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Limites da locação social no Brasil: o caso de Belo Horizonte

The limits to subsidized rental housing in Brazil: the case of Belo Horizonte

Resumo

Neste artigo, apresentamos a experiência do processo de regulamentação do recém-implementado programa de Locação Social de Belo Horizonte (decreto n. 17.150/2019). Iniciamos observando a inserção de políticas centradas na moradia por aluguel na agenda urbana internacional e nacional, diferenciando o surgimento histórico destas nos países centrais, no Welfare State, e a emergência recente nos países periféricos, em um cenário de neoliberalização. A fim de demonstrar o imbricamento de diversas referências, perspectivas e agentes, apresentamos o processo de revisão da Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte e de regulamentação do programa de Locação Social, seguido de análise da implementação inicial desta. Concluímos apontando limites e desafios para a inserção da locação social na agenda urbana municipal e brasileira.

direito à moradia; política habitacional; locação social; aluguel; movimentos sociais

Abstract

This paper approaches the regulatory process of the recently implemented Subsidized Rental Housing Program in Belo Horizonte (decree n. 17150/2019). First, we situate rental housing policies in the international and national urban agenda, and compare their historical emergence in central countries, in the welfare state, and their recent advent in peripheral countries, in a scene marked by neoliberalization. To demonstrate the interconnection of different references, perspectives and agents, we present the revision process of the Municipal Housing Policy of Belo Horizonte and the regulation process of the Subsidized Rental Housing Program, followed by an analysis of its initial implementation. We conclude by pointing out limits and challenges for the inclusion of subsidized rental housing in the municipal and in the Brazilian urban agendas.

right to housing; housing policies; subsidized rental housing; rental housing; social movements

Introdução1 1 () O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

Nos últimos anos, a redução dos recursos federais destinados à política habitacional intensificou a escassez orçamentária que aflige a Política Municipal de Habitação (PMH) de Belo Horizonte. Em 2019, o orçamento dessa área atingiu ínfimos 0,7% da receita municipal total (CMBH, 2020CMBH (2020). Relatório do Grupo de Trabalho sobre Direito à Moradia da Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor. Relatoria da vereadora Bella Gonçalves. Belo Horizonte, CMBH. Disponível em: < https://www.mlabspages.com/bella-goncalves/relatorio-direito-a-moradia-cmbh-050322135620> Acesso em: 12 dez 2022.
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). Nesse contexto, o ente municipal tem sido motivado a buscar novas formas de reduzir o déficit habitacional, inclusive a partir de programas alternativos para além do tradicional financiamento da casa própria. Segundo o presidente da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), responsável pela execução da PMH, Claudius Pereira:

Apesar dos avanços acumulados nos últimos anos, o país enfrenta um momento de crise econômica que, além de reduzir ainda mais o poder aquisitivo da população, tende a restringir os recursos financeiros destinados aos municípios. É nessa hora que nós, gestores e demais representantes deste Conselho, devemos enfrentar esse desafio em busca de soluções e propostas inovadoras. (CMH, 2018CMH (2018). Informativo do Conselho Municipal de Habitação. Belo Horizonte, Urbel.)

Nessa conjuntura, surgiu, na agenda local, a possibilidade de implementação de um programa de locação social. Este havia sido discutido em instâncias, como a IV Conferência Municipal de Política Urbana (2014) e a VII Conferência Municipal de Habitação (2014), e no processo participativo da Operação Urbana Consorciada Antônio Carlos – Pedro I/Leste-Oeste – OUC-Aclo (2014-2015) (Paolinelli e Costa, 2017PAOLINELLI, M. S.; COSTA, R. G. (2017). Locação social em Belo Horizonte: possibilidades e desafios. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. São Paulo, Anpur.), bem como mencionado na última revisão do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), de 2015. Apoiada por setores ligados aos movimentos sociais, à academia e ao legislativo, a locação social tornou-se uma pauta relevante, crescendo em importância nas propostas da Subsecretaria de Planejamento Urbano (Suplan) e nos debates internos do Conselho Municipal de Habitação (CMH) e da Urbel.

Paralelamente a uma revisão estrutural da PMH, iniciou-se um processo de formulação de um programa de locação social para o município de Belo Horizonte. Dado o ineditismo do programa, foi criado um grupo de trabalho para pensar sua regulamentação, o GT-Locação Social, composto por funcionários da Urbel e por integrantes da sociedade civil, mobilizados a partir de demandas do Coletivo Habite a Política.2 2 () Iniciativa autônoma, composta por técnicos da Urbel sindicalizados, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), pesquisadores e integrantes de movimentos de luta por moradia, que realizou reuniões periódicas, seminários e mobilizações coletivas com foco na discussão de políticas habitacionais para o município de Belo Horizonte. Para mais informações, ver Paolinelli (2019). O GT operou entre dezembro de 2017 e julho de 2018 e teve sua proposta apresentada e legitimada no CMH e normatizada pelo decreto n. 17.150 de julho de 2019.

Os autores deste artigo participaram do GT-Locação Social durante todo seu período de operação, como integrantes do Coletivo Habite a Política. A atuação dos autores nesse espaço foi baseada pela imbricação de trabalho militante junto ao coletivo e por contribuições técnica/acadêmicas, diretamente ligadas às pesquisas individuais que realizavam em paralelo, ambas relacionadas com a investigação de alternativas de políticas habitacionais pautadas em programas de locação social.3 3 () Dissertação de mestrado (Paolinelli, 2018) e monografia de conclusão de curso (Gimenez, 2018). O presente artigo busca, então, relatar essa rica experiência de formulação de política pública da qual fizeram parte, e que não ganhou o devido destaque nos trabalhos realizados pelos autores no período, ainda que eles tenham indiretamente se alimentado das discussões realizadas no GT.

Este artigo busca apresentar e analisar o processo de regulamentação do Programa de Locação Social de Belo Horizonte, apontando limites e desafios colocados a essa modalidade de política habitacional no Brasil. Apesar de não ganhar historicamente tanto destaque enquanto reivindicação dos movimentos sociais no contexto brasileiro, a intervenção pública no mercado privado de moradias de aluguel ou a provisão direta destas pelo Estado tem ganhado destaque na agenda urbana em diversos países, produzindo iniciativas que mobilizam desde a sociedade civil (inclusa a organizada), até agentes de mercado e entes estatais.

Historicamente associada à habitação no Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) na Europa e Estados Unidos, as políticas voltadas ao aluguel – como o aluguel público (public housing), o aluguel subsidiado (subsidized rental housing), o aluguel regulado (rent control), entre outras – têm passado por diversas transformações nas últimas décadas nos países centrais. Viradas neoliberais têm desmantelado os sistemas de locação subsidiada de inúmeros países da Europa desde os anos 1990 (Aalbers, 2016AALBERS, M. B. (2016). “The financialization of Subsidized Rental Housing”. In: AALBERS, M. B. The financialization of housing: a political economy approach. Nova York, Routledge.), e, com o crescimento dos global landlords na crise pós-2008, a habitação de aluguel tem se consolidado como uma das novas frentes de financeirização da moradia no cenário global (Rolnik, 2019ROLNIK, R. (2019). Urban Warfare: housing under the Empire of Finance. Nova York, Verso.). Isso nos permite dizer que uma política de locação social, por si só, não garante a desmercantilização do acesso à moradia (Paolinelli, 2018PAOLINELLI, M. S. (2018). Desmercantilização da habitação: entre a luta e a política pública. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.). Considerando o contexto de um país de capitalismo periférico como o Brasil, pautado pela informalidade habitacional e por forte presença de uma ideologia da casa própria (Milano, 2013MILANO, J. Z. (2013). Aluguel social no Brasil: algumas reflexões sobre a ideologia da casa própria. In: XV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. Recife, Anpur.), os desafios de uma política habitacional voltada ao aluguel são ainda maiores, merecendo atenção dos gestores e de outros atores interessados na sua implementação.

Iniciaremos este artigo abordando a locação social no contexto internacional e nacional. Em seguida, contextualizaremos a Política Municipal de Habitação (PMH) de Belo Horizonte e seu processo recente de revisão. A seguir, trataremos sobre a construção da regulamentação do programa de Locação Social de Belo Horizonte no âmbito do GT-Locação Social e da avaliação realizada sobre o programa Bolsa Moradia, que trouxe apontamentos importantes para a elaboração desta regulamentação. Na sequência, trataremos das discussões desenvolvidas em torno das modalidades pública, privada e por organizações da sociedade civil (OSC), ligando-as a debates relevantes sobre políticas públicas voltadas à moradia de aluguel na literatura nacional e internacional. Concluiremos com os limites da inclusão da locação social na agenda urbana no contexto brasileiro, com uma breve análise da tentativa inicial de implementação do programa em Belo Horizonte e dos desafios recentes para sua concretização no contexto municipal.

