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Terras marcadas: continuidades e descontinuidades na luta pela terra em Minas Gerais

Target lands: continuities and discontinuities in the struggle for land in Minas Gerais

Tierras marcadas: continuidades y discontinuidades en la lucha por la tierra en Minas Gerais

RESUMO

O artigo discute os conflitos em torno de determinadas terras em Minas Gerais, no intuito de compreender algumas formas de mobilização e memórias que possibilitaram a rearticulação dessas lutas, especialmente entre as décadas de 1960 e 1980. Trata-se das disputas pela Fazenda do Ministério (Governador Valadares-MG) e por Cachoeirinha (Varzelândia-MG), ambas de caráter emblemático na luta pela reforma agrária no estado. Refletindo sobre as especificidades e semelhanças entre esses dois processos, busca-se compreender a variedade e a complexidade dessas mobilizações, assim como alguns de seus contornos mais amplos. A investigação demonstrou que essas lutas, em alguns momentos, contaram com a participação de organizações e movimentos sociais, que ligaram esses conflitos específicos às suas bandeiras mais amplas, aumentando seu alcance e, assim, a possibilidade de conquista das terras pelos trabalhadores rurais.

Palavras-chave:
Fazenda do Ministério; Cachoeirinha; Minas Gerais; Reforma Agrária; trabalhadores rurais

ABSTRACT

The article discusses the conflicts over certain lands in Minas Gerais, in order to understand some forms of mobilization and memories that enabled the re-articulation of these struggles, especially between the 1960s and 1980s. The disputes over the Fazenda do Ministério (Governador Valadares-MG) and Cachoeirinha (Varzelândia-MG) were investigated, both of which are emblematic in the struggle for agrarian reform in the state. Reflecting on the specificities and similarities between these two processes, we seek to understand the variety and complexity of these mobilizations, as well as some of their broader outlines. The investigation showed that these struggles, at times, counted on the participation of organizations and social movements, which linked these specific conflicts to their broader banners, increasing their reach and, thus, the possibility of land conquest by rural workers.

Keywords:
Fazenda do Ministério; Cachoeirinha; Minas Gerais; Agrarian Reform; rural workers

RESUMEN

El artículo discute los conflictos por ciertas tierras en Minas Gerais, con el fin de comprender algunas formas de movilización y memorias que permitieron la rearticulación de estas luchas, especialmente entre las décadas de 1960 y 1980. Governador Valadares-MG) y por Cachoeirinha (Varzelândia-MG) , ambos emblemáticos en la lucha por la reforma agraria en el estado. Reflexionando sobre las especificidades y similitudes entre estos dos procesos, buscamos comprender la variedad y complejidad de estas movilizaciones, así como algunos de sus contornos más amplios. La investigación mostró que estas luchas, en ocasiones, contaron con la participación de organizaciones y movimientos sociales, que vincularon estos conflictos específicos a sus banderas más amplias, aumentando su alcance y, por ende, la posibilidad de conquista de tierras por parte de los trabajadores rurales.

Palabras clave:
Ministerio de Hacienda; pequeña cascada; Minas Gerais; Reforma Agraria; trabajadores rurales

Os conflitos específicos aqui discutidos estão, em grande medida, relacionados a processos mais amplos, alguns deles marcantes na história brasileira. As intensas e duradouras alianças entre Estado, capitalistas e grandes proprietários de terras são fortemente responsáveis pela manutenção das relações de poder e condições de vida profundamente desiguais na nossa sociedade. Assim, vivemos recorrentemente iniciativas aparentemente modernizadoras, cujas principais marcas são a manutenção de estruturas e o persistente acúmulo de privilégios políticos e econômicos nas mãos das mesmas elites (MARTINS, 1994MARTINS, José de Sousa. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História lenta. São Paulo: Hucitec, 1994.; OLIVEIRA, 2007OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista, agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: FFLCH, 2007.).

Até a década de 1950 existiam, em Minas Gerais, vastas regiões desabitadas ou habitadas por povos indígenas, terras devolutas ainda com pouco valor monetário, pois de difícil acesso e com pouco estrutura para exploração econômica. Assim, visando controlar e integrar essas regiões ao sistema produtivo, o poder público incentivou a ocupação dessas terras, abrindo estradas, concedendo isenções fiscais e, por vezes, emitindo documentos de posse para os que se aventurassem nessas regiões. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, um grande número de trabalhadores rurais migrou para essas terras, transformando as matas em seus locais de moradia e trabalho, deparando-se com indígenas, constituindo famílias e comunidades por décadas1 1 Pouco se sabe sobre as relações entre esses pequenos posseiros e os indígenas que ali viviam anteriormente, pois as memórias desses povos foram fortemente silenciadas. Pelo que pudemos perceber, os pequenos posseiros, movidos pela falta de oportunidades em suas regiões de origem, foram usados pelo poder público para expulsar os indígenas de suas terras e, assim, ampliar o controle estatal sobre essas regiões, abrindo espaço para futuros avanços do grande capital. .

Porém, desde meados do século XX, a situação no campo vinha se transformando com mais intensidade, em face de certas iniciativas modernizadoras, baseadas no forte pacto entre poder público, fazendeiros e grandes empresas. Nesse cenário, a busca pela concentração fundiária assumiu um novo patamar, situando grande parte da população pobre do campo como obstáculo. O direito à terra de vários segmentos de trabalhadores rurais (posseiros, agregados, meeiros etc.) passou a ser cada vez mais ignorado e as tentativas de expulsão se multiplicaram. Muitos desses trabalhadores rurais foram assassinados ou tiveram que abandonar suas terras, sendo expelidos para os centros urbanos ou integrados como assalariados nas fazendas em expansão, sofrendo forte degradação em suas condições de vida e trabalho.

Por outro lado, parte desses trabalhadores buscou também formas de luta conjunta, compondo associações, sindicatos e ligas, organizações que se expandiram em várias regiões do Brasil nesse período (MARTINS, 1981MARTINS, José de Sousa. Os camponeses e a política do Brasil. São Paulo: Editora Vozes, 1981.; MEDEIROS, 2003MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Reforma Agrária no Brasil: história e atualidade da luta pela terra. Coleção Brasil Urgente. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.; 2007MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Luta por terra e organização dos trabalhadores rurais: a esquerda no campo nos anos 50/60. In: MORAES, João Q.; DEL ROIO, Marcos. História do Marxismo no Brasil. V. 4. Campinas: Ed. Unicamp, 2007.; 2014MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar. In: PINHEIRO, Milton (org.). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014.). Fortemente estimulados pelo avanço das forças progressistas no contexto nacional, em especial pelas expectativas em face das prometidas “reformas de base” do Governo Goulart, esses grupos realizaram ocupações e resistência nas terras em disputa, assim como organizaram diversos encontros de trabalhadores e movimentos. As Ligas Camponesas, o Partido Comunista e setores progressistas da Igreja Católica tiveram papel fundamental na mediação dessas lutas, fomentando a sindicalização de trabalhadores rurais, apoiando inúmeras ações de resistência contra a expulsão pela grilagem de terras e denunciando as relações de exploração no campo.

A ascensão desses movimentos de trabalhadores ao cenário nacional trazia grande otimismo para as forças populares, mas também alimentava o temor de vários grupos dominantes, que intensificaram suas investidas políticas, ideológicas e militares contra os trabalhadores. Em grande medida, o golpe de 1964 é parte dessa reação em defesa de privilégios que, como vimos, se ampliavam nesse período de concentração fundiária e avanço do capital no campo. A repressão contra os movimentos foi rapidamente intensificada, desarticulando-os, alguns de forma definitiva. Com o pretexto de combate ao comunismo, tratado pelo governo como uma terrível ameaça, as lideranças dos movimentos foram perseguidas por décadas, muitas sendo agredidas, presas e assassinadas. Quando conseguiram manter alguma forma de enfrentamento, essas lutas se tornaram cada vez mais veladas e dispersas diante do forte risco.

Com o golpe de 1964, que possibilitou maior controle sobre o aparato do Estado, as forças dominantes puderam realizar, quase sem obstáculos, um fluxo mais intenso e violento de expulsão de trabalhadores rurais e concentração fundiária. Muitos fazendeiros, sem qualquer constrangimento, reuniam milícias formadas por jagunços e policiais e atacavam abertamente aqueles que se colocavam como obstáculos aos seus interesses.

Por outro lado, a violência não eliminou completamente as mobilizações de trabalhadores rurais. Notamos que algumas dessas lutas persistentes podem ser identificadas mesmo nos anos mais duros da repressão e tiveram papel relevante nas mobilizações posteriores ao regime militar. A descontinuidade imposta pela ditadura não apagou as experiências e concepções políticas forjadas nas lutas precedentes. Um sinal dessa persistência é o reaparecimento, com novos sentidos, da luta pela terra no final dos anos de 1970. Em certos casos, essas retomadas ocorreram nas mesmas terras que foram objeto de conflito na década de 1960, demonstrando como certas áreas se tornaram pontos de referência que atravessaram os anos mais duros.

