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História, historiadores e a pandemia de COVID-19

Historia, historiadores y la pandemia del covid-19

RESUMO

Esse artigo apresenta, a partir de uma provocação a nove historiadoras e historiadores de diferentes instituições e países, o impacto da pandemia sobre o seu ofício e sobre o campo da história. As suas reflexões foram desenvolvidas a partir de três perguntas: (1) De que maneiras viver sob a pandemia atual afetou seus escritos ou sua reflexão histórica? Isso trouxe novas questões à tona ou o incentivou a repensar alguns de seus trabalhos anteriores?; (2) (Como) os historiadores devem se envolver nos assuntos públicos relacionados ao contexto pandêmico atual? Os historiadores devem se envolver na formulação de políticas públicas? É apropriado que os historiadores desempenhem papéis ativos na mídia ou devemos recuar e deixar que nossas publicações falem por si mesmas?; (3) Que temas históricos, perspectivas e tópicos estão ausentes na historiografia publicada / produzida durante esses anos de pandemia? Quais textos ou tipos de trabalho você mais apreciou?

Palavras-chave:
História; pandemia; comunicação científica; saúde; profissão

RESUMEN

El artículo presenta, a partir de una provocación a nueve historiadores de diferentes instituciones y países, el impacto de la pandemia y su oficio, y sobre el campo de la historia. Sus reflexiones fueron desarrolladas partiendo de tres preguntas: (1) ¿De qué forma vivir con la pandemia actual afectó sus escritos o reflexión histórica? ¿Esto trajo nuevas cuestiones o le incentivó a repensar algunos de sus trabajos anteriores? (2) (¿Cómo) los historiadores se deben involucrar en los asuntos públicos relacionados al contexto pandémico actual? ¿Los historiadores deben envolverse en la formulación de políticas públicas? ¿Es apropiado que los historiadores desempeñen papeles activos en los medios o debemos mantenernos al margen y dejar que nuestras publicaciones hablen por sí mismas? (3) ¿Qué temas históricos, perspectivas y tópicos están ausentes en la historiografía publicada/producida durante estos años de pandemia? ¿Cuáles textos o tipos de trabajos usted más apreció?

Palabras Clave:
historia; pandemia; comunicación científica; salud; profesión

ABSTRACT

This article presents, through a provocation to nine historians from different institutions and countries, the impact of the pandemic on their profession and on the field of history. Their reflections were developed from three questions: (1) In what ways has living under the current pandemic affected your historical writing or thinking? Has it brought new questions to the fore or pushed you to rethink some of your past work?; (2) (How) should historians engage in public affairs relating to the current pandemic context? Should historians be involved in policymaking? Is it appropriate for historians to play active roles in the media or should we step back and let our publications speak for themselves?; (3) What historical themes, perspectives, and topics are missing from the historiography published/produced during these pandemic years? What pieces/kinds of work have you most appreciated?

Keywords:
History; pandemic; scientific communication; health; profession

Mariola Espinosa

(1) Viver durante a atual pandemia me deu a oportunidade, talvez um pouco pela força, de fazer uma pausa e reavaliar meus projetos intelectuais. No nosso caso, historiadores da medicina e da saúde, este é um momento de convergência entre os aspectos pessoal, profissional e intelectual, e por isso não podemos separar esses elementos da vida. Pessoalmente me concentrei em criar um lar saudável para minha família e isso fez com que eu não pudesse dedicar todo o tempo habitual para a escrita. Mas no processo de avaliar o momento que estamos passando, penso frequentemente na história das epidemias sobre a qual escrevi no passado, e a que ensino regularmente - inclusive mudei a forma de ensiná-la. Os alunos de hoje se identificam mais facilmente com aquilo que estudamos no passado. Quando falo sobre a forma como responsabilizávamos os estrangeiros ou as comunidades marginalizadas pelas epidemias, ou sobre como as autoridades escondiam os primeiros casos de doenças para evitar o pânico, em vez de julgarem o passado, os alunos sentem um pouco mais de simpatia e compreendem melhor.1 1 A Associação Americana de História, por exemplo, criou uma bibliografia das atividades públicas dos historiadores sobre o tema da COVID-19. Isso inclui vídeos, editoriais, artigos, apresentações na televisão e outras mídias públicas. Disponível em: https://www.historians.org/news-and-advocacy/everything-has-a-history/a-bibliography-of-historians-responses-to-covid-19. Acesso em: 31 jul. 2021.

Essas duas situações - na sala de aula e na minha casa - me levaram a rever o trabalho que escrevi sobre a febre amarela (Epidemic Invasions: Yellow Fever and the Limits of Cuban Independence, 1878-1930. University of Chicago Press, 2009) e a repensar a forma como o apresento ao público em geral. A pandemia me deu a oportunidade de participar de mais conversas públicas com outros historiadores que passaram por situações semelhantes. Conversas que nos ajudam a entender a relevância do nosso trabalho como historiadores na presente crise.

(2) Há tempos nos sentimos forçados a justificar o valor das humanidades.2 2 Ver, por exemplo, Grafton (2011) e Norton e Grossman (2021), entre outros. O valor da história vai além de aprender com o passado para enfrentar o presente. A pandemia de ­COVID-19 nos apresentou uma situação em que deveria ser mais fácil articular esse valor, especialmente para nós, historiadores da medicina e da saúde. Enquanto historiadores, podemos ajudar a explicar como o conhecimento médico-científico sobre uma doença e seu tratamento mudam ao longo do tempo, através das histórias sobre doenças do passado. Nosso conhecimento histórico ajuda os políticos e sanitaristas a entender o porquê das reações públicas sobre os decretos de saúde. Não somos epidemiologistas, mas a nossa perícia, enquanto historiadores, contribui para a criação de políticas informadas por fatos e por evidências críticas.

Ao mesmo tempo em que notei um interesse renovado pelo meu trabalho, é apropriado colocá-lo em uma perspectiva atualizada e participar de conversas com médicos, cientistas, sanitaristas e políticos, além de conversar com o público em geral. Também é nossa responsabilidade prestar atenção nos outros problemas e regiões que estão sendo ignorados devido à atenção dada a uma única doença e pela saturação de informações sobre os Estados Unidos e a Europa. Aqueles que, como eu, baseiam seus estudos em outras partes do mundo, têm que continuar insistindo para que os políticos e sanitaristas não esqueçam a importância das conexões com regiões e pessoas que não têm acesso às vacinas, ou ao capital que rege a saúde global - a fim de que possamos priorizar a conversa e as decisões sobre a carga social desigual das doenças.

(3) Em primeiro lugar, notei uma proliferação de especialistas na história da medicina e das epidemias. Gostei muito de ver o aumento de interesse nesse assunto. Mas muitas vezes esses escritos não esmiúçam o trabalho daqueles que, como eu, analisam o assunto há décadas. Por isso, às vezes acabam recriando narrativas, geralmente triunfalistas - histórias focadas em regiões muito localizadas. Mas, de qualquer forma, é bom que eles atraiam mais leitores para o nosso escopo.

Há também o problema da desigualdade laboral que faz com que a maioria das publicações seja de acadêmicos e (sejamos sinceros) homens, em cargos estabelecidos - e não aqueles que ocupam principalmente posições acadêmicas mais precárias e que, às vezes, precisam direcionar os seus esforços para educar as crianças em casa ou cuidar de familiares doentes, entre outros deveres.

Eu adoraria ver mais estudos realizados de um ponto de vista global. As epidemias, embora locais, tendem a ter uma perspectiva que transcende barreiras nacionais e linguísticas. A história do conhecimento médico sobre a COVID-19, por exemplo, deve promover intercâmbios intelectuais de conhecimento internacional. O trabalho que mais apreciei durante a pandemia tem sido aquele que nos faz ver o passado nestes termos - trabalhos nos quais vemos pessoas envolvidas em diferentes âmbitos da medicina e salubridade, interagindo e se comunicando para entender o seu presente e nosso passado. Também gostei muito de ver o interesse nas conversas entre historiadores de diferentes partes do mundo e sobre diferentes tópicos. Foi muito interessante observar como os reconhecidos, assim como os novos colegas, se reuniram virtualmente para conversar sobre diferentes temas, a fim de buscar um sentido para o que estamos sofrendo hoje.3 3 Alguns bons exemplos de compilações que reavaliam a história no que diz respeito à pandemia atual encontram-se no “Special issue: reimagining epidemics”, do Bulletin of the History of Medicine (2020), e a série “Testemunhos Covid-19” publicada nos exemplares da revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos começando com o v. 28. A perspectiva histórica pode nos ajudar muito, e a perspectiva atual nos abriu uma nova janela para entender a humanidade do passado.

Reinaldo Funes Monzote

(1) Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para participar desta conversa sobre a incidência da pandemia na nossa profissão. Quando começou, eu estava na fase final de uma participação como professor visitante na Universidade de Yale, entre 2015 e 2020. Uma das minhas atividades nesse período consistiu em ministrar um curso intitulado “Cuba: história e cultura”, que incluía uma viagem ao país com os estudantes, durante duas semanas em março. Em 2019 partimos para Havana, conhecendo a existência da pandemia. Mas ninguém dentro do grupo tinha a menor ideia da gravidade da situação até que recebemos, quatro dias depois, a chamada urgente de Yale indicando que nós tínhamos que retornar imediatamente, porque a Universidade seria fechada e os estudantes teriam que ir para suas casas. Então tudo mudou de repente e passamos da fase de descrença para a de adaptação e incerteza.

Evidentemente, o primeiro passo foi nos ajustar à nova circunstância de continuar o curso de forma online. Acho que o passo do ensino presencial para o virtual foi menos traumático, graças à existência da tecnologia, que assumiu de forma rápida essa mudança. Essa é uma diferença fundamental em relação a outras epidemias no passado. Assim, ao mesmo tempo em que tínhamos que recorrer aos métodos mais tradicionais para evitar o contágio, como o uso de máscaras, as novas tecnologias da informação nos permitiram continuar imersos no mundo interconectado em que vivemos. No entanto, é preciso pensar nas enormes diferenças entre os países, quando o assunto é o acesso às plataformas e recursos digitais.

É muito cedo para saber o quanto a pandemia pode influenciar a maneira como escrevemos e pensamos na história. No meu caso, enquanto historiador ambiental, prefiro me concentrar nas conexões ambientais em termos gerais e não apenas nos impactos na saúde humana. Estou muito interessado na confluência entre uma crise que afeta os seres humanos de forma individual e coletiva, com a crise mais ampla que abrange o conjunto da vida em nosso planeta. Acredito que a pandemia pode servir para reforçar as vozes de alerta sobre a fragilidade do antropocentrismo dominado pelo otimismo tecnológico e pela ideologia do crescimento econômico infinito; pois a tecnologia e a ciência possibilitam, ao mesmo tempo, os meios para combater a pandemia, por meio de vacinas ou de respiradores das unidades de Terapia Intensiva, por exemplo.

