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O papel do Estado na produção da cidade neoliberal: um retrato de Palmas/TO

The State’s role in the production of the neoliberal city: a portrait of Palmas, state of Tocantins

Resumo

A partir da leitura da cidade de Palmas, capital do Tocantins, enquanto cidade neoliberal, concebida e produzida como instrumento de ampliação das fronteiras de acumulação capitalista no interior do País, este artigo tem como objetivo discutir a atuação dos agentes privados na produção do espaço urbano palmense, em parceria ou disputa entre si, intermediados pela ação do Estado. Por meio de documentos históricos e da análise de planos, projetos e fenômenos em andamento, busca-se explicitar discursos e práticas ilustrativos da participação estatal direta ou indireta no processo de venda da cidade como mercadoria.

Palmas/TO; cidade neoliberal; produção do espaço urbano; cidade-mercadoria, Parceria Público-Privada

Abstract

By viewing Palmas, the capital of Tocantins, as a neoliberal city, conceived and produced as an instrument to expand the frontiers of capitalist accumulation in the interior of Brazil, the article aims to discuss the role of private agents in urban space production, as partners or competitors, intermediated by the action of the State. Through historical documents and the analysis of plans, projects, and phenomena in progress, we present speeches and practices that illustrate State participation directly or indirectly in the process of selling the city as a commodity.

Palmas/Tocantins; neoliberal city; urban space production; city as commodity; public-private partnership

Introdução

O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados. Além disso, se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes devem ser criados, se necessário pela ação do Estado. (Harvey, 2008HARVEY, D. (2008). O Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola., p. 10)

A produção do espaço urbano da cidade contemporânea, inserida dentro da lógica de produção capitalista, reflete as demandas oriundas dos movimentos de reprodução e de expansão dos limites geográficos de acumulação de capital (Harvey, 2011HARVEY, D. (2011). O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo, Boitempo,). Na cidade capitalista, o espaço se produz refletindo estratégias, possibilidades e práticas dos seus múltiplos agentes, cujos interesses diversos explicitam os conflitos e contradições latentes de uma sociedade fundada na desigualdade (Carlos, 2016CARLOS, A. F. A. (2016). “Da ‘organização’ à ‘produção’ do espaço no movimento do pensamento geográfico”. In: CARLOS, A. F. A.; SOUZA, M. L.; SPOSITO, M. E. B. S. (orgs.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo, Contexto.). Também na cidade capitalista, o papel do mercado imobiliário, fortemente apoiado pelo Estado, ganha dimensões cada vez mais ampliadas nas contínuas configurações e reconfigurações do solo urbano, cujas dinâmicas de valorização acompanham as estratégias de expansão da propriedade privada e de crescente destituição do seu valor de uso pelo valor de troca.

Neste brevíssimo pano de fundo, situamos a criação do estado do Tocantins e da sua capital, Palmas, cidade administrativa, fundada em 1989. Em trabalhos anteriores (Bottura, 2017BOTTURA, A. C. L. (2017). Especulação, segregação e (ausência de) conflitos: matizes na produção do espaço urbano de Palmas/TO. Revista Thésis. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, pp. 357-373. e 2019), discutimos a estreita relação entre a emancipação do norte goiano com o atendimento aos anseios dos grupos políticos e econômicos dominantes na região, permitindo, assim, a criação do novo estado e, com ele, a continuidade do projeto de ampliação das fronteiras de acumulação capitalista no interior do País.

No que diz respeito ao estudo do processo de criação de Palmas, levantamos alguns dos principais aspectos que nos levam a reconhecê-la como “cidade sem infância" (Martins, 1996MARTINS, S. (1996). A Cidade “sem infância”: a produção do espaço no mundo da mercadoria. Boletim Paulista de Geografia, n. 74, pp. 23-46.), parida já adulta, por meio de um processo atropelado de produção urbana no mundo da mercadoria. Não apenas pelo contexto político e histórico no qual se insere o seu nascimento, como também por um conjunto de fatos, atores e processos identificados ao longo da sua existência, defendemos que Palmas é uma cidade neoliberal desde a sua concepção até sua produção, incluindo o modelo de gestão (Bottura, 2019)BOTTURA, A. C. L. (2019). Conflitos e produção de consensos na Cidade Neoliberal: a luta por moradia em Palmas/TO. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade de São Paulo..

As terras sobre as quais se erigiu a capital foram desapropriadas de fazendeiros locais pelo Estado, tendo sido oferecidas por elas quantias depreciativas e sem a realização de negociações com os proprietários.1 1 () Para um estudo aprofundado acerca do processo de desapropriação e despossessão de terras realizado pelo Estado para a implantação da capital, ver Lucini (2018). Criada dentro da premissa do autofinanciamento, a viabilização da cidade dependia diretamente da sua capacidade de comercialização e rentabilidade. Assim, as terras compradas como rurais – e, portanto, avaliadas de acordo com parâmetros compatíveis a essa condição – foram transformadas pelo Estado em glebas urbanas, loteadas por empresas construtoras parceiras e vendidas pelo próprio poder público como lotes urbanos, numa manobra que, ao mesmo tempo que lesava os antigos proprietários, gerava receita para os cofres públicos e “destravava valores”2 2 () Cf. Rolnik (2015). para o mercado imobiliário.

E, então, nasceu Palmas, com a peculiar característica de ter o Estado, ao mesmo tempo, como proprietário do solo urbano, seu primeiro especulador e encarregado das vendas, atuando em consórcio com grandes empresários de todo o País, do ramo da construção civil e da incorporação imobiliária, e fazendo com que a ocupação do solo urbano estivesse desde sempre associada ao mercado imobiliário.

Estas são as premissas fundantes da estrutura fundiária confusa e nebulosa sobre a qual se construiu a capital do Tocantins. Ainda que agravada por questões jurídicas relacionadas ao pagamento das primeiras desapropriações pelo Estado,3 3 () Estas e outras questões ligadas às ações judiciais anteriores envolvendo o Incra, que aqui não cabem ser aprofundadas, resultaram em uma Ação Discriminatória através da qual foram canceladas diversas matrículas de áreas já alienadas, revendidas a terceiros e ocupadas, criando uma complexa rede de negociações entre o Estado e os antigos proprietários, envolvendo permutas de terras e pagamento de indenizações milionárias (Lucini, 2018). a “caixa preta” fundiária da capital e seu entorno imediato está intrinsecamente ligada à sua concepção original enquanto mercado de terras:

Na implantação da cidade, os recursos do governo serão usados para construir os grandes eixos, a infraestrutura básica das grandes quadras e os edifícios que permitam sua própria instalação, ou seja, para abrigar os serviços públicos estaduais. A ocupação restante, comércio, serviços e residências, será feita por pessoas ou empreendedores, que isolados ou em conjunto, disporão desta estrutura principal feita pelo setor público. É desta diversidade que surgirá a feição da cidade, dentro da organização básica que está sendo proposta. O empresário ou a empresa que quiser servir a este mercado, comprará a quadra maior, agenciará os financiamentos junto ao sistema financeiro público ou bancos privados e venderá lotes, conjuntos urbanizados e similares, a partir de projeções. O mercado residencial existindo, as outras atividades se seguem naturalmente, a fim de servir aos moradores. (GrupoQuatro, 1989GRUPOQUATRO (1989). Projeto da capital do estado do Tocantins: plano básico/memória. Palmas, Governo do Estado do Tocantins, Novatins.; grifo nosso)

Já era previsto, portanto, no Memorial Básico que acompanha o seu projeto, que a feição da cidade estaria delineada pela diversidade de interesses ligados aos empreendedores urbanos que estivessem dispostos a servir a este mercado. A ingenuidade no discurso era a crença em que a organização urbanística básica proposta estaria acima desses interesses privados. No entanto, uma cidade que já nasceu orientada para o mercado em suas dimensões políticas, econômicas e administrativas não comportaria desdobramentos espaciais em dissonância com a lógica neoliberal.

