas distantes zonas 1, 9 e 13. Os terminais mimetizam a seu modo a metodologia do metrô, porém, os veículos motorizados possuem menor capacidade de absorção de novos passageiros, o que somado à débil distribuição, torna o sistema lento, ineficiente e adiciona mais tempo do que o razoável ao deslocamento.

A faixa de usuários de terminais é significativa dentro da amostra: 23,7% dos que saem para trabalhar ou 48,4% dos usuários de ônibus. Quando isolamos os usuários de ônibus que não usam os terminais, vemos que 13,2% precisam de mais de 1 hora para completar a viagem. Em comparação aos que usam os equipamentos, o mesmo tempo é necessário para 42,9%. Como é possível visualizar no Gráfico 3, apesar de alguma semelhança nas curvas, elas são basicamente opostas quanto à distribuição do tempo, acumulando sempre mais para aqueles que usam os terminais.

Gráfico 3
– Usuário de ônibus por tempo (casa-trabalho)

Na amostra, pequena parcela necessitava usar não apenas um, mas dois terminais no deslocamento até o trabalho (12% dos que usam o equipamento), e, nesses casos, a adição de tempo também era proporcionalmente maior. Como exibe o Gráfico 4, gastavam mais de 1 hora 39,5% daqueles que usavam 1 terminal e 63,6% dos que usavam 2 terminais.

Gráfico 4
– Quantidade de terminais por tempo (casa-trabalho)

Ainda que uma parcela dos usuários de dois terminais efetivamente cumpra maiores distâncias (que se refletem em mais tempo), a má distribuição geográfica dos equipamentos contribui para que, mesmo em distâncias médias (ou curtas, como nos casos dos terminais da Parangaba e Lagoa, separados por apenas um quilômetro em linha reta), alguns usuários precisem passar por dois terminais para chegar ao trabalho.10 10 () Em um levantamento preliminar não validado, chegamos a encontrar um usuário que precisava passar por três terminais para chegar ao trabalho, mas, na amostra coletada, o máximo foi o uso de dois equipamentos.

A dinâmica do tempo gasto pelos trabalhadores usuários do transporte público relaciona-se com outras variáveis: sem surpresas, possuíam renda menor e 65,9% declaram viver com renda familiar de menos de 1 salário-mínimo, contra 9,1% dos usuários do automóvel. De modo inverso, entre os com renda maior do que 5 salários, 48,1% iam de automóvel e 33,3% iam de ônibus. O Gráfico 5 exibe o percentual de renda por modal e como a curva é espelhada entre os dois tipos.

Gráfico 5
– Renda familiar por modal

Nesta análise, priorizamos a comparação binária entre os usuários do transporte público (ônibus) e os do automóvel particular (carro), contudo, a amostra registrou também os dados dos outros modais, como motocicletas, bicicletas, metrô, caronistas, usuários de aplicativo ou táxi e até aqueles que fazem seus principais trajetos a pé. É importante ressaltar que o baixo número de respondentes usuários do metrô (0,9%) sinaliza que a investigação não alcançou de modo satisfatório esse tipo de sujeito ou que eles são poucos em relação aos demais.

Contudo, como as entrevistas foram realizadas com transeuntes, seria esperado que os usuários do metrô aparecessem. Por isso, é possível que a baixa frequência desse modal esteja relacionada ao seu uso insipiente. Apesar de inaugurado oficialmente em 2012, o Metrofor (como é chamado) é fruto de um complexo processo político, cujo projeto se inicia ainda na década de 1980, e a execução das obras se arrastou por 14 anos até a inauguração do primeiro trecho. Em 2019, havia duas linhas (Sul e Oeste) em funcionamento e, após a aplicação dos questionários, a terceira (o VLT/Veículo Leve Sobre Trilhos, um trem elétrico de superfície) entrou em fase de testes.