A pandemia pode impulsionar chamados como o que fazem Guldi e Armitage em seu manifesto pela história por novos rumos na profissão em busca de uma maior intervenção pública, de um retorno do interesse pela longa duração, pelas obras de síntese, pela interconexão entre o local e o global, bem como para servir de estímulo ao uso das ferramentas digitais e de visualização (GULDI; ARMITAGE, 2016FEBVRE, Lucien[1953]. Vivir la historia. Palabras de iniciación. In: FEBVRE, Lucien. Combates por la historia. Barcelona: Ariel, 1992. p. 37-58.; GULDI; ARMITAGE, 2014FERGUSON, Niall. The square and the Tower. Networks, hierarchies and the struggle for global power. New York: Peguin Press, 2018.).

(2) A pergunta que costumamos fazer sobre o papel da história na esfera pública é muito pertinente nas atuais circunstâncias. Vimos como ressurgiu o interesse nas épocas passadas, em que eventos semelhantes ocorreram, como a chamada “gripe espanhola” de 1918. Notícias na mídia, reedição ou publicação de livros sobre o assunto, entrevistas com seus autores e estudiosos do tema. No entanto, temos que lidar com o fato de que o papel da história como “mestra da vida” perdeu terreno em uma sociedade na qual se privilegia aquilo que é imediato, sensacionalista e banal.

É evidente que a influência pública dos historiadores perde importância diante dos representantes de outras profissões, como jornalistas, economistas ou os próprios políticos - isso para não falar dos “famosos” do mundo do espetáculo e do show business. Entretanto, acho que a história como profissão deve desempenhar um papel importante nos debates públicos e na elaboração de políticas. Volto ao tema das problemáticas ambientais: sem a ajuda do conhecimento histórico sobre como surgiu e evoluiu a crise socioambiental que nos afeta hoje a nível local e global, pouco se conseguirá para fomentar na população a necessária consciência ambientalista capaz de enfrentar os grandes desafios atuais e futuros nesse sentido.

Fazer um bom trabalho histórico leva tempo devido à pesquisa e preparação dos resultados na forma de livros ou artigos, que são a principal maneira de materialização do nosso trabalho. E isso colide com a velocidade em que as notícias e os efeitos - muitas vezes incapacitantes ou distorcidos das mídias sociais (ou antissociais) - se movem hoje, o que impede a análise aprofundada dos fatos. Diante da avalanche de superficialidade, tenho a impressão de que historiadoras e historiadores buscaram ter uma incidência maior nessas redes. Precisamente o contexto da atual pandemia pode contribuir para a transição entre os meios acadêmicos tradicionais e a divulgação do que fazemos por outras vias. Por exemplo, recentemente tive a oportunidade de participar de programas online promovidos por colegas do Brasil - como o da Regina Horta (UFMG), com o título de “Conversa animal” e o Laboratório de História e Natureza da UFRJ, graças ao convite de Lise Sedrez e seus alunos.4 4 AS4ESTAÇÕES: Conversa animal com Reinaldo Funes Monzote, 29 abr. 2021. 1 vídeo [1 h. 3 min.]. Publicado pelo canal As Quatro Estações no YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MjquWlIAYnc&t=2692s. Acesso em: 23 jun. 2021; e FRONTERAS de mercancías e historia ambiental de América Latina y del Caribe - Reinaldo Funes Monzote, 15 abr. 2021. 1 vídeo [58 min.]. Publicado pelo canal Laboratório História e Natureza no YouTube. Disponível em: https://youtu.be/97XW-2FXfZ0. Acesso em: 23 jun. 2021. Podemos ter certeza de que os nossos alunos serão responsáveis por consolidar esses primeiros passos em direção a uma maior incidência da história profissional nos meios audiovisuais e digitais.

(3) É difícil ter uma ideia do quanto a COVID-19 pode ou não influenciar abordagens ou linhas de pesquisa presentes e futuras, para além da história da medicina e da saúde. Gostaria de recomendar os comentários sobre esse tema de Marcos Cueto (2020)DUMOULIN, Olivier. O papel social do historiador. Da cátedra ao tribunal. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. e Guillermo Castro Herrera (2020), publicados como parte de uma edição especial dedicada à pandemia pela revista HALAC (2020), por iniciativa dos editores Sandro Dutra e Silva e Marina Miraglia5 5 HALAC - Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, v. 10, edición suplementaria, 2010. Disponible en: http://halacsolcha.org/index.php/halac. . O volume reúne textos de 16 autores reconhecidos que oferecem suas leituras da pandemia em perspectiva histórica e ambientalista.

Um efeito positivo pode ser um compromisso renovado para conectar nossos temas de pesquisa com a atualidade. Eu pude constatar o anterior muito rápido, na sequência de um convite para participar num fórum de Agricultural History (2020), no qual dialogamos sobre as intersecções entre história da agricultura e história animal (WAY; OKIE; FUNES MONZOTE; NANCE; ROSENBERG; SPECHT; SWART, 2020). O início das trocas coincidiu com a declaração da pandemia, de modo que o assunto estava presente em muitas perguntas e respostas. Foi uma coincidência debater, ao mesmo tempo que éramos testemunhas, uma crise sanitária provocada supostamente pelo consumo de animais selvagens e aguçada por padecimentos de saúde como diabetes ou hipertensão arterial ligados ao modelo agroalimentar industrial.

Entre as questões que eu gostaria de ver mais refletidas em debates acadêmicos, estão a desigualdade e as vias para sua redução, como o “rendimento básico”, bem como as disparidades entre países ricos e países pobres. Essa conjuntura, certamente, nos faz relembrar que o imperialismo existe. Como historiador cubano, não posso ignorar que o governo americano sob a administração Trump aproveitou a pandemia para reforçar ainda mais o embargo/bloqueio econômico à ilha do Caribe, a fim de alcançar seus antigos objetivos da Guerra Fria.

Ao voltar para Cuba, desde novembro de 2020, pude testemunhar diretamente os efeitos dessa política somados à crise da COVID-19. Apesar do mundo virtual exacerbado pelo vírus, a vivência pessoal permanece relevante para nossa profissão como historiadores.

Mónica García

(1) A pandemia reduziu em 90% o tempo que tinha programado para fazer pesquisa. Com quase 44 milhões de habitantes, a Colômbia carece de centros de pesquisa histórica ou de universidades de pesquisa. Entre as 300 instituições de Ensino Superior (IES) do país - mais de 70% de caráter privado -, existem apenas 27 programas de graduação em História, 13 programas de mestrado e quatro de doutorado. Apenas 22% das IES contam com “acreditação de alta qualidade”, certificado emitido pelo Ministério da Educação colombiano considerando, entre outras variáveis, a pesquisa. A pesquisa histórica na Colômbia é feita em pouquíssimas universidades, que dependem em mais de 90% das matrículas de seus alunos.

A tendência para a redução demográfica da população estudantil universitária antes da pandemia (-0,2 em 2018 e -1,8% em 2019) foi agravada pela crise econômica do momento pandêmico: a pobreza monetária aumentou em 6,8 pontos percentuais, ou seja, de 18,5 milhões em 2019, passou para 21 milhões de pobres em 2020. Diante de tal panorama, algumas universidades privadas tomaram medidas de emergência, como reduzir as contratações de professores temporários ou catedráticos, e transferir as suas aulas aos professores de plantão que sustentam a pesquisa - que é a mesma coisa que dizer que aqueles, como eu, que temos o privilégio de fazer pesquisa, fazemos à custa do tempo de professores contratados quase que “por serviço”. Muitos de nós tiveram que abandonar ou adiar pesquisas em andamento. A precariedade da pesquisa histórica na Colômbia, agravada pela pandemia, junto à conjuntura social colombiana, fez com que pensar sobre o sentido de realizá-las fosse uma questão urgente para mim.

Certamente, quando recebi o convite para esta entrevista em maio de 2021, não só a Colômbia estava atravessando o terceiro (e mais crítico) pico pandêmico: estávamos no meio de um desemprego sem precedentes pela sua extensão no tempo, mais de um mês, e pelo seu alcance nacional. O equívoco do presidente Ivan Duque ao propor uma reforma tributária em meio à crise pandêmica e econômica, que incluía a cobrança de imposto sobre as commodities da “cesta familiar”, levou os sindicatos e jovens às ruas em 28 de abril. Os manifestantes, cansados do que os jovens chamavam de “país sem futuro”, ignoraram as advertências dos governantes sobre o risco de contágio por SARS-CoV-2 como consequência das aglomerações.

Essas mobilizações não eram, senão, a continuação daquelas ocorridas em 2019 lideradas pelos jovens que reclamavam ao governo o acesso à educação e ao trabalho, o cumprimento dos acordos de paz firmados pelo Estado colombiano com a guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-FARC em 2016 (com o intuito de pôr fim a mais de 50 anos de guerra civil), e a finalização da repressão policial nos protestos. As mobilizações de 2021, após um ano de confinamentos e quarentenas impostas para mitigar a pandemia, expressavam, então, um descontentamento generalizado, fazendo com que, diante disso, o SARS-CoV-2 fosse considerado um mal menor. Paulatinamente, outros movimentos sociais se somariam à greve geral, desde coletivos femininos até minorias indígenas.

Os Misak, um povo indígena localizado no sudoeste colombiano (Cauca), constituído por quase 22.000 pessoas, se juntaram à greve, derrubando as estátuas dos conquistadores espanhóis. Iniciaram com a estátua de Sebastián de Belalcázar, localizada na cidade de Santiago De Cali (28 de abril) e depois mobilizaram Bogotá para derrubar a estátua de Gonzálo Jiménez de Quesada, fundador da cidade (7 de maio). Segundo os Misak, esse ato buscava reivindicar tanto a memória histórica de seu povo (dos caciques indígenas assassinados pela coroa espanhola), como o poder para governar dos povos e “não das minorias de elite como as autoras da reforma tributária” que desencadeou a greve nacional. Protestavam igualmente contra os assassinatos sistemáticos de líderes sociais do Cauca desde a assinatura dos acordos de paz. Em 16 de setembro de 2019, os Misak haviam realizado um julgamento histórico a Belalczar por genocídio, desapropriação e acumulação de terras, estupro massivo de mulheres pelo exército, e pela “mestiçagem resultado da violência”.

