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Do selvagem convertível

Resumos

A atitude de tolerância frente à alteridade indígena e a representação do índio tupinambá docilmente "convertível" contidas no relato do capuchinho Claude d'Abbeville, Histoire de la Mission... en l'isle de Maragnan (1614), são claramente tributárias do livro do huguenote Jean de Léry, Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil (1578). O capuchinho parafraseia o huguenote em várias passagens, mostrando o índio como objeto de análise "etnográfica", sem excluí-lo - como faz Léry - da possibilidade de salvação. Provavelmente, Claude d'Abbeville responde, desta forma, às expectativas do público francês, num contexto de exortação à colonização do Maranhão e de propaganda da obra apostólica da Ordem dos Capuchinhos.


The attitude of tolerance toward the native otherness and the representation of the Tupinamba "convertible" with docility found in Claude d'Abbeville's Histoire de la Mission... en l'isle de Maragnan (1614) are clearly tributary of Jean de Léry's Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil (1578). The capuchin paraphrases the huguenot in several passages, presenting the Indian as an object of "ethnographical" analysis, without excluding him - as Léry does - of the possibility of salvation. Thus, Claude d'Abbeville probably answers to the expectations of the French public in a context of exhortation of the colonisation of Maranhão and promotion of the apostolic work of the Capuchin Order.


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  • 1
    Acerca dos fracassos da França Antártica de Villegaignon e dos empreendimentos liderados na Flórida pelos capitães huguenotes Jean Ribault e René Laudonnière, vide Frank Lestringant. Le Huguenot et le Sauvage. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1990, pp. 21 a 31.
  • 2
    2 A expressão, aplicada à França Antártica, é de Henri Lancelot de La Popelinière, Les Trois Mondes. Paris: Pierre Huilier, 1582, III, p. 4.
  • 3
    {...} A La Rochelle, Pour Antoine Chuppin. M.D.LXXVIII. Segunda edição por Antoine Chuppin, em Genebra, 1580. Em 1585, o livro obtém uma edição ampliada, ainda em Genebra, pelo mesmo editor. A primeira edição latina do relato é de 1586 (em Genebra, por Eustache Vignon), antes de sua inserção em 1592 na Collection des Grands Voyages de Théodore de Bry (America Tertia Pars Memorabile provinciae Brasiliae Historiam.., Francfort, Theodore de Bry, 1592). Outras edições se seguem: uma edição latina em Genebra, por E. Vignon, em 1594; a quarta edição francesa surge ainda em Genebra, pelos herdeiros de E. Vignon, em 1599 (seguida de outra datada de 1600); e a quinta e última edição francesa, dedicada à Princesa de Orange, é editada por Jean Vignon, em Genebra, em 1611. Citaremos aqui a tradução brasileira de Sérgio Milliet (Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte / São Paulo: Itatiaia / Editora da Universidade de São Paulo, 1980).
  • 4
    {...} A Anvers, Chez les heritiers de Maurice de la Porte..., 1557. Avec privilege du Roy. Alguns exemplares trazem a data de 1558. Uma segunda edição foi publicada em Paris, por Christophe Plantin, em 1558.
  • 5
    Cf. Claude d'Abbeville. Histoire de la Mission... Paris: François Huby, 1614, p.12vº. A tradução brasileira citada neste artigo é a de Sérgio Milliet (História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Editora da Universidade de São Paulo, 1975. Citação, p. 22).
  • 6
    {...} A Paris, De l'Imprimerie de François Huby, M.DC.XIV. Avec Privilege du Roy.
  • 7
    {...} Second Traité. A Paris, De l'imprimerie de François Huby, ruë sainct Iacques à laBible d'Or... M.DC.XV. Avec Privilege du Roy. A tradução dos trechos desta obra citados neste artigo é nossa.
  • 8
    {...} Marpurg, bei Andress Kolben, M. D. LVII. {Verdadeira história e descrição de um país habitado por homens selvagens, nus, ferozes e antropófagos...}
  • 9
    "{...} sabendo que havia franceses na região e que era comum a chegada de naus daquelanação, insisti em continuar dizendo ser amigo deles, e roguei-lhes que me poupassem até que aqueles chegassem e me reconhecessem. Mantiveram-me cautelosamente prisioneiro até a chegada de alguns franceses que as naus haviam deixado com esses selvagens para que fossem em busca de pimenta". Traduzido de Hans Staden. Op. cit., p. 83.
  • 10
    O termo "selvagem" é usado ao longo deste texto por razões de coerência com o vocabulário empregado pelos cronistas franceses para referirem-se ao índio americano. Lembremos, ainda, que a representação do tupinambá foi generalizada, na França, recobrindo todos os selvagens americanos, desde o século XVI, como demonstra Sturtevant, William. La tupinambisation des Indiens d'Amérique du nord. G. Therrien (Org.). Les figures de l'Indien. Montréal: Université du Québec à Montréal, 1988, pp. 293-303.
  • 11
    Os colonizadores portugueses chegaram a servir-se pontualmente desses especialistasda língua, costumes e geografia de certas regiões da costa. São múltiplos os exemplos: na transcrição do relatório manuscrito que Diogo de Campos Moreno fez da primeira expedição encarregada de expulsar os franceses, consta que os portugueses fizeram-se guiar numa expedição de reconhecimento por um "grande piloto da costa francês", chamado pelo nome indígena de Otuimiri, sem o qual jamais teriam conseguido penetrar nas terras do Maranhão em 1614. Cf. Jornada do Maranhão por Ordem de sua Magestade feita o anno de 1614. Colleção de notícias... Lisboa: Typographia da {...} Academia {Real de Sciencias}, 1812, p. 2.
  • 12
    O termo "endotismo", que designa, no contexto em questão, o fenômeno de penetra-ção dos franceses no tecido social indígena, é empregado por Frank Lestringant (p. 232) em excelente artigo intitulado Les débuts de la poésie latine au Brésil: le "De Rebus Gestis Mendi de Saa" (1563). De Virgile à Jacob Balde. Hommage à Mme Andrée Thill. Etudes recueillies par Gérard Freyburger. Publication du Centre de Recherches et d'Etudes Rhénanes, Université de Haute-Alsace (diffusion: Les Belles Lettres), 1987, pp. 231-245.