O presente artigo tem como objetivo apresentar elementos identificados na pesquisa acerca da atuação dos principais agentes privados na produção do espaço urbano de Palmas, em parceria ou disputa entre si, intermediada pela ação do Estado.

Dação em pagamento

Ao investigar o papel do Estado na constituição dessa cidade-mercadoria (Vainer, 2000a), encontramos a presença da Parceria público-privada (PPP), artifício essencial do empreendedorismo urbano, como aspecto fundante de Palmas, o que pressupõe o enfoque no investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar (Harvey, 2005HARVEY, D. (2005). A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume.). De acordo com informações coletadas em entrevista com o diretor técnico da Terratins (Companhia Imobiliária do Estado do Tocantins), realizada em 19/1/2018, as empresas parceiras do Estado foram responsáveis pelas obras de infraestrutura urbana relacionadas à abertura das principais vias da cidade (as vias no sentido Norte-Sul, conhecidas como NS, e no sentido Leste-Oeste, conhecidas como LO), equivalentes a, aproximadamente, 60% de todo o sistema viário registrado hoje, externas ao microparcelamento das quadras. Como retribuição aos serviços prestados, foram ofertadas terras em dação em pagamento,4 4 () Esse esquema de dação de terras em pagamento, amplamente utilizado pelo Estado nos primeiros anos, não era, inicialmente, do conhecimento da população, denunciando a falta de transparência com que eram manipuladas as terras urbanas nas negociações com os entes privados. que correspondiam à principal “moeda” da qual dispunha o Estado nos primeiros anos de urbanização. No Quadro 1 e na Figura 1, apresentamos as empresas que participaram da construção da cidade, nessa fase inicial, e as quadras a elas doadas.

Quadro 1
– Quadras objeto de dação em pagamento para empresas particulares, em 1990

Figura 1
– Mapa de localização das quadras resultado de dação em pagamento

Em uma leitura preliminar do mapa da Figura 1, destacamos dois aspectos que chamam a atenção de imediato: o primeiro deles refere-se ao fato de que as quadras doadas às empresas parceiras no processo de implantação da cidade se encontram concentradas a poucos quilômetros da Praça dos Girassóis, centro administrativo, rodeado pelo principal centro comercial5 5 () Ao longo do trabalho, utilizamos o termo “centro” ou “região central”, como referência às quadras situadas nessa região próxima à Praça dos Girassóis. Não será objeto de discussão, neste trabalho, a questão da multicentralidade em Palmas. definido no Plano Básico, nas zonas potencialmente mais valorizadas da cidade e nas quais se concentram alguns dos seus principais pontos de interesse; o segundo aspecto é a possibilidade de observar que algumas empresas, a exemplo da Agropastoril Catarinense Ltda e a Emsa – Empresa Sul-Americana de Montagem Ltda, que realizaram os maiores investimentos em obras de infraestrutura urbana na ocasião da implantação da cidade, a partir de 1990, foram contempladas com um maior número de quadras.

Tanto no processo de desapropriação das terras rurais negociadas como urbanas, quanto nas parcerias público-privadas visando à construção inicial da cidade, constatamos a presença de elementos identificados por Rolnik (2015)ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo. como conformadores da nova lógica da produção da cidade. São eles:

  • a utilização de mecanismos “inovadores” de financiamento da expansão da sua infraestrutura na falta de capacidade de endividamento por parte dos governos locais;

  • o financiamento alavancado pela mobilização da terra, na medida em que esta assegura um fluxo de ganhos futuros.

  • a remuneração do investidor que tem como base a diferença do valor que o governo pagou pela terra e o valor que ela poderá gerar no futuro.

  • a necessidade e a escala de remuneração futura do investidor que determinam o uso futuro da terra e, portanto, o conteúdo do projeto.

No intento de situar a produção do espaço urbano de Palmas nessa nova lógica, vejamos alguns pontos já citados anteriormente: a) o financiamento para a produção da cidade é viabilizado pela mobilização das terras rurais, desapropriadas com o objetivo da implantação da capital e dos ganhos possibilitados a partir da sua venda como terras urbanas; b) a dação em pagamento (datio in solutum) existe, juridicamente, enquanto uma forma de quitação de dívidas entre partes, mediante acordo. O uso desse recurso no processo de urbanização inicial da capital funcionou como “mecanismo inovador de financiamento”, tendo em vista a incapacidade de endividamento do estado; c) a remuneração dos investidores a partir das quadras recebidas em pagamento, no nosso caso, tem base na valorização da terra rural convertida em urbana e, sobretudo, nas suas capacidades financeiras e estratégias de gestão dos imóveis. Isso porque, enquanto alguns optaram por lotear e alienar as quadras, logo nos primeiros anos da capital; outros as mantiveram como reserva fundiária para investimento futuro, contribuindo para a proliferação de vazios urbanos centrais que se registram na cidade até os dias atuais. Em outros casos, registrou-se, ainda, a opção por ofertar, ao público, um produto diferenciado, nos moldes de condomínio fechado (como é o caso do condomínio Aldeia do Sol), propiciando lucros bem superiores ao modelo tradicional de microparcelamento de quadras; d) para observar a relação entre a necessidade de remunerar o investidor e o conteúdo do projeto, tomamos como referência as quadras doadas à empresa Emsa e fazemos algumas constatações a partir do mapa da Figura 2.

Figura 2
– Quadras resultado de dação em pagamento com pontos de interesse

A Emsa foi uma das principais parceiras do governo do estado na implantação da cidade, promovendo investimentos que lhe renderam, de acordo com o Relatório de Aprovação e Registros fornecido pela Terratins, sete quadras próximas à região central da cidade. No mapa apresentado na Figura 2, foram sinalizados os principais pontos comerciais e de lazer hoje existentes em toda a cidade, além da Universidade Federal do Tocantins e dos condomínios residenciais Aldeia do Sol e Alphaville (em implantação), ambos construídos e comercializados pela própria Emsa.

Do ponto de vista da valorização imobiliária das terras da construtora, podemos afirmar que, em se tratando das quadras situadas próximas ao parque urbano Cesamar e à Praia da Graciosa (os dois principais espaços públicos de lazer na cidade), já se tinha um indicativo de sua valorização, tendo em vista as suas potencialidades paisagísticas. O mesmo podemos dizer das quadras situadas à margem dos principais eixos viários da cidade. Faltam-nos comprovações para afirmar que os demais usos destacados tenham sido organizados em função de um possível beneficiamento às terras das construtoras. No entanto, é flagrante a confluência das áreas de sua propriedade6 6 () Aqui estamos nos referindo às áreas doadas pelo estado. Outras áreas foram adquiridas posteriormente pela empresa, mediante pagamento. com os principais pontos comerciais da cidade (os dois únicos shopping centers, a loja da Havan e o supermercado Extra).7 7 () Destacamos a relevância desses estabelecimentos comerciais de grande porte para a cidade, tendo em vista sua população de pouco menos de 300 mil habitantes e um setor terciário ainda centrado em lojas de pequeno e médio porte e de origem local.