Diante desse profundo questionamento à narrativa histórica - e não apenas àquela que acontece em espaços públicos, mas também em nossos currículos escolares -; diante da fragilidade da pesquisa histórica no meu país, e diante do contexto de mobilização social sem precedentes, cabe, então, a pergunta: para que serve a história? Ela é capaz de contribuir para a diminuição do sofrimento?

Em Meditações pascalianas (1999), Pierre Bourdieu defende que a “objetividade” nas Ciências Sociais é reconhecer que nós, pesquisadores, produzimos conhecimento a partir de uma fratura: aquela que nos separa do trabalho necessário para viver e reproduzir-nos (isto é comer, vestir-se etc.). É graças ao trabalho dos outros que podemos estudar, pensar e pesquisar.

Assim, o conhecimento produzido a partir de tal fratura seria, necessariamente, incompleto ou - para empregar uma palavra obsoleta talvez em seu uso, mas não em seu conteúdo - ideológico: é conhecimento atrelado a uma situação de privilégio. Como, então, a posição de privilégio a partir da qual fazemos a pesquisa histórica explicaria os objetos de estudo que propomos, as abordagens teóricas e metodológicas que escolhemos, as explicações que construímos e as análises que fazemos? De que maneira, as nossas trajetórias pessoais, intelectuais e as pressões do mundo laboral definem tais escolhas? Como, a partir dessas escolhas, estamos contribuindo para a igualdade ou desigualdade, para transmutar o sofrimento? De fato, historiadores da saúde pública e da medicina, como eu, nos questionamos a propósito do trabalho dos médicos, cientistas ou profissionais de saúde que pesquisamos, mas dificilmente nos questionamos sobre nosso próprio trabalho histórico, como se estivéssemos fora das mesmas determinações que atribuímos aos nossos sujeitos de pesquisa.

(2) ... [silêncio]

Há problemas sobre o papel da ciência e da história na nossa sociedade que transcendem a conjuntura da pandemia. Na Colômbia, o investimento em Ciência e Tecnologia é marginal: em 2019 foi de 0,24% do PIB, muito abaixo das despesas dos países membros da OCDE e até da região.

Embora um Ministério da Ciência tenha sido criado no início de 2020, a realidade é que estamos longe, tanto os políticos quanto a população em geral, de reconhecer que a ciência - incluindo as ciências humanas e sociais - são relevantes para a política pública. Ao contrário do que aconteceu no Brasil, na Colômbia, o governo nacional e as autoridades locais se apoiaram na epidemiologia e na saúde pública para o manejo da atual pandemia, mas este é um caso excepcional e conjuntural de participação da ciência na política pública.

É significativo que, talvez o único projeto de interesse público nacional que poderia demandar a expertise histórica, a Comissão da Verdade (entidade do Estado criada um ano depois de assinados os acordos de paz com a guerrilha das FARC e que busca “o esclarecimento dos padrões e causas explicativas do conflito armado interno a fim de satisfazer o direito das vítimas e da sociedade à verdade”) não incluísse nenhum historiador.

Essa Comissão trabalha em paralelo com a Jurisdição Especial para a Paz - JEP, cuja função é conhecer os crimes cometidos no âmbito do conflito armado e administrar a transição da justiça para alcançar a paz e a não repetição.

Não é de admirar a ausência de historiadores na Comissão. Como eu já disse, a história - e a ciência em geral - é marginal na Colômbia. O ensino da história foi removido dos currículos das escolas (Ensino Básico e Médio) desde 1984 e unido a “geografia, ciências sociais, constituição política e democracia”, em uma disciplina geral chamada “Ciências Sociais”.

Talvez a Comissão da Verdade consiga, paradoxalmente, tornar mais relevante o conhecimento histórico para a política pública na Colômbia. Pergunto-me se será possível apropriar à história o argumento dos cientistas da mudança climática, de que a ciência é condição necessária da política.

Poderíamos fazer esforços mais sistemáticos de comunicação fora dos círculos acadêmicos e das publicações especializadas, aproveitando as humanidades digitais e a história pública. Nós, historiadores da ciência, medicina e saúde pública poderíamos nos arriscar a investigar temas de interesse contemporâneo envolvendo atores do setor da saúde ou cientistas que teriam interferência na política pública.

Ludwikc Fleck, em seu belo livro sobre como se origina um fato científico (1935), menciona que os temas e problemas relevantes para a ciência em determinado momento - poderíamos dizer “para as ciências humanas e sociais” também - surgem do círculo dos não especialistas; enquanto Steven Shapin (1990) nos lembra que quem em última instância legitima a ciência é justamente o público.

(3) Desconheço essa historiografia. Eu tentei me atualizar sobre a ciência do século XX, especificamente sobre a complexidade, a teoria de sistemas e a teoria de redes, bem como alguns de seus impactos na historiografia (v.g.; FERGUSON, 2018). Em Combates pela história (1953), Lucien Febvre destacava a importância de nós, historiadores, conhecermos a ciência de nosso tempo, levando em conta as conexões e empréstimos entre a ciência e as pesquisas históricas. Esse argumento tem relevância maior para os historiadores da ciência, medicina e saúde pública que acham relevante participar de debates contemporâneos e da política pública.

Finalmente, sobre as questões que a pandemia e a conjuntura social colombiana me apresentaram como inadiáveis, estou buscando se, além da tradição marxista, os estudos pós-coloniais aos quais mal me estou aproximando são capazes de explicar a forma com que nós, historiadores, conceitualizamos e reproduzimos práticas geradoras de diferenças e que hierarquizam sofrimentos. [Eu tinha adiado a pesquisa sobre os temas colombianos para explorar aspectos da saúde pública internacional e norte-americana, observando o que os norte-americanos dizem e fazem sobre si mesmos (2021)]. Comecei com Frantz Fanon (1961). Estou ansiosa para ver o que esse fascinante psiquiatra vai me ensinar sobre mim, sobre os acadêmicos e sobre o sentido da história.

Ana Carolina Vimieiro Gomes

(1) O roteiro é sabido. Desde março de 2020, a vida de milhões de pessoas do planeta foi tomada de assalto pela existência do impulso evolutivo de um vírus, SARS-CoV-2, causador de uma doença respiratória, COVID-19, em muitos casos fatal, que se tornou pandêmica e causadora de uma crise sanitária global. No desdobramento da crise, a ciência tem sido peça central no desenrolar do enfrentamento da pandemia e suas consequências sociais, econômicas e políticas.

Como historiadora das ciências biomédicas, acontecimentos dessa crise têm me suscitado duas questões a serem exploradas na minha escrita da história: o caráter tecnocientífico da produção do conhecimento e gênero e ciência. É novidade na história das ciências tamanha velocidade na decifração da estrutura do vírus, na corrida pelo desenvolvimento em vários países das vacinas (com tecnologias inovadoras como são aquelas que usam RNAm modificado), as formas com que foram testadas, laboratorial e clinicamente, e apresentadas e vendidas pela indústria farmacêutica aos países, na forma de produto biotecnológico e solução decisiva no enfrentamento do vírus. Tais realizações se relacionam historicamente com a tecnociência, que, desde os anos 1970, é categoria usada pelos estudiosos da ciência para explicar a supremacia da tecnologia sobre a ciência e o fenômeno do amálgama entre tecnologia, ciência e racionalidade econômica. A pandemia expôs na carne o caráter tecnocientífico do conhecimento biomédico atual e uma das suas facetas perversas, em termos biopolíticos, que é o seu poder de gerir a vida e a morte. Como não pensar na cloroquina... ela também tem colocado em evidência novos arranjos no modus operandi da ciência, como é o caso das novas formas de publicação de resultados de pesquisa parcialmente concluídos, fonte de desinformação.6 6 Ver interessante artigo do jornal português Público sobre um dos efeitos adversos da urgência de publicar e divulgar conhecimento sobre o SARS-CoV-2, que é a centena de artigos que foram posteriormente invalidados: FREITAS, Andrea Cunha. Covid-19: há mais de 100 artigos científicos invalidados ou corrigidos. Público, 26 jun. 2021. Disponível em: https://www.publico.pt/2021/06/26/ciencia/noticia/covid19-ha-100-artigos-cientificos-retirados-corrigidos-1967862. Acesso em: 18 jul. 2021.

Torna-se interessante questionar, portanto, em termos históricos, de que forma a comunidade científica brasileira passou a ser capturada pela racionalidade tecnocientífica, de que maneiras ela tem se manifestado na produção de conhecimento local, quais as resistências a ela, ou, por exemplo, como a sua lógica tem influenciado na tomada de decisões de políticas de saúde pública ou financiamento de pesquisas.

Não posso deixar de manifestar aqui outro impacto da pandemia que é o prejuízo à produtividade científica das mulheres, sobretudo daquelas que têm que gerir o trabalho acadêmico com o cuidado de outras pessoas em casa.7 7 GARCIA, Janaina. Produção científica de mulheres despenca na pandemia - de homens, bem menos. UOL, Tilt, Ciência, 26 maio 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/05/26/pandemia-pode-acentuar-disparidade-entre-homens-e-mulheres-na-ciencia.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.

A pandemia exacerba uma desigualdade de gênero na ciência já conhecida. Ao mesmo tempo, entretanto, pululam notícias do envolvimento e protagonismo de mulheres cientistas envolvidas na pesquisa sobre o vírus, no desenvolvimento de vacinas, na hercúlea luta por informar a população e por políticas públicas contra a pandemia. Nesse cenário, que também me afeta pessoalmente como mulher cientista, é que meu olhar tem sido cada vez mais dirigido para a presença de uma legião de mulheres na ciência, e que historicamente têm tido o seu trabalho tornado invisível, obscurecido e desvalorizado epistemologicamente (­KELLER, 1983KELLER, Evelyn Fox. A Feeling for the Organism: the life and work of Barbara McClintock. San Francisco: Freeman, 1983.). E, sem buscar heroísmos ou excepcionalidades, é urgente contar mais histórias de cientistas brasileiras, tentando lançar luz às suas experiências, vivências e afetos investidos no fazer científico, apesar das desigualdades.

(2) Should (deveria) na pergunta implica uma resposta que engendra proposições de diretrizes de como um historiador deve atuar e, assim, definir uma função social do historiador e da História no presente - que aliás tem a sua historicidade (DUMOULIN, 2017DUMOULIN, Olivier. O papel social do historiador. Da cátedra ao tribunal. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.). As perguntas chamam pois a uma reflexão sobre o papel que o historiador deveria ter e, com isso, propor engajamento ético-político, conferir sentido e utilidade à natureza do trabalho histórico e suas intervenções na sociedade atual. Na história das ciências, há também a explícita expectativa de que ela não se restrinja a explicar o passado, mas também traga respostas à ciência do presente. Contudo, não me sinto com expertise necessária (como é o caso, por exemplo, de pesquisadores atuantes em história pública) para produzir uma resposta com vocação diretiva aos historiadores.