Nossa hipótese é que a baixa frequência de usuários do metrô na amostra esteja relacionada ao acesso limitado desse modal aos bairros de Fortaleza. A Linha Sul do Metrofor bateu recordes de utilização em 2019, com uma média anual de 10 milhões de usuários (Transporte..., 2020). Isso significa dizer que, sete anos após ser inaugurado, o sistema ainda ocupava apenas 9,7% de sua capacidade (Linha..., 2019).

Ao mesmo tempo, a ampla cobertura de acesso dos ônibus aos bairros aponta para a maior utilização desse modal com quantitativo já citado de 21,6 milhões de usuários em agosto de 2019 (Número..., 2021). Portanto, considerando o período da coleta de dados, os usuários anuais do metrô correspondiam a somente metade do público mensal dos ônibus.

A frequência de usuários de ônibus diminuiu significativamente durante a pandemia de Covid-19, chegando ao ponto mais baixo em maio de 2020, com público de 4,9 milhões de usuários mensais (ibid.), mas voltou a crescer, chegando a 13,6 milhões de pessoas em agosto de 2021, ou seja, 66% da demanda de dois anos antes.

Vale destacar, por fim, que Fortaleza é manchete na temática da mobilidade urbana por causa de seu sistema cicloviário, a partir de uma política pública municipal posta em ação desde 2013. Além de extensa rede de ciclovias e ciclofaixas, a cidade conta com um sistema de bicicletas compartilhadas relativamente robusto, com 188 estações, ainda que o processo de expansão do sistema só tenha ocorrido após a coleta de dados. De qualquer modo, nossos estudos sugerem o crescimento dos usuários desse modal, e os dados parecem refletir isso, com 6,2% dos que vão trabalhar usando bikes para isso. O uso desse modal é objeto de investigação de outros estudos (Lima Filho e Rebouças, 2019).

Considerações finais

Este artigo analisou os dados de um survey sobre mobilidade urbana realizado na cidade de Fortaleza, associado à construção de uma territorialização diferenciada de 15 zonas ou aglomerados de bairros, tendo como objetivos a reflexão sobre a dinâmica do deslocamento casa-trabalho a partir das regiões de residência e suas características socioespaciais; e a relação entre usos de modais de transporte e tempo.

Os dados levantados, em nossa pesquisa, mostram que, numa situação de deslocamento no momento da coleta, a maioria da amostra se deslocava por motivos de trabalho e de usufruto de serviços/comércio, apontando que o uso dos modais da cidade se dá mais marcadamente por questões "profissionais" ou de consumo, deixando pouca margem para o lazer e a conviviabilidade.

Confirmando estudos prévios, a distribuição laboral na cidade atende à organização socioeconômica. Como Fortaleza concentra a oferta de comércios e serviços em uma zona central, é lá onde está também a maior oferta de postos de trabalho: as zonas 8 (Centro) e 9 (Aldeota). Além dessa concentração, há um cluster de destinos secundários de trabalho, nas zonas 2 (Antônio Bezerra), 5 (Mondubim), 6 (Parangaba) e 13 (Messejana). As zonas 8, 9 e 2 são também aquelas que mais recebem população exógena, ou seja, trabalhadores que não lá residem. Isso quer dizer que a maioria da amostra precisa realizar um deslocamento de suas zonas de origem ao destino concentrado das zonas centrais, tencionando as trajetórias casa-trabalho.

De forma mais ou menos oposta, a concentração populacional da cidade se dá em outras regiões: na amostra, em especial nas zonas 1 (Barra do Ceará), 4 (Bom Jardim), 5 e 13. Contudo, foi percebido que algumas zonas concentram muito mais população residente do que são destino de trabalho para a amostra, como é o caso das zonas 1 (Barra do Ceará), 3 (Henrique Jorge) e 4 (Bom Jardim).