A locação social na agenda urbana

A pauta da moradia de aluguel tem aparecido de diversas formas na agenda urbana internacional, seja por reivindicações de movimentos sociais pela ampliação do parque público e de aluguel regulado, seja por documentos de organismos que buscam influenciar políticas públicas (UN-Habitat, 2004UN-HABITAT (2004). A policy guide to rental housing in developing countries. Nairobi, UN-Habitat.; Blanco, Cibils e Muñoz, 2014). A Nova Agenda Urbana, fruto da Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada em 2016, encoraja:

o desenvolvimento de políticas, ferramentas, mecanismos e modelos de financiamento que promovam o acesso a uma ampla gama de opções habitacionais economicamente acessíveis e sustentáveis, incluindo aluguel e outras opções de posse, bem como soluções cooperativas como a habitação compartilhada, fundos comunitários de habitação social e outras formas de posse coletiva [...] a fim de melhorar a oferta habitacional (especialmente para grupos de baixa renda), evitar a segregação e remoções e desocupações forçadas e arbitrárias e prover realocação digna e adequada. (Nações Unidas, 2019NAÇÕES UNIDAS (2019). Nova agenda urbana. Quito, Organização das Nações Unidas., p. 27; grifos dos autores)

Apesar de reivindicações pela garantia do direito à moradia por meio do aluguel não serem incomuns no contexto internacional, ainda há pouca menção à essa modalidade na agenda dos movimentos sociais no contexto brasileiro. Enquanto cidades “de inquilinos”, como Nova York e Berlim (Madden e Marcuse, 2016MADDEN, D.; MARCUSE, P. (2016). In defense of housing. Nova York, Verso.), apresentam um longo histórico de luta em torno de melhores condições de aluguel – como regulação do aluguel de mercado, produção de moradias públicas ou por cooperativas –, a luta por moradia no Brasil é direcionada principalmente à permanência nas vilas e favelas, às ocupações e ao acesso casa própria (Paolinelli, 2018PAOLINELLI, M. S. (2018). Desmercantilização da habitação: entre a luta e a política pública. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.). Essa diferença se relaciona à característica do desenvolvimento urbano e das formas de política habitacional vistas nos países centrais, que se diferem substancialmente do contexto nacional.

Na Europa e na América do Norte, as primeiras iniciativas de políticas habitacionais datam do período entre o final do século XIX e o início do século XX, ganhando força principalmente no período entre guerras e no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a provisão de habitação se tornou um dos pilares do Welfare State (Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.). Por conta da destruição das cidades, os estados intensificaram sua atuação na provisão de moradias, principalmente para aluguel, que se tornaram elemento fundamental na garantia da reprodução da força de trabalho e na reestruturação econômica (Balbim, 2015BALBIM, R. (2015). Serviço de Moradia Social ou Locação Social: alternativas à política habitacional. Brasília, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.).

O modelo francês é um dos mais conhecidos. A Habitação de Aluguel Moderado (Habitation à Loyer Modéré – HLM) é realizada por agências públicas (Les Offices Publics de l’Habitat – OPH), de regime jurídico próprio, gestão autônoma e orçamento independente; empresas sociais para habitação (Les Entreprises sociales pour l’habitat – ESH), organizações sem fins lucrativos regidas por regulamentação específica; e sociedades de economia mista (SEM), criadas geralmente pelos governos locais (ibid.). Essa complexidade organizacional permitiu que o país alcançasse um estoque de mais de 5 milhões de unidades de aluguel acessível, considerado o maior da Europa em números absolutos.

Há também o modelo britânico, baseado nas unidades de propriedade pública, geridas por autoridades locais (council houses, um tipo de public housing). Entre o período do pós-Segunda Guerra e a década de 1960, a produção dessas habitações cresceu consideravelmente, atingindo quase um terço do estoque nacional total, provendo moradia a baixos custos para grande parte da classe operária inglesa (Valença, 2014VALENÇA, M. M. (2014). Alternativa de provisão habitacional no Brasil e no mundo. Mercator – Revista de Geografia da UFC, v. 13, n. 3, pp. 7-23.). Já o modelo holandês – que também ganha proeminência nesse período – é baseado majoritariamente na provisão por associações de moradia (woningcorporaties; housing associations). Nos Países Baixos, enquanto 7% do estoque total de moradias são destinados à moradia de aluguel privado, 35% são geridos por essas associações que oferecem aluguéis a preços acessíveis (Ouwehand; Daalen, 2002OUWEHAND, A.; DAALEN, G. V. (2002). Dutch Housing Association: a model for social housing. Delft, Research Institute for Housing, Urban and Mobility Studies.; Aedes, 2013AEDES (2013). Dutch social housing in a nutshell. Amsterdam, Dutch association of social housing organization.).

No entanto, é preciso considerar que mesmo os casos bem-sucedidos de políticas de locação vêm sofrendo grandes alterações com a adesão de ideais neoliberais pelos países centrais. A produção das HLMs na França estagnou-se nas últimas décadas. Desde o governo de Margareth Thatcher (1979-1990), as council houses inglesas foram intensivamente privatizadas, vendidas aos inquilinos pela política do right to buy, e o estoque remanescente é gerenciado atualmente por associações do terceiro setor, com pouco suporte de recursos públicos.

É importante salientar que ao processo britânico de constituição de uma geração de proprietários correspondeu um desmonte político-ideológico do sistema de bem-estar, com ampla base de apoio social. Residualizada como política e marginalizada, a moradia social transformou-se no imaginário político-social – e na prática – em lugar dos fracos, dos dependentes de direitos sociais, dos incapazes de manejar ativos no mercado. Foi, portanto, estigmatizada. (Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo., p. 56)

Desde os anos 1990, as housing associations holandesas passam por uma progressiva mudança de caráter, de instituições comunitárias para grandes empresas corporativas, muitas, inclusive, com investimentos gerenciados no mercado financeiro4 4 () A corporação Vestia, a maior associação holandesa, com cerca de 90 mil unidades, perdeu em 2012 cerca de 20 bilhões de euros, ao investir em derivativos tóxicos em bancos estrangeiros, e foi obrigada a vender 32 mil unidades do seu estoque e maximizar os aluguéis nas renovações de contratos para se manter. – um processo caracterizado por Aalbers (2016)AALBERS, M. B. (2016). “The financialization of Subsidized Rental Housing”. In: AALBERS, M. B. The financialization of housing: a political economy approach. Nova York, Routledge. como financeirização secundária (secondary financialization) – com redução também da regulação sobre o estoque e os valores dos aluguéis. Houve ainda, nos EUA e na Alemanha, a privatização massiva de estoques públicos, semipúblicos ou de aluguel regulado, vendidos para investidores financeiros – que o autor denomina privatização financeirizada (financialized privatization).5 5 () Recentemente, a partir uma grande mobilização social, foi aprovada, em referendo, a reestatização de 226 mil apartamentos na cidade de Berlim, que pertenciam a esses grandes grupos financeiros. No caso estadunidense, a produção pública de moradia para aluguel subsidiado foi altamente desestruturada desde os anos 1970, e a locação social torna-se pautada por princípios associados à visão neoliberal em cidades como Nova York: Parceria Público-Privadas (PPPs), negociações de potencial construtivo para a produção de moradias temporárias de aluguel social, vouchers destinados à iniciativa privada, entre outras práticas.

Todo esse contexto de constituição, consolidação, decadência, privatização e financeirização das políticas de locação social nos países centrais nos faz questionar qual a legitimidade da importação desses modelos no contexto do Sul Global atual e em um período de redução maciça de recursos públicos destinados à moradia. Embora a circulação de ideias, modelos e políticas seja fundamental na elaboração de programas habitacionais, é sempre preciso estar atento para a reprodução descontextualizada de modelos pertencentes a territórios e períodos distantes.

A circulação unilateral das ideias, dos países centrais para a periferia, contribuiu para consolidar as contradições na própria trajetória de desenvolvimento nos países emergentes. Travou também a articulação de um pensamento mais autêntico, alinhado com as especificidades do planejamento no Sul Global. (Klink, 2016KLINK, J. (2016). “Trajetórias urbanas: circulação de ideias e construção de agendas no sul global - Limites e potencialidades da HABITAT III”. In: BALBIM, R. (org.). Geopolítica das cidades: velhos desafios, novos problemas. Brasília, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada., p. 205)

Ainda que não haja muitas experiências de políticas dessa natureza na América Latina, há uma tendência recente de incorporação de políticas ligadas à moradia de aluguel, principalmente envolvendo parcerias público-privadas. No Seminário Diálogos Internacionais – Outras propriedades: função social das cidades e modelos alternativos de propriedade imobiliária, realizado em São Paulo em setembro de 2017, a conselheira regional para América Latina pela Cities Alliance, Anaclaudia Rossbach, afirmou:

Obviamente há uma cultura de propriedade na América Latina, mas mais recentemente [...] tem aumentado a proporção de domicílios alugados em relação à propriedade [...]. Em quase todos os países em que eu tenho estado recentemente participando de eventos, diálogos, o tema locação e aproveitamento de imóveis urbanos vêm aparecendo muito fortemente e de vários segmentos, de governo, do setor privado, da sociedade civil. Recentemente, numa convenção do setor privado imobiliário no México, um dos temas principais para debate foi a locação social, porque há também uma preocupação com o aproveitamento de imóveis e com a retração do emprego, com a retração da economia.6 6 () Transcrição da fala de Anaclaudia Rossbach na mesa “Locação Social”, no dia 14 de setembro de 2017. Reprodução autorizada.