Quero aqui, todavia, destacar iniciativas institucionais já existentes na comunidade de historiadores brasileiros que, se não são intervenções explícitas na opinião pública ou na formulação de políticas públicas, lançam ao público mais amplo questões históricas com potencial de se pautar debates públicos importantes para o cenário atual. Dentre elas merecem destaque as diversas inciativas de comunicação pública do conhecimento histórico, que implicam novos formatos de publicação e nova linguagem para se falar a outros públicos.

Várias revistas acadêmicas de História têm tido essa preocupação de conectar a produção acadêmica às formas contemporâneas de comunicação. Para citar algumas: recentemente a revista Historia da Historiografia incluiu no seu projeto editorial iniciativas de comunicação de conteúdos relacionados à história e às humanidades em geral: o Portal de Humanidades HHMagazine8 8 Disponível em: https://hhmagazine.com.br. . A revista História, Ciência e Saúde - Manguinhos9 9 Disponível em: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/. , no âmbito da história da ciência e da saúde, mantém uma estrutura profissional de divulgação, na qual, desde 2013, publica conteúdos em ciência e saúde, não só relativos à própria revista, que alcançam vários públicos.

Não se trata, portanto, de deixar as publicações acadêmicas falarem por si, mas transpor o conhecimento histórico para a cultura de comunicação atual (como as redes sociais ou ambientes virtuais, por exemplo) com potencial de alcance fora do universo acadêmico. A meu ver, são esforços que, ao mesmo tempo, tentam enfrentar os desafios da divulgação da história do conhecimento hoje - ameaçada pelos negacionismos histórico e científico tão em voga -, ou seja, dentre eles: preservar o seu regime de cientificidade; a expressão da complexidade dos fenômenos sociais do passado; a visibilidade de testemunhos de grupos sociais marginalizados e silenciados; sem simplificações, pretensões de verdades últimas ou generalizações universalistas.

Por fim, ainda sobre a História, Ciência e Saúde - Manguinhos, quero chamar atenção para o editorial do número de abril/junho de 2021, que apresenta o balanço de acessos à revista em 2020. Os acessos dobraram: mais de 3 milhões em comparação a 1,5 milhões em 2019 (CUETO, 2021CUETO, Marcos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos em 2020: um periódico na adversidade. História, Ciências, Saúde - Manguinhos [online], v. 28, n. 2, p. 343-345, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702021000200001. Acesso em: 11 maio 2021.
https://doi.org/10.1590/S0104-5970202100...
). Obviamente, por ser uma revista em história da saúde, a pandemia foi impulsionadora dessa maior visibilidade, dentro e fora da academia. Porém, na minha opinião, isso ocorreu também pelos méritos da sua poderosa estrutura de comunicação científica da História (vide, no caso da pandemia, a seção “História e coronavírus” no blog e “Testemunhos Covid” na revista).

(3) Tenho sentido falta da publicação de estudos de fôlego sobre a história do campo da virologia no Brasil, em detrimento a muitos estudos sobre a história das doenças viróticas como febre amarela, dengue, gripe etc. Zika talvez seja uma exceção. Na Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 39, n. 82, 2019, há um excelente artigo do pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, Rômulo de Paula Andrade (intitulado “Uma floresta cheia de vírus!”), que trata do Laboratório de Vírus de Belém e sua relevância no cenário global dos estudos em virologia, desde os anos 1950. Porém, é anterior ao período pandêmico. Seria muito interessante ver mais trabalhos, numa perspectiva dos Science and Technology Studies, sobre instituições e grupos de pesquisa em virologia, suas redes científicas internacionais e o papel dos pesquisadores brasileiros e da ciência brasileira em pesquisas na virologia desde a segunda metade do século XX.

No que diz respeito a publicações relacionadas a epidemias e à pandemia atual, destaco um número especial, Second Look, publicado pela ISIS (de acesso gratuito), em dezembro de 2020 (v. 111, n. 4). Os editores propuseram a 13 pesquisadores escrever sobre os livros (publicados há pelo menos dez anos), os quais eles estão relendo e reconsiderando à luz da pandemia. Os próprios editores destacam a esperada evocação de clássicos da história das epidemias como: o livro de Charles Rosenberg, The Cholera Years: the United States in 1832, 1849 and 1866, publicado em 1962, ou Nancy Tomes, The Gospel of Germs: men, women, and the microbe in American Life, de 1998. Outro destaque é um livro sobre a história do higienismo e da saúde pública na China, Ruth Rogaski’s Hygienic Modernity: meanings of health and disease in Treaty-Port China, 2004. A identificação da China com doenças infecciosas, a partir de termos estigmatizantes e racistas, tem raízes históricas que remontariam a meados do século XIX (HUI; LAVINE, 2020). É interessante acompanhar como a releitura à luz do presente reatualiza as questões históricas trazidas nas obras e aquelas dos pesquisadores leitores.

Portanto, considero este número especial um interessante exercício de revisão e crítica historiográfica e de exploração de obras que voltam a fazer (ou passam a ter) sentido no presente contexto.

Vivek Neelakantan

(1) Comecei minha carreira como historiador da Indonésia em 2006 na Universidade de Iowa, quando embarquei em uma linha de pesquisa nova sobre a história da varíola na Indonésia na minha dissertação de mestrado. Na época, uma questão sem resposta na historiografia da varíola era o recrudescimento da varíola na Indonésia em 1947, depois da sua eliminação quase total no final da era colonial nas Índias Orientais Holandesas (1937). Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou o Programa Intensificado de Erradicação da Varíola em 1967, a Indonésia era um dos quatro focos endêmicos da Organização, além do Chifre da África, Brasil e Índia (NEELAKANTAN, 2010). A OMS - em colaboração com o governo central - erradicou a varíola na Indonésia em 1974, usando uma estratégia dupla de vigilância de casos infecciosos e de contenção daqueles já infectados. A erradicação da varíola na Indonésia inspirou a última fase da campanha de erradicação na Índia (1975-1977).

Minha tese de doutorado na Universidade de Sydney (2009-2014) analisou as formas como a saúde pública se envolveu na Guerra Fria e na construção da nação. Logo após a transferência do poder para a República da Indonésia estar concluída em 1949, o país enfrentou inúmeros desafios, como epidemias de varíola, por um lado, e o controle de doenças endêmicas, como malária, tuberculose, bouba e lepra, por outro. A independência da Indonésia coincidiu com a Guerra Fria. Em sua tentativa de conter a disseminação da influência da União Soviética no Sudeste Asiático, os Estados Unidos correlacionaram a pobreza e os problemas de saúde na região ao crescimento da ideologia comunista, e, por isso, ajudaram os programas de erradicação de doenças (especialmente a malária) a obter a lealdade de líderes de países recém-independentes. Já a Indonésia, ao contrário, buscou alcançar um equilíbrio delicado entre a manutenção de sua soberania em saúde e uma certa abertura à ajuda externa.

Em minha pesquisa anterior, concentrei-me na saúde nacional, ainda que as pandemias não tenham fronteiras políticas. Tem se argumentado que o Sudeste Asiático é um microcosmo da saúde global, dada a grande diversidade em termos de cultura, regimes políticos e perfis epidemiológicos. Sediando complexas interações entre humanos e animais e movimentos populacionais através de fronteiras porosas, os governos da região têm se esforçado para dar uma resposta regional a doenças emergentes, particularmente o coronavírus. O caso da COVID-19 no Sudeste Asiático representou desafios e oportunidades para a integração regional. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), um agrupamento regional estabelecido em 1967, tem desenvolvido mecanismos institucionais para o compartilhamento de dados epidemiológicos em toda a região, em conformidade com o Regulamento Sanitário Internacional da OMS revisado em 2005. No entanto, as respostas dos estados membros da ASEAN à pandemia, desde 2020, têm sido variadas e dependem de vários fatores, como a natureza do governo, a estrutura demográfica da população, a porosidade das fronteiras ou a migração. A pandemia de COVID-19 me fez repensar a história da doença a partir de uma perspectiva regional.

(2) Acho que os historiadores têm uma relação complexa com a formulação de políticas. Embora a história forneça contexto para entender a crise atual da COVID-19 à luz da rivalidade geopolítica entre os EUA e a China, seria ingênuo fazer comparações fáceis entre a COVID-19 e as pandemias anteriores, como a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, 2003), a Influenza (1918) ou a Peste Bubônica (1896).

Não acho que a atual pandemia tenha lições para o futuro. A abordagem da história como lição baseia-se na suposição de que as epidemias são eventos estruturalmente comparáveis (PECKHAM, 2020). Se traçarmos paralelos entre pandemias anteriores e a COVID-19, limitamos a capacidade que os planejadores têm de compreender as variáveis específicas de espaço e tempo que impulsionam o surgimento de doenças contemporâneas.

Na Índia, por exemplo, durante a primeira onda da pandemia de COVID-19 em 2020, o governo central invocou as disposições da legislação da era colonial, a Lei de Doenças Epidêmicas de 1897. Na época, essa lei foi introduzida primeiro na cidade de Bombaim para combater a peste bubônica. O governador de Bombaim delegou poderes discricionários aos governos locais para implementar medidas de controle de doenças. Os poderes conferidos aos agentes de saúde incluíam o direito de procurar casos suspeitos de peste em residências e em passageiros de ferrovias, de fazer desinfecções e coibir reuniões sociais. A Lei de Doenças Epidêmicas foi formulada há quase 124 anos. Os fatores que levam à propagação de doenças transmissíveis mudaram ao longo do século. A lei, por exemplo, não leva em consideração as viagens aéreas nem a dinâmica da migração intra e interestadual. A lei não estabelece um critério claro para a definição de “doença epidêmica perigosa”. A Lei de Doenças Epidêmicas é de natureza puramente regulamentar. Ela especifica o poder do governo na gestão de pandemias, mas não menciona os direitos humanos dos indivíduos que estão em jogo na gestão de uma pandemia.

Acho que os historiadores precisam se envolver com a mídia para corrigir as distorções dela sobre o passado. Novamente, pensando no contexto indiano da COVID-19, é importante que os historiadores sejam cautelosos com a apropriação seletiva da legislação da era colonial pelos decisores políticos. O contexto socioeconômico e político do surto de peste bubônica na Bombaim colonial (1896) era totalmente diferente do contexto atual da ­COVID-19 devido às razões aqui mencionadas.