Diante desse quadro, o presente artigo discute os conflitos em torno de determinadas terras em Minas Gerais, no intuito de compreender algumas formas de mobilização e memórias que possibilitaram a rearticulação dessas lutas, especialmente entre as décadas de 1960 e 1980. Trata-se das disputas pela Fazenda do Ministério (Governador Valadares-MG) e por Cachoeirinha (Varzelândia-MG), ambas de caráter emblemático na luta pela reforma agrária no estado.

Foram analisados jornais, entrevistas, investigações do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e do Serviço Nacional de Informações (SNI) etc., disponíveis no Arquivo Nacional, no Arquivo Público Mineiro, na Hemeroteca Digital Brasileira, no Centro de Documentação Eloy Ferreira de Silva (Cedefes) e no Centro de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). A investigação foi baseada principalmente em reflexões e procedimentos metodológicos da história oral (AMADO; FERREIRA, 2002AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. (orgs). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002.) e da micro-história (LEVI, 1992LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.; REVEL, 2000REVEL, Jacques P. Prefácio: A história ao rés-do-chão. In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.; GINZBURG, 1989GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.), o que permitiu compreender as diversas memórias em disputa, assim como as especificidades, a complexidade e alguns dos contornos mais amplos dessas mobilizações. Buscou-se, dessa forma, desvendar as relações de interdependência entre os poderes dos diversos atores nesses conflitos em cada figuração ao longo do tempo (ELIAS; SCOTSON, 2000ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. L. Estabelecidos e outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.; ELIAS, 2001ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução de Pedro Süssekind; prefácio de Roger Chartier. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.), refletindo sobre as conexões, continuidades e descontinuidades entre as lutas nos processos de mobilização, formadores das identidades dos sujeitos coletivos em conflito (THOMPSON, 1987THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.).

Fazenda do Ministério

A região de Governador Valadares foi, no final da década de 1950 e início da década de 1960, um dos principais focos de conflito no campo brasileiro, sendo reconhecidamente um dos estopins para o golpe de 1964. Por um lado, nessa região havia um grande número de trabalhadores desamparados em face do processo de expulsão de suas terras e empobrecimento. Por outro, a atuação do Partido Comunista (PCB) em relação a esse problema era cada vez mais intensa, impulsionando os trabalhadores rurais para a organização sindical (CARNEIRO; CIOCCARI, 2011CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da repressão política no campo - Brasil 1962-1985 - Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. 2 ed. Brasília: MDA, 2011.; BORGES, 2004BORGES, Maria Eliza Linhares. Representação do universo rural e luta pela Reforma Agrária no Leste de Minas Gerais. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 303-326, 2004.).

Sob a liderança de Francisco Raimundo da Paixão (Chicão), o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Governador Valadares efervescia com um grande número de trabalhadores mobilizados e um forte sentimento de que seu movimento era convergente com as ações governamentais. As “reformas de base” anunciadas pelo Governo Goulart, assim como as notícias sobre seu decreto que desapropriaria latifúndios e as terras às margens de açudes, rodovias e ferrovias, alimentavam a esperança de que a reforma agrária estava a caminho.

Seria realizado no dia 31 de março um grande comício para a entrega dos títulos de algumas fazendas da região aos trabalhadores mobilizados, evento para o qual eram esperados cerca de vinte mil trabalhadores, assim como importantes autoridades públicas, talvez até o Presidente João Goulart. A Fazenda do Ministério (Fazenda Modelo), onde ocorreria esse comício, tinha papel central nas lutas em curso. Doada pelo Governo Federal ao Governo de Minas Gerais na década de 1940, visando que se tornasse um centro de pesquisa agropecuária, essas terras eram usadas como espaço de criação de gado e empréstimo de maquinário para fazendeiros na década de 1960. Sua desapropriação era uma das principais bandeiras do movimento e para pressionar o poder público os trabalhadores rurais a ocuparam em 1963, o que aumentou o temor dos fazendeiros, que acreditavam que esse evento poderia ser o sinal de uma onda de ocupações de outras fazendas na região (CAMISASCA, 2009CAMISASCA, Marina Mesquita. Camponeses mineiros em cena: mobilização, disputas e confrontos (1961-1964). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.).

Oswaldo Lima Filho, ministro da Agricultura na época, inspecionou a Fazenda em fevereiro de 1964 e anunciou a desapropriação em favor dos trabalhadores. Nesse período, outras autoridades, como João Pinheiro Neto (superintendente da Superintendência de Política Agrária - Supra) e o deputado Israel Pinheiro Filho, também visitaram a área, indicando que outras terras poderiam também ser desapropriadas, como as fazendas Grã-duquesa de Luxemburgo e Frigorífico Anglo.

Aflitos por esses indicativos governamentais e pelo grande número de trabalhadores mobilizados, os fazendeiros da região previam um grande fluxo de ocupações e desapropriações, assim como eram atormentados pelo fantasma do comunismo. O ápice dessa tensão ocorreu no dia 30 de março de 1964, quando latifundiários se dirigiram até a sapataria de Chicão, sede do STR de Governador Valadares, onde estavam reunidos alguns trabalhadores, e “abriram fogo sobre os que ali se encontravam” (BORGES, 2004BORGES, Maria Eliza Linhares. Representação do universo rural e luta pela Reforma Agrária no Leste de Minas Gerais. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 303-326, 2004., p. 321). Assim, o Golpe de 64 começou um dia antes em Governador Valadares, dando impulso para as ações que se seguiram. As mobilizações de trabalhadores foram violentamente interrompidas pela repressão, muitas lideranças sendo perseguidas, presas e assassinadas2 2 Para mais informações sobre esse acontecimento e as violações nesse período, ver o Relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2017). .

A Fazenda do Ministério, cuja desapropriação foi interrompida por esses acontecimentos violentos, se tornou, ainda mais, um símbolo da força dos fazendeiros. Essas terras públicas foram por eles utilizadas livremente, sem constrangimento, assim como as lembranças sobre o massacre no sindicato ecoaram nas memórias da região, amedrontando os trabalhadores rurais e demais atores que pudessem se opor aos interesses desses latifundiários e seus aliados.

Ao olharmos as publicações em alguns jornais de grande circulação, notamos uma grande cobertura dos conflitos pela terra em Governador Valadares no início da década de 1960 até o golpe de 1964, ressaltando as mobilizações de trabalhadores, as reações de latifundiários e o crescimento da tensão. No entanto, os conflitos pela terra na região praticamente somem desses noticiários após o golpe, o que indica que as mobilizações arrefeceram em consequência da repressão.

Porém, talvez inspirados no jornal O Combate3 3 O Combate, de propriedade de Carlos Olavo da Cunha Pereira, teve papel fundamental na formação do sentimento de injustiça e na mobilização de trabalhadores rurais da região de Governador Valadares, até seu empastelamento em 1964. , alguns pequenos jornais locais buscaram, por diferentes caminhos, romper esse silenciamento, chamando rapidamente atenção das forças de repressão. No dia 5 de maio de 1966, o Jornal do Brasil (RJ) noticiou que um pequeno jornal local, caracterizado como “irreverente” e “subversivo”, chamado Jornal 007, estava despertando a ira da polícia e das donas de casa de Governador Valadares, valendo-se de “piadas picantes” contra a ordem e a moral da sociedade. Uma notícia em especial incomodou os grupos mais conservadores do Município, levando, inclusive, ao envio de agentes do Departamento de Vigilância Social para apreensão de seus exemplares. A referida notícia teve como manchete a frase “Chicão contra a Lei de Segurança”, fazendo a população acreditar que se tratava de uma notícia sobre o famoso líder sindical desaparecido, ator central naquele conflito de 1964, ainda muito vivo na memória da população da região e que despertava apreensão. Na verdade, a manchete era uma provocação, pois a notícia tratava de um jogador de futebol, também chamado Chicão, que defendia uma estratégia de jogo mais ofensiva4 4 HEMEROTECA Digital Brasileira. Jornal irreverente circula em Governador Valadares apesar da reação feminina. Jornal do Brasil, 5 fev. 1966, ed. 30, p. 7. .

Já em 1967, outro pequeno jornal de Governador Valadares, chamado A Tribuna, foi investigado pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), por ter como tônica a “subversão”, o “combate à revolução e a desmoralização do Governo e dos revolucionários”5 5 ARQUIVO Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informações. Subversão em Governador Valadares. Informe do Serviço Nacional de Informações. 22 nov. 1967. Referência: BRDFANBSBV8MIC.GNC.000.82007719. . Pelo que consta nessa investigação, esse jornal, ligado a grupos comunistas, teria feito várias acusações ao governo, como inabilidade na condução da política econômica, corrupção, manipulação de estatísticas, oportunismo, fraude eleitoral etc.