No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) realizou o webinário “Diálogos sobre Locação Social” em março de 2021, convidando uma série de acadêmicos, gestores públicos e organizações para debater as possibilidades de a locação social ser implementada em nível federal. Na página web do ministério,7 7 () Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/casa-verde-e-amarela/locacao-social. Acesso em: 15 ago 2022. menciona-se que há uma iniciativa em fase de projeto-piloto sendo desenvolvida como parte do Programa Casa Verde e Amarela para o enfrentamento ao ônus excessivo com aluguel,8 8 () Em 2019 (dado disponível mais recente), o déficit habitacional no Brasil chegou na casa dos 5,8 milhões de domicílios, o ônus excessivo com aluguel foi a causa em mais de 3 milhões desses lares (51,7% do total) (FJP, 2020). em que

A locação social está sendo pensada em três eixos: apoio à estruturação de parque público municipal ou estadual com unidades habitacionais voltadas à locação social; apoio à estruturação de uma parceria público-privada entre ente local e setor privado, com essa mesma finalidade; ou apoio ao ente local na estruturação e/ou subsidiando a operação de políticas de voucher voltadas ao pagamento do aluguel do público beneficiário.

Com pontos similares e divergentes à iniciativa federal, o programa de Locação Social de Belo Horizonte foi apresentado no webinário mencionado, e está sendo implementado em etapas desde 2019, anteriormente a essa movimentação do MDR. O programa foi uma das inovações incluídas na revisão recente da Política Municipal de Habitação (PMH), que merece ser contextualizada antes de um maior aprofundamento.

O contexto da política habitacional municipal

O município de Belo Horizonte é recorrentemente mencionado na literatura pelas suas emblemáticas experiências de políticas urbanas e programas habitacionais, alguns considerados precursores no cenário nacional – como o Programa Municipal de Regularização das Favelas (Profavela), precursor das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). Grande parte desse reconhecimento vem também dos avanços realizados nos anos 1990, quando a Política Municipal de Habitação (PMH) foi estruturada. Nesse período, em consonância com as mobilizações nacionais no cenário pós-Constituição de 1988, nasceu, na capital mineira, uma série de movimentos ligados à pauta do direito à moradia, que exigiam do Estado uma providência quanto à provisão de habitação popular.9 9 () Destacam-se a Federação das Associações de Bairros, Vilas/Favelas de Belo Horizonte (Famobh) e a Associação dos Moradores de Aluguel de Belo Horizonte (Amabel) e movimentos de amplitude nacional, como a União Nacional por Moradia Popular – UNMP (1989) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia – MNLM (1990). Como resultado da efervescência dessas e de outras lutas urbanas populares do período, foi articulada a Frente BH Popular para disputar as eleições municipais, que elegeu Patrus Ananias (PT, 1993-1996) como prefeito (Bedê, 2005BEDÊ, M. M. C. (2005). Trajetória da formulação e implantação da Política Habitacional de Belo Horizonte na Gestão da Frente BH Popular 1993-1996. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.).

Durante a gestão de Patrus, foram criadas as primeiras políticas urbanas e habitacionais municipais de maior abrangência, de maneira sistemática e integrada. Foi instituído o Sistema Municipal de Habitação, constituído pela Urbel (órgão gestor, propositor e executor da política), pelo Fundo Municipal de Habitação – FMH e pelo Conselho Municipal de Habitação – CMH (órgão deliberativo da política com cadeiras reservadas para representantes do movimento popular). A política foi regulamentada pela resolução n. II do CMH, formando os arranjos institucionais e fundos necessários para a viabilização de uma série de programas de produção habitacional e urbanização de favelas, que contou com ampla participação popular. Um dos destaques foi o Orçamento Participativo (OP) e sua variante voltada para o atendimento do movimento dos sem casa, organizado em núcleos – o Orçamento Participativo da Habitação (OPH). Segundo Bedê (ibid.):

Os núcleos do movimento dos sem casa mobilizam famílias no âmbito de uma determinada base territorial constituída por um ou mais bairros, uma região ou mesmo um assentamento favelado. Existe sempre a figura de um coordenador que representa o núcleo diante do poder público e das instâncias mais gerais do movimento popular e promove as atividades coletivas.

Depois do fim da gestão de Patrus, o número de moradias construídas pelo OPH reduziu significativamente, e a continuidade da política municipal foi dificultada com a introdução do programa federal Minha Casa Minha Vida (MCMV). Apesar dos recursos vultuosos que passaram a chegar ao FMH pelo programa, os critérios para seu acesso eram estabelecidos no âmbito federal, desconsiderando a organização local da “fila de espera” dos núcleos, que, até então, tinha prioridade de atendimento no município. O MCMV passou a absorver parte da demanda do OPH e, desde 2012, não houve mais produção pelo programa municipal. Entretanto, grande parte das moradias conquistadas no OPH entre 2009 e 2010 não foi produzida, e, segundo a Urbel, ainda havia um passivo de 1.640 unidades a serem entregues (CMBH, 2020CMBH (2020). Relatório do Grupo de Trabalho sobre Direito à Moradia da Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor. Relatoria da vereadora Bella Gonçalves. Belo Horizonte, CMBH. Disponível em: < https://www.mlabspages.com/bella-goncalves/relatorio-direito-a-moradia-cmbh-050322135620> Acesso em: 12 dez 2022.
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).

O descontentamento e a descrença na gestão municipal, catalisados pelo esvaziamento político das instâncias participativas da política habitacional e urbana, principalmente durante a gestão de Fernando Pimentel (PT, 2001- -2008)10 10 () Segundo Bittencourt (2016, p. 39), durante os anos de gestão de Fernando Pimentel, “somente aproximadamente 25% (2.266) das unidades produzidas pela política foram destinadas à demanda organizada (déficit habitacional), sendo as outras 75% (7.271) destinadas às famílias removidas por procedimentos relacionados à PBH”. e Márcio Lacerda (PSB, 2009-2016), motivou diversas famílias organizadas e apoiadas por novos movimentos sociais11 11 () Destacam-se as Brigadas Populares, o Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). a abandonarem a disputa pelos recursos públicos e a ocuparem terrenos e autoconstruírem suas próprias casas (Bittencourt, 2016BITTENCOURT, R. R. (2016). Cidadania autoconstruída: o ciclo de lutas sociais das ocupações urbanas na RMBH (2006-2015). Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.). A partir do final dos anos 2000, as ocupações organizadas em edificações vazias e terrenos abandonados cresceram expressivamente: foram mais de 30 experiências, envolvendo mais de 15 mil famílias na RMBH. Para comparação, a PMH produziu, somando os programas municipais e federais, apenas 7.928 moradias para atender ao déficit habitacional no mesmo período (CMBH, 2020CMBH (2020). Relatório do Grupo de Trabalho sobre Direito à Moradia da Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor. Relatoria da vereadora Bella Gonçalves. Belo Horizonte, CMBH. Disponível em: < https://www.mlabspages.com/bella-goncalves/relatorio-direito-a-moradia-cmbh-050322135620> Acesso em: 12 dez 2022.
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).

A PMH idealizada nos anos 1990 tornou-se insuficiente para as novas demandas, explicitando-se a necessidade de revisá-la. Nesse sentido, cabe destacar o esforço promovido pelo Coletivo Habite a Política, que tinha sua atuação respaldada por integrantes que ocupavam cadeiras na gestão 2017/2019 do CMH e estavam em diálogo tanto com os movimentos tradicionais ligados aos núcleos quanto com os movimentos ligados às ocupações urbanas (Paolinelli, 2019PAOLINELLI, M. S. (2019). Em meio à crise na política habitacional, as lutas por transformação: o Coletivo Habite a Política e os desafios recentes na luta pelo direito à moradia em Belo Horizonte. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. Natal, Anpur.). O coletivo pressionou a Urbel a instaurar um processo de revisão da política habitacional municipal por meio do CMH, realizando também, fora dessa instância, uma série de eventos, seminários e debates – já que não houve esforço oficial da prefeitura em realizar um processo aberto, para além do CMH, com essa finalidade.12 12 () A dinâmica desse grupo se pautou na produção de uma minuta de resolução, e as discussões seguiram a estrutura dessa peça jurídica. Enquanto as reuniões iniciais foram centradas em partilhar os problemas identificados pelos participantes na execução da política habitacional, logo se seguiram discussões sobre os objetivos gerais da política e suas linhas programáticas, em que eram convidados especialistas de cada área (técnicos, acadêmicos ou representantes de organizações sociais).