  • 13
    Vide F. Lestringant, art. cit., p. 232.
  • 14
    José de Anchieta, Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões... 1554-1594. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 209.
  • 15
    Trata-se do título do primeiro capítulo do "Relato da Missão da Serra do Ibiapaba", doPadre Antonio Vieira. Obras Escolhidas. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1951, vol. V, pp. 72 a 76.
  • 16
    Idem, p. 74.
  • 17
    Vicente do Salvador. História do Brasil (1500-1627). Belo Horizonte: Itatiaia, 1982, p. 337.
  • 18
    A esse argumento poder-se-ia acrescentar outro, de ordem político-militar, pois os colonizadores portugueses temiam, antes de mais nada, os progressos técnicos e militares dos indígenas, conseqüência quase inevitável dos contatos com seus aliados franceses. Ademais, isso representava, para os missionários jesuítas, entraves significativos à catequese dos infiéis que adquiririam costumes heréticos, por assim dizer, como deixam perceber inúmeros testemunhos. Vide Ch.-A. Julien. Voyages de découverte et les premiers établissements... Paris: PUF, 1948, p. 203..
  • 19
    Jean de Léry, Histoire d'un voyage, p. 223-224: "{...} quelques Truchements de Normandie, Qui aoyent demeuré huict ou neuf ans en ce pays-la, pour s'acommoder à eux, menans une vie d'Atheistes, ne se polluoyent pas seulement en toute sortes de paillardises & vilenies parmi les femmes & les filles, {...} mais aussi surpassans les sauvages en inhumanité, i'en ay ouy q se vantoyent d'avoir tué &mangé des prisonniers". Tradução, p. 201.
  • 20
    Idem, p. 71: "{... certains Normands} estoyent demeurés parmi les Sauvages, où vivans sans crainte de Dieu, ils paillardoyent avec les femmes & filles (comme j'en ay vu qui en avoyent des enfans ja aagez de quatre à cinq ans) tant dis-je pour reprimer cela, que pour obvier que nul de ceux qui faisoyent leur residence en nostre isle & en nostre fort n'en abusast de cette façon: Villegaignon, par l'advis du Conseil fist deffense à peine de la vie, que nul ayant titre de Chrestien n'hasbitast avec les femmes des Sauvages {...}" Tradução, p. 96.
  • 21
    Idem, p. 84: "{... nous} frequentions, mangions & beuvions parmi les Sauvages, lesquels sans comparaison nous furent plus humains que celuy {Villegaignon} lequel sans luy avoir meffait ne nous peut souffrir avec luy." Tradução, p. 102: "amiúde visitávamos os selvagens pelos quais éramos tratados com mais humanidade do que pelo patrício que gratuitamente não podia nos suportar, e comíamos e bebíamos entre eles."
  • 22
    Cf. Archivum Romanum Societatis Jesu, Bras. 8 I, f. 152. Quanto ao termo "geração"- assim como "nação" ou "linhagem" -, foi utilizado pelos portugueses, ao longo de todo o século XVI, para designar as diferentes "etnias" no âmbito da grande família tupi do Brasil. No contexto da passagem citada, o emprego da palavra "geração" parece igualmente remeter ao seu sinônimo "progenitura".
  • 23
    Idem.
  • 24
    É precisamente em termos da união de duas nações, a francesa e a tupinambá, que Clauded'Abbeville se expressa ao longo do seu relato, particularmente no prefácio.
  • 25
    Yves d'Evreux. Voyage dans le Nord du Brésil fait en 1613 et 1614. Leipzig & Paris: Librairie A. Franck, 1864, p. 39: "Les Indiens avaient coutume de donner leurs filles à leurs compères, celles-ci prennent dès lors le prénom de Marie et le nom du Français, pour désigner l'alliance avec tel Français, de sorte que dire 'Marie une telle', c'était autant dire la concubine d'un tel {...} Cette coutume de prendre les filles des Sauvages a été défendue aux Français et cela ne se fait plus, si ce n'est occultement."
  • 26
    Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 165 a 170 (tradução, pp. 126 a 129).
  • 27
    Idem, p. 169: "{...}ORDONNONS de ne commettre aucun adultère qu'il soit par amour ou par force avec les femmes des Indiens sur peine de la vie {...} & deffendons aussi la force envers les filles sur la mesme peine de la vie. ORDONNONS & deffendons à toutes personnes de quelque qualité qu'ils soient, de ne commettre aucune paillardise en quelque sorte avec les filles desdits Indiens {...}." Tradução, p. 128. Mais genérica e impessoal, a última dessas três "ordenações" interdita a qualquer pessoa "quaisquer roubos contra os índios, seja de suas roças, seja de outras cousas que lhes pertençam, sob as penas supra mencionadas".
  • 28
    O estabelecimento das leis no interior da colônia francesa do Maranhão se justifica, nospróprios termos de Claude d'Abbeville, por uma "estreita ligação entre a religião e a lei {...} em se mudando a religião e o ofício sacerdotal, mister se faz mudar-se a lei". Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 165 (tradução, p. 126).
  • 29
    Idem, p. 104 (tradução, p. 84). Não restam dúvidas, todavia, que alguns desses truchements gozaram de um prestígio perfeitamente legítimo junto à companhia francesa, como é o caso de Migan, um normando de Dieppe que coabitava há anos com os tupinambás e era grande conhecedor das tribos locais. Migan possuía um status sem dúvida significativo na França Equinocial, pois o vemos, por exemplo, assinar, junto dos lugartenentes-gerais, como testemunha da carta na qual La Ravardière expõe suas razões para retornar à França antes do término da expedição (Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 332; tradução, pp. 257-258).