Não encontramos mais vestígios desses jornais, o que pode indicar que tiveram suas atividades interrompidas, provavelmente pela atuação das forças de repressão que os identificaram. No entanto, os rastros encontrados indicam que, mesmo poucos anos após aquele evento traumático no sindicato, alguns atores buscaram questionar o regime em Governador Valadares. Por outros caminhos, o grupo Corrente Revolucionária de Minas Gerais também tentou atuar em Governador Valadares, nos anos de 1967 e 1968, almejando uma futura guerrilha rural, o que não pôde ser concretizado (VITRAL, 2013VITRAL, Thiago Veloso. Corrente revolucionária de Minas Gerais: resistência ativa à ditadura civil militar em Minas Gerais (1967-1969). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Minas Gerais, 2013.).

Pelo que pudemos perceber, essa região ficou por muito tempo marcada devido a intensidade dos conflitos de março de 1964, sendo identificada como espaço arriscado, propício para novas agitações, o que provocou muito controle estatal e precaução daqueles que, de alguma forma, destoavam dos interesses do regime. Foi o que percebemos numa matéria do Jornal do Brasil, de 15 de março de 1968, que trata de uma futura visita de Carlos Lacerda à Governador Valadares, visando “uma nova arrancada da Frente Ampla”. Segundo o Jornal, Lacerda, nessa oportunidade, visava questionar a “política agrária” “burocrática” do governo Costa e Silva e apresentação de um “projeto racional” no qual “uns 30 ou 40 milhões de brasileiros poderão ser integrados no processo produtivo”. A matéria destaca a preocupação dos vereadores do Município, assim como do comando da Polícia Militar, que buscavam repelir os rumores de que a vinda de Lacerda estava ligada a agitações na região, uma suposta “terra de cangaceiros”, esforçando-se para passar uma imagem de tranquilidade e normalidade. A seguir, destaca-se também que “a cidade ficou famosa com os episódios que culminaram a revolução de 64”, nos quais “houve conflitos entre camponeses e latifundiários”. Em notícias como essas, percebemos como os conflitos de 1964 ainda ecoavam nas lembranças sobre Governador Valadares6 6 HEMEROTECA Digital Brasileira. Lacerda inicia hoje arrancada em Governador Valadares. Jornal do Brasil, 15 mar. 1968, ed. 292, p. 3. .

Duas figuras centrais, opostas nesse conflito, também parecem não ter sido esquecidas: Francisco Raimundo da Paixão e Coronel Pedro Ferreira Santos. O líder Chicão tornou-se uma lenda e seu paradeiro era pouco conhecido na época. Muitos acreditavam que ele havia morrido no ataque ao sindicato, outros que tinha escapado e, para alguns, estava tramando um poderoso contra-ataque. Como vimos acima, na notícia irreverente do Jornal 007, apenas citar seu nome já provocava frisson. Noutra notícia do Jornal do Brasil, foram apontados indícios de que o sapateiro “agitava Goiás” e “desenvolve atividades subversivas”, arregimentando “camponeses para a luta pelo poder”7 7 HEMEROTECA Digital Brasileira. Cartas revelam à Polícia que sapateiro Chicão não morreu e agita Goiás. Jornal do Brasil, 21 nov. 1965, ed. 273, p. 22. .

Cruzando vários documentos produzidos pelas forças de repressão pudemos ter uma ideia da trajetória desse militante entre o final da década de 1960 e início da década de 1970, apesar de ainda não contarmos com fontes de outra natureza para que essas informações fossem completamente confirmadas. Segundo os investigadores, Chicão escapou do conflito no sindicado e ficou no Rio de Janeiro até 3 de outubro de 1965, quando foi para a Bulgária com o apoio do PCB. Lá permaneceu por cerca de dois anos, estudando Economia Política na Universidade de Sóvia, sem concluir o curso. Por discordâncias, foi expulso do PCB e da Bulgária em 1967. Nesse momento, passou a viver em países da América do Sul, principalmente Uruguai e Chile, sempre sob suspeita de participação em movimentos subversivos.

Ao que tudo indica, Chicão retornou ao Brasil em várias ocasiões, geralmente conseguindo ficar por pouco tempo em vista dos riscos de ser identificado. Encontramos indícios de que utilizou o nome Manoel Raimundo da Silva em grande parte do tempo em que esteve escondido. Segundo essa documentação, viveu por certo tempo no Paraná e Rio Grande do Sul, onde foi preso e interrogado pelo Dops em 1971, sendo solto por falta de provas, pouco tempo depois. Em seguida, retornou para o Uruguai, porém encontramos indícios de que continuou vivendo em outros países na América do Sul até seu retorno ao Brasil em 19798 8 Dentre os vários documentos consultados para reconstruir a trajetória de Chicão nesse período, destacamos as seguintes: ARQUIVO Nacional. Informe do Serviço Nacional de Informações, 14 dez. 1971. Fundo do SNI. BRDFANBSBV8MIC.GNC.AAA.71043942; Informe da Divisão de Segurança da Aeronáutica - 225/DIS-04, 17 nov. 1971; ARQUIVO Nacional. Fundo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. BRDFANBSB.VAZ.0.0.0.7138. .

Suas possíveis atuações, especialmente no Brasil, eram percebidas como um risco pelas forças de repressão, que buscavam mapear seus passos. Mesmo que no campo das ideias, Chicão perecia incomodar, como pudemos ver numa matéria do Jornal do Brasil de 1968, na qual ele manifesta apoio à Frente Ampla e fala da importância de uma luta de massa para superar o regime militar9 9 ARQUIVO Nacional. Encaminhamento do SNI, 5 abr. 1968. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82006440. . Assim, Chicão não estava presente apenas na memória dos trabalhadores e latifundiários da região, mas também era muito lembrado e procurado pelos investigadores e policiais do regime.

Do outro lado, o Coronel Pedro Ferreira Santos, fazendeiro lembrado como o mais violento entre aqueles que participaram daquele conflito emblemático no sindicato10 10 Alguns depoimentos interessantes sobre esse conflito podem ser vistos no documentário “Na Lei ou na Marra”, disponível em https://youtu.be/eiZW-5BOeqg. Acesso em: 4 jan. 2021. , continuou atuando por muito tempo na região, representando a força inabalável dos latifundiários e da repressão policial. Segundo uma notícia do Jornal do Brasil, Pedro Ferreira, homem de “corpo fechado”, era “respeitado na região mais que o Governador do Estado”. Sua lenda dizia que “ele já matou tantos bandidos quantos fios de cabelo tem no grosso bigode”11 11 HEMEROTECA Digital Brasileira. Coronel de corpo fechado convidado para combater pistoleiros de Mantena. Jornal do Brasil, 3 mar. 1966, ed. 050, p. 14. . Outras matérias do mesmo jornal afirmam que “o Cel. Pedro Ferreira é tido como figura lendária na região, pois é apontado como o homem que acabou com o banditismo em todo o Vale do Rio Doce”12 12 HEMEROTECA Digital Brasileira. Lacerda inicia hoje arrancada em Governador Valadares. Jornal do Brasil, 15 mar. 1968, ed. 292, p. 3. , usando “métodos pouco ortodoxos”13 13 HEMEROTECA Digital Brasileira. Rubelitas que valem milhões na serra que Fernão Dias procura. Jornal do Brasil, 29 maio 1978, ed. 51, p. 1. .

Coronel Pedro Ferreira reunia em sua identidade pessoal dois atributos que representavam algumas das forças que subjugavam os trabalhadores rurais mobilizados: era fazendeiro e policial. Assim, detentor dessas posições, simbolizava o poder econômico, político e social desses grupos, assim como era reconhecido executor direto de ações que ratificavam o status quo continuamente.

A bravura e a invulnerabilidade, marcadas respectivamente por seu “bigode grosso” e “corpo fechado”, foram suas características mais lembradas e, talvez, eram as que possuíam maior poder de intimidação de uns e fascínio de outros. Coronel Pedro Ferreira vencia seus adversários, não importando os métodos, ou melhor, nessa narrativa importava que seus métodos não encontrassem limites na lei ou valores morais humanitários, ou seja, sua obstinação na eliminação dos inimigos estava acima de qualquer constrangimento, sendo por isso muito valorizada14 14 Sem me alongar, quero destacar como o Brasil, no momento da escrita deste artigo, é marcado pelo avanço de forças conservadoras, notadamente amparadas em valores similares a esses. .

No período de maior repressão (1969-1978), percebemos também o fortalecimento de certos traços de uma cultura política pautada no personalismo e, principalmente, na acomodação (MOTTA, 2016MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A estratégia de acomodação na ditadura brasileira e a influência da cultura política. Revista Digital de la Escuela de Historia, v. 8, p. 9-25, 2016.; 2018MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Cultura política e ditadura: um debate teórico e historiográfico. Tempo e Argumento, v. 10, p. 109-137, 2018.). Trata-se de uma tendência na qual grande parte das pessoas buscou conviver com regimes autoritários, evitando conflitos, atenuando seus efeitos, valendo-se de recursos por ele disponibilizados e/ou permitidos. Trata-se, evidentemente, de relações de poder assimétricas, porém de mão dupla, na medida em que os diversos atores atingem algumas conquistas, sem expor-se a grandes riscos de danos mais severos.

