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Takarazuka Revue: atuação, atmosfera e gênero no teatro musical japonês

Takarazuka Revue: méthodologie d'acteur, atmosphère et genre dans le théâtre musical japonais

RESUMO

Takarazuka Revue: atuação, atmosfera e gênero no teatro musical japonês – O presente artigo expõe os elementos que legitimam o teatro musical takarazuka, fundado no início do século XX, como linguagem performática. Parte-se de dois espetáculos, Rosa de Versalhes e Era uma vez na América, destacando três elementos de análise: metodologia de atuação, atmosfera cênica e performance de gênero. Infere-se a subversão do papel da mulher como artista e a negociação entre os padrões de gênero atuais por meio de pequenas reinvenções e atributos técnicos herdados. A performatividade takarazuka recorre a escolhas artísticas e comerciais que promovem a fricção e a fantasia dos gêneros, além de alinhar preceitos políticos da era feudal ao modernismo.

Palavras-chave:
Takarazuka; Musical; Japão; Otokoyaku; Teatro

RÉSUMÉ

Cet article expose les éléments qui légitiment le théâtre musical takarazuka, fondé au début du XXe siècle, en tant que langage performatif. Il débute avec deux spectacles, La Rose de Versailles et Il était une fois en Amérique, mettant en avant trois éléments d'analyse: méthodologie de jeu, ambiance scénique et performance de genre. Il en déduit la subversion du rôle de la femme en tant qu'artiste et la négociation entre les normes de genre actuelles à travers de petites réinventions et des attributs techniques hérités. La performativité de Takazuka recourt à des choix artistiques et commerciaux qui favorisent la friction et la fantaisie des genres, en plus d'aligner les préceptes politiques de l'époque féodale avec le modernisme.

Mots-clés:
Takarazuka; Musical; Japon; Otokoyaku; Théâtre

ABSTRACT

Takarazuka Revue: acting, atmosphere and gender in Japanese musical theater –This article exposes the elements that legitimize the takarazuka musical theater, founded at the beginning of the 20th century, as a performative language. It starts with two shows, Rose of Versailles and Once upon a time in America, highlighting three elements of analysis: acting methodology, scenic atmosphere and gender performance. It infers the subversion of the woman's role as an artist and the negotiation between current gender standards through small reinventions and inherited technical attributes. Takarazuka performativity resorts to artistic and commercial choices that promote the friction and fantasy of genders, in addition to aligning political precepts from the feudal era with modernism.

Keywords:
Takarazuka; Musical; Japan; Otokoyaku; Theater

O estudo aqui exposto é resultado do intercâmbio realizado na Tokyo University of Foreign Studies (TUFS), financiado pela bolsa JASSO e intermediado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Trata-se da remontagem do Seminário Final realizado para a disciplina Cultura e Performatividade no Japão, ministrada pela Prof. Dr. Sayako Ono. A pesquisa, de cunho prático-teórico, selecionou a teoria dos principais nomes que estudam o campo da performatividade de gênero no Japão e, paralelamente, buscou presença no próprio espaço físico do teatro takarazuka para assistir às montagens.

Tem-se como objeto de estudo o Takarazuka Revue: um dos mais populares teatros nipônicos. Isso porque ele mantém um selo de autenticidade em seus espetáculos, resultante do controle de todas as etapas da sua produção: seleção de talentos, formação de artistas, manutenção da companhia e estrutura de divulgação. O teatro takarazuka realiza adaptações no formato de musical e dança a partir de desenhos animados, filmes, literatura clássica e moderna e se destaca pelo fato de os papéis, tanto masculinos quanto femininos, serem todos atuados exclusivamente por mulheres, que compõem integralmente o elenco.

Esta pesquisa buscou tratar da trajetória das atrizes japonesas, do passado medieval até o período posterior à consolidação do Takarazuka Revue no século XXI, com o intuito de evidenciar como tal linguagem aborda a discussão sobre a presença das mulheres nos palcos do Japão e de como se maneja de forma lúdica a questão do feminino e do masculino dentro das artes.