Depois de mais de um ano de discussão, a resolução n. LII foi aprovada pelo CMH em dezembro de 2018, substituindo a resolução II que regulava a PMH desde 1994. Três linhas programáticas foram definidas: a provisão habitacional (substituindo a ideia de “produção” habitacional); a intervenção em assentamentos de interesse social; e a assessoria e assistência técnica. Foram também incluídas ações transversais para integrar e articular as linhas programáticas (como captação de imóveis e recursos, manutenção, informação, etc.). Os programas da linha Provisão Habitacional são detalhados no quadro a seguir, com destaque para o programa de Locação Social.

Entre os principais avanços, merece destaque o reconhecimento das ocupações organizadas como territórios com direito à atendimento pela política. No programa de Produção Habitacional, para além da construção de novas unidades, passou-se a ser considerada a requalificação de unidades existentes. Foi introduzida a ideia de atendimento contínuo, a partir do programa de Locação Social, para além dos já utilizados atendimento emergencial e temporário (Bolsa Moradia) e atendimento definitivo (produção e aquisição de imóveis). Foi explicitada a possibilidade de implantação de formas de domínio do imóvel para além da propriedade privada (incluindo arranjos, utilizando-se de cessão do direito real de uso, por exemplo) e de combinação da provisão habitacional aos mecanismos de indução da função social da propriedade. Diversificaram-se as formas de gestão em todos os programas da política, incluindo a autogestão e gestão por OSCs.

A Resolução LII tornou-se um leque bastante rico de alternativas para a população de baixa renda de Belo Horizonte, ainda que nem todas tenham entrado em vigor. A locação social tornou-se um dos carros-chefe da proposta, aparecendo quase como uma evidência da abertura da gestão municipal à inovação e de seu caráter histórico de vanguarda. Como não havia uma legislação para o programa, houve um processo paralelo à reestruturação da PMH para a regulamentação do programa de Locação Social, sobre o qual trataremos a seguir.

Regulamentação do programa de Locação Social

Um dos primeiros passos para viabilizar a criação do programa de Locação Social foi a elaboração de um projeto de lei de autoria do Executivo que autorizasse a utilização de recursos do Fundo Municipal de Habitação para o programa (PL n. 426/2017). Esse projeto incorporou, para além da locação social, “subsídio temporário para auxílio habitacional”, que fundamentou a criação do abono pecuniário, que será tratado mais adiante.

O PL chegou à Câmara Municipal, em outubro de 2017, e teve parecer emitido pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, com relatoria da vereadora Áurea Carolina (Psol). A parlamentar sustentou sua análise em um debate promovido no início de 2018, em que convidou movimentos sociais interessados para debater a peça em seu gabinete. Já nesse encontro, ficou evidente a preocupação com a utilização da locação social e dos auxílios-aluguel como forma de precarização da política habitacional, bem como uma preferência explícita das lideranças (tanto dos núcleos organizados, quanto das ocupações) pelo acesso à moradia pelo financiamento da casa própria e pela regularização fundiária.

Apesar da campanha à vereança de Bella Gonçalves (Psol), das Brigadas Populares, que fazia parte do gabinete de Áurea,13 13 () Áurea Carolina e Bella Gonçalves tiveram as candidaturas lançadas junto ao movimento Cidade que Queremos, que organizou uma plataforma de discussão de propostas. Uma das mais votadas foi justamente a criação de um “estoque público de imóveis para habitação de interesse social''. Bella Gonçalves foi a terceira candidata mais bem votada do movimento, e passou a integrar o gabinete de Áurea a partir de uma prática chamada pelo movimento de “covereança”, assumindo protagonismo nas pautas ligadas à luta pela moradia. Quando Áurea Carolina foi eleita deputada federal em 2018, Bella Gonçalves assumiu a vaga do PSOL como vereadora na Câmara Municipal de Belo Horizonte. ter sido vinculada à luta pela ocupação de vazios urbanos e pela locação social pública nas centralidades, muitas lideranças desse movimento, atrelado às ocupações organizadas recentes, não reconheciam a locação social como alternativa legítima de acesso à moradia. Talvez por desconhecimento de experiências concretas no Brasil ou em outros contextos do Sul Global, mas também por uma desconfiança quanto à modalidade de locação privada, associada, no imaginário popular, ao Bolsa Moradia (subsídio mensal emergencial para fins de aluguel), a qual era entendida como uma forma de transferência irresponsável de recursos públicos ao setor privado. Ainda assim, foi acordada a importância do programa e aprovado o PL. Segundo o parecer de Áurea Carolina:

A locação social como alternativa para diminuir o déficit habitacional e garantir o direito à moradia tem sido discutida, no Brasil, na última década, sendo tal debate intensificado com a fragilização do Programa Minha Casa Minha Vida a partir de 2016. É uma tentativa de atuar sobre os imóveis vazios existentes, em número expressivo, nas cidades brasileiras (CMBH, 2018CMBH (2018). Parecer em primeiro turno sobre o projeto de Lei n. 426/2017, Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor. Relatoria da vereadora Áurea Carolina. Belo Horizonte, CMBH., p. 35)

A vereadora ainda protocolou emenda, adicionando ao PL, aprovado como a lei n. 11.148, de 8 janeiro de 2019, que a utilização de recursos do fundo municipal para a locação deveria acontecer “desde que garantida a aplicação de recursos nas modalidades de provisão habitacional e mediante previsão de mecanismos de regulação do mercado para atender ao interesse público". A discussão na Câmara foi acompanhada pelos integrantes da sociedade civil do grupo de trabalho (GT-Locação Social), que, de forma paralela à aprovação do PL, discutia a regulamentação e a operacionalização do programa junto à Urbel no âmbito do Executivo.

O GT-Locação Social foi composto por três funcionários da Urbel e três integrantes da sociedade civil, integrantes do coletivo Habite a Política; entre eles um conselheiro do CMH pelo segmento sindical e dois pesquisadores. Acompanharam o grupo também uma liderança do MNLM e uma arquiteta do IAB, além de outros técnicos da Urbel, conforme a demanda dos trabalhos realizados. As reuniões semanais do GT-Locação Social estenderam-se por 8 meses e foram acompanhadas por reuniões de câmara técnica do CMH sobre o programa e por atividades paralelas, promovidas pelo coletivo.

Foi acordado, logo no início da formulação, que, diferentemente dos auxílios-aluguel, geralmente utilizados apenas para atender a demandas emergenciais e temporárias (como o Bolsa Moradia), a locação social compreenderia uma política contínua, que trataria de forma integrada oferta e demanda de moradias, acessadas por meio de um aluguel acessível. Os objetivos principais do programa seriam: possibilitar o acesso e a permanência de famílias de baixa renda em áreas valorizadas da cidade; evitar que recursos públicos investidos em habitação fossem transferidos indiretamente para o mercado imobiliário; incidir sobre os valores de aluguel praticados no mercado privado; e aproveitar a oferta de imóveis vagos.

Uma contribuição relevante dos representantes da sociedade civil para esse debate foi apontar as limitações dos programas de auxílio-aluguel e apresentar elementos positivos e negativos presentes em experiências internacionais. Diversas políticas possíveis envolvendo a moradia de aluguel, com diferentes arranjos institucionais, formas de operacionalização, de propriedade e de gestão dos imóveis, e atendimento a diferentes faixas de renda foram debatidas pelos agentes envolvidos nesse processo, favorecendo o desenvolvimento de um modelo que correspondesse à realidade nacional e local.

O GT-Locação Social pautou-se por um constante esforço de situar suas propostas na realidade institucional, econômica e territorial local, buscando, inclusive, esquivar-se das propostas que se baseavam na iniciativa privada como indutor. Nesse sentido, foi pensado para o programa não apenas a utilização de imóveis vazios nas áreas centrais e formais da cidade, como previsto no PlanHab (Ministério das Cidades, 2009MINISTÉRIO DAS CIDADES (2009). Plano Nacional de Habitação. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/planhab-2040/referencias/. Acesso em: 4 ago 2022.
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), mas também foi considerada a inclusão de imóveis em áreas populares, não limitados às áreas formais.