Vejamos, agora, o cruzamento dessas mesmas quadras com a Planta de Valores Genéricos (PVG) de Palmas do ano de 2013 (Figura 3) e com o mapa de Vazios Urbanos (Figura 4). Observamos, na Figura 3, que as quadras marcadas com os números 1 e 3 estão entre as terras de maior valor/m2 2 () Cf. Rolnik (2015). , na cidade, naquele momento. O número 1 corresponde à primeira quadra entre as recebidas pela Emsa a ser comercializada, onde está localizado o condomínio fechado Aldeia do Sol, um dos endereços mais elitizados de Palmas, com casas de cerca de 350m2 2 () Cf. Rolnik (2015). à venda hoje em torno de R$1 milhão e 750 mil a R$2 milhões.8 8 () Disponível em: https://imoveis.mitula.com.br/imoveis/condominio-aldeia-sol-palmas. Acesso em: 21 abr 2019. No número 3, registramos uma quadra ainda vazia, sequer parcelada, já situada entre os terrenos mais caros da cidade. A quadra indicada com o número 2, situada no segundo patamar mais alto de valorização estabelecido pelo estudo da PVG, também se encontra vazia, ainda que já parcelada. Por fim, a área indicada com o número 4, correspondente a três quadras que, por não estarem parceladas, não foram analisadas em termos de valores imobiliários, mas que aparecem claramente, na Figura 4, como um destacado vazio urbano central. É, nessa região, que hoje se encontra em fase de implantação – com 100% dos lotes vendidos em 1 dia – o condomínio da grife Alphaville. A quadra sinalizada com o número 5 (Figura 3) encontra-se microparcelada desde 2013 e teve a sua comercialização e ocupação iniciadas em 2014.9 9 () Importante destacar que essas duas quadras de comercialização mais recente somente tiveram seus processos de microparcelamentos iniciados após o recebimento de notificação para Parcelamento, Edificação e Utilização compulsórios (Peuc), instituído em Palmas no ano de 2013. De acordo com Bazolli (2017)BAZOLLI, J. A. (2017). “Parcelamento, edificação e utilização compulsórios (Peuc): avaliação e resultados da aplicação em Palmas”. In: BAZOLLI, J. A.; OLIVEIRA, M. C. A.; SOUSA, T. O. O papel da extensão universitária como indutora da participação social: Palmas Participa! Palmas, EDUFT., mesmo sendo avaliada pela PGV (2013) em R$138,00/m2 2 () Cf. Rolnik (2015). , essa quadra estava sendo vendida no mercado imobiliário, em 2014, por R$417,00/m2 2 () Cf. Rolnik (2015). , que, comparados aos R$600,00/m2 2 () Cf. Rolnik (2015). cobrados nas quadras do Alphaville, revelam o crescimento do lucro imobiliário sobre a terra.

Figura 3
– Planta genérica de valores (2015) versus quadras da Emsa

Figura 4
– Mapa de vazios urbanos em 2015 versus quadras da Emsa

Em suma, observamos que o capital investido por esses agentes imobiliários segue em processo de valorização, tendo em vista que, dentre as sete quadras recebidas, apenas três foram loteadas e comercializadas, e, destas, duas foram concebidas e vendidas como produto de alto luxo, direcionado à elite da capital. As quatro restantes, que se encontram vazias, funcionam como um estoque de terras localizadas em áreas de alto interesse imobiliário.

O estoque de terras hoje registrado na cidade, que, de acordo com palavras do ex-prefeito Amashta, girava em torno de 7 milhões de m2 2 () Cf. Rolnik (2015). em 2013,10 10 () Disponível em: https://maosaobratocantins.wordpress.com/2013/07/11/iptu-progressivo-e-arma-contra-especulacao-imobiliaria-em-palmas/. Acesso em: 22 abr 2019. concentra-se em poder de agentes privados, alguns deles detentores de glebas inteiras ainda intocadas. Nesse sentido, torna-se clara a relação entre a propriedade privada, o capital e o poder político (também econômico), presente desde sempre na estrutura fundiária do nosso País e persistente de maneira explícita na urbanização de novas cidades, tidas como instrumento de valorização de terras. Nelas, o entrelaçamento entre planejamento público municipal e os interesses fundiários privados reproduz e fortalece continuamente as relações de poder ligadas à posse da terra e seu poder de acumulação do capital, agora atualizado pela economia mundializada e as demandas do capital internacional (Volochko, 2015VOLOCHKO, D. (2015). Terra, poder e capital em Nova Mutum-MT: elementos para o debate da produção do espaço nas “cidades do agronegócio”. GEOgraphia. Rio de Janeiro, v. 17, n. 35, pp. 40-67.).

Os vazios urbanos centrais, associados à baixa densidade populacional,11 11 () De acordo com diagnóstico realizado no âmbito do Plano de Ação Palmas Sustentável (BID/Caixa, 2015), a densidade média líquida de Palmas era de 36,72hab/ha, uma média considerada baixa, quando comparada a outras capitais brasileiras de portes similares, na avaliação do Plano: Vitória (ES), com 62,53hab/ha; Florianópolis (SC), com 45,23hab/ha e João Pessoa, com 82,0 hab/ha. além de representarem um prejuízo econômico, uma vez que elevam os custos de urbanização da cidade (Bazolli, 2007BAZOLLI, J. A. (2007). Os efeitos dos vazios urbanos no custo de urbanização da cidade de Palmas – TO. Dissertação de mestrado. Palmas, Universidade Federal do Tocantins.), constituem-se como um enorme prejuízo social, na medida em que ocorrem paralelamente à intensificação do processo de expansão periférica, instituído desde os primeiros momentos da construção de Palmas. Esse fato se agrava, ainda mais, quando observamos a distribuição populacional no território, com uma elevada concentração de habitantes nos bairros da periferia, onde também se concentra a população de menor poder aquisitivo.

Estratégias recentes de venda da cidade

Do ponto de vista da gestão empresarial de Palmas e da sua venda como um negócio, é indiscutível o papel catalisador do empresário colombiano, Carlos Amashta, prefeito da cidade entre 2013 e 2018.12 12 () Quando deixou o cargo para concorrer às eleições extraordinárias no Tocantins, como candidato a governador pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), disputa da qual sai derrotado por Mauro Carlesse, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS). Responsável pela elaboração e pelo encaminhamento das propostas mais ousadas e megalômanas já registradas na história da capital, as apostas do ex-prefeito representam um marco na mobilização de estratégias para a inserção de Palmas nos circuitos financeiros em nível nacional e internacional.

Entre as manobras promovidas ao longo da sua gestão, tanto no sentido das articulações financeiras, quanto da promoção do marketing urbano, destacamos: o projeto do Bus Rapid Transport (BRT), divulgado já no primeiro ano de governo e posterior captação de recursos junto ao Ministério das Cidades; a captação dos I Jogos Mundiais Indígenas, realizado em 2015, entrando na rota dos eventos esportivos internacionais; a elaboração do Plano de Ação Palmas Sustentável, promovido pela Iniciativa Cidades Sustentáveis (Ices), vinculada ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); a aprovação na revisão do Plano Diretor da criação do Distrito Turístico de Palmas, voltado para instalação de parques temáticos, nos moldes Disney World; a divulgação do estado do Tocantins e de Palmas na mídia por meio da novela O outro lado do Paraíso, da Rede Globo; entre outras apostas midiáticas.

Tais investimentos conferem, à gestão da cidade, características de um governo altamente especulativo (Goldman, 2010) que, ainda que não signifique a inserção de Palmas no mercado das cidades globais (Sassen, 1999SASSEN, S. (1999). La ciudad global: Nueva York, Londres, Tokio. Buenos Aires, Eudeba.), está fundamentado nos mesmos princípios empresariais de competitividade, eficiência e eficácia que impulsionam à entrada na rota dos empréstimos internacionais para o financiamento de grandes projetos.