Mulheres Japonesas nas Artes Cênicas do Edo

As mulheres foram banidas do palco japonês no início do século 17; no início dos anos 1900, o maior número de mulheres (cantoras e dançarinas), com exceção das folclóricas, provavelmente eram gueixas. Kobayashi decidiu tornar a apresentação do takarazuka respeitável, pois, em muitos círculos, ser uma gueixa não o era. [...] As meninas, não as mulheres, formavam o núcleo da Takarazuka Company. [...] Kobayashi também pode ter escolhido inicialmente meninas em vez de mulheres por causa de sua inocência. Elas eram muito jovens para exibir a sexualidade que, anteriormente, havia incitado estragos nos primeiros anos do kabuki, fazendo com que o governo expulsasse as mulheres do teatro (Brau, 1990, p. 84BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

Como denota Brau, o nascimento do teatro musical moderno no Japão possui intrínseca relação com a progressão das políticas de gênero dentro das artes cênicas no país. O protagonismo que as mulheres japonesas mantinham com o teatro e a dança foi rompido durante o feudalismo japonês, conhecido como período Edo (1603-1868). A filosofia confucionista, principal elemento educacional para estabelecer o poder do xogunato Tokugawa sob a população e fazer prevalecer a mentalidade da hierarquia civil, foi questionada e ridicularizada diversas vezes por atrizes e dançarinas. Algumas mulheres viam o ofício de gueixa como uma forma de escapar do papel de gênero imposto na época: ter filhos e constituir família, submeterse para cuidar do lar; o antro da esfera privada e da educação infantil. Gueixas eram mulheres que, geralmente, não tinham família ou, por terem sido abandonadas ou vendidas logo na infância, passaram a se dedicar inteiramente ao estudo da dança, música, culinária e artes plásticas. Eram financiadas por clientes abastados por meio de um sistema de patrocínio que as requisitavam em festas e confraternizações. Nota-se que as artistas estavam inseridas na esfera pública, ao contrário das demais mulheres, e deviam obediência apenas às líderes dos ryu1 1 Famílias de artistas. O termo também é usado para identificar diferentes escolas de artes cênicas (nô e kabuki). No caso das gueixas, as famílias eram lideradas pelas mais velhas. Um ryu determina um estilo, uma estética e uma poética específica dentro do nicho artístico. Dos ryu, nascem as tradições. para preservar e divulgar o estilo e a técnica da tradição na qual estavam inseridas (Foreman, 2011, p. 76FOREMAN, Kelly. The Perfect Woman: Geisha, Etiquette, and the World of Japanese Traditional Arts. In: BARDSLEY, Jan; MILLER, Laura (Org.). Manners and Mischief: Gender, Power, and Etiquette in Japan. San Diego: University of California Press, 2011. p. 67-79.).

As atrizes do teatro kabuki, por sua vez, foram censuradas não apenas pelos atributos estéticos dados como imorais, mas também por transgredirem os preceitos religiosos do xogunato através de peças satíricas com conteúdo erótico, acirrando o envolvimento com a prostituição. Em 1629, o xogunato lançou um decreto proibindo as mulheres de atuarem no kabuki, sob acusação de subversão social. Segundo Darci Kusano (1993)KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Perspectiva, 1993., o teatro kabuki, durante seus primeiros anos, foi um instrumento de crítica e sátira, bem como um conglomerado de elementos cristãos e budistas na indumentária e narrativa. Por exemplo, Okuni, a criadora do teatro kabuki, costumava performar no palco vestindo quimono masculino e portando um crucifixo. Por conta dessas questões, as mulheres artistas eram vistas avessar ao cotidiano. A abdicação da família e da maternidade eram dadas como atitudes egoístas e desrespeitosas a preceitos religiosos e políticos (Kusano, 1993, p. 69-70KUSANO, Darci. Os teatros Bunraku e Kabuki: uma visada barroca. São Paulo: Perspectiva, 1993.).