Assim, essas ações não se enquadram na lógica binária simplista, de adesão ou resistência, pois indicam outros caminhos, que podem passar pelo desvio, pela adaptação momentânea e pela negociação, mesmo que tácita. Por um lado, sem infringir a lógica dominante, muitos atores descontentes com o regime optaram pelo uso dos meios por ele permitidos, mais seguros, permanecendo como força latente a espera de um momento mais propício de atuação, por vezes até conseguindo alguns avanços que talvez não seriam possíveis de outra forma.

Muitas dessas forças de oposição ao regime, que não fomentaram o conflito durante a década de 1970, foram fundamentais para a emergência de novas lutas em contextos mais favoráveis, nas décadas de 1980 e 1990. No que se refere à região de Governador Valadares, encontramos indícios da crescente atuação do movimento sindical, do Partido dos Trabalhadores e de setores progressistas da Igreja Católica em mobilizações no campo nesse período. Em 1980, o crescimento do Partido dos Trabalhadores em Minas Gerais, especialmente no meio rural do Vale do Rio Doce, já chamava atenção da grande imprensa. Uma matéria do Jornal do Brasil destacou que o PT crescia mais no campo que na cidade, um “crescimento inesperado”, como se pôde ver num ato realizado em Itanhumi, município localizado a 50 km de Governador Valadares, com a presença de cerca de mil camponeses15 15 HEMEROTECA Digital Brasileira. PT demonstra força com base em 15 estados; Minas garante apoio no campo. Jornal do Brasil, 5 out. 1980, ed. 180, p. 56. .

Esse crescimento intenso estava ligado à forte atuação de Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs) em várias partes do estado, mobilizando um grande número de trabalhadores rurais em torno de reflexões que colocavam a desigualdade social, especialmente no campo, como problema, apontando movimentos sociais e participação política como caminho para sua superação. Dada a abrangência, crescimento e regularidade dessas ações, o status quo se via ameaçado e as forças policiais foram direcionadas para investiga-las de perto, sem, contudo, poder impedi-las.

Em um comunicado da Polícia Militar de Minas Gerais, dirigido à Agência de Belo Horizonte do Serviço Nacional de Informações (ABH/SNI), indica-se a atuação das CEBs, sob a liderança do Padre Floriano Jud, no município de Governador Valadares nesse período, destacando a utilização de um polêmico “livreto” intitulado “Roteiro de Reflexão”. Editado em Caratinga-MG, esse livreto teria um teor “contestatório e de doutrinação político-partidária [...] contrária aos Poderes Constituídos”. Nesse material, fortemente voltado para o universo rural, encontramos orações e reflexões direcionadas para a “libertação dos pobres e oprimidos”, busca por uma “nova sociedade”, mais “igualitária”, que poderia ser alcançada através da luta política. Dessa forma, as crenças religiosas foram articuladas no sentido do questionamento das relações de poder e organização dos trabalhadores para o enfrentamento, especialmente através da disputa eleitoral, em clara convergência com as forças de oposição em ascensão16 16 ARQUIVO Nacional. Informe da PM-MG. 4 out. 1982. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82007664. .

Por outro lado, os investigadores do SNI registraram também a criação da União Democrática Ruralista (UDR) por pecuaristas, em Governador Valadares, no ano de 1986, em clara reação à crescente organização dos trabalhadores no campo. Nesse documento, destaca-se a crítica dos fazendeiros contra a atuação de partidos políticos e de membros da Igreja Católica, especialmente em virtude de suas atuações em prol da reforma agrária.

Na década de 1980, as relações de poder haviam se transformado, em face da emergência de novas forças, ampliando as possibilidades para mobilizações populares e limitando as ações repressivas. A disputa eleitoral parece ter despontado inicialmente no horizonte dos atores mobilizados na região, porém, aos poucos, as mobilizações trabalhistas e luta pela reforma agrária foram ganhando espaço. Essa tendência cresceu também em vista da atuação do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que expandia suas ações do sul do Brasil para outros estados, num processo de nacionalização (LERRER, 2008). A forma acampamento (SIGAUD, 2000) foi se difundindo, provocando o crescimento da expectativa sobre a realização de novas ocupações de terra, em vários estados, dentre eles Minas Gerais.

Porém, esse estado era visto por muitos como espaço inerte para a realização desse tipo de ação, como pudemos perceber em vários depoimentos. Alguns militantes consideravam que, em Minas Gerais, prevalecia o receio em se realizar ações mais radicais, como as ocupações, o que explicaria que apenas em meados da década de 1980 elas são iniciadas e apenas em 1988 contaram com quadros do MST, mobilização tardia quando comparada às ações em outros estados (ZANGELMI, 2014ZANGELMI, Arnaldo José. Traduções e bricolagens: mediações em ocupações de terra no Nordeste Mineiro nas décadas de 1980 e 1990. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014.).

Enquanto os Vales do Jequitinhonha e Mucuri já contavam com fortes mobilizações, no Vale do Rio Doce prevalecia a precaução. Destaca-se uma visita a Fazenda do Ministério, em 13 de novembro de 1989, por um grupo que pretendia possibilitar um assentamento naquelas terras, o que não passou despercebido pela Polícia Militar e pelos investigadores do SNI. Esse grupo era formado por representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), deputados do Partido dos Trabalhadores (PT), integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Fetaemg e do MST. Nesse informe17 17 ARQUIVO Nacional. Informe da ABH-SNI. 16 nov. 1989. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.89015463. é citado também que os sem-terra haviam reivindicado o assentamento ao governador do estado em sessão no dia 30 de outubro de 1989. Podemos notar que vários atores buscavam negociar a destinação dessas terras para assentamento, principalmente para excedentes das ocupações do MST nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Porém, tudo indica que essas iniciativas não prosperaram naquele momento. Apesar de concedida como área experimental para a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), os relatos apontam que essas terras ainda eram utilizadas pelos fazendeiros, o que reforçava o temor dos trabalhadores rurais e a negligência das autoridades públicas em viabilizar sua destinação para assentamento. Além do uso material dessas terras, elas tinham um valor simbólico inegável para os poderosos da região.

As ocupações mediadas pelo MST foram tardias na região do Vale do Rio Doce, sendo iniciadas apenas em 1993, quando o MST já apresentava grande força nacional. Acreditamos que essa demora não ocorreu por acaso, sendo reflexo dos antigos processos de luta e repressão intensa, assim como do forte silenciamento e acomodação nessa região durante os anos mais duros do regime militar. Vários atores que participaram desse processo de ocupações, principalmente os militantes do MST, relataram as dificuldades em organizar ocupações nessa região, indicando o medo como principal causa e destacando o peso das lembranças sobre o conflito de 1964.

A primeira ocupação do MST na região ocorreu na Fazenda Califórnia, no município de Tumiritinga, em meio à grande apreensão dos trabalhadores mobilizados e incredulidade da população da região, pois muitos não imaginavam que o poder dos fazendeiros da região poderia ser desafiado e, se fosse, as consequências seriam catastróficas. Isso, evidentemente, tornou o trabalho das lideranças muito mais complicado, tendo que desconstruir as antigas representações sobre a Fazenda do Ministério, que foi ocupada em seguida, em 1994. Assim, vários atores compreenderam essa ocupação como a retomada do antigo conflito e sua ressignificação, no sentido de caracterizar a Fazenda como um direito dos trabalhadores, fruto de sua luta interrompida.

Esses processos de luta não foram fáceis para os militantes do MST e para os trabalhadores rurais, sendo esses grupos submetidos a diversas formas de violência física e simbólica, como sabotagens, agressões, despejos e campanhas difamatórias. No entanto, dado o novo momento político e a força que o MST vinha adquirindo no Brasil, especialmente na década de 1990, o temor inicial foi suplantado pelo otimismo e foram conquistados esses dois assentamentos. Nessa nova figuração, na qual os equilíbrios de poder (ELIAS; SCOTSON, 2000ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução de Pedro Süssekind; prefácio de Roger Chartier. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.; ELIAS, 2001ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. L. Estabelecidos e outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.) vinham se transformando em favor dos movimentos em ascensão, foram possíveis conquistas antes desacreditadas. A Fazenda Califórnia se tornou o Assentamento Primeiro de Junho em 1996 e a Fazenda do Ministério se tornou o Assentamento Oziel Alves Pereira em 1997.

Algumas lutas, aparentemente perdidas em definitivo, deixam fragmentos dispersos nas memórias e experiências dos grupos durante décadas. Assim, as mobilizações podem ser rearticuladas em novos arranjos, diante de contextos mais promissores, contribuindo para a formação das identidades políticas em disputa (THOMPSON, 1987THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.). Acreditamos que não foi por acaso que justamente a Fazenda do Ministério, pivô de um conflito traumático para os trabalhadores rurais mobilizados na região, tenha se tornado o foco principal dos movimentos de luta pela terra emergentes. Restabelecer os vínculos com os antigos conflitos, assim como atribuí-los novos significados, era fundamental para derrubar as barreiras simbólicas que limitavam a políticas de assentamentos na região.