A seguir apresentamos alguns projetos e ações liderados pelos agentes hegemônicos na produção do espaço urbano de Palmas, que explicitam as zonas de interesse imobiliário vigentes representativas do poder do capital imobiliário nas constantes redefinições dos rumos da cidade, em associação ao poder público.

a) Plano de Ação Palmas Sustentável

Publicado em 2015, o Plano de Ação Palmas Sustentável é resultado do programa de assistência técnica chamado Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (Ices), promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em parceria com a Caixa, direcionado às cidades médias, identificadas como emergentes na região da América Latina e Caribe (ALC). Em Palmas, o plano contou, ainda, com a parceria da Prefeitura e com a colaboração do Instituto Pólis e das empresas privadas Microsoft e o Consórcio Idom-Cobrape.

Em todo o País, até a publicação do Plano de Ação Palmas Sustentável, cinco cidades haviam sido contempladas pela Ices, uma em cada região: Goiânia, Palmas, João Pessoa, Vitória e Florianópolis. Contando com passos bem-delimitados e detalhados, a metodologia Ices prevê uma primeira etapa composta por quatro fases, dedicadas à elaboração do plano de ação e desenvolvidas ao longo de um ano, seguida de uma segunda etapa dedicada à sua execução com duração prevista de três a quatro anos.

O processo de elaboração do Plano, produto final da primeira etapa, durou um ano e meio e contou com a mobilização de uma equipe de cerca de 50 profissionais, entre funcionários da Prefeitura e da Caixa e especialistas do Instituto Pólis nas áreas de planejamento urbano, saneamento, transporte e mobilidade urbana, meio ambiente, segurança pública, mobilização social, economia, gestão púbica, entre outras.

Os resultados do diagnóstico da cidade de Palmas apontaram para a necessidade de priorização de sete áreas hierarquizadas de acordo com o seguinte ranking: 1) mobilidade e transporte; 2) desigualdade urbana/uso do solo/ordenamento territorial; 3) gestão pública moderna/impostos e autonomia financeira; 4) competitividade da economia; 5) segurança; 6) energia; e 7) educação.

As diretrizes, ações e projetos propostos no plano de ação foram estruturados em torno de três linhas estratégicas: I) tornar Palmas mais competitiva; II) usar o território de forma mais equilibrada; e III) avançar para uma gestão pública mais eficiente. Distribuídas entre estas, foram estabelecidas 25 diretrizes e indicadas 71 ações.

A suposta neutralidade do Plano de Ação Palmas Sustentável é posta em xeque com a inclusão de um capítulo inteiramente dedicado ao que se chamou “Intervenção Estratégica Integral: o projeto Orla e o novo Paço Municipal”. Com a previsão de custo em torno de R$232 milhões e indicativo de execução a longo prazo, o projeto “surge”, sem maiores justificativas em meio ao documento.

Apresentados praticamente como um caderno individual, os projetos do novo Paço Municipal e da Orla são “presenteados” com uma “Intervenção Estratégica Integral”, título que esconde uma obscura proposta urbanística voltada para a valorização do maior vazio urbano existente na cidade, disfarçada de solução sustentável e necessária à dissolução dos indesejáveis problemas que prejudicam o desenvolvimento urbano. Localizada na porção sudoeste da malha urbana projetada e pertencente aos maiores detentores de terras em processo de especulação imobiliária há décadas, a área englobada pela poligonal do projeto conhecido configura-se como um dos principais objetos de interesse do capital imobiliário hoje em Palmas.

Não nos deteremos aqui nos conflitos existentes no processo de elaboração do Plano, bem como no papel da Prefeitura no produto final e nas disparidades existentes entre o seu diagnóstico e as suas propostas. O que aqui nos interessa é destacar a sua importância enquanto instrumento de reforço e legitimação de discursos e projetos urbanos já em curso no processo de venda da cidade. Agora revestidos com a roupagem da sustentabilidade, da melhoria da qualidade de vida da população, e com a anuência (além do empréstimo) do BID como parte da estratégia para a construção de uma cidade modelo em eficiência e mais competitiva no cenário nacional, tais projetos encontram meios e facilidades para a captação de financiamentos e para a sua inserção na pauta de investimentos prioritários para o município, incluindo alterações na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Na apresentação da publicação (BID/Caixa, 2015BID/CAIXA (2015). Plano de Ação Palmas Sustentável. Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis. Palmas, Ices., p. 5), o então prefeito Carlos Amashta declara a Ices como “via mais adequada para compartilhar as diretrizes sustentáveis que norteiam nosso Plano Estratégico de Desenvolvimento” e como oportunidade de consolidar Palmas como cidade modelo para o País no uso de fontes alternativas de energia e na promoção da integração de diversos modais de transporte, favorecendo a mobilidade urbana e a acessibilidade para a população palmense. Já, nas palavras de Daniela Marquis, representante do BID, encontramos a defesa ao desenvolvimento sustentável como meio para aumentar o potencial de competitividade das cidades médias, apresentando os “novos rumos” apontados pelo plano como “caminhos seguros para melhorar a vida das pessoas” (ibid., p. 6).

Nos argumentos extraídos de ambos os discursos, encontram-se alguns elementos que nos interessam pontuar. As palavras da representante do BID reforçam o compromisso do banco com a criação de um ambiente favorável à expansão capitalista em terras latino-americanas. A atuação do banco, desde a sua criação em 1959, vem garantindo que as políticas sociais de países subdesenvolvidos, como o Brasil, mantenham-se sob a constante dependência de empréstimos milionários e sob o controle da instituição financeira. De acordo com Batista (1994)BATISTA, P. N. (1994). O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Programa Educativo Dívida Externa – Pedex, Caderno Dívida Externa, n. 6., a partir da década de 1990, o BID, com base nas recomendações do Banco Mundial para o combate à pobreza no Terceiro Mundo, organiza uma força-tarefa para a realização de reformas sociais nos países da América Latina, que consistiam, resumidamente, no “desarmamento intelectual do establishment latino-americano”, ou seja, em reduzir ao mínimo a confiança no Estado e em assumir a liderança intelectual na definição de estratégias direcionadas a um conjunto de objetivos econômicos e sociais. Contando com o apoio técnico de profissionais estrangeiros “altamente gabaritados” para pautar as ações necessárias a solucionar os problemas terceiro-mundistas e a oferta de vultosos empréstimos internacionais, tais ajudas estão, portanto, direcionadas à garantia das condições ideais para a implantação e controle das políticas neoliberais na América Latina. Assim, quando Marquis afirma que o Plano construído através da metodologia imposta pelo Ices aponta para “novos rumos” e que estes se constituem como “caminho seguro” para melhorar a vida da população e tornar a cidade mais competitiva, fala a partir desse lugar de poder que o BID possui na condução dos processos neoliberalizantes junto aos países latino-americanos.

Já, no discurso do prefeito Amashta, destacamos a referência que ele faz às diretrizes de um “Plano Estratégico de Desenvolvimento” até então inexistente na cidade enquanto documento ou mesmo em processo de elaboração, o que nos leva à interpretação de que o gestor utiliza o termo para designar um conjunto de intenções preexistentes, que encontra, no programa do Ices, a oportunidade de vir a público. Nesse caso, um dos aspectos que chama a atenção é a ausência de participação social no processo de elaboração das propostas que compõem o documento. Revestida sob a forma de pesquisa de opinião pública, a colaboração efetiva da sociedade resumiu-se à resposta a questionários e ao convite a reuniões com o objetivo de apresentar resultados derivados de metodologias prontas e inquestionáveis, em lugar de discutir alternativas. Sem a necessidade de atender às exigências de controle social impostas pelo Estatuto da Cidade à construção dos Planos Diretores Participativos, o Plano de Ação do Ices, modelo revisto e atualizado do Plano Estratégico, segue utilizando o mesmo recurso de flexibilização do aparato regulatório que apoia, há décadas, a expansão do projeto neoliberal (Maricato, 2000MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.).