  • 30
    Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 74: "Mais je m'estonne comme il se peut faire que vous autres Pay ne vouliez pas de femmes. Estes vous descendus du Ciel? Estes vous nays de Pere et Mere? Quoy donc! N'estes vous pas mortels comme nous? D'où vient que non seulement vous ne prenez pas de femmes ainsi que les autres François qui ont trafiqué avec nous depuis quelques quarente & tant d'annees. Mais encore que vous les empschez maintenant de se servir de nos filles: ce que nous estimions à grand honneur & un grand heur, pouvans en avoir des enfants?" Tradução, p. 63.
  • 31
    A importância da noção de "singularidade" é confirmada por uma série de títulos deobras francesas, como as de Claude d'Abbeville ou a de André Thevet, assim como por toda uma tradição cultural renascentista que atinge o seu ponto culminante com a obra deste último, guardião do "Cabinet des Singularitez du Roi aux Tuileries". Vide Frank Lestringant. Fortunes de la singularité à la Renaissance: le genre de l'Isolario. Studi francesi, no 84, anno XXVIII, fasc. III, set.-dez., 1984, pp. 415-436.
  • 32
    Título do capítulo XLVIII de Yves d'Evreux. Voyage dans le Nord du Brésil, pp. 188-193.33
    Idem: "l'infinité de jeunes gentilshommes qui n'ont rien que l'épée et le poignard pour fortune."
  • 34
    Idem: "Vous passeriez le temps tandis que votre coeur s'apaiserait et que votre jugement s'affermiarit, vous feriez service à Dieu et à votre roi en visitant cette Nouvelle France."
  • 35
    Idem, p. 192.
  • 36
    Idem: "... telles cotons, literies, les casses, les bois de diverses couleurs, la pite, les teintures de roucou, de cramoisi, les poivres longs, le lapis-lazuli, le cuivre, l'argent, l'or, les pierres précieuses, les plumasseries, les oiseaux de diverses couleurs, les singes et sapajous, et sourtout les sucres quand on aura dressé des moulins et planté des cannes." {"... tais como os algodões, camas de tecido, as madeiras de diversas cores, a pita, as tinturas de roucou, púrpura, as pimentas longas, o lápis lazúli, o cobre, a prata, o outro, as pedras preciosas, as plumas, os pássaros de diversas cores, os macacos sagüis e, sobretudo, os açúcares, quando se tiverem erguido moinhos e plantado canas."}
  • 37
    É muito provável que Yves d'Evreux estivesse se referindo, na passagem acima, à primei-ra expedição de 1612, ainda que ele não forneça qualquer precisão cronológica ou contextual. Esse tipo de observação se insere perfeitamente no âmbito "programático" de sua narrativa, que visa persuadir não somente o rei de França e "o leitor francês", aos quais se dirige, mas também qualquer comanditário ou colono da pertinência do sistema de escambo brasileiro. Quanto às mercadorias que foram objeto de troca quando dos primeiros contatos entre tupinambás e franceses em 1612, apontamos a passagem da carta de Pezieu "aos senhores seus parentes e amigos de França" (Brief Recueil, p. 8): "... nous croyons d'avoir tant de marchandises que nous avons apporté, que de celles dont M. du Manoir nous a accomodé suffisament, pour traiter & entretenir ce peuple, jusques au retour dudit sieur de Razilly. J'ay desja fait amitié avec les principaux d'entre-eux: mais li m'en coustrea des casaques, commençans desja à prendre goust à se vestir." {"...cremos possuir tanto as mercadorias que trouxemos, quanto aquelas de que o sr. du Manoir nos aprovisionou suficientemente, para tratar e entreter esse povo, até o retorno do referido senhor de Razilly. Ja fiz amizade com os principais dentre eles: mas isso me custará casacos, pois já começaram a tomar gosto de vestir-se."} Ele acrescenta (p. 9) que a necessidade "de mercadorias para ampliarem-se as relações e traficar com eles {índios}, apressou o retorno de Razilly {à França}." {"(La nécessité) de marchandises pour se dilater & trafficquer avec eux, a faict haster le retour de Razilly".}
  • 38
    Yves d'Evreux, Idem: "Ils n'ont rien voulu faire et ne feront rien tant que les Français n'auront rien à leur donner en récompense, car tel est leur naturel... Ils ne sont pas blâmables en cela, puisqu'en toute la chrétienté vous ne trouverez pas un seul homme qui veuille travailler pour rien."
  • 39
    O capítulo intitula-se "Instruções para aqueles que vão recentemente às Índias". Yvesd'Evreux. Op. cit., p. 195: "... ayez force couteaux à manche de bois dont usent les bouchers {...}, des ciseaux de malle en quantité, force peignes, miroirs, grains de verre de couleur pers qu'ils appellent rassade, serpes, haches, couperets, des chapeaux de petit prix, des manteaux, chemises, haut-de-chausses de friperie, de vieilles épées et qrquebuses de peu de coût. Ils font grand cas de tout ceci, et vous aurez le moyen d'avoir d'eux des esclaves et de bonnes marchandises." {"... tende muitas facas com cabo de madeira, daquelas de que se servem os açougueiros {...}, tesouras em quantidade, muitos pentes, espelhos, contas de vidro colorido que eles chamam rassade, foices, machados, cutelos, chapéus baratos, casacos, camisas, calções de loja de segunda mão, espadas e arcabuzes velhos de baixo custo. Eles {os selvagens} dão muito valor a tudo isso, e tereis os meios de obter deles escravos e boas mercadorias."}
  • 40
    Idem, p. 196.
  • 41
    Idem: "S'il y a nation au monde portée à faire bon accueil à ses amis nouvellement arrivés, à les recevoir dans les maisons pour les traiter aussi bien que possible, les Tapinambos envers les Français doivent tenir le premier rang{...}".
  • 42
    Idem, p. 197: "Voilà les navires de France qui viennent, se dit le sauvage, je ferai un bon compère: il me donnera des haches, des serpes, des couteaux, des épées et des vêtements; je lui donnerai ma fille, j'irai à la chasse et á la pêche pour lui, je ferai force cotons, je chercherai des aigrettes et de l'ambre pour lui donner {...}".
