Acessibilidade / Reportar erro

A narrativa histórica entre a vida e o texto: apontamentos sobre um amplo debate

Resumos

Termos como poética, retórica e narrativa têm aparecido com certa constância nas discussões sobre a natureza do conhecimento histórico, refletindo não apenas preocupações mais antigas acerca das especificidades da história, mas também os novos contornos do debate sobre a narrativa histórica das últimas décadas do século passado. Tendo em vista o tratamento do tema por diversos e importantes autores das humanidades, propõe-se uma releitura que destaca como as reflexões já existentes nesse campo têm repercutido um redirecionamento mais geral das interrogações teóricas sobre a disciplina, sobretudo quando a narrativa é concebida como elemento da vida humana que ultrapassa a dimensão da produção textual. Pensado de forma mais profunda, o debate sobre a narrativa indica como as reflexões sobre a natureza do conhecimento histórico dificilmente podem ficar restritas ao plano estritamente epistemológico, muito menos negligenciá-lo.

epistemologia da história; narrativa; retórica; poética; hermenêutica.


Terms such as poetics, rhetoric, and narrative have been found rather frequently in discussions of the nature of historical knowledge, reflecting not only past concerns about specificities of history, but also the new contours of the discussion of historical narrative in the last decades of the 20th century. Based on the treatment of this topic by renowned humanities scholars, we propose a rereading emphasizing how the existing thoughts on this field have resulted in a broad redirection of the theoretical questions related to this discipline, especially when the narrative is conceived as an element of human life, going beyond the boundaries of text production. A deeper reflection on the discussion of narrative suggests that considerations on the nature of historical knowledge can hardly be restricted to or neglect the existence of a purely epistemological plane.

epistemology of history; narrative; rhetoric; poetics; hermeneutics.


Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

  • 1
    ARISTÓTELES. Poética. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a tarefa do historiador (1821). In: MARTINS, Estevão de R. A história pensada: teoria e método na historiografia europeia do século XIX. São Paulo: Contexto, 2010. p. 82-100.
  • 2
    O afastamento da história em relação à retórica, segundo Reinhart Koselleck, marcaria já o século XVIII, acompanhando a constituição do conceito moderno de história (indicamos o século XIX pelo aguçamento dessa tendência). Para o autor, uma profunda mudança na sempre tensa relação entre Histórica (Historik, no sentido dado por Droysen, do estudo das condições de possibilidade do conhecimento histórico) e Poética também caracterizaria o período, tendo em vista as unidades fundadoras de sentido que passaram a conferir conteúdo épico às filosofias da história, invertendo o teor mais ou menos filosófico atribuído a cada uma delas desde Aristóteles. KOSELLECK, Reinhart. historia/Historia. Madri: Editorial Trotta, 2004. p. 47-59.
  • 3
    BENTIVOGLIO, Julio. Apresentação. In: DROYSEN, Johann G. Manual de teoria da história. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 17.
  • 4
    A primeira edição da obra de Hayden White é de 1973. Aqui, utilizaremos a seguinte edição brasileira: WHITE, Hayden. Meta-história. A imaginação histórica no século XIX. São Paulo: Edusp, 1992. Os livros de Michel de Certeau, Paul Veyne e Paul Ricœur mencionados são, respectivamente, A escrita da história, Como se escreve a história. Foucault revoluciona a história em Tempo e narrativa.
  • 5
    Ibidem.
  • 6
    KELLNER, Hans. Language and historical representation. Madison: University of Wiscosin Press, 1989.
  • 7
    VICO, Giambattista. Ciência nova. São Paulo: Hucitec, 2010.
  • 8
    Isaiah Berlin destacou como um dos maiores infortúnios de Vico o fato de ter se tornado mais conhecido por sua tese dos ciclos de desenvolvimento das "nações", tida como seu "menos interessante, plausível e original ponto de vista". BERLIN, Isaiah. Vico e Herder. Brasília: UnB, 1982. p. 68. Argumentação semelhante pode ser vista em GARDNER, Patrick. Teorias da história. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. p. 11-15.
  • 9
    WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 47 (nota 13).
  • 10
    SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística estrutural. São Paulo: Cultrix, 1997. A primeira edição da obra é de 1916.