Após uma série de escândalos, todas as mulheres foram proibidas de atuar e os artistas, num geral, foram marginalizados; estavam abaixo da pirâmide social, não eram considerados civis e os subsequentes grupos que foram surgindo se fixaram nas periferias das cidades, longe do centro “resguardado pela moral” (Origlia apud Mishima, 2002, p. 228MISHIMA, Yukio. My Friend Hitler and other plays. New York: Columbia University Press, 2002.). Além disso, com o aumento da presença de comerciantes holandeses e espanhóis e, sobretudo, dos marinheiros estadunidenses e britânicos, as mulheres artistas (gueixas e dançarinas), já reprimidas, entregaram-se ao entretenimento predominantemente privado, apresentações ilegais e trabalho sexual para sobreviver. A imagem da mulher do ofício artístico no Japão se espalhou em todo o mundo como a de uma prostituta do ponto de vista dos estrangeiros fetichistas e dos orientalistas do século XVIII.

A modernização das artes cênicas clássicas, encaminhada pela tardia revolução industrial japonesa, conhecida como período Meiji (1868-1912), e a criação do Takarazuka Revue significaram um novo retorno para as mulheres aos palcos. Apesar de banidas dos teatros oficiais remetentes ao kabuki, novas atrizes puderam performar uma nova linguagem teatral moldada ao gosto híbrido ocidental-nipônico e à ambivalência masculina-feminina, como veremos a seguir.

A Criação de Ichizo Kobayashi

O Takarazuka Revue foi inaugurado em 1914, fundado por Ichizo Kobayashi, um empresário que contribuiu para o crescimento da Ferrovia Hankyu ao abrir a primeira loja de departamentos no Japão dentro de uma estação ferroviária. Ao construir o resort termal Takarazuka em 1911, Kobayashi anexou o Paradise, um edifício de dois andares ao estilo francês com piscina coberta. No entanto, o projeto faliu após o verão daquele ano terminar. Foi então que Kobayashi reaproveitou o edifício para fornecer um novo tipo de entretenimento, e assim nasceu o teatro musical takarazuka. De maneira astuta, ele conciliou os gostos estéticos ocidentais com o progresso político encaminhado pelo Estado moderno japonês.

O Takarazuka Revue é como a pedra angular do movimento do ‘teatro estatal’ nas décadas de 1930 e 1940, um movimento cuja agenda incluía a representação de papéis de gênero regulamentados pelo Estado – particularmente o de ‘boa esposa, mãe gentil’ – e uma ênfase na família patriarcal, conjugal (Robertson, 1992, p. 425ROBERTSON, Jennifer Ellen. The Politics of Androgyny in Japan: Sexuality and Subversion in the Theater and Beyond. American Ethnologist, Ann Arbor, University of Michigan Press, v. 19, n. 3, p. 419-442, 1992.).

Sob o lema pureza, honestidade, beleza, o Takarazuka Revue flerta com o axioma nacional boas esposas, mães gentis, promovido pelo governo militar entre 1912 e 1926 para discriminar os papéis masculino e feminino dentro da sociedade2 2 Vale lembrar que o presente artigo trabalha as definições de “masculino” e “feminino”, assim como “homem” e “mulher”, no âmbito do sistema de cisgeneridade e do binarismo, portanto, considerando o papel de gênero dentro do regime do senso comum na perspectiva do Japão. A discussão sobre a transgeneridade e a intersexualidade é extremamente recente no arquipélago. Para não cometer certas assincronias e anacronismos, portanto, escolheu-se por tratar do assunto na perspectiva binária. . Embora o elenco seja quase inteiramente composto por mulheres, o restante da ficha técnica (escritores, diretores, coreógrafos, designers, músicos etc.) é predominantemente composta por homens ainda hoje, o que mantém a hierarquia de gênero instaurada. Segundo Satoko Kakihara (2014)KAKIHARA, Satoko. Flowers in Contradiction: Japanese Imperialism and Gender Construction through Women’s Writings, 1895-1945. 2014. Dissertation (Master in Literature) – University of California, San Diego, 2014., a imagem da mulher no modernismo japonês, conhecido como período Showa (1926-1989), estava vinculada ao arquétipo Yamato Nadeshiko, ou Mulher Ideal, que nutre a simbologia em torno do agir em benefício da família e de seguir as instruções de figuras autoritárias patriarcais. Dentre as virtudes de Yamato Nadeshiko, estão: lealdade, desenvoltura doméstica, humildade lacônica e sabedoria modesta. Durante a Segunda Guerra Mundial, a ideia de Mulher Ideal foi popularizada como propaganda nacional pelo governo japonês. Uma Mulher Ideal deveria ser capaz de suportar toda a dor da morte de seu marido como soldado durante uma batalha em nome do país. O homem, por sua vez, deveria estar sempre pronto para lutar e morrer a qualquer momento, enquanto sua amada mantivesse a castidade (Kakihara, 2014, p. 154-155KAKIHARA, Satoko. Flowers in Contradiction: Japanese Imperialism and Gender Construction through Women’s Writings, 1895-1945. 2014. Dissertation (Master in Literature) – University of California, San Diego, 2014.).