  • 43
    Essas páginas constituem, na verdade, o segundo ato de um diálogo franco-tupi, repro-duzido anteriormente por Jean de Léry em sua Histoire d'un voyage. O tema do escambo foi assim abordado por duas vezes nos relatos franceses sobre o Brasil, sob a forma de diálogo exemplar bilíngüe. Em Léry, ele aparece como uma suposta reprodução de uma prática freqüentemente repetida (os gestos do escambo estando estreitamente vinculados ao desenrolar desses diálogos). Em contrapartida, para Yves d'Evreux, a transcrição é menos o resultado de uma observação do que a divulgação de um "programa" a ser seguido. Vide também Jean de Léry. Histoire d'un Voyage, pp. 307 a 327.
  • 44
    Cf. André Thevet. Cosmographie Universelle. Paris: Guillaume Chaudière, 1715, p. 95: "Les navires seront quelquefois loing du lieu ou se fait la couppe, quatre ou cinq lieues, & tout proffit que ces pauvres gens ont de tant de peine, ce sera quelque meschant chemise, ou de la doublure de quelque accoustrement de peu de valeur." {"Os navios estarão por vezes distantes do local onde se faz o corte, a quatro ou cinco léguas, e tudo que essa pobre gente conseguirá em troca de tanto sacrifício, será uma camisa mal feita, ou o forro de alguma vestimenta de pouco valor."}
  • 45
    Cf. Patricia Olive Dickason. The Brazilian Connection: a Look at the Origin of French
  • 46
    Techniques for Trading with Amerindians. Revue Française d'Histoire d'Outre-Mer, t. LXXI (1984), nº 264-265, p. 129: "While concomitant for part of the sixteenth century with the fur trade of the north, this Franco-Brazilian trade had started earlier and peaked much sooner". É a tese proposta por Patricia Olive Dickason, art. cit., p. 129 a 146
  • 47
    Vide Ferdiand Denis. Une fête brésilienne. Bulletin du Bibliophile. Paris: Teuchner, 1849 e Afonso Arinos de Melo Franco. O Indio Brasileiro e a Revolução Francesa. As Origens Brasileiras da Bondade Natural. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976, 2a edição, pp. 46 a 53.
  • 48
    C'est la deduction du sumptueux ordre... A Rouen, Chez Robert le Hoy et Jehan dictz du Gord, {1551}. Eis a passagem citada, em sua integralidade: "... que les mariniers de ce pays ont accoustumé faire quand ils traictent avec les Brisiliens {...} lequel bois iceulx sauvages troquoient et permutoient aux mariniers dessusditz, en haches serpes et coings de fer, selon leur usage et leur maniere de faire. La troque et commerce ainsi faite, le boys etoit batellé par gondolles et esquiffes, en un grand navire à deux Hunes ou gabyes radiant sur ses ancres {...}: l'artillerie rangée par les lumières et sabortz en proue qu'en poupe et le long des escorttartz." {"...madeira essa que os selvagens trocavam e permutavam com os supracitados marinheiros, por machadinhas, foices e cunhas de ferro, segundo seu uso e sua maneira de fazer. Uma vez terminado o escambo e o comércio, a madeira era transportada por gôndolas e esquifes, até um grande navio de duas gáveas a cintilar seguro às âncoras {...}: nos navios de escolta, a artilharia alinhada pelas almas e portinholas, tanto na proa quanto na popa e ao longo de todo o comprimento."}
  • 49
    Na ordem do cortejo, uma batalha naval é simulada em seqüência à "cena dos brasilei-ros": uma nau é destroçada, conquistada e por fim abandonada às chamas. A hipótese de J.-M. Massa é a de que se trata de um combate franco-lusitano. Ele sugere que, aos olhos do embaixador de Portugal, convidado à festa real, a imagem dessa naumaquia(simulação de uma batalha naval) teria uma relação intrínseca com a "cena" brasileira que a precede. Cf. J.-M. Massa. Le monde lusobrésilien dans la Joyeuse Entrée de Rouen. Les Fêtes de la Renaissance. Paris: Editions du CNRS, 1975, tomo III, pp. 105 a 116.
  • 50
    Sobre o pergaminho encontra-se a inscrição "Esta carta foi realizada no Havre da Graçapor Pierre Devaulx, Piloto Geógrafo do Rei. Ano de 1613".
  • 51
    Pezieux, em seu Brief Recueil (op. cit., p. 21), fala explicitamente de alcançar o Peru pelos rios que atravessam a região das Amazonas.
  • 52
    Para mais detalhes, vide F. Lestringant. La littérature géographique du temps de HenriIV. Les lettres au temps de Henri IV. Colloque d'Agen-Nérac 1990. Pau: J. & D. Editions, 1991, p. 299.
  • 53
    A economia do escambo havia dado provas suficientes de prosperidade, pelo menos atéo início do século XVII, com o projeto colonial do Maranhão. Os termos do autor de um manuscrito anônimo conservado em Turim, que revela em detalhes os preparativos da expedição e seu contexto político-financeiro, exprimem uma certa preeminência do tráfico brasileiro sobre o canadense em 1612 e, de certo modo, sua maior "fiabilidade": "Plusieurs qui auoient suivi Poutrincourt au Canada ou ils n'auroient rien d'autre de quoi trafiquer que des castors et des fourrures, prirent ce parti comme plus apparent." {"Vários daqueles que teriam seguido Poutrincourt ao Canadá, onde nada mais teriam para traficar do que castores e peles, consideraram essa opção (a expedição do Maranhão) como mais atraente."}
  • 54
    Sobre o posicionamento pré-etnográfico de Jean de Léry, anterior à disciplina Etnografia, que data do século XIX, vide Michel de Certeau. Ethno-graphie. L'oralité ou l'espace de l'autre: Léry. L'Ecriture de l'Histoire. Paris: Gallimard, 1975, pp. 215-248. É possível também que essa postura pré-etnográfica se deva, em grande parte, a uma idealização do selvagem brasileiro, produto ulterior das tentativas abortadas de estabelecimento colonial. É a hipótese de grande pertinência proposta por Frank Lestringant em Le Huguenot et le Sauvage, p. 272.