  • 11
    Consultar o importante texto de Roman Jakobson, Linguística e poética, citado por Hayden White (Meta-história, op. cit. p. 46, nota 13). JAKOBSON, Roman. Linguística e poética. In: _____. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 2005.
  • 12
    DOSSE, François. História do estruturalismo: o campo do signo. Bauru: Edusc, 2007. v. 1, p. 12 ss.
  • 13
    LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970. p. 47.
  • 14
    Entre os autores citados por White estão também Lucien Goldmann, Roland Barthes, Michel Foucault e Jacques Derrida (este último, segundo François Dosse, que o caracteriza como "ultraestruturalista", é geralmente apontado como pós-estruturalista pelos norte-americanos). Ver, respectivamente, WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 19 (nota 4). DOSSE, François. História do estruturalismo: o canto do cisne. Bauru: Edusc, 2007. v. 2, p. 33 ss.
  • 15
    WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 46 (nota 13).
  • 16
    Para Jakobson, a poética era parte da linguística como teoria dos signos verbais que, por sua vez, faria parte da semiótica, enquanto teoria geral dos signos. Sua perspectiva pretendeu conjugar a análise linguística com a teoria literária, propondo um estudo da literatura (enquanto forma específica de linguagem verbal) a partir da função poética da linguagem, ou seja, a função da linguagem enquanto dirigida ao próprio signo e não ao significado (função de comunicação). JAKOBSON, Roman. Linguística e poética, op. cit. BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 2007.
  • 17
    Sobre a sinédoque e a ironia como formas de metonímia no sistema de Jakobson, ver WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 46 (nota 13). Para uma análise do romance realista no século XIX, ver BARTHES, Roland. O efeito de real. In: _____. O rumor da língua. Lisboa: Edições 70, 1984. p. 131-136.
  • 18
    WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 18 (nota 4).
  • 19
    Ibidem.
  • 20
    Ver, entre outros, GINZBURG, Carlo. Provas e possibilidades à margem de "Il ritorno de Martin Guerre" de Natalie Zemon Davis. In: _____. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991. p. 179-202.
  • 21
    WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 46 (nota 13).
  • 22
    Idem, p. 52.
  • 23
    É interessante lembrar a ironia de Fernand Braudel sobre as pretensões de Lévi-Strauss em fins dos anos 1950, quando o historiador francês lançou interrogações sobre o objetivo universalista da antropologia estrutural de elaborar uma espécie de "código Morse", que passaria, até mesmo, pela cozinha, na análise dos "gostemas". BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: _____. História e ciências sociais. Lisboa: Presença, 1972. p. 30.
  • 24
    Ver as considerações de Paul Ricœur publicadas em LIMA, Luiz Costa (Org.). O estruturalismo de Lévi-Strauss. Petrópolis: Vozes, 1970.
  • 25
    LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 2005.
  • 26
    KELLNER, Hans. Language and historical representation, op. cit.
  • 27
    "My principal contention here has been that the four-trope system of renaissance rhetoric (...) also possesses an inherent narrativity. In familiar structuralist terms, these tropes are paradigmatic as figures of words, but become syntagmatic when they are inflated into figures of thought or even philosophies of history. The curriculum of mind thus becomes a diachronic course as it strives to grasp its concepts by re-rendering them in succession, metaphorically, metonymically, synecdochically, and ironically. The nature of the these successive changes seems unmediated, catastrophically sudden and discontinuous". KELLNER, Hans. Language and historical representation, op. cit. p. 250.
  • 28
    A visão do desenvolvimento histórico elaborada por Vico conjugaria um caráter "teísta" com um "humanismo historicista", segundo Isaiah Berlin, pois ele seria apresentado tanto como atributo da Providência quanto do trabalho criativo e autotransformador dos homens (o autor chega a compará-la com a noção de "Artifício da Razão", de Hegel, mas indica que seria equivocado antecipar sua visão como dialética). BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, op. cit. p. 82.
  • 29
    LACAPRA, Dominick. History & criticism. Ithaca; Londres: Cornell University Press, 1985. p. 34.
  • 30
    Sobre o assunto, consultar também KRAMER, Lloyd S. Literatura, crítica e imaginação histórica: o desafio literário de Hayden White e Dominick LaCapra. In: HUNT, Lynn (Org.). A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 131-173.