A informalidade habitacional é uma realidade nas cidades brasileiras, e o mercado informal tem se consolidado como uma variante da produção da cidade popular que articula lógica da necessidade e lógica do mercado (Abramo, 2009ABRAMO, P. (org.). (2009). Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras. Porto Alegre, Antac.). No caso da RMBH, com a redução da produção de loteamentos populares periféricos, a partir dos anos 1980, a dinâmica dos mercados informais promoveu o adensamento dos territórios populares. Desde então, “o aluguel de cômodos ou de segundas habitações passa a ter um peso cada vez maior, para proprietários e inquilinos, como estratégia de sobrevivência na metrópole periférica” (Costa, 1994COSTA, H. S. M. (1994). “Habitação e produção do espaço em Belo Horizonte”. In: MONTE-MÓR, R. L. (org.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte, Cedeplar., p. 75), problema que persiste até os dias atuais.

Como indicado na estimativa de déficit habitacional (FJP, 2019), 81.734 famílias estão em situação de ônus excessivo com aluguel, o que representa mais de 76% do déficit habitacional total da região metropolitana. Quando se observa a localização das famílias que enfrentam esse tipo de problema no território municipal, fica explícito que muitas moram em territórios populares, inclusive aqueles caracterizados como Zeis, ou seja, vilas e favelas (Silva, 2021SILVA, C. F. (2021). O déficit habitacional em nível municipal: um estudo a partir do Cadastro Único em Belo Horizonte. Trabalho de conclusão de curso. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.). Como a Urbel tem ampla atuação em áreas informais e toca, há mais de duas décadas, um programa de auxílio-aluguel (Bolsa Moradia) que é recorrentemente utilizado para o acesso à moradia nessas áreas, a experiência da instituição foi acionada para apoiar as investigações possíveis de ampliação da Locação Social para esse universo.

Avaliação do programa Bolsa Moradia

Uma das primeiras ações do GT-Locação Social, logo no final de 2017, foi realizar uma avaliação do programa Bolsa Moradia (BM). No imaginário de lideranças, a locação social sempre esteve associada a esse programa, por mais que não fosse possível considerá-lo uma política estruturada de locação social (Milano, 2013MILANO, J. Z. (2013). Aluguel social no Brasil: algumas reflexões sobre a ideologia da casa própria. In: XV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. Recife, Anpur.). O programa Bolsa Moradia foi criado em 2003 como uma frente de atendimento do Programa de Reassentamento de Famílias Removidas por Obras Públicas (Proas), para atender famílias removidas até seu reassentamento (lei n. 8.566/2003). No entanto, com o impacto de fortes chuvas no início desse mesmo ano, passou também a atender famílias vítimas de calamidade, removidas de áreas sem condições de retorno, de áreas de risco irregulares, e pessoas em situação de rua indicadas pela Secretaria de Assistência Social (SMAAS) (decreto n. 11.375/2003).

Para acessar o Bolsa Moradia, os imóveis são objeto de vistoria por técnicos da Urbel, e são requisitados comprovantes mensais do pagamento do aluguel às famílias atendidas. Inicialmente o valor da bolsa era de R$200,00, mas, após quatro alterações via decretos, passou a ser de R$500,00. Em 2013, ano de pico de atendimentos, foram 2.653 auxílios concedidos. Em 2018, foram empenhados mais de 6,5 milhões na modalidade (CMBH, 2020CMBH (2020). Relatório do Grupo de Trabalho sobre Direito à Moradia da Comissão de Direitos Humanos e Direitos do Consumidor. Relatoria da vereadora Bella Gonçalves. Belo Horizonte, CMBH. Disponível em: < https://www.mlabspages.com/bella-goncalves/relatorio-direito-a-moradia-cmbh-050322135620> Acesso em: 12 dez 2022.
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).

Sempre houve uma grande preocupação de lideranças locais em relação a uma possível inflação nos preços dos mercados populares, promovida por esses auxílios, já que não havia nenhum controle ou tabelamento de preços dos imóveis utilizados. Há também uma preocupação recorrente de que não é possível alugar uma moradia digna na capital com o valor atual do auxílio. Esse também é um debate que aparece no âmbito nacional e internacional. Em Nova York, os vouchers, subsídios diretos a inquilinos do mercado privado, têm beneficiado mais os proprietários das moradias do que, de fato, as famílias atendidas, que ficam vulneráveis às dinâmicas imobiliárias especulativas (Madden e Marcuse, 2016MADDEN, D.; MARCUSE, P. (2016). In defense of housing. Nova York, Verso.). Em São Paulo, o auxílio-aluguel tem precarizado a política municipal e funcionado como uma forma de gestão neoliberal da insegurança habitacional, resultado da desestruturação da lógica dos direitos sociais (Guerreiro, 2020GUERREIRO, I. A. (2020). O aluguel como gestão da insegurança habitacional: possibilidades de securitização do direito à moradia. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 49, pp. 729-756.; Guerreiro, Rolnik e Marín-Toro, 2022).

Para entender o impacto do Bolsa Moradia nos mercados populares de habitação e, consequentemente, o seu potencial de assegurar o direito à moradia, foi realizado um estudo por técnicos da Urbel14 14 () Gustavo Sapori Avelar (supervisor do programa Bolsa Moradia), Adaiton Altoe e Kerley Antônio Cordeiro Oliveira (analistas Técnico Social da Urbel). sobre amostra de 138 contratos vigentes entre janeiro e outubro de 2017. Foram analisadas características físicas dos imóveis alugados (área construída) em relação ao valor do Bolsa Moradia concedido15 15 () Dos contratos considerados no estudo, 36% eram referentes a famílias provenientes do empreendimento PAC Aeroporto, que recebem um valor diferenciado de R$650,00 por conta de atrasos nas obras. A diferença dos valores permitiu comparações sobre a qualidade dos imóveis alugados que auxiliaram as conclusões do estudo. e em relação aos valores dos aluguéis. Os imóveis foram mapeados na cidade, permitindo a identificação da localização de cada público.

No caso dos auxílios concedidos em casos de remoções decorrentes de obras, as famílias que aguardam o reassentamento tendem a buscar moradias nas proximidades dos territórios populares onde moravam antes de serem removidas. Algumas acabam também se deslocando para áreas distantes ou fora da capital, o que pode indicar uma periferização pela dificuldade de encontrar moradias nos valores oferecidos. No caso da população com trajetória de rua indicada pela SMAAS, a maioria dos benefícios é utilizada nas proximidades da região central, em bairros que contam com equipamentos ligados à assistência social ou com dinâmicas de trabalho ligadas a esse grupo.

Foi possível identificar que cerca de 70% das famílias analisadas tem optado por pagar valores de aluguel correspondentes ao Bolsa Moradia, e, em cerca de 25% dos casos, é investido até R$150,00 acima do benefício no valor do aluguel. Quase metade das famílias conseguiu acessar um imóvel com área construída superior a 60 m2 2 () Iniciativa autônoma, composta por técnicos da Urbel sindicalizados, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), pesquisadores e integrantes de movimentos de luta por moradia, que realizou reuniões periódicas, seminários e mobilizações coletivas com foco na discussão de políticas habitacionais para o município de Belo Horizonte. Para mais informações, ver Paolinelli (2019). – o que foi considerado positivo do ponto de vista de uma Habitação de Interesse Social (HIS).

O estudo concluiu que o Bolsa Moradia tem funcionado como um “suporte” aos valores de aluguel, que tendem a flutuar em até 20% para baixo ou para cima do benefício. Comparando os casos analisados, embora o BM possa induzir a inflação dos aluguéis, ele também tem os direcionado para baixo, no caso de imóveis de maior área construída.16 16 () Segundo o estudo, o Bolsa Moradia de R$500,00 tem funcionado como suporte para o valor do aluguel de imóveis com área de até 80 m, e o de R$600,00, de imóveis com área de até 120 m. Se isso ocorre, a segurança ao locador oferecida pelo subsídio mensal da prefeitura pode ser de fato considerada um fator relevante na composição de preços do aluguel. Essa conclusão possui respaldo em estudos que observam a dinâmica de mercados de aluguéis latino-americanos, compostos majoritariamente por indivíduos com poucas propriedades e que, pelos aluguéis comporem parte expressiva de sua renda, tendem a priorizar a estabilidade de recebimento dos valores em detrimento da maximização do retorno financeiro (Blanco, Cibils e Muñoz, 2014).

As avaliações do programa Bolsa Moradia no âmbito do GT-Locação permitiram entender melhor a interface entre a ação do poder público e o mercado de aluguéis, ainda que com as limitações intrínsecas de uma atuação baseada no atendimento temporário. Muitas reflexões relacionadas ao BM foram essenciais na elaboração da modalidade privada do Programa de Locação Social de Belo Horizonte (que será explicada a seguir), que foi pensada sem prejuízo à manutenção do Bolsa Moradia na PMH.17 17 () Na resolução n. LII, o programa foi inserido oficialmente na linha de Provisão Habitacional e subdividido em duas modalidades: o Bolsa Moradia tradicional (para os públicos que já vinham sendo atendidos) e o Abono Pecuniário (auxílio concedido de forma livre e desburocratizada, sem vistoria dos imóveis alugados). Em 2020, em razão da pandemia e do atendimento remoto, todas as bolsas passaram a ser concedidas neste último formato por alguns meses. Também tem sido utilizado para o atendimento de famílias com trajetória de rua que ocuparam imóveis e foram despejadas (Pedro, et al. 2021).