(3) Acho que doenças tropicais negligenciadas, como a cegueira dos rios e a bouba, estão ausentes da historiografia produzida durante esses anos de pandemia. Gostaria de fazer um comentário sobre a bouba - uma forma não venérea de sífilis. A doença é causada por uma bactéria espiroqueta chamada Treponema pertenue. Quando a OMS foi criada em 1948, estima-se que 50 a 100 milhões de pessoas no Sudeste Asiático, Nigéria, Caribe e Brasil sofriam de bouba. Durante a década de 1950, a Indonésia lançou uma dupla estratégia anti-bouba que consistia em: a) detecção de bouba nas aldeias da ilha de Java, densamente povoada, usando pessoal paramédico que tratava de casos infecciosos e seus contatos com injeções de penicilina; e b) tratamento em massa total de toda a população, usando injeções de penicilina, nas ilhas periféricas, onde a população estava mais dispersa. A estratégia dupla foi bem-sucedida na eliminação quase total da doença no início dos anos 1960. Estratégias epidemiológicas que falharam, como a administração de injeções de penicilina apenas para aqueles que apresentam lesões de bouba, levaram ao retorno da doença na Indonésia no final dos anos 1960. Na década de 1990, a bouba foi reduzida ao status de doença tropical negligenciada, de modo que a campanha de eliminação se tornou uma vítima de seu próprio sucesso (NEELAKANTAN, 2014). A atual estratégia anti-bouba da OMS prevê o uso de uma única dose do antibiótico azitromicina para tratar a doença, mas a ausência de uma versão genérica mais barata do medicamento e a falta de coordenação entre os governos central e local têm dificultado a sua eliminação na Indonésia.

Apreciei, sobretudo, as reflexões filosóficas sobre a pandemia. Com o desenvolvimento de vacinas para a COVID-19, uma questão permanece sobre como a pandemia de ­COVID-19 terminará. Embora o historiador Charles Rosenberg tenha afirmado em 1989 que as epidemias começam em um momento no tempo, prosseguem em um estágio limitado no espaço e no tempo, seguem uma trama de tensão crescente e reveladora, movem-se para uma crise de caráter individual e coletivo e, em seguida, caminham para o fim, as epidemias podem ser abordadas como períodos perturbadores e aparentemente intermináveis durante os quais a vida deve ser refeita (LACHENAL; THOMAS, 2020). Guillaume Lachenal e Gaetan ­Thomas observam que, no contexto africano, as epidemias não têm começo nem fim. Ao longo do período colonial, os epidemiologistas lutaram com metáforas e categorias para explicar os surtos recorrentes de varíola, febre amarela ou doença do sono. Os médicos coloniais chamavam essas doenças de grandes endemias, ao passo que os manuais de medicina tropical as chamavam de doenças endemo-epidêmicas. Em outras palavras, o surto de uma é a reincidência endêmica das outras. Na mesma linha, Dora Vargha e Jeremy Greene afirmam que, na pior das hipóteses, o fim da epidemia é uma forma de amnésia coletiva, transformando a doença que persiste no problema de outra pessoa. Muitas epidemias só terminaram com o reconhecimento generalizado do estado endêmico da doença. Por exemplo, embora as Maldivas e o Sri Lanka possam ter eliminado a malária em 2015 e 2016, respectivamente, os surtos da doença não cessaram em outras partes do Sul da Ásia.

Oluwatoyin Oduntan

(1) Certos detalhes fazem com que a atual pandemia seja diferente de surtos de doenças que aconteceram no passado. Apesar da marcha do coronavírus não ter precedentes, a conscientização global a seu respeito também se propagou rapidamente. As tecnologias da informação permitiram que as pessoas e governos se conscientizassem em relação à doença e se preparassem para mitigar os impactos e consequências da pandemia. Os avanços na tecnologia biomédica também fizeram diminuir o desamparo que marcou as pandemias anteriores. A mortalidade dessa pandemia provavelmente será menos devastadora do que as pandemias globais anteriores.

Os historiadores podem se orgulhar de suas contribuições tanto quanto a biomedicina se orgulha da vacina. À medida que o coronavírus se espalhava, as pessoas procuravam os cientistas para explicar a patologia do vírus e os historiadores para explicar os amplos contextos de suas manifestações e impactos sociais. Por meio de seminários acadêmicos e públicos, em jornais e artigos de jornais, em apresentações multimídia e nas redes sociais, os pesquisadores empregaram o conhecimento histórico para revelar as conexões entre a doença e questões abrangentes sobre experiências pessoais, relações sociais e economia política. Ao fazer isso, os historiadores anteciparam as implicações da pandemia em diferentes contextos - local, nacional e global.

No entanto, historiadores tiveram que trabalhar em um contexto caracterizado por uma quantidade de dados, opiniões e desinformação, sem precedentes, que desafiam sua autoridade profissional e sua reivindicação de autenticidade. O excesso de informações também está ocorrendo em um momento em que os historiadores estão debatendo a precisão de antigas narrativas e o impacto de estruturas e instituições imperiais (arquivo, metodologia histórica, academia etc.) na forma como o passado é recuperado e narrado. A pandemia, portanto, gerou muita introspecção disciplinar e pessoal sobre o que os historiadores fazem, como o fazem e com que propósito o fazem.

Em meu estudo da história africana, a pandemia confirmou a consciência acadêmica da profundidade do colonialismo na forma como as vidas e experiências históricas são enquadradas. Sabemos bem que o imperialismo perdura, mas a devastação desigual do coronavírus em grupos colonizados com acesso limitado à vacina só o validou mais ainda. Os africanistas também reconhecem que o imperialismo se baseia em narrativas impostas, tais como a explicação que a pobreza se deve a uma incapacidade cultural dos pobres, em vez de reconhecer violências, genocídio não contado, grandes roubos e manipulação intelectual da colonização que afeta vidas de populações até hoje. A pandemia revelou, ainda, que a estrutura do estado moderno, seu sistema econômico e infraestruturas burocráticas servem para consolidar privilégios raciais e a dominação imperialista. Suas pretensões ao conhecimento, ciência, direitos humanos e justiça são ferramentas ideológicas de controle.

Embora essas questões fossem conhecidas bem antes da pandemia, a necessidade de descolonizar o conhecimento tornou-se mais urgente e dinamizou um movimento global, exigindo que as disciplinas defendam sua boa-fé como instituições igualitárias e suas reivindicações de conhecimento humanístico. Essa crítica está se infiltrando cada vez mais na história da medicina, que é central para a concepção que a Europa tem de si mesma em relação às diferenças raciais, e para as afirmações do Ocidente em relação à construção (e, portanto, posse) e liderança do mundo moderno.

No entanto, esse novo impulso de descolonização corre o risco de cair no marasmo dos esforços anticoloniais ou pós-coloniais anteriores, que, ao tentarem encontrar igualdade dentro das esferas epistemológicas criadas pela ideologia ocidental, não conseguiram transcender o poder imperialista. Minha opinião é que o conhecimento ocidentalizado deve ser descons­truído na raiz de sua construção, do ponto de sua extração, no cerne de suas reivindicações de diferença e superioridade. Os historiadores devem destacar a inclusão da sociedade, os recursos repartidos e a inovação trazida por sua criação, bem como seus impactos compartilhados.

Esses pensamentos norteiam meu projeto atual sobre a história da medicina moderna na África. Trata-se de desconstruir a narrativa convencional cuidadosamente elaborada, segundo a qual “grandes médicos europeus tratam de corpos africanos”, fazendo da medicina uma injeção cultural europeia estrangeira que ajudava uma cultura de cura africana assumidamente tradicional, contra a qual os africanos reagem com admiração ou resistência. Ao recuperar os papéis dos africanos nas origens da medicina moderna, negamos que a medicina moderna seja racial e proporcionamos um fluxo contínuo de inovação médica por meio do qual os africanos fornecem cura globalmente e não apenas na África. Ao descolonizar e desracializar a medicina, antecipamos uma história humana (não racial) da medicina.

(2) Dadas as amplas implicações da pandemia, a responsabilidade dos historiadores precisa passar da legitimação e naturalização históricas para o nível institucional em que atuariam como patrocinadores e benfeitores de pesquisa. Embora grande parte da metodologia histórica esteja enraizada no eurocentrismo, a descolonização do conhecimento oferece um caminho para recuperar a precisão e fornecer à sociedade explicações e opções mais claras.

Os historiadores têm funcionado convencionalmente dentro de estruturas disciplinares e metodológicas, com relíquias do positivismo do século XIX, o que impede os historiadores de desempenhar funções políticas públicas. A ideia de que a realidade do passado só pode ser encontrada in situ e no contexto da sua época deriva de, e privilegiou, o eurocentrismo. Por meio da descolonização, historiadores podem ser libertados de muitas restrições disciplinares para fornecer interpretações irrestritas do passado. Antigas exclusões disciplinares, como a ficção, mitologias e a tradição, devem encontrar o seu lugar, pelo menos como representações da experiência vivida. A história deve deixar de ser apenas a história do progresso; deve prover todos os tipos de mudanças, inclusive as circulares. “Ser humano” e “ser sujeito histórico” devem ser compatíveis. Só então a disciplina pode ressoar com um público amplo e ser representativa da experiência humana acumulada.

Tais ajustes podem transformar nossas publicações e disseminação do conhecimento. Embora artigos de periódicos e livros acadêmicos continuem sendo as principais formas de interação profissional, consultoria e ensino, não se deve negar ao domínio público o benefício da pesquisa histórica. Livros mais curtos, escritos em jargões menos acadêmicos, podem ajudar a corrigir a quase ausência de história profissional no discurso público. Os editores devem ser encorajados a publicar edições de tratados acadêmicos adequados para o público em geral.

Especificamente para a pandemia, nosso ensino e publicações devem refletir a história da medicina da maneira mais precisa possível. Isso enfatiza que os patógenos de doenças prejudicam nossas invenções sociais e políticas. Embora os microrganismos sejam reais e naturais, nossos sistemas políticos, ordens sociais, fronteiras nacionais, identidades raciais, étnicas, de classe e tribais são construções. Portanto, também podem ser reconstruídos. Destacar nossa capacidade de mudança pode ajudar a superar as teorias raciais de causação e disseminação de doenças, administrar as tendências imperialistas que prendem inúmeras pessoas à pobreza, e possibilitar uma visão mais responsável de nossa existência compartilhada com o meio ambiente.

Essas tendências já são evidentes na historiografia desde a pandemia. Os professores precisaram complementar, ou mesmo substituir, os tradicionais artigos longos por trechos mais curtos e outras iconografias. Quadrinhos, blogs, tuítes, entre outros, fazem parte agora de nosso repertório de ensino. Na mesma linha, muitos historiadores usam as mídias sociais e profissionais na web para divulgar suas pesquisas e expressar suas opiniões sobre questões sociais.