  • 31
    "The problem of subjective relativism in White's 'poetics' of historiography stemmed a neo-idealist and formalist conception of the mind of the historian as a free shaping agent with respect to an inert, neutral documentary record (itself something like a cultural analogue of Kant's 'sensuous manifold'). This view tended to obscure both the way people in the past lived, told, and wrote 'stories' and the way the documentary record is itself always textually processed before any given historian come to it. Historians in this sense are confronted with phenomena that pose resistances to their shaping imagination and that present complex problems for their attempt to interpret and reconstruct the past". LACAPRA, Dominick. History & criticism, op. cit. p. 35.
  • 32
    Sobre as críticas de Jacques Derrida a Michel Foucault, Claude Lévi-Strauss e Jacques Lacan, ver DOSSE, François. História do estruturalismo: o canto do cisne, op. cit. v. 2, p. 33 ss.
  • 33
    WHITE, Hayden. Meta-história, op. cit. p. 44.
  • 34
    Roger Chartier criticou esse descentramento do sujeito (no caso, do historiador) operado por White, indagando se as diferentes relações que cada época histórica manteria com a retórica, inclusive no que diz respeito ao uso mais consciente dos mecanismos figurativos da linguagem, não se traduziria num maior controle das formas de construção de sentido pela narrativa. CHARTIER, Roger. Figuras retóricas e representações históricas. In: _____. À beira da falésia. A história entre certeza e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002. p. 101-116. Paul Ricœur, entretanto, tende a perceber esta como uma crítica menos relevante, que não considera a importância do empreendimento de White como um todo e a possibilidade de conceber de forma dialética essa relação entre estrutura e liberdade do historiador, ou seja, "de uma codificação que funciona ao mesmo tempo como um constrangimento e como um espaço de invenção". RICœUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007. p. 266. Mesmo o sistema teleológico Vico, vale destacar, pressupunha um aumento do controle no uso da língua, identificando o período "humano" como aquele no qual "os homens são senhores absolutos" da linguagem. VICO, Giambattista. Apud. BERLIN, Isaiah. Vico e Herder, op. cit. p. 55.
  • 35
    Existe uma enorme literatura sobre os limites da representação histórica do Holocausto, que não cabe citar aqui. O principal texto de White nesse plano, publicado na importante coletânea organizada por Saul Friedlander (Probing the limits of representation. Nazis and the "Final Solution"), assim como as críticas de Ginzburg, foram traduzidos e publicados em MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.
  • 36
    WHITE, Hayden. Enredo e verdade na escrita da história. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita, op. cit. p. 191-210.
  • 37
    CHARTIER, Roger. Figuras retóricas e representações históricas, op. cit.
  • 38
    ANKERSMIT, Frank. Historicismo, pós-modernismo e historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita, op. cit. p. 95-114.
  • 39
    39 Sobre a noção de "história efeitual", ver GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 2008. v. 1, p. 397 ss.
  • 40
    Ibidem, p. 100.
  • 41
    Derrida elaborou a categoria "différance" para caracterizar esse deslocamento ao mesmo tempo espacial e temporal do significado. DOSSE, François. História do estruturalismo: o canto do cisne, op. cit. v. 2, p. 33 ss. DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004.
  • 42
    Se tal aspecto parece claro no caso de Derrida e sua "gramatologia", também no de Gadamer suas preocupações se fundamentavam, de fato, numa descrição de caráter fenomenológico do ato compreensivo, remetendo para o papel da consciência histórica na vida humana efetiva e ultrapassando, portanto, delimitações fundadoras de uma historiografia renovada (o que não quer dizer, é claro, que suas reflexões filosóficas não tivessem consequências importantes para a historiografia, mas apenas que o problema enfrentado ultrapassava qualquer conteúdo programático de uma "nova historiografia" que se queira buscar nas suas obras). Reinhart Koselleck, procurando diferenciar a "teoria da compreensão" de Gadamer da teoria da história, indicaria que a primeira teria, antes, um "estatuto histórico-ontológico", que tenderia, inclusive, a englobar a historiografia como parte de uma reflexão filosófica muito mais ampla. KOSELLECK, Reinhart. L'expérience de l'histoire. Paris: Gallimard; Le Seuil, 1997. p. 193-194.