Cachoeirinha

Outro conflito relevante para a luta pela terra no estado parece apresentar caminhos similares. As terras de Cachoeirinha, pertencentes ao município de Varzelândia, no Norte de Minas Gerais, foram ocupadas na década de 1940 por pequenos posseiros, atraídos por incentivos estatais tais como abertura da linha férrea e emissão de documentos de posse para aqueles que se dispusessem a se estabelecer na região18 18 Hoje as terras de Cachoeirinha pertencem ao município de Verdelândia, desmembrado de Varzelândia em 1995. . Esses posseiros constituíram famílias e uma comunidade, vivendo e trabalhando nessas terras por décadas, relativamente isolados e produzindo principalmente para subsistência. Porém, poucos meses após o Golpe de 1964, tiveram suas vidas transformadas radicalmente, quando 32 famílias de Cachoeirinha sofreram uma primeira onda de expulsões:

Sebastião Alves da Silva e Manoelito Maciel de Salles constituem seu advogado o Coronel Giorgino Jorge de Souza, Comandante do 10º Batalhão da Polícia Militar de Montes Claros, e requerem ao Juiz de Direito de São João da Ponte manutenção de posse sobre aproximadamente 6400 hectares de terras na região de Cachoeirinha. Em menos de duas semanas, José Fernandes de Aguiar, o Juquinha Aguiar, Juiz de Paz, determina o desalojamento dos lavradores. Dia 14 de setembro de 1964, um grupo de homens armados, onde se misturaram policiais militares e simples pistoleiros, apresentou-se diante dos agricultores para cumprir o mandado (SANTOS, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1985., p. 47, grifo da autora).

Vale ressaltar algumas peculiaridades dessas expulsões, como o fato de o Coronel Giorgino ser, ao mesmo tempo, executor da expulsão e advogado dos fazendeiros interessados nas terras, numa explícita mistura entre público e privado. Também chama atenção que o despejo tenha sido determinado por um Juiz de Paz, cuja autoridade para tal ordem pode ser fortemente questionada. A presença de pistoleiros junto aos policiais na expulsão era bem mais comum e naturalizada naquele período, apesar de evidentemente arbitrária do ponto de vista legal e ético.

Destaca-se também como os documentos apresentados pelos fazendeiros têm fortes indícios de grilagem, pois o registro do tamanho das terras foi, inexplicavelmente, aumentando ao longo dos anos. Também é intrigante como o Coronel Giorgino, que recebeu parte dessas terras como pagamento por seus serviços, tenha as adquirido novamente por compra realizada junto a Ruralminas em 1975, deixando claro que desde o início se tratavam de terras devolutas. Apesar de tudo isso, as decisões judiciais geralmente foram favoráveis aos fazendeiros durante as várias décadas de litígio19 19 Sobre grilagem em terras devolutas no Norte de Minas Gerais, ver Costa (2017). .

Os posseiros de Cachoeirinha não reagiram à expulsão, o que não impediu que seus executores utilizassem várias formas de violência, como agressões físicas, queima de casas e plantações, animais mortos etc. Vários posseiros fugiram para a mata com suas crianças, ficando expostos à chuva e à fome por vários dias. Algum tempo depois, já restabelecidos, tentaram reocupar as terras, mas foram novamente expulsos em 1967. Dessa vez, foram expulsas mais pessoas, num total de 212 famílias, e a violência foi mais contínua. Esses trabalhadores foram perseguidos por mais de uma década, com claro intuito de que não se reorganizassem para ocupar novamente suas terras. Muitos posseiros foram assassinados, outros migraram ou foram integrados às fazendas da região como meeiros e assalariados, vivendo em condições precárias.

No entanto, pudemos perceber que essa violência não impediu completamente que esses posseiros se mobilizassem, mesmo durante os anos mais duros da repressão. Em certos momentos, as ações dos posseiros foram estimuladas por organizações que, apesar do forte risco, buscaram atuar na região. De forma fragmentada e dispersa, algumas organizações sindicais dirigiram esforços para Cachoeirinha, sendo rapidamente impedidas. Restou para as entidades sindicais acompanhar o conflito à distância, denunciando o caso aos jornais para influenciar nas decisões das autoridades públicas (ZANGELMI, 2019).

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), em 1972, realizou uma “grave denúncia às autoridades estaduais” sobre Cachoeirinha, relatando à Tribuna da Imprensa (RJ) o avanço de “grileiros (tomadores de terras com documentos ilegais) de Varzelândia, norte de Minas, que conseguem forjar documentos falsos e retirar da terra os camponeses antigos do lugar”20 20 HEMEROTECA Digital Brasileira. Federação dos Agricultores denuncia grileiros: Minas. Tribuna da Imprensa (RJ), ed. 06614, 29-30 jan. 1972, p. 8.

São raros documentos como esse, no qual são mencionados os nomes das organizações que denunciam situações como a de Cachoeirinha, em vista temor de serem perseguidos pelas forças de repressão. Geralmente, as poucas organizações de trabalhadores que conseguiram realizar algumas atividades buscavam evitar o rótulo de subversivos, mantendo distância desses conflitos.

Talvez por isso tenha prevalecido a imagem de passividade desses atores ou de seu perfeito alinhamento aos valores do regime militar. Vários dirigentes sindicais buscaram alternativas para a proteção aos trabalhadores rurais e fortalecimento de suas demandas. Encontramos alguns indícios nesse sentido na documentação do Dops/MG, especialmente nas investigações sobre a FEAEMG, onde constam alguns de seus boletins do início da década de 1970.

Nesses documentos, entre uma enormidade de elogios ao governo e desmentidos de que os sindicalistas eram subversivos, podemos perceber como tentaram inserir algumas demandas dos trabalhadores, nos limites da lei e dos espaços disponibilizados pelo regime. Assim, buscando dar visibilidade às injustiças cometidas por fazendeiros, afirmando que “malgrado os relevantes serviços do Governo do País, [...] o patrão, quase maioria, tem contribuído para o êxodo rural, para a proliferação do chamado mercado escravo”21 21 ARQUIVO Público Mineiro. Documentação do Dops/MG. Boletim da Fetaemg, n. 8, nov. 1970, p. 1. . Mais à frente, argumentam que a Federação tem tentado servir de “árbitros” entre patrão e empregado, evitando conflitos. O documento afirma que o governo federal tem trazido a ordem para a sociedade e muitos fazendeiros estão descumprindo a lei e contrariando a “ordem pública”, gerando conflitos. Em seguida, denunciam violências cometidas por esses fazendeiros. Em vários desses boletins afirmam que o governo tem avançado na reforma agrária, mas que é preciso avançar mais, destacando que ainda existem muitas famílias sem terras.

Pelo que pudemos perceber, diferentemente da dicotomia simplista entre alinhamento ou enfrentamento, lideranças sindicais buscaram uma multiplicidade de estratégias frente à repressão, realizando sondagens sobre seus limites de ação, adaptando-se às circunstâncias com as quais se depararam ao longo do tempo, ou seja, foram redefinindo seus projetos de acordo com as possibilidades que vislumbravam em cada contexto, por vezes alternando entre o enfrentamento, a resistência e a acomodação.

A caracterização, por vezes precipitada e irrefletida, dessas organizações como pelegas e/ou cumplices do regime militar é, em grande medida, fruto da incorporação dos discursos das oposições sindicais emergentes na década de 1980, principalmente da Central Única dos Trabalhadores, que buscavam apresentar-se como alternativa ao sindicalismo vigente. Atualmente, menos contaminadas por essas disputas, investigações históricas densas podem desvendar a complexidade das escolhas dos sindicalistas rurais durante o regime militar.

Em Cachoeirinha, distantes da organização sindical, os trabalhadores criaram formas próprias de lidar com esse contexto adverso, baseadas em uma “rede particular de comunicação. As crianças, os cachorros, os sinais dissimulados pelas ruas, pelas casas, são os meios que empregam na organização da resistência” (SANTOS, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1985., p. 58).

Conhecemos muito pouco sobre a resistência cotidiana, não pautada pelas formas típicas de mobilização dos movimentos e organizações políticas, mas cujos efeitos para a manutenção das lutas ao longo dos anos não são desconsideráveis. Pelo que pudemos perceber, os posseiros de Cachoeirinha, valendo-se de suas relações de solidariedade, desenvolveram estratégias para a manutenção do sentimento de pertencimento à antiga comunidade sem, contudo, serem percebidos como risco pelas autoridades e fazendeiros da região. Mas também, noutro caminho, buscaram dar visibilidade às injustiças sofridas localmente para atores externos, especialmente através da grande imprensa e do poder público estadual e nacional.