Outro ponto importante de ser destacado no discurso do prefeito refere-se à oportunidade de, através do plano de ação, consolidar Palmas como cidade modelo na “promoção da integração de diversos modais de transporte”. Como será detalhado no próximo tópico, o projeto do BRT (Bus Rapid Transport) foi uma das principais apostas do governo; e sua divulgação teve início na cidade ainda no ano de 2013, ou seja, antes da elaboração do Plano de Ação Palmas Sustentável. O resultado do diagnóstico realizado, ao longo da elaboração do plano, aponta o tema da mobilidade urbana e dos transportes como prioritário e endossa o projeto do BRT como alternativa mais adequada à solução da questão na cidade, inserindo-o como ação de curto prazo, com uma previsão de investimento de quase R$500 milhões, valor que, à época, já havia sido captado junto ao Ministério das Cidades. Importante ressaltar que, no corpo do documento, em nenhum momento são apresentadas outras alternativas à solução dos problemas de mobilidade e transporte identificados, nem o projeto do BRT é objeto de questionamentos em termos de adequação à demanda existente ou futura; ele é apenas apresentado brevemente e reafirmado. Como também será visto adiante, quando a viabilidade e, antes disso, a necessidade do projeto é questionada e o financiamento é suspenso, o Plano do BID é usado como argumento para justificar a importância do BRT para a cidade (Palmas, 2018a).

No caso, tanto da “Intervenção Estratégica Integral”, quanto do projeto do BRT e na revisão do Plano Diretor, como será visto adiante, observa-se a utilização do Plano de Ação Palmas Sustentável como instrumento de reafirmação de discursos e produção de consensos, tendo em vista a sua “credibilidade” apoiada na instituição internacional financiadora. Visto dessa forma, entendemos que toda a mobilização de técnicos da Prefeitura, Caixa, contratados pelo Instituto Pólis, entre outros necessários à sua construção, aproximam o processo de elaboração e resultado final do referido documento da qualificação atribuída por Vainer (2000b) ao Plano Estratégico do Rio de Janeiro: uma “bem orquestrada farsa, cujo objetivo tem sido o de legitimar orientações e projetos caros aos grupos dominantes da cidade” (ibid., p. 115).

b) Projeto do Bus Rapid Transport

Com o argumento de modernizar e otimizar o sistema de transporte público, atendendo às indicações contidas já no plano básico da cidade e em planos posteriores – a exemplo do documento elaborado pelo ICES – e preparando a cidade para o futuro, a Prefeitura Municipal de Palmas lançou, em julho de 2015, o edital de licitação com o objetivo de regularização ambiental, projeto básico, projeto executivo e execução das obras de implantação do corredor de transporte BRT (Bus Rapid Transit) e do Sistema Inteligente de Transporte (SIT), na Região Sul de Palmas. O projeto visionário era um dos carros-chefes da gestão municipal (2013-2018) e vinha sendo divulgado, desde 2013, pelo próprio prefeito e por seu autor, o presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Palmas (Ipup), Luiz Masaru Hayakawa, como o sistema mais moderno do País, tomando a experiência de Curitiba como referência. O orçamento inicialmente previsto em R$700 milhões foi contemplado pelo Ministério da Cidades, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, com o financiamento de quase R$500 milhões. A licitação foi suspensa em setembro do mesmo ano, por liminar do Ministério Público Federal do Tocantins, acatada, no mês seguinte, pela Justiça Federal, alegando deficiências na comprovação da viabilidade técnica e econômica do projeto, tendo em vista a constatação de uma demanda de passageiros na cidade cerca de 5 vezes inferior ao recomendado pelo Manual do BRT do Ministério das Cidades. Proibido judicialmente de liberar os recursos já aprovados, o próprio órgão federal, posteriormente, reconhece a improcedência da seleção do projeto para o financiamento, a partir de tais argumentos. Em maio de 2016, o projeto foi declarado ilegal pela Justiça Federal, que determinou o cancelamento da proposta ao Ministério das Cidades e, em 2017, foi a vez do Tribunal de Contas da União se posicionar contrário à liberação dos recursos pleiteados, através do decreto legislativo n. 039/2017, e recomendar a revisão dos estudos de viabilidade técnica e econômica, considerados superestimados, bem como do projeto, considerado fora dos padrões da realidade local. Ainda em 2017, a prefeitura contratou a empresa Oficina Engenheiros Consultores Associados Ltda. para a elaborações de novos estudos, e, desde então, o projeto segue em processo de revisão.

Em novembro de 2016, o projeto do BRT foi alvo de investigação pela Polícia Federal, conhecida como Operação Nosotros, na qual o prefeito Carlos Amashta e mais oito pessoas (entre elas, cinco empresários) foram indiciadas por corrupção ativa e passiva, além de associação criminosa.13 13 () Para mais sobre o assunto, consultar: <https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/relatorio-da-pf-detalha-esquema-de-corrupcao-para-a-implantacao-do-brt-em-palmas.ghtml> e http://jtinoticias.com.br/noticia/amastha-e-auxiliares-sao-indiciados-por-associacao-criminosa-corrupcao-passiva-e-excesso-de-exacao/2051. Entre as irregularidades apontadas pelo inquérito, destacamos os indicativos de associação do prefeito com empresários do ramo imobiliário, tendo como objeto o lucro com a valorização de terras em virtude das obras do BRT.

Sem a intenção de nos aprofundar demasiado nos detalhes contidos nessa complexa rede envolvendo agentes públicos e privados da produção do espaço urbano de Palmas, interessa-nos pontuar a interação entre diferentes projetos urbanos como plataforma de valorização do capital imobiliário, tendo o poder público municipal como eixo articulador. A capacidade de indução de crescimento e valorização da terra urbana envolvida na implantação de um corredor de transportes tem, por si, o potencial de mobilizar investimentos em escala ampliada. A insistência do governo municipal na implantação do BRT, mesmo ante todas as interposições jurídicas, ao que tudo indica, revela, mais que um projeto de governo, interesses ligados à manipulação da renda fundiária, à transferência de imóveis das mãos de um grupo de empresários para outro, sem que qualquer alteração seja promovida no sentido de mitigar as desigualdades socioespaciais existentes. Pelo contrário, contempla a expropriação de terras de famílias de baixa renda, às quais foram oferecidas quantias abaixo do valor de mercado, atingidas por um traçado viário questionável e polêmico.

Aqui, revela-se claramente o “giro decisivo” do papel do Estado (Dardot e Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do Mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo, Boitempo.), considerado excessivamente intervencionista no passado, agora submetido à nova lógica normativa que constitui o “compromisso neoliberal” em comandar a criação de estratégias e promoção de ajustes direcionados ao funcionamento do mercado e ao controle das suas condições de concorrência. Assim, a formação de alianças e negociações envolvendo o Estado e os grupos oligopolistas são parte do conjunto de discursos, práticas e dispositivos de poder que compõem a “estratégia neoliberal” (ibid.).

c) Revisão Plano Diretor 2018 – Macrozona de Ordenamento Condicionado (MOCond)

O processo de revisão do Plano Diretor Participativo do Município de Palmas iniciou-se de maneira abrupta e truncada em 2015 e, após um período de interrupção por recomendação do Ministério Público do Estado (MPE), em outubro de 2015, seguido de retomada em junho de 2016, teve a sua conclusão com a publicação da lei complementar n. 400 de 2 de abril de 2018.