Esses resultados demonstram como a cidade aponta tendência para a monofuncionalidade do uso do solo nas franjas periféricas, dedicadas essencialmente à residência das classes de baixa renda, enquanto as oportunidades de trabalho estão concentradas na área central, que tem ocupação mista, sendo também moradia das classes mais altas. Essa característica sinaliza que os residentes de renda mais alta tenham à disposição de si ofertas de trabalho a distâncias mais curtas, enquanto a população de baixa renda sofra do spatial mismatch, que é o descompasso territorial entre moradia e local de trabalho.

Em paralelo a esse fenômeno, a cidade sofre de um processo de espraiamento urbano, no qual há uma autossegregação espacial da população tanto de alta renda quanto da baixa, como anotam Lima et al. (2021)LIMA, L. S.; LOUREIRO, C. F. G.; SOUSA, F. F. L. M.; LOPES, A. S. (2021). Espraiamento urbano e seus impactos nas desigualdades socioespaciais da acessibilidade ao trabalho em Fortaleza. Transportes, v. 29, n. 1. Anpet-Associação Nacional de Ensino e Pesquisa em Transportes.. Todavia, o primeiro grupo voluntariamente migra para enclaves fortificados sob a forma de condomínios horizontais numa região sudeste, emigrando em parte ao município do Eusébio; ao passo que a população de baixa renda é compulsoriamente empurrada para as franjas ao oeste e ao sul, em zonas limítrofes aos municípios de Caucaia e Maracanaú, como resultado da dinâmica econômica e do capital imobiliário que tornam o custo de vida naquelas zonas centrais cada vez mais elevado (Pequeno, 2015PEQUENO, R. (2015). “Condições de moradia e desigualdades socioespaciais: o caso de Fortaleza”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados.).

Dessa forma, a tendência à monofuncionalidade residencial dos bairros de periferia, o spatial mismatch e a segregação espacial resultam na população de baixa renda vivendo cada vez mais distante dos locais em que trabalha, o que, na nossa amostra, está representado pelos 73,6% dos trabalhadores que precisam sair de suas zonas de moradia para ir trabalhar. Tendo em vista que a população de baixa renda usa majoritariamente o transporte público para isso, vemos a tensão espaço-tempo agir sobre a forma de deslocamentos longínquos e demorados.

O fator tempo foi uma das grandes preocupações do estudo e ficou demonstrada uma crescente de tempo em relação ao modal de transporte público, em especial quando há necessidade de uso dos terminais de ônibus. Tomando como referência o gasto de mais de uma hora no deslocamento casa-trabalho, a diferença entre os usuários de automóvel particular e os de transporte público foi de 24 pontos percentuais; e, quando recortamos os usuários de ônibus que precisaram usar terminais, o acúmulo de tempo aumenta de acordo com a necessidade de usar um ou dois desses equipamentos.

Por isso, é clara a proporção inversa entre renda e uso de modais quando considerada a polaridade entre transporte público e privado. Quanto maior a renda, menor a probabilidade do uso do transporte público, o que demonstra que os usuários de ônibus têm renda mais baixa e são penalizados com o gasto de mais tempo no deslocamento casa-trabalho.

Ao mesmo tempo, o poder público parece investir muito mais na equipagem de infraestrutura viária beneficiária aos veículos particulares, com qualificação de vias e construção de viadutos e túneis, ainda que seja percebido, nos últimos anos, investimento em sistemas mais eficientes de transporte público (como o BRT) e na malha cicloviária, que pode efetivar um modal alternativo de transporte cotidiano.

Porém, no geral, a ação pública reforça a penalização da população mais pobre, que gasta mais tempo de seu dia para chegar ao trabalho; enquanto a região em que vivem as classes mais altas é justamente aquela que goza de melhor malha rodoviária e melhor conexão de transporte público.

A cidade de Fortaleza replica o modelo latino-americano de metrópoles com espraiamento urbano e segregação espacial dos mais pobres para as franjas ou periferias, ao mesmo tempo que as ações de políticas públicas para a melhoria do transporte público ainda são muito incipientes. Ainda que agilize as viagens, o BRT é muito restrito, e o tradicional sistema de terminais acaba por tornar o deslocamento mais difícil e demorado.