Essas ações, além das relações de poder locais, tinham também como obstáculo o sentido das políticas estatais mais amplas, que almejavam a vinda de grandes empresas e novos fazendeiros para a região, muitas vezes situando os pequenos e antigos posseiros como obstáculos. Documentos oficiais mostram preocupação com as mobilizações nessa região, pois faziam com que “vários empresários, interessados em ali adquirir terras para projetos, fiquem intranquilos, temendo problemas com relação à posse e uso das terras que por eles venham a ser adquiridas”. Dessa forma, as iniciativas governamentais, tais como a “criação de infra-estrutura [...] para atrair grandes projetos agropecuários”, estariam sendo prejudicadas pela atuação de “elementos de tendência esquerdista” e pela repercussão das ações dos posseiros em jornais de grande circulação, na Rede Globo e entre parlamentares22 22 ARQUIVO Público Mineiro. Informe de 26 nov. 1973, enviado pelo chefe do Escritório de Minas Gerais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Marcelo José Martins Furtado de Souza, dirigido ao Cel. João Baptista Ramos Lima, chefe da Assessoria de Segurança Interna da Sudene. Documentação do Dops/MG. Rolo 27/pasta 1065. .

Dessa forma, os posseiros de Cachoeirinha buscaram acesso à opinião pública e ao espaço institucional, o que, de certa forma, surtiu efeito a ponto de incomodar essas autoridades e dar visibilidade para as injustiças que sofriam. Pudemos perceber essas ações também em notícias de jornais divulgadas no final da década de 1960 e na década de 1970, período em que prevaleceu o silenciamento dos movimentos de luta pela terra.

Em muitos casos, foi noticiada a lentidão das respostas dos governantes para esses conflitos, como a demora para o envio de uma comissão da Secretaria de Segurança, que deveria investigar os casos de violência na região23 23 ARQUIVO Público Mineiro. Enquanto lavrador quase morre no Jaíba, Comissão adia viagem. Diário de Montes Claros, 20 nov. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba; ARQUIVO Público Mineiro. Apurem violência no Vale do Jaíba. Estado de Minas, 17 out. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba. . Essas notícias denunciavam a perseguição aos posseiros, realizada por fazendeiros da região através de milícias formadas por jagunços e policiais, como no caso do esfaqueamento do posseiro Honório Pereira Aguiar, a mando do Fazendeiro José Sídio Freire24 24 ARQUIVO Público Mineiro. O Jornal de Montes Claros, 6 dez. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba. , e as agressões realizadas “por elementos de destaque político na região, acobertados por destacamentos policiais-militares ali instalados”25 25 CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Posseiros denunciam violências. O Estado de São Paulo, 16 out. 1973. Pasta 0044, imagem 103. .

Porém, a atuação mais marcante entre os posseiros de Cachoeirnha, assim como seu maior trauma, foi protagonizada por Martinho Fagundes, principal liderança nesse período. Martinho foi assassinado em 1975, numa emboscada, justamente no momento em que se aproximava de conquistar a demarcação das terras na região. O pistoleiro, assassino de Martinho, foi preso, confessou o crime e indicou como mandante o fazendeiro Waldir Alves Coutinho. Porém, o pistoleiro desapareceu misteriosamente da prisão e o caso foi arquivado. No período que vai de 1968 a 1975, seis lavradores de Cachoeirinha foram assassinados (SANTOS, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.)26 26 Os depoimentos coletados por Santos são convergentes com as informações levantadas pela CPT, divulgados na seguinte cartilha: CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Cachoeirinha, terra de esperança, 1983. Pasta 0044, imagens 55 a 63. Vários jornais também noticiaram essas situações, como a seguinte: CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT). Tribuna Operária, 4 jul. 1981. Pasta 0044, imagem 95. .

A atuação de Martinho Fagundes é representativa dos caminhos trilhados pelas mobilizações dos posseiros de Cachoeirinha nesse período. Essa liderança buscou, durante anos, angariar apoio externo, estabelecendo contato com vários jornais e órgãos governamentais, o que ficou registrado em diversas notícias de jornais do período e nos arquivos do Dops/MG. Segundo esses investigadores, Martinho “prefere a constante de viagens a Belo Horizonte para conceder entrevistas a órgãos de comunicação, aproveitando-se para isso dos recursos aos quais é provido pelos verdadeiros posseiros [...], homem que se impõe como que deixa seus seguidores fanatizados por ele”27 27 APM. Dops/MG. Pasta 1065-Giorgino Jorge de Souza. Imagem 120. .

Martilho potencializava suas ações buscando a ajuda de atores do campo institucional, como o Deputado Marcos Tito (MDB), cujo apoio ficou registrado em várias notícias do período, nas quais consta que o posseiro, “acompanhado do deputado Marcos Tito”, denunciava que “os grileiros estão semeando a intranquilidade e tomando as terras dos posseiros”28 28 HEMEROTECA Digital Brasileira. Jagunços expulsam 212 famílias rurais em MG. O Fluminense (Niterói), 13 out. 1973, p. 2. . Nesse período, mesmo predominantemente fechado aos anseios populares, o espaço institucional apresentava algumas brechas, que os posseiros de Cachoeirinha, liderados por Martinho, tentaram penetrar.

Já no processo de disputa pela abertura das instituições políticas do Brasil, no final da década de 1970 e início da década de 1980, emergiram forças que revigoraram a luta pela terra, redimensionando esse conflito. Setenta e nove trabalhadores, apoiados pela Fetaemg e pela CPT, ocuparam novamente as terras de Cachoeirinha no dia 8 de abril de 1981. Apesar da reação violenta, através de prisões e ameaças, os poderes locais não puderam simplesmente desbaratar essa mobilização, pois havia maior cobertura midiática e os movimentos de luta pela terra estavam fortalecidos e mais próximos dos trabalhadores (SANTOS, 1985SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.; ANTUNES, 2010ANTUNES, Mércio Mota. A teoria da experiência hermenêutica na adequação normativa em conflitos agrários e o papel da fraternidade na racionalidade jurisdicional. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, 2010.)29 29 Esses trabalhadores foram despejados algum tempo depois e foram realizadas outras reocupações e expulsões em Cachoeirinha, demonstrando a instabilidade e indefinição do poder público em relação ao caso (SANTOS, 1985). .

Nesse momento, o processo político eleitoral também passou a influenciar nas relações de poder em jogo, na medida em que a Fetaemg era predominantemente alinhada com o projeto político do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB), o que, por um lado, ampliava o respaldo para os posseiros de Cachorieinha mas, por outro, poderia limitar suas mobilizações mais incisivas, como a realização de novas ocupações de terra. Membros da Fetaemg, muitos deles candidatos pelo PMDB nas eleições de 1982, buscaram direcionar as mobilizações de Cachoeirinha para a campanha eleitoral, evitando conflitos que minassem suas boas relações com o governo.

Alguns setores da Igreja, como a CNBB, CPT e CEBs, também participaram ativamente dessas relações, apoiando os posseiros, denunciando as arbitrariedades e exigindo solução, também se apoiando nas forças políticas em ascensão, como pudemos ver num comunicado enviado pelo Padre José Silveira. Identificando-se como “a voz desses humildes irmãos, brasileiros como nós”, o padre afirmou que “os posseiros, já desde as eleições passadas, em que deram apoio maciço ao PMDB, acalentam a esperança de uma solução justa na atitude cristã do atual GOVERNADOR DE MINAS GERAISMINAS GERAIS, GOVERNO DO ESTADO. Relatório/Governo do Estado. Relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais, v. 1. Belo Horizonte: COVEMG, 2017.30 30 CENTRO de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes). Comunicado de 21 de junho de 1983. Imagens 1941 e 1942. .

Já numa carta enviada pelo bispo de Montes Claros, D. Geraldo Majela de Castro, ao governador Tancredo Neves, podemos ver uma forte cobrança pelo assentamento dos posseiros de Cachoeirinha, destacando que tem “confiado na promessa de V. Excia feita a mim quando de minha visita em palácio e na justiça cristã que sempre quer mostrar, desejo que Deus ilumine V. Excia.”31 31 CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT), pasta 0044, imagens 64 e 65.

Mesmo nesse cenário bem mais favorável do que os anos de repressão explícita, os posseiros de Cachoeirinha ainda sofreram por muitos anos diante dos impasses jurídicos e administrativos que travaram a reconquistas de suas terras, alguns desses entraves permanecendo até a atualidade. No entanto, apesar das dificuldades, alguns desses posseiros e seus descendentes conquistaram assentamentos importantes, como o União, o Caitité e o Vitória, alguns deles em partes das antigas terras de Cachoerinha. Por outro lado, diante de tanta violência, negligencia e indefinição governamental, poucos dos antigos posseiros, expulsos na década de 1960, sobreviveram a tempo de concretizar o sonho de retornar para suas terras.

Considerações finais

Como pudemos perceber, existem especificidades significativas entre os conflitos em torno das duas fazendas. Os trabalhadores rurais já estavam em Cachoeirinha há décadas, havendo, assim, um direito prévio às terras, diferentemente do caso da Fazenda do Ministério, no qual as significações sobre esse direito foram construídas no processo de mobilização, possibilitando que fosse ocupada. Em certa medida, essa diferença pode ajudar a entender porque a busca por essas terras permaneceu de forma mais direta e recorrente em Cachoeirinha, mesmo nos anos mais duros do regime militar, sendo reocupada na década de 1980 pelo mesmo grupo de posseiros expulsos na década de 1960.