A novidade mais preocupante do Plano Diretor de 2018, confrontando-se com uma polêmica já preexistente na cidade relacionada à expansão urbana, é a criação da Macrozona de Ordenamento Condicionado (MOCond), definida no corpo da lei como uma região que “apresenta restrições de ocupação e edificação, configurando-se em um espaço territorial de transição rural-urbana em decorrência da fragilidade ambiental em especial pela presença significativa de corpos hídricos” (Palmas, 2018b). Com o objetivo expresso de “impedir a expansão urbana e a alta densidade”, a regulamentação da macrozona permite a regularização de núcleos residenciais e empreendimentos existentes, um dos principais pontos de discussão ao longo da revisão do plano.

A proliferação de condomínios irregulares de chácaras à margem leste da rodovia TO-010 gerou discussões, lideradas por proprietários de terras dessa região, em defesa da expansão do perímetro urbano, com vistas à regularização deles.

Entre a continuidade da promoção da dispersão territorial, acompanhada do estímulo à especulação imobiliária e à manutenção de situações de irregularidade fundiária que não seriam objeto de despejo, por atender a interesses de agentes privados de destacado poder econômico no município, surge a MOCond, solução que tolera sem permitir e restringe sem proibir. A partir do seu estabelecimento, oficialmente, à proposta de ampliação do perímetro urbano que já considerava o acréscimo de mais de 5.000 hectares ao perímetro anterior, é somada a criação dessa “zona de indeterminações”, que não libera, mas também não proíbe a expansão dos limites da cidade – desde que aconteça dentro das condicionantes legais impostas pela lei do PD – e que totaliza cerca de 20.200 hectares de área urbanizável (Santos et al., 2019SANTOS, M. T. et al. (2019). Plano Diretor de Palmas, Tocantins: Instrumento de ordenamento urbano ou de gestão das urgências? In: XVIII ENANPUR. Anais. Disponível em: <http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=361>. Acesso em: 9 jun 2019.
http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisad...
). Vale destacar que o perímetro inicial da cidade, que correspondia a 11.085ha, foi alterado, pela revisão do Plano Diretor de 2007 (LC n. 155/2007), para 17.321ha e que essa revisão mais atual (LC n. 400/2018) promove novas alterações, aproximando-o, oficialmente, dos 22.321ha. Isso significa dizer que a MOCond praticamente dobra a área urbana já atualizada, elevando-a para quase 43.000ha (ibid.).

As condicionantes para a ocupação desta e das demais macrozonas definidas no PD 2018 incluem restrições em relação à densidade habitacional, dividindo-as em muito alta, alta, média-alta, média, baixa, muito baixa e baixíssima, sendo explicitados os seus parâmetros no corpo da lei n. 400/2018. Um estudo realizado pelo Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Tocantins (Caoma-MPTO), tomando como referência os limites máximos de densidade estabelecidos nessa lei para cada zona urbana, incluindo as densidades permitidas para a MOCond, revela uma espantosa capacidade populacional prevista na área urbana de Palmas de 5.644.501 habitantes, sendo que a população em 2018 estava estimada em 291.855 habitantes. Completando o surrealismo desse panorama, o estudo aponta que, para que a cidade atingisse a sua capacidade máxima populacional, tendo em vista a lei n. 400/2018, seriam necessários 577 anos (ibid.).

A MOCond subdivide-se em três Regiões de Planejamento (RP): 1) RPNorte (em laranja no mapa da Figura 8); 2) RPLeste (em amarelo); e 3) RPSul II (em cinza).

Figura 8
– Mapa de Regiões de Planejamento e Perímetro Urbano, Plano Diretor 2018

A RPSul II comporta uma Zona de Transição Sul, contígua à Zona de Serviços Regional Sul, dedicada à criação de um polo logístico fluvial, ampliação do setor industrial, implantação do Parque Tecnológico, entre outras atividades ligadas ao setor de serviços.

A ocupação da RPNorte tem um enfoque voltado para atividades de turismo, lazer e recreação, admitindo-se o uso residencial por meio de condomínios de veraneio. Está subdividida em três Zonas de Interesse Turístico Sustentável (Zits), dentre as quais destacamos a Zits III, voltada para a “consolidação da identidade turística municipal, valorizando Palmas como destino turístico no contexto regional e nacional” (Palmas, 2018b). Nela, encontramos a previsão do Distrito Turístico de Palmas, segunda “menina dos olhos” do ex-prefeito (depois do BRT), uma espécie de Disneyworld do cerrado, com o objetivo de atrair, principalmente, turistas de todo o Brasil e da América Latina. “O sonho é grande. O que era Orlando na década de 1950? Hoje uma das três melhores cidades com qualidade de vida dos EUA” (Amashta apud Jornal T1 Notícias, 2017).

Contando com uma área de cerca de 100 hectares (1 milhão de m2 2 () Cf. Rolnik (2015). ), o projeto visionário tem como objetivo o incentivo à instalação de 5 a 7 parques temáticos, distantes 10km do centro da cidade. Com recursos já garantidos pelo Ministério do Turismo para a elaboração de estudos e planejamento do seu uso e ocupação, as negociações em torno do Distrito Turístico de Palmas já contam, de acordo com a atual prefeita, com conversas junto à Universal Studios, Disney e Wet’n Wild.

Tendo em vista a ausência de qualquer comprovação em termos de viabilidade e sustentabilidade, ainda é cedo para tecer comentários a respeito das possibilidades oriundas desse projeto. No entanto, podemos identificar nele todos os indícios do planejamento urbano a serviço da cidade-empreendimento:

Como a própria terminologia corrente já indica, estamos diante de políticas de image-making, na mais trivial acepção marqueteira da expressão, pois quem diz image-making está pensando, queira ou não, em políticas business-oriented, para não falar ainda em market-friendly, mesmo quando fala de boa fé em conferir visibilidade a indivíduos ou coletividades que aspiram a tal promoção. (Arantes, 2000ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes., p. 14)

Já a Região de Planejamento Leste (RPLeste) conta com uma subdivisão em três zonas, dentre as quais destacamos a Zona de Transição Leste, que “representa uma área de transição entre o centro urbano principal e as áreas rurais destinadas à produção agrícola de pequeno porte, caracterizada pela presença de significativos recursos naturais a serem preservados” (Palmas, 2018b).

Também na lei do PD 2018, a Zona de Transição Leste aparece como área direcionada, primordialmente, ao incentivo à produção agrícola de pequeno porte. No entanto, ao mesmo tempo, essa mesma zona, além de regularizar os condomínios residenciais já existentes, admite a ocupação por novos condomínios, mediante, é claro, a obediência a parâmetros urbanísticos teoricamente “bastante restritivos” quanto à área mínima da gleba, taxa de ocupação, quantidade de unidades autônomas permitidas, entre outros.

A questão que aqui se coloca é: se a ocupação hoje existente nessa região, que se constituiu como uma das principais alavancas à discussão em torno da ampliação do perímetro urbano ao leste, não “pôde” ser controlada pelo poder público municipal, poderão algum dia esses novos parâmetros ser fiscalizados pela mesma máquina pública? Ou, antes disso, a intenção em fiscalizá-la existiu em algum momento? Entendemos, portanto, que a RPLeste é a resposta desejada pelo mercado imobiliário ao falso argumento da pacificação das questões relacionadas às ocupações irregulares da margem leste da TO-010, ligadas a chacareiros com interesses explícitos de valorização da sua parcela fundiária na cidade.