Papéis masculinos e femininos desempenhados exclusivamente por mulheres, para certa parcela da sociedade, significava a depravação da moral e das boas maneiras, no entanto os argumentos comerciais e os engodos estéticos de Kobayashi foram convincentes o suficiente para fazer a alienação sensorial da experiência teatral se sobrepor às críticas. O público japonês passou a apreciar a forma como as atrizes do teatro takarazuka eram caracterizadas com base nos traços europeus. A maneira como combinavam a ousadia e delicadeza. A sensibilidade em seus papéis revelava como não sucumbiam inteiramente às características masculinas tradicionais ligadas à virilidade crua. Por outro lado, os críticos sociais caracterizaram o teatro de Kobayashi como perigoso devido à perversão sexual, ao incitamento à homossexualidade (wakashudo). Deutsch (2006, p. 3)DEUTSCH, Lauren W. Moga Yoga: The Takarazuka Revue. Perspectives from Asia. Kyoto Journal, Kyoto, v. 64, p. 1-10, 2006. aponta a fragmentação de gênero provocada pelo takarazuka na esfera macrossocial como a quebra da figura da dona de casa e a transferência para a mulher moderna e descolada (moga), alimentando a ameaça ao patriarcado. Com o tempo, Takarazuka Revue assumiu essa contradição de caráter: ser um teatro de subcultura de vanguarda na mesma medida que um teatro conservador e moralista.

Kobayashi acreditava que ter essas mulheres desempenhando papéis masculinos era vantajoso para elas porque, ao dominar a representação desses personagens, elas iriam entender a psique masculina, o que mais tarde lhes permitiria entender melhor seus maridos (Satoh, 2012, p. 6SATOH, Kay. Takarazuka for the Family: Japanese All-Women's Musical Theater and Traditional Gender Perceptions. 2012. Dissertation (Master in Music) – Southern Illinois University Carbondale, Illinois, 2012.).

Entre os anos 1930 e 1960, o Takarazuka Revue passou por um processo radical de americanização. Considerando as tendências da moda e do entretenimento da época, como a Hollywood emergente desde 1912 e a Broadway do final dos anos 1950, os intitulados takarazuka shows captaram mulheres jovens para grandes musicais. Foram construídos grandes edifícios teatrais exclusivos para a companhia – um em Osaka e outro em Tóquio –, para que o palco fosse adaptado de acordo com cada nova montagem; uma liberdade maior para trabalhar o espaço sem a burocracia técnica de um teatro público ou privado de outrem. Benito Ortolani (1995, p. 534)ORTOLANI, Benito. The Japanese Theatre: From Shamanistic Ritual to Contemporary Plurality. Princeton: Princeton University Press, 1995. comenta que, nesse período, as danças tradicionais japonesas foram instrumentalizadas para servirem como treinamento das atrizes de takarazuka, uma vez que, na visão de Kobayashi, as linguagens do teatro clássico japonês eram formas de arte elitistas e inacessíveis aos jovens e seus problemas. Todavia, não se constata o descaso com as formas tradicionais, mas se entende que havia uma negociação entre as estéticas e poética do clássico e do moderno, do nacional e do estrangeiro. Um fenômeno de hibridização.