Modalidades de locação social

O programa foi desenhado contendo dois componentes estruturantes: o Subsídio ao Locatário, auxílio personalizado, responsável por compatibilizar os valores de aluguel com a renda das famílias atendidas; e o Banco de Imóveis do Programa de Locação Social (Biplos), constituído por imóveis de propriedade ou direito de uso de entes públicos, privados ou de organizações da sociedade civil (OSC), o que foi detalhado em cada uma das modalidades.

No programa desenhado, as famílias teriam suas necessidades habitacionais (composição familiar, número de cômodos, localização) e condição de pagamento (renda per capita) avaliadas, e o subsídio ao locatário compatibilizaria sua contribuição mensal com o valor da locação do imóvel, limitado por um sistema de pontos, baseado em critérios definidos pelo programa. Seriam realizadas atualizações periódicas, ou sob demanda do atendido, sobre as condições socioeconômicas dos beneficiários, de forma a adaptar o subsídio ou direcioná-los a outros programas quando necessário. Tendo como referência o housing allowance (dos Países Baixos) e o housing benefit (da Inglaterra), exemplos internacionais consolidados de locação social, o sistema proposto é estruturalmente diferente das experiências anteriores de auxílios diretos e padronizados, como o Bolsa Moradia ou análogos de outros municípios brasileiros. A seguir trataremos de cada uma das modalidades e das questões levantadas durante o GT-Locação Social.

Locação social privada

A proposta pensada para a locação social privada foi a que mais tomou tempo e atenção do GT-Locação Social, seja pelos riscos envolvidos de impactos indesejáveis nos mercados populares, seja pela expertise da equipe em relação ao programa Bolsa Moradia. Ficou acordado que ela não seria composta apenas pelo benefício à demanda, como é o caso do Bolsa Moradia, mas também por um controle de valores e pela estruturação da oferta das moradias envolvidas. Por meio dessa modalidade, o poder público assumiria a mediação da relação entre inquilinos sociais e proprietários, desenho sintetizado na ideia de uma “imobiliária pública”.

Para elaboração dessa modalidade, foi priorizada a “oferta em pequena escala”, em detrimento à “oferta comercial em larga escala”, ligada a grandes empreendimentos (Blanco, Cibils e Muñoz). Propriedades espalhadas pelo território formal e informal da cidade18 18 () Excluídos aqueles em Áreas de Risco Ambiental e em Áreas Não Edificáveis. poderiam ser indicadas pelos potenciais inquilinos e/ou serem indicadas pelos proprietários em chamadas públicas, para serem avaliadas pela prefeitura, em especial as condições de habitabilidade e os aspectos da edificação que permitiriam o cálculo do valor máximo de locação baseado em um sistema de pontos. Como intermediário responsável por regular o valor dos aluguéis e, ao mesmo tempo, capacitar o pagamento das famílias, a “imobiliária pública” atuaria como um instrumento importante de acesso à moradia e de controle territorial pelo município.

Um dos pontos de destaque dessa modalidade é o fato de ela possibilitar a interlocução com instrumentos de política urbana e a garantia da função social da propriedade – os proprietários poderiam ser pressionados pelo IPTU progressivo a inserir seus imóveis no programa, por exemplo. Além disso, poderia representar uma aproximação inicial de incidência no mercado de locação como um todo, ao criar um sistema de referência para os valores dos aluguéis e possibilitar a construção de uma base de dados espaciais para futuras políticas.

Para analisar a viabilidade da proposta, foi realizada uma simulação com dados de famílias atendidas pela Urbel e valores de aluguéis em bairros populares levantados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG). Mesmo com grandes variações, a média calculada do Subsídio ao Locatário não ultrapassou os R$500,00 até então utilizados pelo Bolsa Moradia, provando a viabilidade orçamentária da proposta.19 19 () Este estudo não considerou outros custos do poder público com o atendimento a essas famílias, em especial as mais vulneráveis. Pensando em incluir moradias bem-localizadas em áreas centrais no programa, foi ainda discutida a possibilidade de complementação extra dos valores do subsídio nessas áreas.

Muitas questões operativas, no entanto, precisaram ser debatidas e evidenciaram os desafios de se pensar um programa de longo prazo, com o acompanhamento do poder público se dando de forma contínua, envolvendo muitos recursos e capacidade de gestão. Estas se mostraram ainda mais complexas nas outras modalidades debatidas – locação social pública e por OSCs.

Locação social pública

A locação social pública teve destaque como uma alternativa de efetivação do direito à moradia em áreas centrais, bem providas de infraestrutura, nas quais o preço da terra tende a ser muito elevado e as políticas de acesso à casa própria têm sido praticamente inviabilizadas. No desenho dessa modalidade, destaca-se a preocupação quanto à dificuldade de gestão e manutenção dos imóveis pela prefeitura e às limitações legais para a reintegração de posse de famílias irregulares e/ou em situação de inadimplência crônica.

Além disso, por envolver um investimento inicial consideravelmente superior para construção ou aquisição de unidades públicas, essa modalidade acaba criando concorrência com outros programas de produção de moradias destinadas ao acesso à casa própria, provocando indisposição dos gestores em debater sua implementação. Em audiência pública realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte, o então presidente da Urbel, Claudius Pereira, afirmou que não havia planos de a prefeitura construir unidades para alugar. Segundo ele:

Nós vamos repassar recursos para a família, nós não vamos produzir habitação. A unidade produzida é para atender o passivo do OPH [propriedade privada]. Para a Locação Social nós vamos passar recurso na forma que o Bolsa Moradia passa hoje [...]. Nesse primeiro momento nós não temos intenção nenhuma de construir unidade habitacional para alugar. Os recursos são poucos e nós vamos usar dessa forma.20 20 () Transcrição da fala do presidente da Urbel Claudius Pereira durante audiência pública sobre o PL 413/2018, realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte em 12 de dezembro de 2017. Reprodução autorizada.

Restou ao GT garantir, na letra da regulamentação, a abertura da modalidade para implementação futura. Uma experiência considerada referência foi a do município de São Paulo, que conta com 932 unidades de propriedade pública em 7 empreendimentos voltadas ao programa de Locação Social, implementado progressivamente desde 2001 como parte do Programa Morar no Centro. Há edificações do programa reconhecidas como casos de sucesso, como o Vila dos Idosos e o Palacete dos Artistas, edifícios de menor porte onde moram idosos organizados pelo movimento de luta pela moradia, com renda mínima de aposentadoria. Há também, no entanto, casos considerados bastante problemáticos, como o Parque do Gato e Residencial Olarias, de centenas de unidades, onde foram alocadas famílias em situações muito vulneráveis, muitas vezes sem renda mínima, em que a inadimplência e a ocupação irregular atingem níveis que comprometem a continuidade do programa (Gatti, 2015).

Segundo debatido pelos técnicos do programa paulistano, acadêmicos e lideranças, a experiência paulista aponta para a necessidade de se direcionar a locação pública para o atendimento de públicos coesos, organizados por movimentos populares, e pela utilização de edificações menores, para facilitar a gestão, incluindo também formas de autogestão condominial (Diálogo Internacional Outras Propriedades, 2017DIÁLOGO INTERNACIONAL OUTRAS PROPRIEDADES (2017). Relatório de registro. São Paulo, Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo.). Esse debate ainda engatinha lentamente em Belo Horizonte, uma vez que há, sim, uma simpatia pela pauta da locação pública por algumas lideranças de movimentos sociais, principalmente pelo seu caráter de incisão nos vazios urbanos, mas ainda não houve um esforço coletivo substancial para contrapor à inércia da gestão municipal.

Há uma contradição evidente que surge nos debates sobre a modalidade: pelos altos investimentos destinados à sua viabilização, lideranças de movimentos reivindicam que as unidades sejam destinadas aos que “mais precisam”, ou seja, o público de mais alta vulnerabilidade (entre eles, a população em situação de rua); este, ao mesmo tempo, é o que tem menor capacidade de pagamento. Explicita-se uma linha tênue entre o que seria uma moradia pública, de acesso gratuito, e um programa de locação.

A análise das experiências internacionais ajudou a pensar a modalidade pelo contraste: grande parte do parque público europeu e estadunidense foi constituída décadas atrás, em outro contexto político e econômico, a partir de um aporte de recursos que há tempos não é mais disponibilizado para programas desse tipo. Do Welfare State ao Estado neoliberal, muitas mudanças nas políticas públicas ocorreram, e é evidente que cada vez menos os governos e as autoridades locais têm se empenhado em gerir iniciativas a partir dos próprios esforços e recursos, sendo a tendência recorrente a privatização e a gestão por outros agentes, sejam eles de mercado ou de organizações sem fins lucrativos (Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.).