  • 55
    Guy Martinière, em um artigo intitulado Henri IV e a França Equinocial. Actes du Colloque sur le 4e centenaire de l'avènement d'Henri IV, p. 439, discute, do ponto de vista político-econômico, os métodos de colonização frente aos tipos de relações humanas estabelecidas entre europeus e os índios do Brasil, e conclui: "A sorte desse humanismo francês frente aos índios se deve, portanto, a um duplo atraso da colonização francesa: um primeiro atraso que obriga a seduzir populações cujo território é considerado como conquistado pelo portugueses; um segundo atraso que se deve à continuidade de uma prática de troca baseada no escambo durante quase um século, enquanto os portugueses já carecem de uma mão de obra local disponível e numerosa para assegurar a produção de um novo ciclo exportador do Brasil, o açúcar, que sucede ao ciclo do pau-brasil."
  • 56
    Yves d'Evreux. Op. cit., p. 81. Ademais, como nos relatos de Léry ou de Claude, a argumentação de Yves d'Evreux sobre o "natural indígena" é acompanhada da crítica à sociedade ocidental. Assim, o extraordinário potencial de civilização dos tupinambás contrasta, sem dúvida, com o canibalismo, que o Padre Yves compara ao "erro de nossos franceses de se cortarem a garganta em duelo" {"l'erreur de nos Français de se couper la gorge en duel"}.
  • 57
    No próprio âmbito do catolicismo missonário, somos levados, ainda, a pensar o que a diferencia do posicionamento dos jesuítas portugueses.
  • 58
    Vide, neste caso, Manuela Carneiro da Cunha. Imagens de Indios do Brasil: o Século XVI. Estudos Avançados. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados, vol. 4, n. 10, set./ dez. 1990, pp. 91-110, que lança a seguinte conclusão: "Pelo fim do século {XVI}, estão consolidadas, na realidade, duas imagens de índios que só muito tenuamente se recobrem: a francesa, que o exalta, e a ibérica, que o deprecia. Uma imagem de viajante, outra de colono."
  • 59
    Pode-se citar, em oposição à tese da visão depreciadora do colonizador versus a visão tolerante do "estrangeiro" em relação ao índio, a reflexão mais pertinente e cuidadosa de Hélènes Clastres, no que diz respeito aos Capuchinhos franceses: "En Maranhão, là où ils venaient eux aussi en colonisateurs {sic}, les Français surent apparemment se montrer plus tolérants que les Portugais." Prefácio a Yves d'Evreux. Voyage dans le nord du Brésil. Paris: Payot, 1985, p. 14.
  • 60
    Manuel da Nóbrega. Diálogo sobre a conversão do gentio... Serafim Leite. Cartas dos primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo: Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1954, vol. II. No Diálogo de Nóbrega, os índios, embora descendentes legítimos de Cam e portadores de sua maldição, são convertíveis, quando superadas algumas das dificuldades que se impõem ao missionário. Estas dificuldades são oriundas, sobretudo, de seus costumes bárbaros e contra-natureza, sinais possíveis de fraqueza da memória e da vontade, mas não de falta de entendimento, segundo o Jesuíta. Apesar da aparência equívoca, resultante da dessemelhança de polícia de todos os gentios, pagãos e idólatras - fruto tão simplesmente de criação diversa, para Nóbrega -, o entendimento natural é extensivo a toda a humanidade, o que, segundo o Diálogo, torna accessível a graça aos tupinambás.
  • 61
    Jean de Léry. Op. cit.. pp. 230-261: "Ce qu'on peut appeler religion entre les Sauuages Ameriquains: des erreurs, ou certains abuseurs qu'ils ont entr'eux nommez Caraibes les detiennent: & de la grande ignorance de Dieu où ils sont plongez". Tradução, p. 205: "Religião dos Selvagens da América ; Erros em que são mantidos por certos trapaceiros chamados Caraíbas; ignorância de Deus."
  • 62
    Idem, pp. 260-261: "Dautant doncques quant à ce qui concerne la beatitude & felicité eternelle {...} nonbstant les sentiments que i'ay dit, qu'ils {les Tupinamba} en ont: c'est vn peuple maudit & delaissé de Dieu, s'il y en a un autre sous le ciel {...}, il semble qu'il y a plus d'apparence de conclure qu'ils soyent descendus de Cham {...}: il pourrait être aduenu (ce que ie di sous correction) que les Maieurs & ancestres de nos Ameriquains, ayans esté chassez par les enfans d'Israel de quelques contrees de ce pays de Chanaan, s'estan mis dans des vaisseaux à la merci de la mer, auroyent esté iettez & seroient abordez en ceste terre d'Amerique." Tradução, p. 221.
  • 63
    Idem, p. 120: "l'objet d'une malédiction particulière qui se surajoute à celle du péché originel commune à tous les hommes ."
  • 64
    Cf. Claude d'Abbeville, Histoire de la Mission, p. 7.
  • 65
    Este argumento aparece muito explicitamente no Prefácio da Histoire de la Mission, p.5v: "{Les Tupinamba} voulans fuir la cruauté & tyrannie de leurs ennemis ont esté contraincts de quitter leur patrie, & lieux de leur natiuité pour se refugier en ces isles maritimes, & lieux voisins de la mer où ils sont maintenant" Tradução, p. 16: "Os tupinambá, querendo fugir à crueldade & tirania de seus inimigos se viram forçados a deixar sua pátria, & as regiões em que nasceram para refugiarem-se nessas ilhas marítimas, & lugares vizinhos do mar onde estão agora..."
  • 66
    Idem, p. 94.