  • 43
    ANKERSMIT, Frank. Historicismo, pós-modernismo e historiografia, op. cit. p. 101.
  • 44
    Ibidem, p. 201.
  • 45
    Ibidem, p. 101. Uma crítica à obra O queijo e os vermes é feita por um dos autores que Ankermist identifica como um dos principais modelos de historiografia pós-moderna. LACAPRA, Dominick. The cheese of the worms: the cosmos of a twentieth-century historian. In: _____. History & criticism, op. cit. p. 45-69.
  • 46
    Nietzsche remeteu-se à aula inaugural de Schiller na Universidade de Jena, em maio de 1789, que assim se referiu ao trabalho do historiador: "Um após o outro, os fenômenos começam a escapar do acaso cego, da liberdade sem lei, para inserir-se harmoniosamente num todo coerente - que só existe na verdade na sua imaginação". NIETZSCHE, Friedrich. II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida. In: _____. Escritos sobre história. Rio de Janeiro; São Paulo: PUC-Rio; Loyola, 2005. p. 122. Jörn Rüsen atribui a Max Weber essa visão de que o passado, em si, seria caótico, não contendo qualquer sentido, a não ser pela construção subjetiva do historiador. RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Brasília: UnB, 2001. p. 68 e 107.
  • 47
    Uso aqui a palavra sentido com significado amplo, que ultrapassa sua caracterização apenas como um ato cognitivo.
  • 48
    Sobre o assunto, consultar PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 2006.
  • 49
    Segundo Richard Palmer, a palavra Erlebnis, como substantivo singular (advindo do verbo erleben), era praticamente inexistente no alemão antes de Dilthey, que a teria buscado na obra de Goethe e passou a utilizá-la de forma bastante específica, para designar um campo de experiência pré-reflexiva que seria objeto fundamental da filosofia alemã no século XX. PALMER, Richard. Hermenêutica, op. cit. p. 113-115. Nas traduções para o português, além de "experiência vivida" (fórmula utilizada na tradução do livro de Palmer), é comum encontrar Erlebnis traduzido apenas como "experiência" ou "vivência".
  • 50
    Para Dilthey, esse nível elementar de experiência que constituiria a vivência não poderia ser abarcado pelas categorias lógicas das ciências naturais, assim como passaria do estágio individual para o coletivo a partir da compreensão, base hermenêutica da experiência humana no mundo: "Se experimentamos, assim, nas vivências, a realidade da vida na multiplicidade de suas referências, então, visto assim, parece ser sempre de fato somente um singular, a nossa própria vida, sobre a qual sabemos por meio do vivenciar. Ele permanece um saber sobre algo único e nenhum recurso lógico pode superar a limitação contida no modo de experimentar próprio do vivenciar. Somente a compreensão suspende a característica da vivência individual, assim como confere às vivências pessoais o caráter de experiência de vida. Assim como se estende a muitos homens, a criações espirituais e a sociedades, ela amplia o horizonte da vida individual e abre nas ciências humanas o caminho que conduz ao universal por meio do comum." DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas. São Paulo: Unesp, 2010. p. 102 (grifos meus).
  • 51
    Como apontou Maria Nazaré Amaral, para Dilthey, não faria sentido se interrogar sobre a existência de uma realidade exterior ao sujeito. AMARAL, Maria Nazaré de C. P. Dilthey: um conceito de vida e uma pedagogia. São Paulo: Perspectiva, 1987. _____. Dilthey: conceito de vivência e os limites da compreensão nas ciências do espírito. Trans/Form/ Ação, Marília, v. 27, p. 51-73, 2004. Hans U. Gumbrecht, dialogando com a filosofia heideggeriana, tem se voltado contra a redução dos estudos humanísticos aos elementos dotados de significação e propõe uma abordagem que, sem desconsiderar a produção de sentido, se fundamenta nos fenômenos de presença, compreendidos como aquilo que opera sobre o sujeito anteriormente a qualquer apreensão significante. Seria interessante confrontar a noção de presença com esse nível elementar de vivência destacado por Dilthey, que se relaciona com qualquer "impulso" que os objetos ou outros homens produzem sobre o sujeito que compreende: "Não há homem algum, nem coisa alguma que possa funcionar apenas como objeto para mim e não contenha em si uma pressão ou um fomento, a meta de uma aspiração ou o cerceamento da vontade, uma importância, uma exigência de consideração e uma proximidade interior ou uma resistência, uma distância e uma estranheza. A concernência vital, seja ela restrita a um momento dado, seja ela duradoura, transforma esses homens e esses objetos para mim em portadores de felicidade, em ampliação de minha existência, em elevação de minha força ou, então, eles restringem nesse interesse o campo de jogo de minha existência, exercendo uma pressão sobre mim e diminuindo a minha força". DILTHEY, Wilhelm. A construção do mundo histórico nas ciências humanas, op. cit. p. 90 (grifos meus). GUMBRECHT, H. U. Produção de presença. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2010.