No que se refere às mobilizações pré-64, os dois casos também diferem, pois em Valadares havia intensas lutas pelo menos desde o início dos anos de 1960, com forte organização do PCB e repercussão nacional. Já em Cachoeirinha houve uma incipiente organização sindical, rapidamente interrompida pela expulsão em 1964, sem que houvesse duradoura interação com organizações e movimentos sociais emergentes naquele contexto.

Os desdobramentos das ações violentas decorrentes do golpe de 64 e da repressão durante o regime militar também foram diferentes, pois as lutas em torno da Fazenda do Ministério foram fortemente dispersadas, deixando apenas suas imagens nas memórias silenciadas durante décadas. Já em Cachoeirinha houve mais continuidade na busca por aquelas terras, mesmo diante da forte repressão, inclusive com vários assassinatos de posseiros. Os posseiros expulsos demandaram aquelas terras através da imprensa, autoridades, redes de solidariedade, assim como pudemos identificar vários atores externos que buscaram potencializar essas lutas. Talvez por isso, o processo em torno de Cachoeirinha tenha sido retomado relativamente cedo, em 1981, sendo uma das primeiras ocupações de terra no estado desde os anos de 1960. A Fazenda do Ministério foi novamente ocupada mais de dez anos depois, o que demonstra a dificuldade em reatar laços de significados desfeitos durante a forte repressão na região.

Por outro lado, existem pontos que aproximam os dois casos, como o fato de, mesmo em momentos diferentes, ambos terem contado com mobilização de organizações e movimentos sociais que buscaram inserir essas lutas específicas nas bandeiras mais amplas, como a reforma agrária, e mantiveram essas terras no horizonte dos trabalhadores rurais envolvidos. Diante desses enfrentamentos ao longo do tempo, as terras do Ministério e de Cachoeirinha adquiriram um valor simbólico enorme, sendo pontos de referência fundamentais para a retomada mais aberta dessas lutas no processo de redemocratização.

Nesse ponto, em especial, algumas reflexões de Thompson (1987) puderam ajudar na compreensão das relações entre lutas aparentemente desconexas. Estudando a formação da classe trabalhadora inglesa no século XVIII, Thompson demonstrou como atores coletivos se constituem ao longo de certos processos históricos, num “fazer-se” concernente à forma como vivenciam suas condições de vida e trabalho, delimitando seus antagonismos e sentimentos de pertencimento. Essas experiências, muitas vezes fragmentadas e dispersas, são preservadas por tradições e rearticuladas nos contextos de enfrentamento mais severo. Essa abordagem ressalta o caráter relacional, processual e ativo da formação dos grupos pelos sujeitos imersos em situações concretas de luta.

Assim, a atenção se direciona também para as estratégias de resistência nos contextos mais adversos, nos quais o enfrentamento explícito é demasiadamente arriscado. Os dois casos tratados no presente artigo, apesar das especificidades, em certa medida indicam essas continuidades, pois tratam-se de casos nos quais as mobilizações do passado, articuladas em torno de determinadas terras, foram fundamentais para a retomada das lutas de forma mais explicita e com maior potencial de conquista.

Por outro lado, as mobilizações que buscamos investigar dividiram espaço na vida dessas pessoas com outras ações em face do fechamento político. Em diferentes momentos, os atores alternaram entre enfrentamento, resistência e acomodação, de acordo com os limites e possibilidades que vislumbravam. Grupos locais, organizações sindicais, segmentos religiosos, políticos etc., incomodados diante da repressão e do aumento das desigualdades, buscaram diversos caminhos de atuação, equilibrando-se entre a busca por proteção, manutenção de suas posições, combate às injustiças e suas utopias políticas.

Assim, vale buscar compreender como se deram as ações em questão em cada figuração, discutindo seus equilíbrios de poder e interdependências específicas. Elias entende figuração como uma formação social específica, constituída por dependências recíprocas, num equilíbrio móvel de tensões. Nessa abordagem, o poder é pensado como elemento disposto nas relações, o que vai de encontro à ideia de que o poder pode estar concentrado estaticamente em um só ator ou grupo de atores. A concentração de poder, que não é absoluta, é pensada pelo autor como fruto de um processo de interações, que vão se transformam ao longo do tempo (ELIAS; SCOTSON, 2000ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. L. Estabelecidos e outsiders. Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.; ELIAS, 2001ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução de Pedro Süssekind; prefácio de Roger Chartier. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.).

Ao mostrar essas relações na dinâmica histórica, o pensamento de Elias remete à necessidade de se tentar precisar, em cada contexto, como se dão esses arranjos, essas teias de interdependências e como essas relações influem nos rumos dos acontecimentos, nas escolhas e vicissitudes de processos sem sentido previamente definido. Nesse sentido, buscamos perceber como os atores em questão nessa pesquisa definiram suas ações diante da teia de relações que envolviam suas relações com diversos outros atores em cada momento, tanto no que se refere às suas possibilidades de alianças e apoios junto a grupos em defesa da luta pela terra, quanto ao que se refere às possibilidades de repressão pelo Estado e suas brechas.

Fontes documentais - ARQUIVO NACIONAL

  • ARQUIVO Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informações. Subversão em Governador Valadares. Informe do Serviço Nacional de Informações. 22 nov. 1967. Referência: BRDFANBSBV8MIC.GNC.000.82007719.
  • ARQUIVO Nacional. Informe do Serviço Nacional de Informações, 14 dez. 1971. Fundo do SNI. BRDFANBSBV8MIC.GNC.AAA.71043942.
  • ARQUIVO Nacional. Fundo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. BRDFANBSB.VAZ.0.0.0.7138. Informe da Divisão de Segurança da Aeronáutica - 225/DIS-04, 17 nov. 1971.
  • ARQUIVO Nacional. Encaminhamento do SNI, 5 abr. 1968. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82006440.
  • ARQUIVO Nacional. Informe da PM-MG. 4 out. 1982. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82007664.
  • ARQUIVO Nacional. Informe da ABH-SNI. 16 nov. 1989. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.89015463.

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO

  • ARQUIVO Público Mineiro.. Informe de 26 nov. 1973, enviado pelo chefe do Escritório de Minas Gerais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Marcelo José Martins Furtado de Souza, dirigido ao Cel. João Baptista Ramos Lima, chefe da Assessoria de Segurança Interna da Sudene Documentação do Dops/MG. Rolo 27/pasta 1065.
  • ARQUIVO Público Mineiro. Documentação do Dops/MG. Boletim da Fetaemg, n. 8, nov. 1970, p. 1.
  • ARQUIVO Público Mineiro. Enquanto lavrador quase morre no Jaíba, Comissão adia viagem. Diário de Montes Claros, 20 nov. 1973. Dops/ MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • ARQUIVO Público Mineiro. Apurem violência no Vale do Jaíba. Estado de Minas, 17 out. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • ARQUIVO Público Mineiro. O Jornal de Montes Claros, 6 dez. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • ARQUIVO Público Mineiro. Dops/MG. Pasta 1065-Giorgino Jorge de Souza. Imagem 120.
  • CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ELOY FERREIRA DA SILVA
  • CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Posseiros denunciam violências. O Estado de São Paulo, 16 out. 1973. Pasta 0044, imagem 103.
  • CENTRO de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes). Comunicado de 21 de junho de 1983. Imagens1941e 1942.
  • CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO D. TOMÁZ BALDUINO
  • CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Cachoeirinha, terra de esperança, 1983. Pasta 0044, imagens 55 a 63.
  • CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT). Tribuna Operária, 4 jul. 1981. Pasta 0044, imagem 95.
  • CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT), pasta 0044, imagens 64 e 65.

Periódicos

  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Jornal irreverente circula em Governador Valadares apesar da reação feminina. Jornal do Brasil, 5 fev. 1966, ed. 30, p. 7.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Coronel de corpo fechado convidado para combater pistoleiros de Mantena. Jornal do Brasil, 3 mar. 1966, ed. 050, p. 14.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Lacerda inicia hoje arrancada em Governador Valadares. Jornal do Brasil, 15 mar. 1968, ed. 292, p. 3.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Rubelitas que valem milhões na serra que Fernão Dias procura. Jornal do Brasil, 29 maio 1978, ed. 51, p. 1.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Cartas revelam à Polícia que sapateiro Chicão não morreu e agita Goiás. Jornal do Brasil, 21 nov. 1965, ed. 273, p. 22.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. PT demonstra força com base em 15 estados; Minas garante apoio no campo. Jornal do Brasil, 5 out. 1980, ed. 180, p. 56.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Federação dos Agricultores denuncia grileiros: Minas. Tribuna da Imprensa (RJ), ed. 06614, 29-30 jan. 1972, p. 8.
  • HEMEROTECA Digital Brasileira. Jagunços expulsam 212 famílias rurais em MG. O Fluminense(Niterói), 13 out. 1973, p. 2.