  • 67
    De fato, a condenação do selvagem brasileiro é parte integrante do conteúdo teológicodeste mesmo capítulo XVI. Léry teria adquirido esta cultura teológica com uma tintura de purismo, depois de seu retorno de Genebra, como afirma Frank Lestringant, Le Huguenot et le Sauvage. Paris: Aux Amateurs de Livres, 1990, p. 50. Vide também, do mesmo autor, Les Indiens antérieurs (1575-1615): Du Plessis-Mornay, Lescarbot, De Laet, Claude d'Abbeville . G. Therien (Org.). Les figures de l'Indien, Montréal: Université du Québec à Montréal, 1988, pp. 51-75.
  • 68
    Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 70: ".. privée non seulement de la belle lumière & de la connoissance de ce grand Toupan, mais aussi de la conversation des François."
  • 69
    Claude d'Abbeville. Op. cit.. p. 70-70v: "{...} i'ay grande esperance en ta bonté, & douceur: car tu me sembles avoir parmy ta façon guerriere, une façon douce, & d'un personnage qui nous gouvernera fort sagement; & te diray là dessus, que tant plus un homme est nay grand & avec de l'authorité sur les autres, d'autant doit il estre doux, gracieux & clement. Car les hommes, & principalement ceux de cette nation, se rangent plus facilement par la douceur, que par la violence." Tradução, p. 61.
  • 70
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 71v: "Ce n'est ny la beauté, ny les richesses de ton pays qui m'ont aménés icy {...} Mais seulement le désir que i'ay qu'apres vostre vie vos ames soient reservées de la damnation éternelle, & des tourmens de Ieropary comme aussi pour mettre vos corps, vos biens & vos familles hors d'aprehension de l'invasion de vos ennemis: voila les deux raisons qui m'ont induit à vous venir trouver." Tradução, p. 62.
  • 71
    Idem, pp. 68-69: "Ie suys tres ayse, vaillant guerrier de ce que tu es venu dans cette terre pournous rendre heureux, & nous defendre de nos ennemis. Nous commencions desia à nous ennuyer tous {...} & ja nous nous deliberions de quitter cette coste, & abandonner ce pays pour la crainte que nous avions des Pero (c'est à dire Portugais) nos mortels ennemis...". Tradução, p. 59.
  • 72
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 70-70v: "Pour mon regard i'ay touiours pratiqué cette maxime avec ceux sur lesquels i'ay eu commandement, & m'en suis bien trouvé. I'ay touiours aussi remarqué cette douceur parmy les François: que si nous eussions trouvé autres que bons, nous nous en fussions tous allés à travers les bois, où l'on eut sçeu nous suivre..." Tradução, p. 61.
  • 73
    Segundo F. Lestringant (Le Huguenot et le Sauvage), haveria um fantasma de identificação entre o huguenote e o selvagem, como bem sugere o título de seu livro.
  • 74
    Não é negligenciável o fato de que a Histoire d'un voyage tenha tido uma recepção notável, mesmo fora dos limites do partido huguenote. Frank Lestringant afirma, a partir do estudo do P. Dainville, que "la vogue de Léry contamine l'enseignement des Jésuites {...} lesquels quand il s'agit de faire cours sur les contrées lointaines des Cannibales, se réfèrent à l'hérétique auteur de l'Histoire de 1578 aussi bien qu'à son rival catholique {André Thevet}." Cf. F. Lestringant. Op. cit. p. 130. Visivelmente, o pessimismo de Léry quanto à conversibilidade dos selvagens e seu posicionamento anticolonial, expresso na virulência de seu ataque a Villegaignon, não bastaram para abalar as esperanças dos leitores mais fiéis de seu relato quanto a um futuro colonial francês na América.
  • 75
    A última edição da Histoire d'un voyage saiu 4 anos antes da publicação da Histoire de la Mission. Jean de Léry foi amplamente compilado por seus contemporâneos, protestantes e católicos, tais como Jacques-Auguste de Thou, La Popelinière, Marc Lescarbot e Gilbert Génébrard. Cf. F. Lestringant. Op. cit. p. 129. Quanto à recepção de Jean de Léry no período clássico, ver o Epílogo de F. Lestringant à edição do livro de Léry, Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil, Aubenas d'Ardèche, Presses du Languedoc/Max Chaleil Editeur, 1992, p. 231. Sobre o parentesco entre as obras de Jean de Léry e de Claude d'Abbeville, vide o artigo de Elena Semeria, Jean de Léry e Claude d'Abbeville: parentele e dipendenze. Studi Francesi. Anno XXX, fascicolo I. Torino: Rosenberg & Sellier Editori, gennaio-aprile 1986, pp. 65-71. Por vezes, as traduções dos trechos parafraseados, citados acima, são menos semelhantes em português, pelo caráter mutilador das traduções disponíveis que optamos por citar.
  • 76
    Jean de Léry. Op. cit.., p. 231: "Combien que cette sentence de Ciceron, assauoir qu'il n'y a peuple si brutal, ny nation si barbare et sauvage qui n'ait sentiment qu'il y a quelque Diuinité soit reçue et tenue {...} pour une maxime indubitable: tant y a neantmoins que quand ie considere {...} nos Tououpinambaoults de l'Amerique, ie me trouve aucunement empesché touchant l'application d'icelle en leur endroit. Car ils ne confessent ny adorent aucuns dieux celestes ny terrestres {...} ils ne prient par forme de religion ny en publique ny en particulier. {...} Ils ne distinguent point les iours par noms, ny n'ont acceptation de l'un plus que de l'autre: comme aussi ils ne content sepmaines, mois ny annees, ains seulement nombrent et retiennent le temps par lunes..." Tradução, p. 205.
  • 77
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 322: "Ie n'estime pas qu'il y ait aucune nation au monde laquelle ait esté sans aucune espece de religion sinon les Indiens Tupinamba, lesquels n'ont cy deuant adoré aucun Dieu, ny Coeleste ny terrestre {...} Ils n'ont iamais sceu que c'est ny de voeux, ny de prieres, ny d'oraison soit publique ou particulière. Ils content bien les lunes, mais n'en font distinction ny des sepmaines, ny des festes ou Dimanches." Tradução, p. 250.