Locação social por OSCs

Uma possibilidade que foi recebida com mais abertura pela gestão municipal do que a da locação pública foi a locação social por Organizações da Sociedade Civil (OSCs), sejam estas como proprietárias ou como gestoras de imóveis. Estas poderiam ampliar a capacidade operativa local, como ocorre, por exemplo, nos modelos de cogestão de equipamentos da política de assistência social. Essa proposta foi trazida pelos integrantes do coletivo Habite a Política, que realizaram evento em maio de 2018 com o convidado Renato Cymbalista, para tratar do então recém-criado Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel (Fica), associação sediada em São Paulo que traz, ao Brasil, a figura do “proprietário social” (Fica, 2019), agente responsável por alugar residências a baixos custos, de forma não lucrativa e não especulativa, semelhante ao modelo da Fundação Y (Y-Säätiö), na Finlândia. O Fica tornou-se um exemplo importante para pensar a locação por OSCs, enquanto não há um terceiro setor atuante na provisão habitacional em Belo Horizonte, como ocorre também na Inglaterra e nos Países Baixos (Ouwehand e Daalen, 2002OUWEHAND, A.; DAALEN, G. V. (2002). Dutch Housing Association: a model for social housing. Delft, Research Institute for Housing, Urban and Mobility Studies.).

A expectativa de implantação da modalidade ainda depende do apoio e indução por parte do poder público e, é claro, do engajamento das organizações municipais. Pela falta de experiência e tempo, essa modalidade não teve grandes avanços no desenho, mas foi mantida no texto como um todo, para sinalizar a possibilidade de sua implementação e induzir a capacitação de agentes para essa modalidade.

Limites do programa em Belo Horizonte

Depois de finalizada a proposta do GT-Locação Social, o debate foi interrompido, e a minuta de regulamentação passou por aprimoramentos internos na Urbel e nas reuniões de Câmara Técnica do CMH, até sua promulgação por meio do decreto n. 17.150/2019 e da instrução normativa n. 2/2019, que detalha a operacionalização do programa, o sistema de pontos de avaliação dos imóveis privados, entre outras questões.

Alterações significativas foram realizadas nessa etapa final, como a definição de uma renda mínima para acesso ao programa. A proposta foi confrontada em reunião do CMH por lideranças ligadas à população em situação de rua, que acordaram a inclusão de um inciso apontando a excepcionalidade da exigência, em casos de famílias de vulnerabilidade ou risco social.

Foi também determinado o valor máximo do Subsídio ao Locatário em R$500,00, colocando limites consideráveis à debatida personalização do subsídio às demandas das famílias. No quesito recursos investidos, o que era para ser um passo à frente do Bolsa Moradia acabou se tornando um passo atrás. Segundo a Urbel, o comprometimento de renda das famílias tem sido em média R$270,00 reais, e o Subsídio ao Locatário em torno de R$330,00 reais.

Ainda no seu início, o programa de Locação Social de Belo Horizonte tem operado apenas na sua modalidade privada, com a adesão dos proprietários a partir da indicação das próprias famílias atendidas. Foram realizados três comunicados de abertura para beneficiários interessados, limitados às famílias inscritas nos núcleos sem casa que conquistaram a moradia pelo OPH, entre elas aquelas compostas por casal de idosos, idosos sozinhos ou idosos chefes de família. Uma porcentagem pequena das famílias convocadas foi aprovada pela Urbel e desejou aderir ao programa, e há poucas dezenas de atendimentos sendo realizados atualmente. A baixa adesão desse público à locação social pode ser explicada pela sua expectativa de atendimento por meio de programas de acesso à casa própria. As famílias temem perder esse direito, caso passem a receber o benefício da locação social, por mais que isso não seja determinado pela PMH.

Restrita aos núcleos do OPH, a locação social não atinge públicos como a população em situação de rua, que tem crescido significativamente durante a pandemia da Covid-19, e tem se organizado em ocupações de casarões abandonados na região central. Organizações como a Pastoral de Rua e o Movimento de Libertação Popular (MLP) têm apoiado e politizado esses espaços, garantindo a negociação com a prefeitura e o Estado durante as ações de reintegração de posse (Pedro, Paolinelli e Nepomuceno, 2021). Esses grupos consideram a conquista de auxílios de Bolsa Moradia nos momentos de despejo uma grande vitória, mas ainda estão longe de serem contemplados de forma contínua e perene com a Locação Social. A Pastoral tem defendido a criação de um projeto-piloto de locação a partir do modelo Moradia Primeiro (Housing First), que considera a moradia como primeiro passo para atender esse público.21 21 () Esse projeto foi iniciado na ocupação Irmã Fortunata, a partir de uma parceria com o Ministério Público e do governo do Estado. Esse é o único exemplo que temos no município, e não foi encabeçado pela gestão municipal. No âmbito municipal, a discussão caminha lentamente, ainda que possa ser vista como oportunidade precursora para integrar políticas de habitação e assistência social.

Outro público que poderia ser contemplado com a locação social é o das ocupações organizadas. Por terem como pauta central luta contra os despejos e a regularização fundiária, entendem os auxílios-aluguel como grande derrota, principalmente porque têm funcionado como forma de desmobilização das ocupações com pouca garantia do reassentamento definitivo posterior. A casa unifamiliar própria, viabilizada a partir da ocupação do terreno e da autoconstrução, tem sido o modelo referência dessas lutas. A locação social é automaticamente rejeitada pela base do movimento, porque associada aos auxílios-aluguel temporários, ainda que algumas lideranças simpatizem com a modalidade pública, pelo seu potencial de combate aos vazios em áreas centrais.

Entretanto, é importante destacar que esses movimentos organizaram mais recentemente ocupações de edifícios verticais no centro de Belo Horizonte, que foram despejadas sem uma alternativa dada a longo prazo para a viabilização da permanência das famílias nas localidades. Pensando nesses casos, a locação social poderia ter um potencial para garantir a segurança de posse das famílias nos edifícios e, inclusive, para incorporar a participação dos movimentos sociais na sua gestão, aproveitando o conhecimento prático que adquiriram nessas experiências.

A ocupação Carolina Maria de Jesus, organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros e Favelas – MLB em 2017, é um exemplo emblemático nesse sentido: com parte dos auxílios-aluguel conquistados depois de um acordo para a saída do imóvel que ocupavam na região da Savassi, em 2018, o movimento alugou de forma coletiva uma edificação privada, no hipercentro de Belo Horizonte, para parte considerável das famílias. Entretanto, com a mudança de governo para a gestão de Romeu Zema (Novo), houve um atraso nos pagamentos, o que dificultou a adimplência das famílias com o proprietário, que às ameaçou com uma ordem de reintegração de posse. Se a alternativa adotada fosse a locação social pública, por exemplo, e não os auxílios temporários, essa ocupação poderia ter se transformado em uma experiência de HIS em área central muito importante para o município.

Isso nos faz indagar qual é exatamente o imóvel vago que está sendo inserido no programa de Locação Social no momento. Parece-nos que a habitação localizada nas áreas centrais, inserida no mercado formal e vazia por falta de concretização dos instrumentos de política pública, ainda está longe de ser contemplada. Apesar disso, a inclusão de moradias vazias nas áreas populares e ligadas ao mercado informal traz possibilidades interessantes, ainda que com muitos desafios a serem enfrentados.22 22 () Investir na qualificação desses imóveis, por meio da assistência técnica, pode ser, como a Urbel mencionou no evento virtual “Diálogos sobre Locação Social do Ministério do Desenvolvimento Regional”, em março de 2021, uma forma de atender o déficit quantitativo (demanda por unidades) e, indiretamente, o déficit qualitativo (demanda por melhorias habitacionais).

Para que mais avanços ocorram de fato, é preciso investir recursos no programa, ampliá-lo para além da modalidade privada e estruturar o Banco de Imóveis do Programa de Locação Social (Biplos). É difícil saber onde está o maior gargalo: por um lado, sem um empenho real da prefeitura em corpo técnico e investimentos financeiros, os movimentos sociais continuarão desconfiando da viabilidade da locação social na garantia da segurança de posse das famílias e continuarão associando-a ao Bolsa Moradia e a outros auxílios temporários; por outro lado, sem a adesão social e a mobilização necessária, a prefeitura nunca sairá da inércia e não viabilizará tão cedo as modalidades de locação pública e por OSCs.

Considerações finais

A experiência de formulação do Programa de Locação Social de Belo Horizonte traz reflexões importantes sobre os desafios que cercam a tarefa de as gestões municipais promoverem o direito à moradia em um momento de neoliberalização das políticas públicas e da redução dos recursos destinados às demandas sociais. Ainda que a moradia de aluguel esteja presente da agenda urbana – nacional e internacional –, as especificidades que permeiam a implementação de tal política em um contexto local são determinantes para sua efetividade, o que fica evidente ao se analisar um caso como esse.