Se o alto custo da construção de novos BRTs é proibitivo, a recomendação ao poder público seria investir em soluções mais baratas e inventivas para tornar mais ágil o deslocamento das periferias ao centro, como a integração total do sistema de transporte público (independentemente do tempo de viagem e dos terminais), incluindo inclusive o metrô, bem como um estudo das linhas disponíveis e das maneiras de torná-las mais eficientes.

Tornar mais rápida e confortável a viagem em direção ao trabalho do morador das periferias seria por si só um grande feito em comparação à realidade atual, ainda que isso esteja bastante distante da construção de uma cidade caminhável (Speck, 2017SPECK, J. (2017). Cidade caminhável. São Paulo, Perspectiva.), na qual o sujeito possa usufruir do espaço público com qualidade (Gehl, 2015GEHL, J. (2015). Cidade para pessoas. São Paulo, Perspectiva.) que esteja disponível a esse mesmo residente. Em alguns locais de Fortaleza, como nos bairros Aldeota e Meireles (ambos na zona 9), é possível usufruir de espaços públicos que chegam muito próximos dessas ambições humanísticas do vivenciar a cidade. Mas, de novo, estão localizados nos bairros ricos para uso da população de alta renda.

Gráfico 2
– Modal por tempo casa-trabalho

Nota de agradecimento

Agradecemos à Universidade Federal do Ceará e à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo apoio financeiro que viabilizou a realização da pesquisa por meio dos programas de Iniciação Científica e Tecnológica e Iniciação Acadêmica, bem como aos pesquisadores voluntários do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade.