  • 78
    Claude d'Abbeville utiliza, por vezes, as mesmas expressões que Jean de Léry para defi-nir alguns aspectos morais dos tupinambás. É o caso do exemplo da passagem dedicada às virtudes heróicas que fazem dos grandes guerreiros homens felizes, e dos "effeminez ou covards" homens entregues ao tormento do Diabo,Ieropary. Léry os havia definido, anteriormente, como "effeminez et geans de neant" e "effeminez et lasches de coeur". Claude d'Abbeville. Op. cit., p. 323 e Jean de Léry. Op. cit., p. 234 et 197. Cf. Elena Semeria, art. cit., p. 67.
  • 79
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 280: "Pour le regard des enfants des Indiens bien tost apres qu'ils sont naiz les peres les frottent de ces huiles et peintures, ainsi que nous avons dict cy deuant et puis ils les couchent dans des petits lits de cotton suspendus en l'air, sans iamais les emmailloter ny couurir aucunement. I'estime que c'est en partie pour cela qu'ils ne sont pas si suiects à estre courbez et contrefaicts ainsi que plusieurs de pardeçà qui sont des leurs naissances enserrez dedans leurs berceaux et toutes leurs vies dans des accoutrements si estroits, que la nature estant comme prisonnière et violentée, elle ne peut croistre qu'auec beaucoup de peine et de difficulté, d'où viennent tant de boiteux et bossus. Il n'en est pas ainsi des Indiens qui laissent croistre la nature auec toute liberté, aussi y a il le plaisir à voir principalement ces petits enfants." Tradução, p. 224.
  • 80
    Jean de Léry. Op. cit.., p. 266: "Comme aussi incontinent que le petit enfant est sorti du ventre de la mère, estant laué bien net, il est tout aussi peinturé de couleurs rouges et noires, par le père; lequel, au surplus, sans l'emmailloter, le couchant sur un lict de cotton pendu en l'air {...} Or, retournant à mon propos, quoy qu'on estime communnément par-deçà, que si les enfants, en leurs tendres et premieres ieunesse n'etoyent bien serrez et emmaillotez, ils seroyent contrefaits, et auroyent les iambes courbées: ie dis qu'encore que cela ne soit nullement obserué à l'endroit de ceux des Ameriquains {...} Il me semble, qu'il vaudroit mieux laisser au large les petits enfans gambader tout à leur aise parmi quelque façon de licts qu'on pourroit faire, dont ils ne sauroyent tomber, que de les tenir tant de cour. Et de fait, i'ay opinion que cela nuit beaucoup à ces pauures petites et tendres creatures d'estre ainsi, durant les grands chaleurs eschauffees, et comme à demi cuites, dans ces maillots où on les tiens comme en la gehenne." Tradução, p. 225-226.
  • 81
    Cf. F. Lestringant, Le Huguenot et le Sauvage, p. 130.
  • 82
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 270v°-271: "Plusieurs croyent que c'est une chose bien monstrueuse de voir ce peuple tout nud & qu'il y a bien de danger de frequenter parmy les filles et les femmes indiennes estans nues comme elles sont {...} mais en effect ie puis dire qu'il y a sans comparaison beaucoup moins de danger à voir la nudité des Indiennes que la curiosité des attraicts lubriques des Dames mondaines de la France... la nudité de soi n'estant peut estre si dangereuse ny si attrayante que sont les attisets lubriques auec les effrenés mignardises & nouuelles inuentions des Dames de par-deçà..." Tradução, pp. 216-217.
  • 83
    Jean de Léry. Op. cit.., p. 114: "Toutesfois {...} ce lieu-ci requiert que ie responde, tant à ceux qui ont escrit, qu'à ceux qui pensent que la frequentation entre ces sauuages tous nuds, et principalement parmi les femmes, incite à la lubricité et à la paillardise {...}. Cette nudité ainsi grossière en telles femmes est beaucoup moins attrayante qu'on ne cuideroit. Et partant, ie maintien que les attisets, fards, fausses perruques, cheueux tortillez grands collets fraisez, vertugales et autres infinies bagatelles dont les filles et femmes de pardeçà se contrefont {...} sont sans comparaison cause de plus de maux que n'est la nudité ordinaire des femmes sauvages." Tradução, p. 121. Sobre a questão do aleitamento materno, na perspectiva da crítica às sociedades ocidentais, a paráfrase também é verificada (Histoire d'un voyage, p. 267. Histoire de la mission, p. 281). Cf. E. Semeria. Op. cit., p. 69.
  • 84
    Vide o Prefácio de J. Lafaye à edição fac-similar da Histoire de la Mission, p. XXIII.
  • 85
    Vide o Epílogo de F. Lestringant. Op. cit., pp. 263 à 273, considerando-se o anacronismo da noção de "literatura" para o século XVI.
  • 86
    As expressões par-delà e par-deçà, dentro da lógica de composição circular dos relatos de viagem de língua francesa - particularmente os de Jean de Léry e de Claude d'Abbeville - correspondem respectivamente ao espaço americano e ao europeu. Note-se que os termos opostos par-deçà epar-delà, significando respectivamente França e Brasil, expressam toda a polaridade contida na análise da sociedade indígena e na crítica à sociedade ocidental européia, em Jean de Léry (e, na sua herança, em Claude d'Abbeville). Vide, sobre Léry, Michel de Certeau. Ethno-graphie. L'oralité ou l'espace de l'autre: Léry. L'Ecriture de l'Histoire. Paris: Gallimard, 1975, pp. 215-248.