(3) A historiografia da pandemia está evoluindo lentamente, mas suas ligações com questões sociais são evidentes. Estudos revelam uma concepção de patogênese que é diferente dos desvios político-populares para teorias de visitação e invasão. Ao adotar uma ampla estrutura ambiental, os estudos representam as pandemias como consequência do desequilíbrio ambiental causado por conexões globais, comércio internacional e migração. Eles veem como a ignorância, a desilusão e a incapacidade dos governos nacionais de mobilizar com eficácia seus cidadãos enfraquecem os mecanismos conhecidos de controle do vírus. Também refletem sobre a devastação que a pandemia traz para os povos fracos, marginalizados, e com acesso limitado a recursos públicos.

Um campo de interesse em evolução para os historiadores é o volume de dados gerados sobre as experiências individuais da pandemia. Usando plataformas de mídia social, pesquisadores podem contar com um conjunto de evidências sobre uma ampla variedade de temas, incluindo vida e morte, isolamento social e depressão, processos de vida inovadores e adaptação; tudo a partir da perspectiva de pessoas que os experimentaram. Isso promete ser um arquivo público alternativo, que pode suplantar os arquivos convencionais, muitos dos quais estratificados e estruturados de maneira prejudicial.

Historiadores podem usar sua competência para antecipar um mundo pós-pandêmico. Esta é uma preocupação pertinente à medida que as sociedades em todo o mundo saem das restrições da era pandêmica; um mundo sobre o qual a história tem bastantes respostas. Os padrões de antigas epidemias e pandemias estão evoluindo. Eles incluem o aumento do poder governamental por meio do policiamento do cumprimento, o reforço da influência e da riqueza da elite, migrações em massa, exploração, aumento da competitividade global e do conflito, construção e reforço do seccionalismo e identidade etc. Como nas pandemias do passado, políticos e charlatães de vários matizes apresentarão perspectivas seletivas do passado na tentativa de estruturar a sociedade para exploração posterior. Na mesma linha, surgirão oportunidades para quebrar velhas ordens sociais injustas e renegociar a igualdade social. O estudo histórico aplicado pode ajudar a garantir que o passado não se repita. A disciplina pode fornecer o pano de fundo para um mundo justo após a pandemia de ­COVID-19.

Okezi T. Otovo

(1) Viver uma pandemia real e não textual foi uma experiência reveladora para muitos de nós que estudamos os aspectos sociais, comunitários e humanos da saúde e da medicina no passado. Desafios pessoais e profissionais sem precedentes certamente me deram uma nova lente para olhar a história. Mas claro que demorou para eu entender isso. Como a maioria das pessoas ao redor do mundo, durante os primeiros meses da pandemia, minhas preocupações pareciam muito mais imediatas do que voltadas para a história. Eu me preocupava com minha saúde e segurança, bem como com a saúde e segurança de minha família e de meus entes queridos. Também me preocupei com meus amigos e vizinhos, à medida que a pandemia se desenrolava em meio a um contexto político extremamente volátil e ameaçador nos Estados Unidos, especialmente para afro-americanos e latinos. Com o passar do tempo, e depois de filtrar uma avalanche de informações e desinformações, o contexto da pandemia levou a repensar a forma e o propósito de meu trabalho como historiadora. Mais importante ainda, a contemplação das realidades vividas durante uma pandemia fez surgir novas questões em minha busca contínua de escrever sobre a história das mulheres negras, de compreender e analisar suas diversas experiências dentro de circunstâncias políticas e sociais em transformação, ​​e de colocar no centro seu intelectualismo e epistemologias variadas ao longo do tempo.

Refletir sobre a pandemia me levou a considerar com mais cuidado a relação entre vulnerabilidades persistentes a problemas de saúde causados ​​por fatores estruturais, ambientais e políticos; momentos críticos de vulnerabilidade excepcional, como pandemias, violência sancionada pelo estado e morbidade individual; e as estratégias usadas pelas famílias e comunidades negras nessas diversas situações. Em vez de pensar em pandemias ou doenças em geral como pontos episódicos na linha do tempo de um indivíduo ou de uma comunidade ou trajetória nacional, colocar as vidas negras no centro nos obriga a considerar a crise e a vulnerabilidade como contingentes dentro de um leque de estratégias familiares e de grupo e ativismo. Essa linha de pensamento aprofundou meu interesse pela interdisciplinaridade e me fez ver a necessidade absoluta de uma investigação humanística na análise e enfrentamento das disparidades que existem na saúde pública.

Em termos metodológicos, a pandemia fez com que muitos de nós refletissem sobre nossa posição privilegiada como acadêmicos com capacidade e recursos para viajar para ter acesso aos nossos materiais primários. Assim como aconselhamos nossos alunos, precisamos encontrar abordagens criativas e pensar criticamente sobre como construímos respostas baseadas em evidências para nossas perguntas de pesquisa. Pensar esse acesso também envolve considerar quais registros e recursos estão sendo capturados pela virada digital e quais memórias e registros estão sendo deixados de fora. No meu caso, fui desafiada a pensar nas perguntas que preciso fazer para relacionar minha compreensão da história do Brasil com a história dos Estados Unidos, de forma que eu possa vivenciar e experimentar fontes locais.

(2) Uma das lições profissionais mais importantes que o ano de 2020 e o início de 2021 me ensinaram foi repensar o significado e formas de engajamento público. Como historiadores, sabemos que nossa pesquisa, ensino e publicações aumentam o conhecimento coletivo, interrompem ou reforçam preconceitos arraigados e contextualizam eventos atuais. Essa verdade é particularmente evidente em momentos de turbulência política, crise social e perigo social. O passado continua sendo uma fonte poderosa de legitimidades, subjetividades e valores - um verdadeiro campo minado. O empurra-e-puxa entre política e conhecimento técnico, bem como o peso colocado sobre os mais vulneráveis da sociedade apanhados no meio de tudo isso, é algo que quem tem estudado raça, desigualdade e saúde conhece muito bem. Não apenas os historiadores devem estar envolvidos na formulação de políticas e na mídia, mas nossas perspectivas e abordagens para conceituar e definir os problemas sociais são tremendamente necessárias. Porém, a formulação de políticas é apenas uma área, entre outras, em que as percepções dos historiadores precisam ser ampliadas. Também precisamos pensar além da política e envolver o público em geral e, assim, ampliar nossas expectativas sobre o que significa ser um acadêmico engajado publicamente, encontrando novas maneiras de conectar nosso conhecimento e habilidades às necessidades contemporâneas. Isso pode significar trabalhar em esferas desconhecidas e com parceiros comunitários fora do mundo acadêmico.

Historiadores especializados em doenças nos lembram que eventos excepcionais, como pandemias descontroladas, são catástrofes de origem humana e não catástrofes naturais. Como argumentou a historiadora medieval Ellen F. Arnold10 10 ARNOLD, Ellen F. Pandemics of the past, 4 maio 2020. 1 vídeo [1h. 3 min.]. COVID-19 OWU Exploration. We’re all in this together: an interdisciplinary exploration of the coronavirus pandemic. Ohio Wesleyan University. Disponível em: https://www.owu.edu/academics/covid-class/. Acesso em: 20 jun. 2021. , as pandemias expõem estruturas sociais, valores e redes existentes. Não é surpresa, portanto, que as desigualdades sistêmicas e estruturais tenham guiado o curso da pandemia de COVID-19 muito antes de ela começar. Para os afrodescendentes no Brasil e nos Estados Unidos, as perdas (humanas, financeiras e comunitárias) desproporcionais da pandemia são mais uma prova do emaranhado do passado e do presente “cujo cerne é o racismo” (ARAÚJO et al, 2020, p. 192).

Sabrina Thomas nos desafia a esperar e exigir mais da academia em relação à devastação causada pela pandemia e ao fato de que suas consequências serão vistas e sentidas nos próximos anos (THOMAS, 2021, p. 630). No meu caso, tenho pensado muito sobre como as ciências humanas podem colaborar com e servir organizações e especialistas que têm impacto direto nas condições de saúde. Como resultado desses esforços, envolvi-me em uma série de pesquisas e projetos comunitários que buscavam reduzir o preconceito racial nos cuidados obstétricos e pediátricos. Em vez de um trabalho adicional ou diferente de minha pesquisa acadêmica, as exigências da pandemia de COVID-19 me fizeram ver um novo tipo de utilidade e valor em pensar a história de um jeito que se funde produtivamente com a prática.

(3) A partir do meu entendimento sobre o estado atual da literatura histórica, espero que a pandemia inspire novos estudos sobre racismo estrutural e disparidades na saúde. Acho que obteremos insights de nossos colegas da antropologia médica e da sociologia para considerar o preconceito racial na assistência à saúde como um corolário sistêmico das disparidades nos determinantes sociais da saúde, mantendo a ênfase na mudança e na continuidade ao longo do tempo. Além disso, temos poucos estudos históricos que interpretam o ativismo de saúde entre os atores afrodescendentes, analisando momentos de crise - situações epidêmicas e pandêmicas - junto com experiências persistentes, como o acesso desigual aos cuidados de saúde. Da mesma forma, precisamos de mais estudos que analisem o trabalho de curandeiros negros alternativos e praticantes cujos métodos podem ter coincidido ou divergido das normas biomédicas.

A controvérsia em torno da vacina para a COVID-19 já forneceu uma ilustração convincente desse tipo de abordagem. Nos Estados Unidos, por exemplo, a desconfiança profundamente justificada dos cidadãos negros em relação à comunidade médica, resultante de séculos de abuso, negligência e maus tratos, virou um tópico sério entre os especialistas de saúde pública que buscam aumentar a confiança na vacinação. Como Dan Royles demonstrou, os historiadores têm uma visão essencial que pode contribuir para esse diálogo. Além de ativistas que não são médicos, a pandemia nos ensina que precisamos também de estudos históricos sobre os papéis complexos e variados desempenhados, na saúde pública, pelos médicos, enfermeiras, parteiras, doulas e outros profissionais biomédicos alternativos negros, especialmente dentro de cenários políticos em mudança. Em geral, as disparidades que a pandemia dolorosamente revelou devem inspirar novas pesquisas sobre como as comunidades estruturalmente desfavorecidas se organizam, fazem lobby político, e alavancam seus próprios recursos e experiência para a saúde coletiva, quando, e onde, a vontade do Estado é insuficiente ou ausente.

Patricia Palma

(1) No início de 2020 me mudei para viver e trabalhar em Arica, uma cidade chilena na fronteira com o Peru a 2 mil quilômetros de Santiago, a capital. Depois de algumas semanas veio a pandemia e a fronteira com o Peru foi fechada, encerrando um fluxo migratório e comercial importante para os habitantes de Arica e Tacna (Peru).