  • 52
    Sobre noção de "mundo da vida" em Husserl, ver os textos de Alfred Schutz em WAGNER, Helmut (Org.). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
  • 53
    RICŒUR, Paul. Tempo e narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2010/2011. 3 v.
  • 54
    Clifford Geertz talvez seja o nome mais lembrado nesse caso, mas vários autores têm dialogado com as bases fenomenológicas e hermenêuticas dos estudos de pensadores como Max Weber e Edmund Husserl para formular propostas semelhantes de abordagem. Ver, por exemplo, as concepções de Alfred Schutz, retomando ideias de E. Husserl e Henri Bergson, ou, mais recentemente, tentativas de mapear um campo de estudos das culturas políticas a partir da influência da sociologia compreensiva weberiana por Daniel Cefaï: WAGNER, Helmut (Org.). Fenomenologia e relações sociais, op. cit.; CEFAÏ, Daniel. Expérience, culture et politique. In: _____. (Dir.). Cultures politiques. Paris: PUF, 2001. p. 93-116.
  • 55
    CARR, David. Time, narrative and history. Bloomington: Indiana University Press, 1986.
  • 56
    A palavra "passiva" deve ser tomada no sentido de experiências menos reflexivas, já que a proposta de Carr é justamente demonstrar que, mesmo nesses casos, a consciência é "ativa" em sua estrutura de temporalidade. CARR, David. Time, narrative and history, op. cit.
  • 57
    Ibidem, p. 15 ss.
  • 58
    Idem. (tradução livre)
  • 59
    Richard Palmer aponta esse direcionamento para uma perspectiva cada vez mais idealista e transcendental em Edmund Husserl. PALMER, Richard. Hermenêutica, op. cit.
  • 60
    Noções como recepção, na perspectiva de Ricœur, têm que ser compreendidas num sentido semelhante ao dado por Michel de Certeau à categoria "apropriação", pela qual o sujeito que se depara com qualquer tipo de produção cultural nunca é apenas passivo, elaborando sempre novos significados que, inclusive, historicizam a produção de sentido. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994/1996. 2 v.
  • 61
    Paul Ricœur toma a expressão "operação historiográfica" do conhecido texto de Michel de Certeau de mesmo nome.
  • 62
    Além de Paul Ricœur, essa é uma crítica recorrente, que aparece em trabalhos de Roger Chartier, Carlo Ginzburg, Jörn Rüsen, entre muitos outros, o que torna desnecessária qualquer citação mais pormenorizada.
  • 63
    RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007. A categoria já aparece em Tempo e narrativa, mas discutiremos aqui considerando mais estritamente o modo como é apresentada nesta obra posterior.
  • 64
    Ibidem, p. 294-296 (nota 76).
  • 65
    Ibidem, p. 296. (grifo meu)
  • 66
    Vamos nos basear aqui, principalmente, nas ideias de Rüsen como expostas na trilogia: RÜSEN, Jörn. História viva. Brasília: UnB, 2007. _____. Reconstrução do passado. Brasília: UnB, 2007. _____. Razão histórica, op. cit.