Considerada como um todo, a MOCond representa mais uma estratégia de produção de consensos respaldada pelo Plano Diretor, acompanhada da criação de soluções normativas claramente passíveis de transgressões e de uma brutal expansão das zonas de interesse imobiliário disfarçadamente “condicionada”.

d) Luzimangues

O distrito de Luzimangues, situado à margem esquerda do Lago de Palmas e pertencente ao município de Porto Nacional, é um fenômeno urbano cuja gênese está atrelada diretamente à criação da capital, em uma relação de dependência que pode ser ilustrada, emprestando-se de Lúcio Pinto (2013)PINTO, L. M. C. (2013). Luzimangues: processos sociais e política urbana na gênese de uma “nova cidade”. Dissertação de mestrado. Palmas, Universidade Federal do Tocantins. a imagem metafórica, como cidade mãe ligada à cidade filha pelo cordão umbilical (Ponte da Amizade). Tanto geográfica, quanto economicamente, os moradores do distrito se relacionam diretamente com Palmas, usufruindo dos serviços aí oferecidos, uma vez que a sede do seu município se localiza a uma distância superior a 60km.

A imagem impactante (Figura 9), quando comparamos os limites do projeto de macroparcelamento do distrito à malha urbana projetada de Palmas, revela as dimensões territoriais ainda não concretizadas, mas inseridas no horizonte de possibilidades em um futuro próximo.

Figura 9
– Luzimangues: sobreposição do projeto do macroparcelamento e comparação com área urbana de Palmas

A área onde se localiza o distrito, pertencente ao município de Porto Nacional, já havia sido pleiteada, na ocasião da implantação de Palmas, como uma zona de expansão oeste da capital, sem que a sua viabilização legal tenha sido efetivada. Em 2001, quando da formação do lago de Palmas, o pequeno povoado rural de Luzimangues situado às margens do rio Tocantins foi atingido pelo alagamento do reservatório da usina hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães (UHE). Suas 83 famílias foram relocadas para o Reassentamento Luzimangues, no Km 11 da TO-080, e a elas foram ofertados lotes de 4 hectares (Pinto, 2013PINTO, L. M. C. (2013). Luzimangues: processos sociais e política urbana na gênese de uma “nova cidade”. Dissertação de mestrado. Palmas, Universidade Federal do Tocantins.)

A construção da Ponte da Amizade, em 2001, ligando Palmas ao município de Porto Nacional e a sua conexão com Paraíso do Tocantins e à BR-153, configura-se como o principal motivo que desperta, em um primeiro momento, o interesse no território de Luzimangues por parte de agentes imobiliários atuantes na região. De fato, a proximidade da localidade com o centro da capital (cerca de 12km de distância) confere, ao distrito, um fator de localização diferenciado, com um custo bem menor, comparado às terras no entorno da região central de Palmas. Associado a esse fato, o início das obras de instalação de um pátio Multimodal da Ferrovia Norte-Sul às suas proximidades, em 2008, e consequentes expectativas com relação à implantação de um polo industrial, vem consolidando Luzimangues como a mais nova fronteira de expansão do mercado de terras no entorno imediato de Palmas.

Pinto (ibid.) analisa o processo acelerado de conversão de terras rurais em loteamentos urbanos levado a cabo por empresas do ramo imobiliário, contando com a colaboração do poder público municipal, tanto no sentido de criar mecanismos legais para regularização e ampliação das condições de atuação dos entes privados, quanto no de ausentar-se do papel de fiscalizador da expansão urbana no local. Considerando uma população de 2.310 habitantes em 2010 (de acordo com o IBGE) – número correspondente a 4,7% da população total do município de Porto Nacional na ocasião – distribuída em 809 domicílios, o autor observa que a atuação do mercado imobiliário no distrito se torna visivelmente mais agressiva após a aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Porto Nacional – PDDS, de 2006. Dentre as razões identificadas para justificar esse fato, destacam-se manobras praticadas por agentes imobiliários que advêm da deturpação de instrumentos do Estatuto da Cidade previstos no PDDS, ironicamente criados com o intuito de garantir a função social da propriedade urbana. Baseando-se na lei complementar 5/2006, que dispõe sobre o Plano e estabelece como Zeis o distrito de Luzimangues em sua totalidade – flexibilizando, dessa forma, parâmetros urbanísticos, tais como dimensões mínimas de lote, índices e taxas edilícios –, loteamentos residenciais vêm sendo propostos, aprovados e comercializados com lotes menores que os habituais (o mínimo previsto nas áreas urbanas é de 360m2 2 () Cf. Rolnik (2015). , sendo permitido 250m2 2 () Cf. Rolnik (2015). nas Zeis) e sobre os quais não se pode aplicar o instrumento do IPTU progressivo (que só considera como solo urbano edificável lotes a partir de 360m2 2 () Cf. Rolnik (2015). ). Assim, com a oferta de lotes mais baratos e em maior quantidade, fomenta-se a expansão de um mercado de terras baseado na especulação imobiliária, sem qualquer controle ou garantia de que a ocupação efetiva do distrito venha a se concretizar.

No período compreendido entre os anos de 1995 e 2006 (ano de aprovação do PDDS), foram contabilizados 4.275 lotes — 19,15% do total registrado até 2012. Após 2006, com as definições do zoneamento e das regras de parcelamento, passa a haver maior oferta de lotes, já legalizados. São loteamentos que cumprem os requisitos formais da legislação (abertura de ruas, pavimentação, rede de água e energia), atendendo aos interesses de loteadores e investidores, mas não há uma consonância com os princípios do “planejamento urbano sustentável”. No período compreendido entre os anos de 2007 e 2012 são produzidos 18.048 lotes — 80,85% do total (ibid.).

O representante de uma das principais construtoras atuantes na região, a Buriti – com mais de 10 empreendimentos construídos só em Luzimangues –, admite que o excesso de ofertas tenha sido uma estratégia equivocada:

Luzimangues foi muito bom no começo, só que acontece que nós loteadores erramos, a gente soltou muita oferta. Então os lotes que saem hoje são nossos próprios concorrentes. Um lote de segunda mão, ele é um lote concorrente, então não tem como ter novos empreendimentos acho que, no mínimo, em uns 10 anos. (Pablo Teixeira, entrevistado em 13/4/2018)

Na visão do empresário, o mercado no distrito está esgotado no momento, e as novas possibilidades somente poderão ser abertas no futuro com a sua emancipação, que vem sendo defendida por diversos grupos políticos e econômicos.

Entendemos que Luzimangues representa a materialização mais crua e flagrante da hegemonia do mercado imobiliário na região. O fato de estar submetida administrativamente a Porto Nacional, fisicamente distante da sua sede e tão intrinsecamente ligada a Palmas, propiciou uma ação “independente” dos agentes privados, gerando um território, supostamente pouco conhecido pelo poder público (ibid.). Nesse sentido, Luzimangues, ainda que se constitua como uma extensão do mercado imobiliário da capital, inclusive com atuação das mesmas empresas e investidores, torna-se um campo ainda mais profícuo para a acumulação do capital, por lidar com terras mais baratas e, portanto, comercializáveis mais rapidamente. Do ponto de vista da população, mesmo com a proliferação de vendas de ágio, o distrito também se configura como região promissora, por permitir o acesso a uma melhor localização por um preço mais baixo.

Destacamos, assim, o papel de Luzimangues na constituição de um novo mercado de terras na periferia oeste de Palmas, ligado diretamente com a Ferrovia Norte-Sul e, portanto, com os impactos do agronegócio na região.