A atual pandemia me levou a refletir sobre como viver uma doença, e especialmente uma epidemia, fora das capitais e em espaços fronteiriços. Nós que moramos nessas regiões muitas vezes somos obrigados a viajar para ter acesso a tratamento médico. Em Arica, por exemplo, a falta de especialistas e a pouca oferta de profissionais faz com que precisemos viajar até Santiago. Da mesma forma, aqueles que não podem pagar o tratamento médico em Arica viajam para Tacna em busca de um tratamento mais acessível (LIBERONA; TAPIA; CONTRERAS, 2017). O fechamento da fronteira internacional e a limitação dos voos domésticos tiveram grande impacto na saúde da população fora da capital - daqui a algum tempo poderemos analisar toda a magnitude dessa realidade. Talvez o mais importante seja que a pandemia expôs a desigualdade no acesso à saúde, algo que esperamos mudar no futuro.

Esta epidemia também afetou o meu trabalho acadêmico. Nos últimos meses, mudei a área da minha pesquisa para as regiões - enfatizando, especialmente, as questões de saúde, migração e fronteira.

Com relação ao tema da saúde, retomei minha pesquisa sobre a peste bubônica e como isso afetou a população do Sul do Peru e do Norte do Chile entre 1903 e 1905. É um assunto que me interessa há algum tempo, mas que durante o último ano comecei a retomar e a investigar de forma mais sistemática. Lembro, claramente, da redação de um jornal de Pisagua - uma região costeira no Norte do Chile - que, em fevereiro de 1905, lamentava a difícil situação que viviam pela doença e o completo abandono por parte das autoridades e pelo governo. Como tenho a dupla condição de historiadora e residente na província, esse tipo de reivindicação faz muito mais sentido para mim.

Alguns historiadores consideram que os últimos meses têm sido muito complexos para realizar pesquisas históricas, devido ao fechamento de muitas bibliotecas e arquivos. Isso, sem dúvida, afetou o meu trabalho, mas também me forçou a pensar em alternativas: uma delas foi trabalhar com arquivos digitais, que aumentaram muito nos últimos meses (PALMA, 2021); outra alternativa foi contar com uma equipe de trabalho, principalmente em Lima - diante da impossibilidade de viajar e estar presente, meus ajudantes têm sido a chave para acessar e ampliar minhas pesquisas no Peru; e, finalmente, a pandemia foi uma oportunidade para investigar diversos processos históricos em Arica, pois os arquivos estão sendo abertos de forma gradual. Assim, apesar das dificuldades inerentes, viver em pandemia tem sido uma grande oportunidade para aprender e pesquisar sobre a história local e trabalhar em equipe.

(2) Nos meses que se seguiram à pandemia observamos um interesse sem precedentes a respeito de nós, que investigamos sobre saúde pública e epidemias na América Latina. A mídia e os espaços acadêmicos começaram a se perguntar como a população local vivera a experiência de adoecer no passado. Seja em palestras, workshops, ou nas edições especiais das revistas: a história da saúde tornou-se protagonista. Durante esse período, muitos historiadores e historiadoras tentaram explicar os processos ao público em geral, para isso foram feitas comparações e demonstração de resistências que existem na atualidade com medidas sanitárias, como por exemplo, o processo de vacinação.11 11 Gostaria de destacar um dos primeiros ciclos de entrevistas/conversas sobre a história da saúde realizados pela historiadora argentina Marcela Vignoli, com início em março de 2020 e transmitidos ao vivo pelo Instagram. Esse ciclo deu origem ao livro Epidemias y endemias en la Argentina moderna. Diálogos entre pasado y presente (2020).

Considero que as nossas pesquisas não falam por si, e que é necessária uma aproximação àqueles que realizam as políticas de saúde. No entanto, esses espaços de aproximação entre a academia e os profissionais que desenvolvem as políticas públicas continuam insuficientes. Acredito que, nesse aspecto, temos uma grande responsabilidade. Observo, especificamente, dois grandes problemas na escassa presença de historiadores nos assuntos públicos e nos meios de comunicação social: o primeiro diz respeito aos sistemas de avaliação acadêmica de muitos países da América Latina - incluindo o Chile, onde resido. Com maior frequência, a publicação em periódicos indexados ganha mais relevância na hora de sermos avaliados ou de nos destinarem fundos de pesquisa. A chamada “vinculação ao meio” é desejada, porém com uma avaliação menor em comparação com os papers acadêmicos em revistas indexadas. Isso fez com que muitos acadêmicos privilegiassem mostrar os resultados de suas pesquisas apenas em um tipo de formato: os papers. Os livros de divulgação e a participação em comitês consultivos e de especialistas são menos valorizados.

Diante do excesso de trabalho realizado por um docente ou pesquisador no dia a dia, não se deve admirar que sejam privilegiadas aquelas atividades mais valorizadas pelo sistema universitário. Esperamos que isso mude nos próximos anos. O segundo problema é que os historiadores nem sempre têm as ferramentas (ou o interesse) para comunicar a um público amplo e não especializado os resultados de nossas pesquisas. Há uma demanda das pessoas por conhecer fatos históricos, mas para isso são necessárias obras de difusão, em linguagem simples, um nicho que foi preenchido por outros especialistas, como jornalistas, ou no caso da saúde, por médicos.12 12 A lista é extensa, nessa linha recomendo o livro escrito pelo jornalista chileno Juan Luis Salinas, El peso de la sangre: viaje personal al SIDA (2019).

(3) Acredito que há muito da historiografia produzida durante a pandemia que ainda não foi publicada: os processos editoriais levam tempo e, possivelmente, nos próximos anos, poderemos realizar uma reflexão mais profunda sobre a historiografia que surgiu como resposta à pandemia atual. Destaco o trabalho realizado pela revista História, Ciência, Saúde - Manguinhos, que incorporou uma seção em sua revista intitulada “Testemunhos Covid-19”, em que diversos historiadores e especialistas compartilham reflexões sobre a epidemia.

Gostaria de mencionar alguns temas que considero importantes para esta área de pesquisa, e espero que mais pesquisadores se sintam encorajados a refletir sobre o assunto.

O primeiro diz respeito ao racismo. Há elementos que se repetem entre uma epidemia e outra, e sem dúvida a culpabilização das vítimas é uma constante. O perfil do culpado muda - às vezes eles são pobres, em outras asiáticos, ou ainda migrantes internos - mas um grupo da população é sempre responsabilizado. As epidemias trazem à tona o racismo e a xenofobia com que convivemos dia após dia. A mídia e as redes sociais se transformam em uma vitrine onde, livremente e sem argumento científico, certos setores da população são culpados pela disseminação de doenças. Esperamos que, nos próximos anos, as pesquisas coloquem ênfase nos conflitos raciais, especialmente em um continente tão diverso como o nosso.

Na mesma linha, considero importante incorporar a variável do gênero nas pesquisas de história da saúde. As mulheres sofreram uma carga significativa durante a epidemia: mães, cuidadoras, acadêmicas, tiveram um impacto em sua saúde e trabalho. Por exemplo, um estudo publicado no final de 2020 mostrou que os envios de publicações acadêmicas para American Journal of Public Health haviam aumentado durante a pandemia, mas isso exacerbou os desequilíbrios de gênero na academia (BELL; FONG, 2021). O mesmo aconteceu na revista ISIS que enfoca a história da ciência e da medicina13 13 Disponível em: https://hssonline.org/report-on-isis-submissions-and-gender-during-the-pandemic/ . Faltam estudos centrados na América Latina, mas é bem possível que essa situação se repita.

Finalmente, acho que é importante nos concentrarmos em como a população recebeu e respondeu às políticas restritivas de saúde. Uma história de saúde “de baixo” é sempre complexa de escrever, especialmente pelo acesso a fontes de informação. Entender como as pessoas comuns viveram os processos pandêmicos e de adoecimento, nos permite avaliar a extensão das políticas de saúde.

Rodrigo Turin

(1) Na medida em que eu já tinha como tema de pesquisa as temporalidades contemporâneas, a pandemia acabou por fazer convergir, de modo intenso e tenso, as dimensões da experiência e do conhecimento, da vida cotidiana e dos objetos de pesquisa. Mais especificamente, essa convergência entre história vivida e história conhecida se deu através de dois fenômenos para os quais a pandemia serviu de catalisador: de um lado, a aceleração do tempo promovida pelas políticas neoliberais-autoritárias e pelas novas tecnologias; de outro lado, a irrupção de um tempo catastrófico, promovida pela crise climática e pela exploração extensiva da natureza. No mesmo movimento em que se intensificou a redução da vida ao ambiente digital, abolindo o espaço e comprimindo o tempo - com aulas, reuniões, palestras, orientações em ambientes virtuais -, tornou-se também mais explícita e urgente a dimensão de uma imensa realidade geofísica que, durante muito tempo, se manteve fora das minhas preocupações historiográficas. Ao mesmo tempo, portanto, uma acelerada desmaterialização das relações sociais e uma brutal materialização das condições mínimas da existência no planeta.

A coexistência dessas duas formas de temporalidade na pandemia, em suas vinculações e tensões, reforçou a percepção de que não é mais possível mantê-las separadas analiticamente. Um dos efeitos disso, me parece, é que a divisão instituída na universidade moderna entre ciências humanas e naturais deixa de ser apropriada para enfrentar essa nova condição de historicidade. O que não implica afirmar a pura negação de suas respectivas tradições e linguagens, mas antes a necessidade de buscar pontos de cruzamento que possibilitem reconfigurá-las de modo relacional, em função dos novos desafios e das demandas que se colocam. A própria pandemia, nesse sentido, é bastante reveladora dessa nova condição, uma vez que ela aciona e entrecruza diferentes dimensões da realidade que recusam um recorte demasiadamente arbitrário entre o que é social e o que é natural, entre o que é histórico e o que é não-histórico, entre o que é humano e o que é não-humano.

Nesse sentido, a experiência da pandemia tem me levado a buscar pensar e experimentar novas formas e sentidos para a pesquisa e o ensino de história. Minhas pesquisas anteriores sobre a história da historiografia e sobre teoria da história estão sendo, em grande parte, ressignificadas em função desse presente pandêmico e do horizonte catastrófico que se desenha. Se há alguns anos o meu foco estava em delimitar os contornos da crise institucional da disciplina histórica, provocada pelas políticas neoliberais que afetam o sistema universitário e escolar, hoje me parece que a escala do problema se revela muito maior, praticamente uma escala geológica, implicando a condição de possibilidade de qualquer história possível. Se isso representa uma ameaça sem precedentes, também não deixa de se apresentar como um momento crucial de reinvenção dos modos de viver, produzir e narrar histórias.