O processo de elaboração da regulamentação aqui apresentada se baseou no diálogo de um grupo dedicado, que se debruçou na análise de casos internacionais e nacionais, em pesquisas de aspectos estruturantes de políticas habitacionais, bem como utilizou de sua capacidade técnica instituída, planos e promessas de agentes políticos, experiências e imaginários de movimentos sociais e demandas habitacionais latentes. A reestruturação da política habitacional como um todo, e o desenho do Programa de Locação Social em especial, permite identificar essa associação plural ocorrida.

A partir dessa experiência, ficam evidentes as contradições e os desafios das políticas habitacionais que vão além da casa própria, arraigada no imaginário popular como única forma possível de moradia, em um contexto econômico e social em que, de fato, o Estado tem historicamente sido pouco eficaz no atendimento às demandas de moradia das classes populares. Devemos destacar que, para além disso, um programa de locação social possui como limitações o arcabouço jurídico e a capacidade institucional no qual está inserido. Entretanto, a formulação de programas similares em outros municípios não deve se restringir a esses fatores, mas estar sujeita à avaliação da possibilidade de implementação que permita um desenvolvimento contínuo dessa política. A experiência do programa Bolsa Moradia, ainda que se tratando de um auxílio-aluguel temporário, permitiu a compreensão de aspectos relevantes sobre a dinâmica imobiliária do público-alvo desse programa e a estimativa de aspectos edilícios e urbanos relevantes para essas famílias.

O programa de Locação Social de Belo Horizonte foi pensado para abrir possibilidades a longo prazo, mas sua implementação de forma estruturada depende muito do contexto político, econômico e social e das ações que ainda estão por vir. Cabe à sociedade civil organizada, bem como à academia, acompanhar os desdobramentos desse processo, apropriar-se dos espaços institucionais quando há abertura para o diálogo, confrontar e pressionar a prefeitura quando não há e mobilizar as incidências para garantir novos avanços na política habitacional municipal.

Gráfico 1
– Bolsa Moradia – Número de benefícios concedidos (2006-2021)

Quadro 1
– Provisão Habitacional segundo a resolução n. LII do CMH

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Notas

  • 1
    () O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
  • 2
    () Iniciativa autônoma, composta por técnicos da Urbel sindicalizados, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG), pesquisadores e integrantes de movimentos de luta por moradia, que realizou reuniões periódicas, seminários e mobilizações coletivas com foco na discussão de políticas habitacionais para o município de Belo Horizonte. Para mais informações, ver Paolinelli (2019)PAOLINELLI, M. S. (2019). Em meio à crise na política habitacional, as lutas por transformação: o Coletivo Habite a Política e os desafios recentes na luta pelo direito à moradia em Belo Horizonte. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. Natal, Anpur..
  • 3
    () Dissertação de mestrado (Paolinelli, 2018PAOLINELLI, M. S. (2018). Desmercantilização da habitação: entre a luta e a política pública. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.) e monografia de conclusão de curso (Gimenez, 2018GIMENEZ, A. T. (2018). Gentrificação e planejamento. Monografia de conclusão de curso. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.).
  • 4
    () A corporação Vestia, a maior associação holandesa, com cerca de 90 mil unidades, perdeu em 2012 cerca de 20 bilhões de euros, ao investir em derivativos tóxicos em bancos estrangeiros, e foi obrigada a vender 32 mil unidades do seu estoque e maximizar os aluguéis nas renovações de contratos para se manter.
  • 5
    () Recentemente, a partir uma grande mobilização social, foi aprovada, em referendo, a reestatização de 226 mil apartamentos na cidade de Berlim, que pertenciam a esses grandes grupos financeiros.
  • 6
    () Transcrição da fala de Anaclaudia Rossbach na mesa “Locação Social”, no dia 14 de setembro de 2017. Reprodução autorizada.
  • 7
  • 8
    () Em 2019 (dado disponível mais recente), o déficit habitacional no Brasil chegou na casa dos 5,8 milhões de domicílios, o ônus excessivo com aluguel foi a causa em mais de 3 milhões desses lares (51,7% do total) (FJP, 2020FJP (2020). Déficit habitacional no Brasil 2016-2019. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro.).
  • 9
    () Destacam-se a Federação das Associações de Bairros, Vilas/Favelas de Belo Horizonte (Famobh) e a Associação dos Moradores de Aluguel de Belo Horizonte (Amabel) e movimentos de amplitude nacional, como a União Nacional por Moradia Popular – UNMP (1989) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia – MNLM (1990).
  • 10
    () Segundo Bittencourt (2016BITTENCOURT, R. R. (2016). Cidadania autoconstruída: o ciclo de lutas sociais das ocupações urbanas na RMBH (2006-2015). Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais., p. 39), durante os anos de gestão de Fernando Pimentel, “somente aproximadamente 25% (2.266) das unidades produzidas pela política foram destinadas à demanda organizada (déficit habitacional), sendo as outras 75% (7.271) destinadas às famílias removidas por procedimentos relacionados à PBH”.
  • 11
    () Destacam-se as Brigadas Populares, o Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
  • 12
    () A dinâmica desse grupo se pautou na produção de uma minuta de resolução, e as discussões seguiram a estrutura dessa peça jurídica. Enquanto as reuniões iniciais foram centradas em partilhar os problemas identificados pelos participantes na execução da política habitacional, logo se seguiram discussões sobre os objetivos gerais da política e suas linhas programáticas, em que eram convidados especialistas de cada área (técnicos, acadêmicos ou representantes de organizações sociais).
  • 13
    () Áurea Carolina e Bella Gonçalves tiveram as candidaturas lançadas junto ao movimento Cidade que Queremos, que organizou uma plataforma de discussão de propostas. Uma das mais votadas foi justamente a criação de um “estoque público de imóveis para habitação de interesse social''. Bella Gonçalves foi a terceira candidata mais bem votada do movimento, e passou a integrar o gabinete de Áurea a partir de uma prática chamada pelo movimento de “covereança”, assumindo protagonismo nas pautas ligadas à luta pela moradia. Quando Áurea Carolina foi eleita deputada federal em 2018, Bella Gonçalves assumiu a vaga do PSOL como vereadora na Câmara Municipal de Belo Horizonte.
  • 14
    () Gustavo Sapori Avelar (supervisor do programa Bolsa Moradia), Adaiton Altoe e Kerley Antônio Cordeiro Oliveira (analistas Técnico Social da Urbel).
  • 15
    () Dos contratos considerados no estudo, 36% eram referentes a famílias provenientes do empreendimento PAC Aeroporto, que recebem um valor diferenciado de R$650,00 por conta de atrasos nas obras. A diferença dos valores permitiu comparações sobre a qualidade dos imóveis alugados que auxiliaram as conclusões do estudo.
  • 16
    () Segundo o estudo, o Bolsa Moradia de R$500,00 tem funcionado como suporte para o valor do aluguel de imóveis com área de até 80 m, e o de R$600,00, de imóveis com área de até 120 m.
  • 17
    () Na resolução n. LII, o programa foi inserido oficialmente na linha de Provisão Habitacional e subdividido em duas modalidades: o Bolsa Moradia tradicional (para os públicos que já vinham sendo atendidos) e o Abono Pecuniário (auxílio concedido de forma livre e desburocratizada, sem vistoria dos imóveis alugados). Em 2020, em razão da pandemia e do atendimento remoto, todas as bolsas passaram a ser concedidas neste último formato por alguns meses. Também tem sido utilizado para o atendimento de famílias com trajetória de rua que ocuparam imóveis e foram despejadas (Pedro, et al. 2021).
  • 18
    () Excluídos aqueles em Áreas de Risco Ambiental e em Áreas Não Edificáveis.
  • 19
    () Este estudo não considerou outros custos do poder público com o atendimento a essas famílias, em especial as mais vulneráveis.
  • 20
    () Transcrição da fala do presidente da Urbel Claudius Pereira durante audiência pública sobre o PL 413/2018, realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte em 12 de dezembro de 2017. Reprodução autorizada.
  • 21
    () Esse projeto foi iniciado na ocupação Irmã Fortunata, a partir de uma parceria com o Ministério Público e do governo do Estado. Esse é o único exemplo que temos no município, e não foi encabeçado pela gestão municipal.
  • 22
    () Investir na qualificação desses imóveis, por meio da assistência técnica, pode ser, como a Urbel mencionou no evento virtual “Diálogos sobre Locação Social do Ministério do Desenvolvimento Regional”, em março de 2021, uma forma de atender o déficit quantitativo (demanda por unidades) e, indiretamente, o déficit qualitativo (demanda por melhorias habitacionais).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2022
  • Aceito
    5 Out 2022
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