Considerações finais

Nossa reflexão acerca da cidade neoliberal, baseia-se no princípio de que, nos movimentos de reprodução e de expansão dos limites geográficos de acumulação do capital, a produção do espaço possui um papel central. Os excedentes continuamente produzidos pelo sistema capitalista, e que se constituem como condição necessária à sua manutenção, são absorvidos, em particular, pelos processos de urbanização, gerando, entre eles uma conexão interna (Harvey, 2011HARVEY, D. (2011). O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo, Boitempo,). Contrariamente à premissa liberal da retirada do Estado em prol da autorregulação do mercado baseado na livre economia, a razão neoliberal depende diretamente da intervenção estatal para o provimento de uma estrutura institucional apropriada à garantia do direito à propriedade privada, aos livres mercados e ao livre comércio (Harvey, 2008HARVEY, D. (2008). O Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola.).

Partindo dessas premissas, já amplamente discutidas e consolidadas nos estudos acerca da produção e reprodução das cidades contemporâneas brasileiras, o presente artigo se propôs a lançar luz sobre fatos que permeiam, desde o processo inicial de construção da cidade de Palmas, até dinâmicas e projetos mais recentes, ligados aos movimentos de valorização imobiliária e estratégias de expansão urbana fortemente apoiados e até mesmo promovidos pelo poder público. Nascida no ano que simboliza a abertura do mundo ocidental à política econômica neoliberal e materializada enquanto fronteira de acumulação capitalista no interior do País, a capital tocantinense revela-se, desde sempre, como mercadoria a serviço da livre iniciativa.

Tendo em vista o exposto no presente artigo, entendemos Palmas, portanto, como cidade neoliberal e, nessa condição, como um profícuo campo de estudo de tais práticas ao refletir, nas dinâmicas e políticas que definem o seu ordenamento, essa necessária relação de parceria, quando não de fusão, do Estado com o mercado, seja por meio de manobras fundiárias e normativas ou de esquemas de suporte à especulação imobiliária, à ampliação do mercado de terras, entre outras estratégias de venda da cidade.

Figura 5
– Delimitação e macrozoneamento da área da Intervenção Estratégica Integral

Figura 6
– Traçado do Projeto do BRT

Figura 7
– Mapa comparativo entre perímetros urbanos em 2007 e 2018

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  • MARTINS, S. (1996). A Cidade “sem infância”: a produção do espaço no mundo da mercadoria. Boletim Paulista de Geografia, n. 74, pp. 23-46.
  • OLIVEIRA, L. A. (2016). Centros urbanos e espaços livres públicos: produção e apropriação em Palmas/TO. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
  • PALMAS, Prefeitura Municipal de (2018a). Estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental do corredor de transporte de passageiros – Evetea. Relatório Síntese.
  • PALMAS, Prefeitura Municipal de (2018b). Plano Diretor Participativo do Município de Palmas. Lei complementar n. 400, de 2 de abril de 2018.
  • PINTO, L. M. C. (2013). Luzimangues: processos sociais e política urbana na gênese de uma “nova cidade”. Dissertação de mestrado. Palmas, Universidade Federal do Tocantins.
  • ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.
  • SANTOS, M. T. et al. (2019). Plano Diretor de Palmas, Tocantins: Instrumento de ordenamento urbano ou de gestão das urgências? In: XVIII ENANPUR. Anais. Disponível em: <http://anpur.org.br/xviiienanpur/anaisadmin/capapdf.php?reqid=361>. Acesso em: 9 jun 2019.
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  • SASSEN, S. (1999). La ciudad global: Nueva York, Londres, Tokio. Buenos Aires, Eudeba.
  • SEDUS/PMP (2015). Relatório técnico da Secretaria de Desenvolvimento Urbano Sustentável da Prefeitura Municipal de Palmas-TO.
  • TERRATINS (2011). Relatório Geral de Aprovação e Registro da Companhia Imobiliária do Estado do Tocantins – Diretoria Técnica Operacional.
  • VAINER, C. B. (2000a). “Pátria, empresa e mercadoria”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
  • VAINER, C. B. (2000b). “Os liberais também fazem planejamento urbano? Glosas ao Planejamento Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
  • VOLOCHKO, D. (2015). Terra, poder e capital em Nova Mutum-MT: elementos para o debate da produção do espaço nas “cidades do agronegócio”. GEOgraphia. Rio de Janeiro, v. 17, n. 35, pp. 40-67.

Notas

  • 1
    () Para um estudo aprofundado acerca do processo de desapropriação e despossessão de terras realizado pelo Estado para a implantação da capital, ver Lucini (2018)LUCINI, A. C. G. G. (2018). Palmas, no Tocantins, terra de quem? As desapropriações e despossessões de terras para a implantação da última capital projetada do século XX. Tese de doutorado. Palmas, Universidade federal do Tocantins..
  • 2
    () Cf. Rolnik (2015)ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo..
  • 3
    () Estas e outras questões ligadas às ações judiciais anteriores envolvendo o Incra, que aqui não cabem ser aprofundadas, resultaram em uma Ação Discriminatória através da qual foram canceladas diversas matrículas de áreas já alienadas, revendidas a terceiros e ocupadas, criando uma complexa rede de negociações entre o Estado e os antigos proprietários, envolvendo permutas de terras e pagamento de indenizações milionárias (Lucini, 2018LUCINI, A. C. G. G. (2018). Palmas, no Tocantins, terra de quem? As desapropriações e despossessões de terras para a implantação da última capital projetada do século XX. Tese de doutorado. Palmas, Universidade federal do Tocantins.).
  • 4
    () Esse esquema de dação de terras em pagamento, amplamente utilizado pelo Estado nos primeiros anos, não era, inicialmente, do conhecimento da população, denunciando a falta de transparência com que eram manipuladas as terras urbanas nas negociações com os entes privados.
  • 5
    () Ao longo do trabalho, utilizamos o termo “centro” ou “região central”, como referência às quadras situadas nessa região próxima à Praça dos Girassóis. Não será objeto de discussão, neste trabalho, a questão da multicentralidade em Palmas.
  • 6
    () Aqui estamos nos referindo às áreas doadas pelo estado. Outras áreas foram adquiridas posteriormente pela empresa, mediante pagamento.
  • 7
    () Destacamos a relevância desses estabelecimentos comerciais de grande porte para a cidade, tendo em vista sua população de pouco menos de 300 mil habitantes e um setor terciário ainda centrado em lojas de pequeno e médio porte e de origem local.
  • 8
    () Disponível em: https://imoveis.mitula.com.br/imoveis/condominio-aldeia-sol-palmas. Acesso em: 21 abr 2019.
  • 9
    () Importante destacar que essas duas quadras de comercialização mais recente somente tiveram seus processos de microparcelamentos iniciados após o recebimento de notificação para Parcelamento, Edificação e Utilização compulsórios (Peuc), instituído em Palmas no ano de 2013.
  • 10
  • 11
    () De acordo com diagnóstico realizado no âmbito do Plano de Ação Palmas Sustentável (BID/Caixa, 2015BID/CAIXA (2015). Plano de Ação Palmas Sustentável. Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis. Palmas, Ices.), a densidade média líquida de Palmas era de 36,72hab/ha, uma média considerada baixa, quando comparada a outras capitais brasileiras de portes similares, na avaliação do Plano: Vitória (ES), com 62,53hab/ha; Florianópolis (SC), com 45,23hab/ha e João Pessoa, com 82,0 hab/ha.
  • 12
    () Quando deixou o cargo para concorrer às eleições extraordinárias no Tocantins, como candidato a governador pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), disputa da qual sai derrotado por Mauro Carlesse, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS).
  • 13

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2021
  • Aceito
    28 Jun 2021
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