(2) Os historiadores precisam, mais do que nunca, engajar-se na esfera pública. Isso não quer dizer que todos devam se ocupar disso, muito menos que precisem abdicar de suas pesquisas e aulas em função dessa forma de atuação. O que o contexto da pandemia veio reforçar, no entanto, ainda mais no contexto político brasileiro, é a necessidade de um maior comprometimento da comunidade de historiadores - e da universidade, de modo geral - com a dimensão das políticas públicas e da cidadania. Durante os meses de confinamento e em meio ao descaso do Estado e aos negacionismos de toda espécie, presenciamos uma forte participação de historiadores nas redes sociais, em plataformas audiovisuais e em veículos de comunicação. Como parte da migração da vida para o mundo digital, vimos uma explosão de lives, palestras e debates envolvendo historiadores de diferentes regiões e sobre os mais variados temas. Acredito que essas formas de engajamentos devam permanecer, mesmo após o fim da pandemia, ainda que em um ritmo menor.

Um ponto que me parece urgente discutir, contudo, antes da questão mais abstrata e normativa de se os historiadores devem ou não se ocupar de assuntos públicos, é interrogar as condições de possibilidade dessa forma de atuação. E perguntar-se por essa condição de possibilidade implica enfrentar tanto uma dimensão interna à comunidade, como uma dimensão externa. Um primeiro ponto é em que medida os modos atuais de formação e de produção historiográfica - universitária e escolar - permitem que os historiadores possam dedicar seu tempo a participar de debates públicos ou mesmo investir suas carreiras em divulgação cientifica e em outras formas de atuação midiática? Quando os critérios de avaliação profissional levam os historiadores a terem que se voltar apenas a formas determinadas de produção, e sempre buscando aumentar os níveis de sua performance de produtividade, fica difícil cobrar que eles, individualmente, se responsabilizem em expandir sua atuação na esfera pública. Cobrar isso é reproduzir o ethos sacrificial que vem marcando as relações trabalhistas nas últimas décadas.

O outro ponto diz respeito à arquitetura dos meios de comunicação e, principalmente, às plataformas digitais que reestruturam aquilo que entendíamos como esfera pública. O oligopólio global concentrado em meia dúzia de empresas de tecnologia, cujos tamanhos, estrutura e influência já fazem com que devam ser vistas como quase Estados, coloca-se hoje como um desafio fundamental com o qual os historiadores devem lidar. Em que medida a arquitetura dessas plataformas permite que ocorra um debate público, no qual os historiadores teriam voz, para além de circuitos bastante limitados e predeterminados de audiência? O que hoje fica claro é o teto relativamente baixo que confina o alcance desses debates e cujos limites dificilmente podem ser transpostos por um simples voluntarismo de indivíduos. E aqui me parece que uma luta urgente é não apenas entrar no debate público, mas realizar ações e alianças - envolvendo toda a comunidade científica e para além dela - visando às condições de existência de uma esfera pública democrática, envolvendo questões como soberania algorítmica e democracia digital.

(3) De modo geral, acredito que a historiografia tem apresentado um conjunto bastante variado de temas e perspectivas, desde as mais clássicas e que permanecem pujantes - como a historiografia da escravidão - às mais novas, como as vinculadas às dimensões tecnológicas, de gênero e da história pública. Afirmar as faltas ou ausências em determinada disciplina sempre é um ato que envolve uma perspectiva pessoal e uma disposição de política disciplinar. Um tema, no entanto, me parece ainda muito pouco tematizado pela historiografia: a questão climática e do Antropoceno. Com exceção de alguns importantes trabalhos, a historiografia como um todo não parece ainda ter enfrentado e incorporado de modo suficiente as implicações dessa mudança planetária que estamos vivendo de forma cada vez mais acelerada. Diferentemente de outras disciplinas das humanidades, como a Antropologia ou a Filosofia, que já possuem um acúmulo considerável de referências e reflexões acerca do tema, a historiografia ainda parece apresentar certa relutância em enfrentar esse problema, confinando-o a entradas especializadas.

Essa relutância, talvez, esteja relacionada às possíveis implicações que a atual crise ambiental traz à disciplina da História. Afinal, como ressaltou Reinhart Koselleck, o próprio conceito moderno de história é fruto de uma desnaturalização do tempo, promovendo uma distinção entre o tempo da natureza (em sua dimensão geológica) e o tempo da história (o “estudo dos homens no tempo”, como disse Marc Bloch). Além disso, toda a dimensão pedagógica da disciplina, que orientou e justificou sua inserção social, ancorou-se na equação básica desenvolvimento-cidadania, ou seja, cabia à disciplina oferecer um repertório narrativo aos indivíduos que possibilitasse a sua formação tendo em vista um processo histórico de emancipação e liberdade via progresso, tomando a natureza como um palco mais ou menos estável e quase inesgotável.

O que a crise climática nos coloca hoje, justamente, é a necessidade de ultrapassar as distinções entre história e natureza, humanos e não-humanos, assim como redesenhar as formas de inserção didática e pública da história, visando à elaboração - em conjunto com os diversos agentes envolvidos - de novas formas de historicidade. No lugar de conceitos como o de “desenvolvimento” e “progresso”, por exemplo, precisamos pensar em noções alternativas, como a de “habitalidade”, assim como em novas políticas do tempo. Nessa chave, tenho apreciado muito ler trabalhos como os de Dipesh Chakrabarty a respeito de um nova condição de historicidade planetária; as pesquisas e reflexões da história ambiental; os trabalhos de história global a respeito das formas de exploração da natureza e sua relação com a constituição de um “sistema-mundo” capitalista; mas, acima de tudo, os textos e as intervenções de Ailton Krenak, Eliel Benites, David Kopenawa, Sonia Guajajara, entre tantas outras e outros que têm tanto a dizer sobre esse momento. Afinal, elaborar outras formas de historicidade que nos permitam viver nas ruínas do nosso presente não pode consistir apenas em elucubrações teóricas ou em pesquisas metódicas, mas também implica a adoção de uma ética da escuta e o alargamento dos espaços de diálogo - com todas as fricções, tensões e descobertas que isso possa implicar para os historiadores e sua tradição disciplinar.

Referências - Mariola Espinosa

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  • TURIN, Rodrigo. Tempos pandêmicos e cronopolíticas São Paulo: N-1 Edições, 2020.
  • 1
    A Associação AmericanaAMERICAN HISTORICAL ASSOCIATION. A Bibliography of Historian’ Responses to COVID-19. Disponível em:Disponível em:https://www.historians.org/news-and-advocacy/everything-has-a-history/a-bibliography-of-historians-responses-to-covid-19 . Acesso em: 31 jul. 2021.
    https://www.historians.org/news-and-advo...
    de História, por exemplo, criou uma bibliografia das atividades públicas dos historiadores sobre o tema da COVID-19. Isso inclui vídeos, editoriais, artigos, apresentações na televisão e outras mídias públicas. Disponível em: https://www.historians.org/news-and-advocacy/everything-has-a-history/a-bibliography-of-historians-responses-to-covid-19. Acesso em: 31 jul. 2021.
  • 2
    Ver, por exemplo, Grafton (2011) e Norton e Grossman (2021), entre outros.
  • 3
    Alguns bons exemplos de compilações que reavaliam a história no que diz respeito à pandemia atual encontram-se no “Special issue: reimagining epidemics”, do Bulletin of the History of Medicine (2020), e a série “Testemunhos Covid-19” publicada nos exemplares da revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos começando com o v. 28.
  • 4
    AS4ESTAÇÕES: Conversa animal com Reinaldo Funes Monzote, 29 abr. 2021. 1 vídeo [1 h. 3 min.]. Publicado pelo canal As Quatro Estações no YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MjquWlIAYnc&t=2692s. Acesso em: 23 jun. 2021; e FRONTERAS de mercancías e historia ambiental de América Latina y del Caribe - Reinaldo Funes Monzote, 15 abr. 2021. 1 vídeo [58 min.]. Publicado pelo canal Laboratório História e Natureza no YouTube. Disponível em: https://youtu.be/97XW-2FXfZ0. Acesso em: 23 jun. 2021.
  • 5
    HALAC - Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, v. 10, edición suplementaria, 2010. Disponible en: http://halacsolcha.org/index.php/halac.
  • 6
    Ver interessante artigo do jornal português Público sobre um dos efeitos adversos da urgência de publicar e divulgar conhecimento sobre o SARS-CoV-2, que é a centena de artigos que foram posteriormente invalidados: FREITAS, Andrea Cunha. Covid-19: há mais de 100 artigos científicos invalidados ou corrigidos. Público, 26 jun. 2021. Disponível em: https://www.publico.pt/2021/06/26/ciencia/noticia/covid19-ha-100-artigos-cientificos-retirados-corrigidos-1967862. Acesso em: 18 jul. 2021.
  • 7
    GARCIA, Janaina. Produção científica de mulheres despenca na pandemia - de homens, bem menos. UOL, Tilt, Ciência, 26 maio 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/05/26/pandemia-pode-acentuar-disparidade-entre-homens-e-mulheres-na-ciencia.htm. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 8
    Disponível em: https://hhmagazine.com.br.
  • 9
    Disponível em: http://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/.
  • 10
    ARNOLD, Ellen F. Pandemics of the past, 4 maio 2020. 1 vídeo [1h. 3 min.]. COVID-19 OWU Exploration. We’re all in this together: an interdisciplinary exploration of the coronavirus pandemic. Ohio Wesleyan University. Disponível em: https://www.owu.edu/academics/covid-class/. Acesso em: 20 jun. 2021.
  • 11
    Gostaria de destacar um dos primeiros ciclos de entrevistas/conversas sobre a história da saúde realizados pela historiadora argentina Marcela Vignoli, com início em março de 2020 e transmitidos ao vivo pelo Instagram. Esse ciclo deu origem ao livro Epidemias y endemias en la Argentina moderna. Diálogos entre pasado y presente (2020).
  • 12
    A lista é extensa, nessa linha recomendo o livro escrito pelo jornalista chileno Juan Luis Salinas, El peso de la sangre: viaje personal al SIDA (2019).
  • 13
    Disponível em: https://hssonline.org/report-on-isis-submissions-and-gender-during-the-pandemic/
  • 27
    A tradução das respostas em inglês para o português foram feitas por Janine Pimentel, professora do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A tradução das respostas em espanhol para o português foram feitas por Claudia Martínez, tradutora e professora de línguas e culturas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    23 Set 2021
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