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Notas

  • 1
    () A pesquisa está inserida em projeto de pesquisa do Lepec que envolve temas como mobilidade urbana, usos do espaço público e políticas públicas das quais apresentamos aqui um recorte. Os dados trazem outros resultados que podem ser explorados em textos futuros.
  • 2
    () “A nova regionalização foi criada por lei complementar n. 278, de 23 de dezembro de 2019. Já o decreto n. 14.590, de 6 de fevereiro de 2020, trouxe a renomeação das regionais, com novos mapas. Em 31 de dezembro de 2020, por meio do decreto n. 14.899, o então prefeito Roberto Cláudio publicou a nova regulamentação da estrutura administrativa e do processo de transição das Regionais” (Entenda..., 2021, s/p).
  • 3
    () Silva e Gonçalves (2012)SILVA, J. B. da; GONÇALVES, T. E. (2012). Urbanização e produção da cidade: Shopping Centers na dinâmica de novas centralidades em Fortaleza-CE. Geosul. Florianópolis, v. 27, n. 53, pp. 63-88. nomeiam 10 centralidades em Fortaleza: o Centro tradicional (zona 8) mais os bairros Aldeota (zona 9), Montese (7), Messejana (13), Parangaba (6), Benfica (também na zona 8), Barra do Ceará (1), São Gerardo e Antônio Bezerra (ambos na zona 2) e Edson Queiroz (14). Os autores associam a formação dessas centralidades ao surgimento de grandes shoppings centers, que servem como mobilizadores dos setores terciário e imobiliário. Accioly e Nogueira (2015)ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados. e Pequeno (2015)PEQUENO, R. (2015). “Condições de moradia e desigualdades socioespaciais: o caso de Fortaleza”. In: COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados. também mencionam os shoppings como esse tipo de mobilizadores para a Região Metropolitana. A partir disso, poderíamos considerar que outros polos estariam surgindo desde então, como no Papicu (zona 9), além do reforço dos centros já existentes com novos empreendimentos. Todavia, para além dos shoppings, contabilizamos outros fatores para o estabelecimento desses outros centros, associados ao chamado “comércio de rua”, como os casos de Messejana, Montese e Antônio Bezerra são exemplares.
  • 4
    () Nos tempos coloniais, Fortaleza foi a sede do poder político do Ceará, mas não detinha riquezas, e outras cidades mobilizavam a economia através da produção pecuária; e ela só ganhou importância econômica com o desenvolvimento da agricultura do algodão no contexto da revolução industrial, especialmente na segunda metade do século XIX (Lima, 2006LIMA, C. F. (2006). “Cidades do Ceará: origens, transformações e perspectivas”. In: CAMPOS, F. (ed.) Anuário do Ceará 2006. Fortaleza, Jornal O Povo, pp. 394-452.; Farias, 2012FARIAS, A. (2012). História do Ceará. Fortaleza, Armazém Cultural.). A área correspondente às zonas 5, 6 e 13 (Modubim, Parangaba, Messejana) eram outros municípios, que terminaram fagocitados pela capital.
  • 5
    () A saber: Complexo Industrial e Portuário do Pecém, em São Gonçalo do Amarante e Caucaia; o Distrito Industrial de Maracanaú (que já se conurba em Maranguape e Pacatuba); e o corredor industrial sul (Eusébio, Aquiraz, Horizonte, Pacajus). Ver Accioly e Nogueira (2015)ACCIOLY, V. M.; NOGUEIRA, C. M. L. (2015). “Região Metropolitana de Fortaleza: movimentos pendulares e configuração espacial”. In:COSTA, M. C. L.; PEQUENO, R. (orgs.). Fortaleza: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital/ Observatório das Metrópoles, pp. 283-304. Coleção Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, Série Estudos Comparados..
  • 6
    () Os dados do Paitt (2014)PAITT (2014). Binário Santos Dumont/Dom Luís – Resumo da análise, 17 de março. Documento em PDF. Fortaleza, PMF/ Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito. referem-se a um recorte geográfico chamado de Quadrilátero Aldeota, uma região que compõe uma parcela específica da Aldeota e de bairros vizinhos que concentram tais índices, todos na zona 9.
  • 7
    () O percentual válido de distribuição da amostra, quanto ao uso dos outros modais para trabalhar foi: a pé (7,4%), motocicletas (6,5%), bicicleta (6,2%), carona (1,5%), metrô (0,9%) e carros por aplicativo ou táxi (0,3%). Vale destacar que os usos de carona e aplicativo são realizados por meio de automóveis, de modo que o índice dos que utilizam esse modal (independentemente de serem ou não motoristas) foi de 20,6%.
  • 8
    () As melhores calçadas estão na avenida Beira-Mar (bairro Meireles), na praia de Iracema e no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, um dos principais equipamentos turísticos da cidade. As piores estão nos bairros Damas, Itaoca e Parangaba (as duas primeiras na zona 7 e a última na 6). A avaliação nacional levou em consideração calçadas que deem acesso a equipamentos públicos, como serviços de transporte, praças, instituições de ensino e segurança pública, saúde, cultura, lazer e dos poderes executivo, legislativo e judiciário (Mobilize Brasil, 2019MOBILIZE BRASIL (2019). Calçadas do Brasil: Relatório Final, Campanha 2019. S.l.).
  • 9
    () O Sistema Integrado de Transportes de Fortaleza (SIT-FOR) foi implantado no início dos anos 1990 e somente agora está sendo ampliado. Os terminais existentes em 2019 eram: Parangaba, Lagoa (ambos na zona 6), Conjunto Ceará, Siqueira (ambos na zona 4), Papicu (zona 9), Messejana (zona 13) e Antônio Bezerra (zona 2). Enquanto este texto estava sendo escrito, outros dois foram entregues: nos bairros José Walter (zona 5) e José de Alencar (zona 14).
  • 10
    () Em um levantamento preliminar não validado, chegamos a encontrar um usuário que precisava passar por três terminais para chegar ao trabalho, mas, na amostra coletada, o máximo foi o uso de dois equipamentos.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    8 Jul 2022
  • Aceito
    7 Nov 2022
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