  • 67
    Martin Wiklund destacou que, para Rüsen, as experiências passadas também imporiam aos historiadores determinadas formas de compreensão e interpretação: "(...) há dados pré-narrativos de sentido [Sinn-Vorgaben] no mundo da vida e no passado aos quais toda narrativa precisa estar relacionada. Estes dados de sentido podem ser relacionados aos vestígios do passado que 'falam' conosco e que exigem interpretação (...). Quando dados históricos de sentido nos contam algo, trata-se do oposto de nossa instrumentalização do passado". WIKLUND, Martin. Além da racionalidade instrumental: sentido histórico e racionalidade na teoria da história de Jörn Rüsen. História da historiografia, n. 1, p. 39, ago. 2008. Disponível em:<www.ichs.ufop.br/rhh/index.php/revista/index> Acesso em: <www.ichs.ufop.br/rhh/index.php/revista/index> 15 jan. 2012.
  • 68
    Consultar, sobretudo, o capítulo 3 do primeiro livro da trilogia (Razão histórica).
  • 69
    Consultar, sobretudo, o capítulo 1 do terceiro livro da trilogia (Razão viva).
  • 70
    Esse ponto demarca uma diferença importante entre as perspectivas de Rüsen e Gadamer, já que, para este último, a consciência histórica se confundiria sempre com a própria tradição. Segundo Rüsen: "É sabido que Gadamer opõe os resultados cognitivos da compreensão contra a racionalidade metódica da ciência da história. Não obstante, a compreensão não só pode ser pensada como processo de pesquisa, no contexto sistemático de regulação pela heurística, pela crítica e pela interpretação, como também só pode ser realizada na prática". RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado. Brasília: UnB, 2007. p. 138. Consultar também CALDAS, Pedro S. P. Hans-Georg Gadamer e a teoria da história. Revista de História (UFES), v. 24, p. 63, 2010.
  • 71
    Anthony Grafton também criticou as análises que caracterizam a historiografia apenas a partir de sua dimensão retórica, desconsiderando como a pesquisa interfere na construção de uma narrativa específica. Seu argumento, inclusive, é que o uso corrente de notas de rodapé teria demarcado a especificidade da história moderna como uma nova forma literária: "a história da nota de rodapé mostra que a forma da narrativa histórica sofreu repetidas mutações nos últimos séculos. (...) A história da pesquisa histórica e da retórica histórica, em suma, não podem ser separadas: até mesmo os esforços mais bem informados para fazê-lo distorcem os desenvolvimentos que buscam esclarecer". GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição: pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Campinas: Papirus, 1998. p. 189.
  • 72
    Ver, especialmente, o capítulo 2 do já citado A memória, a história, o esquecimento.
  • 73
    BENTIVOGLIO, Julio. Apresentação. In: DROYSEN, Johann G. Manual de teoria da história, op. cit. p. 20. Sobre o assunto, consultar também CALDAS, Pedro. Que significa pensar historicamente: uma interpretação da teoria da história de Johann Gustav Droysen. Tese (doutorado em história) - Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
  • 74
    Na verdade, Koselleck coloca em dúvida se uma "análise da existência" poderia dar conta das "estruturas temporais intersubjetivas da história". KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 363.
  • 75
    KOSELLECK, Reinhart. L'expérience de l'histoire. Paris: Gallimard; Le Seuil, 1997. p. 182.
  • 76
    Ibidem, p. 193.
  • 77
    KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado, op. cit. p. 188.
  • 78
    Consultar CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 107.
  • 79
    A relação entre a prática historiográfica e os rituais cívicos (inclusive, os funerais dos "grandes homens") é discutida por Fernando Catroga em vários trabalhos. Ver, especialmente, CATROGA, Fernando. Ritualizações da história. In: _____; TORGAL, Luís Reis; MENDES, José Amado. História da história em Portugal (séculos XIX-XX): da historiografia à memória histórica. Lisboa: Temas & Debates, 1998. p. 221-361.
  • 80
    OZOUF, Mona. A festa sob a Revolução Francesa. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 217-231. _____. La fête révolutionnaire, 1789-1799. Paris: Gallimard, 1976. Discuti algumas concepções sobre a relação entre a história e os rituais cívicos em MARCELINO, Douglas Attila. Os funerais como liturgias cívicas: notas sobre um campo de pesquisas. Revista Brasileira de História, v. 31, n. 61, São Paulo, 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2012

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2012
  • Aceito
    26 Maio 2012
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, n. 1., CEP 20051-070, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel.: (55 21) 2252-8033 R.202, Fax: (55 21) 2221-0341 R.202 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: topoi@revistatopoi.org