  • 87
    Jean de Léry. Op. cit.., p. 94-95: "... les sauvages de l'Amerique habitans en la terre du Brésil {...} n'estans point plus grands, plus gros ou plus petits de stature que nous sommes en l'Europe, n'ont le corps ny monstrueux ny prodigieux à nostre esgard: bien sont ils plus forts, plus robustes et replets, plus dispos, moins suiets à maladie: et mesme il n'y a presque point de boiteux, de borgnes, contrefaits, ny maleficiez entre eux. Dauantage, combien que plusieurs paruiennent iusques à l'aage de cent ou six vingt ans {...} peu y en a qui en leur vieillesse ayent les cheueux ny blancs ny gris. Choses que pour certain monstrent non seulement le bon air & bonne température de leur pays, {...} mais aussi {...} le peu de soin et de souci qu'ils ont des choses de ce monde. Et de fait, {...} tout ainsi qu'ils ne puisent, en façon que ce soit, en ces sources fangeuses, ou plustost pestilentiales, dont decoulent tant de ruisseaux qui nous rongent les os, succent la moele, attenuent le corps, & consument l'esprit: brief nous empoissont & font mourir par-deçà, deuant nos iours: assauoir, en la desfiance, en l'auarice qui en procede, aux procez et brouilleries, en l'enui et l'ambition, aussi rien de tout cela ne les tourmente, moins les domine & passionne". Tradução, pp. 111-112.
  • 88
    Claude d'Abbeville. Op. cit.., p. 287: "{Les Indiens Toupinamba...} estan tous naturellement d'une belle taille et des mieux proportionez, partie pour la temperature du pais, partie à la raison qu'ils ne sont forcez ny violentez ou contraincts comme les Mignons de par-deçà, par des habits qui les serrent {...} vous ny en voyez presque point de borgnes entre eux, ny d'aueugles, ny de bossus, ny de boiteux ou autres contrefaits par quelque deformité {...} Ils sont merveilleusement alaigres & dispos & beaucoup plus forts & robustes sans comparaison que sont les plus forts de par-deçà. Ils ne sont pas valetudunaires ny malsains {...} Ne voyons nous pas plusieurs maladies arriver à beaucoup de personnes de cholere, de tristesse de crainte & d'autres affections dereglées? Combien y en a il qui tombent en diuerses infirmitez par l'air corrompu & par une trop grande repletion, particulièrement par la violence de vin pris par excès & immoderement? {...} Mais en ce pais là ils ne sont ordinairement maleficiez ou accidentez, {...} au contraire ils sont de bonne & forte complexion... L'air y est si salubre qu'ils ne meurent guere que de vieillesse & par le deffaut de nature plust tost que par quelque maladie, vivans pour l'ordinaire cent, six vingt ou sept vingt ans." Tradução, p. 211.
  • 89
    O relato de Claude d'Abbeville foi publicado numa edição bastante luxuosa, em 1614. A proximidade das datas do Privilégio Real (24 de janeiro de 1614) e das Aprovações do Padre Provincial dos Capuchinhos de Paris (17 de janeiro), do Primeiro Definidor do Convento dos Capuchinhos (23 de janeiro) e do Comissário Provincial da Missão das Índias Ocidentais (23 de janeiro), levam-nos a afirmar as condições apressadas de publicação do livro, num contexto de "propaganda" da missão do Maranhão, em vista da obtenção do apoio necessário - financeiro, logístico e material - por parte da Coroa e dos investidores, para a saída de uma segunda expedição rumo ao Maranhão.
  • 90
    Vide o Epílogo de Frank Lestringant a Histoire d'un voyage, p. 242, e do mesmo autor, Le cannibalisme des cannibales. De Montaigne à Malthus. Bulletin de la Société des Amis de Montaigne, VIe série, n. 11-12, juillet-décembre 1982, pp. 19-38.
  • 91
    Segundo Lestringant, "par son portrait du Bon Sauvage Tupinamba, Léry anticipe les conquêtes politiques et morales de ses coreligionnaires, et contribue puissament à la propagande du groupe de pression huguenot dans les divers pays d'Europe du Nord" (F. Lestringant. Le Huguenot et le Sauvage, pp. 127-128). No entanto, nos anos 1580, teria havido, ainda segundo Lestringant, uma guinada em direção a uma política colonizadora protestante. Foi então que, nos meios reformados, o mito do selvagem convertível desenvolveu-se conjuntamente ao do Espanhol cruel e usurpador.
  • 92
    F. Lestringant, Prefácio a Jean de Léry, Histoire d'un voyage, p. 11. O anti-colonialismo de Léry leva-o a pôr em causa o direito de ocupação e de colonização das terras americanas, como afirma Lestringant: "C'est pour cette raison que Léry apparaît en définitive comme un anti- colonialiste: l'Indien étant inconvertible, ainsi que l'échec de la colonie française du Brésil l'a montré, les Espagnols et les Portugais n'ont aucun droit à occuper ses terres sous prétexte d'évangélisation. A l'instar de ses coreligionnaires, Léry adhère sans restriction à la "leyenda negra" anti-espagnole, tirée par le parti huguenot des écrits du Dominicain Bartolomé de Las Casas. Léry peut bien dénoncer les horreurs commises au nom de la croix. Dans le moment même où il est écarté du rachat, l'autre est protégé dans son intégrité physique."
  • 93
    Vide Frank Lestringant, Prefácio a J. de Léry, Histoire d'un voyage, p. 11.
  • 94
    "Claude d'Abbeville, Capucin indigne et Indien pour le présent."
  • 95
    Vide Daher, A. Les Singularités de la France Equinoxiale. Histoire de la mission des pères capucins au Brésil (1612-1615). Paris: Honoré Champion, 2002, pp. 241-249.
  • 96
    Em Jean de Léry, no oposto, a danação do selvagem e o respeito obsessivo de sua inte-gridade física e moral são proporcionais ao fracasso da tentativa de colonização francesa do Rio de Janeiro. Lestringant afirma, além disso, que se a Histoire d'un voyage "a pu être considéré au XXe siècle comme le 'bréviaire de l'ethnologue' {cf. Claude Lévi-Strauss. Tristes Tropiques. Paris: Plon, 1955, p. 89}, c'est précisément parce qu'il n'est pas un manuel d'évangélisation, moins encore un précis de colonisation" (F. Lestringant. Le Huguenot et le Sauvage, p. 49).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2002
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