Referências

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  • BORGES, Maria Eliza Linhares. Representação do universo rural e luta pela Reforma Agrária no Leste de Minas Gerais. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 303-326, 2004.
  • BRUNO, Regina. Revisitando a UDR: ação política, ideologia e representação. Revista Instituto Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 40, p. 69-90, 1996.
  • CAMISASCA, Marina Mesquita. Camponeses mineiros em cena: mobilização, disputas e confrontos (1961-1964). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
  • CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da repressão política no campo - Brasil 1962-1985 - Camponeses torturados, mortos e desaparecidos 2 ed. Brasília: MDA, 2011.
  • COSTA, Sandra Helena Gonçalves. “Recantilados” entre o direito e o rentismo: grilagem judicial e a formação da propriedade privada da terra no Norte de Minas Gerais. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2017.
  • ELIAS, Norbert; SCOTSON, John. L. Estabelecidos e outsiders Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
  • ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução de Pedro Süssekind; prefácio de Roger Chartier. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
  • GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • LERRER, Débora Franco. Trajetórias de militantes sulistas: nacionalização e modernidade do MST. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - CPDA/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2008.
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  • MARTINS, José de Sousa. Os camponeses e a política do Brasil São Paulo: Editora Vozes, 1981.
  • MARTINS, José de Sousa. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História lenta. São Paulo: Hucitec, 1994.
  • MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar. In: PINHEIRO, Milton (org.). Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014.
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  • MINAS GERAIS, GOVERNO DO ESTADO. Relatório/Governo do Estado. Relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais, v. 1. Belo Horizonte: COVEMG, 2017.
  • MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Cultura política e ditadura: um debate teórico e historiográfico. Tempo e Argumento, v. 10, p. 109-137, 2018.
  • MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A estratégia de acomodação na ditadura brasileira e a influência da cultura política. Revista Digital de la Escuela de Historia, v. 8, p. 9-25, 2016.
  • MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/Universidade de São Paulo, 2000.
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  • REVEL, Jacques P. Prefácio: A história ao rés-do-chão. In: LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
  • SANTOS, Sônia Nicolau dos. À procura da terra perdida: para uma reconstituição do conflito de Cachoeirinha. Dissertação (Mestrado em Ciências Políticas) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.
  • SIGAUD, Lygia. A forma acampamento: notas a partir da versão pernambucana. Novos Estudos Cebrap, n. 58, p. 73-92, 2000.
  • THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • VITRAL, Thiago Veloso. Corrente revolucionária de Minas Gerais: resistência ativa à ditadura civil militar em Minas Gerais (1967-1969). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Minas Gerais, 2013.
  • ZANGELMI, Arnaldo José. Mediações políticas silenciadas: Repressão, resistência e luta pela terra em Cachoeirinha (1964-1985).Varia história, v. 35, n. 69, p. 921-952, 2019.
  • ZANGELMI, Arnaldo José. Traduções e bricolagens: mediações em ocupações de terra no Nordeste Mineiro nas décadas de 1980 e 1990. Tese (Doutorado de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014.
  • 1
    Pouco se sabe sobre as relações entre esses pequenos posseiros e os indígenas que ali viviam anteriormente, pois as memórias desses povos foram fortemente silenciadas. Pelo que pudemos perceber, os pequenos posseiros, movidos pela falta de oportunidades em suas regiões de origem, foram usados pelo poder público para expulsar os indígenas de suas terras e, assim, ampliar o controle estatal sobre essas regiões, abrindo espaço para futuros avanços do grande capital.
  • 2
    Para mais informações sobre esse acontecimento e as violações nesse período, ver o Relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2017).
  • 3
    O Combate, de propriedade de Carlos Olavo da Cunha Pereira, teve papel fundamental na formação do sentimento de injustiça e na mobilização de trabalhadores rurais da região de Governador Valadares, até seu empastelamento em 1964.
  • 4
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Jornal irreverente circula em Governador Valadares apesar da reação feminina. Jornal do Brasil, 5 fev. 1966, ed. 30, p. 7.
  • 5
    ARQUIVO Nacional. Fundo Serviço Nacional de Informações. Subversão em Governador Valadares. Informe do Serviço Nacional de Informações. 22 nov. 1967. Referência: BRDFANBSBV8MIC.GNC.000.82007719.
  • 6
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Lacerda inicia hoje arrancada em Governador Valadares. Jornal do Brasil, 15 mar. 1968, ed. 292, p. 3.
  • 7
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Cartas revelam à Polícia que sapateiro Chicão não morreu e agita Goiás. Jornal do Brasil, 21 nov. 1965, ed. 273, p. 22.
  • 8
    Dentre os vários documentos consultados para reconstruir a trajetória de Chicão nesse período, destacamos as seguintes: ARQUIVO Nacional. Informe do Serviço Nacional de Informações, 14 dez. 1971. Fundo do SNI. BRDFANBSBV8MIC.GNC.AAA.71043942; Informe da Divisão de Segurança da Aeronáutica - 225/DIS-04, 17 nov. 1971; ARQUIVO Nacional. Fundo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. BRDFANBSB.VAZ.0.0.0.7138.
  • 9
    ARQUIVO Nacional. Encaminhamento do SNI, 5 abr. 1968. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82006440.
  • 10
    Alguns depoimentos interessantes sobre esse conflito podem ser vistos no documentário “Na Lei ou na Marra”, disponível em https://youtu.be/eiZW-5BOeqg. Acesso em: 4 jan. 2021.
  • 11
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Coronel de corpo fechado convidado para combater pistoleiros de Mantena. Jornal do Brasil, 3 mar. 1966, ed. 050, p. 14.
  • 12
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Lacerda inicia hoje arrancada em Governador Valadares. Jornal do Brasil, 15 mar. 1968, ed. 292, p. 3.
  • 13
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Rubelitas que valem milhões na serra que Fernão Dias procura. Jornal do Brasil, 29 maio 1978, ed. 51, p. 1.
  • 14
    Sem me alongar, quero destacar como o Brasil, no momento da escrita deste artigo, é marcado pelo avanço de forças conservadoras, notadamente amparadas em valores similares a esses.
  • 15
    HEMEROTECA Digital Brasileira. PT demonstra força com base em 15 estados; Minas garante apoio no campo. Jornal do Brasil, 5 out. 1980, ed. 180, p. 56.
  • 16
    ARQUIVO Nacional. Informe da PM-MG. 4 out. 1982. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.82007664.
  • 17
    ARQUIVO Nacional. Informe da ABH-SNI. 16 nov. 1989. Fundo Serviço Nacional de Informações. BRDFANBSBV8MIC.GNC.OOO.89015463.
  • 18
    Hoje as terras de Cachoeirinha pertencem ao município de Verdelândia, desmembrado de Varzelândia em 1995.
  • 19
    Sobre grilagem em terras devolutas no Norte de Minas Gerais, ver Costa (2017).
  • 20
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Federação dos Agricultores denuncia grileiros: Minas. Tribuna da Imprensa (RJ), ed. 06614, 29-30 jan. 1972, p. 8.
  • 21
    ARQUIVO Público Mineiro. Documentação do Dops/MG. Boletim da Fetaemg, n. 8, nov. 1970, p. 1.
  • 22
    ARQUIVO Público Mineiro. Informe de 26 nov. 1973, enviado pelo chefe do Escritório de Minas Gerais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Marcelo José Martins Furtado de Souza, dirigido ao Cel. João Baptista Ramos Lima, chefe da Assessoria de Segurança Interna da Sudene. Documentação do Dops/MG. Rolo 27/pasta 1065.
  • 23
    ARQUIVO Público Mineiro. Enquanto lavrador quase morre no Jaíba, Comissão adia viagem. Diário de Montes Claros, 20 nov. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba; ARQUIVO Público Mineiro. Apurem violência no Vale do Jaíba. Estado de Minas, 17 out. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 24
    ARQUIVO Público Mineiro. O Jornal de Montes Claros, 6 dez. 1973. Dops/MG. Pasta 5079-Jaíba.
  • 25
    CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Posseiros denunciam violências. O Estado de São Paulo, 16 out. 1973. Pasta 0044, imagem 103.
  • 26
    Os depoimentos coletados por Santos são convergentes com as informações levantadas pela CPT, divulgados na seguinte cartilha: CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT). Cachoeirinha, terra de esperança, 1983. Pasta 0044, imagens 55 a 63. Vários jornais também noticiaram essas situações, como a seguinte: CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (CEDOC/CPT). Tribuna Operária, 4 jul. 1981. Pasta 0044, imagem 95.
  • 27
    APM. Dops/MG. Pasta 1065-Giorgino Jorge de Souza. Imagem 120.
  • 28
    HEMEROTECA Digital Brasileira. Jagunços expulsam 212 famílias rurais em MG. O Fluminense (Niterói), 13 out. 1973, p. 2.
  • 29
    Esses trabalhadores foram despejados algum tempo depois e foram realizadas outras reocupações e expulsões em Cachoeirinha, demonstrando a instabilidade e indefinição do poder público em relação ao caso (SANTOS, 1985).
  • 30
    CENTRO de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes). Comunicado de 21 de junho de 1983. Imagens 1941 e 1942.
  • 31
    CENTRO de Documentação D. Tomáz Balduino (Cedoc/CPT), pasta 0044, imagens 64 e 65.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2021
  • Aceito
    05 Jul 2021
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