Rosa de Versalhes e Era uma vez na América

Se eu sou uma flor sem nome florescendo em um campo Então, eu só quero ser soprada pelo vento Mas, eu nasci com o destino de uma rosa Eu nasci com uma vida tempestuosa e brilhante A rosa floresce nobremente A rosa morre lindamente (Abertura do anime Rosa de Versalhes) (Rose of Versailles, 2014ROSE of Versailles. Directed by Shinji Ueda. Osaka: Takarazuka Revue, 2014. 1 DVD (160 min).).

Os dois musicais, Rosa de Versalhes e Era uma vez na América, têm origens e núcleos narrativos diferentes, apesar de terem seus personagens masculinos e femininos prescritos no irrevogável modelo tradicional do Takarazuka Revue. Rosa de Versalhes é uma história em quadrinhos destinada ao público feminino (manga shoujo) publicada em 1972 pela autora Riyoko Ikeda, dramatizada para o teatro takarazuka em 1974 por Shinji Ueda e animada numa versão franco-japonesa em 1979. O enredo trata de Oscar François de Jarjayes (protagonizada por Yuri Haruna na versão takarazuka), uma garota criada como homem. Sua educação militar permite-lhe tornarse capitã(o) da guarda real, encarregada(o) da proteção da jovem Maria Antonieta (por Mari Uehara). Os primeiros distúrbios anunciam a Revolução Francesa. Ao seu lado, está André Grandier (por Asou Kaoru), seu amigo de infância e paixão secreta. Por conta dessa paixão reprimida, ambos creem num regime de amor não correspondido. Os atritos se dão quando o pai de Oscar busca “recorrigir” a vida da filha como mulher e lhe arranjar um casamento. A desigualdade de gênero e luta de classes permeia a peça. Esse espetáculo possui várias adaptações e sequências e é considerado o símbolo máximo do Takarazuka Revue.

A partir de A princesa e o cavaleiro, o gênero do mangá shoujo cresceu, inspirando clássicos como Rosa de Versalhes (1972-4) de Ikeda Riyoko, que também apresenta um príncipe travestido que na verdade é uma princesa. Naquela época, o mangá shoujo em geral estava jogando fortemente com temas de transgressão e subversão de gênero. A imensa popularidade da produção teatral de 1974 de Rosa de Versalhes do Takarazuka Revue chamou a atenção de todo o Japão (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 70NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.).

Era uma vez na América, por sua vez, é um filme de drama de 1984, coescrito e dirigido pelo cineasta italiano Sergio Leone e estrelado por Robert De Niro e James Woods. Em 2020, foi dramatizado para o teatro takarazuka por Shuichiro Koike (Once Upon a Time in America, 2020ONCE Upon a Time in America. Directed by Shuichiro Koike. Tokyo: Takarazuka Revue, 2020. 1 DVD (16 min).). A história retrata um grupo de amigos de ascendência judaica que cresceram cometendo pequenos crimes nas ruas do Lower East Side, em Nova York. Aos poucos esses crimes assumem proporções maiores e os dois melhores amigos do grupo, Noodles (protagonizado por Nozomi Fuuto) e Max (por Sakina Ayakaze), tornam-se mafiosos respeitáveis. O entrelaçamento de companheirismo, ambição e traição leva a uma reviravolta na história e, 35 anos depois, o único sobrevivente do grupo, Noodles, retorna ao bairro para descobrir o que realmente aconteceu.

Estando as duas obras distanciadas quase meio século, nota-se não só a longa trajetória de espetáculos do Takarazuka Revue, mas também os procedimentos distintos de montagem. A principal diferença entre as duas obras é o próprio processo de adaptação, principalmente na caracterização masculina.

Rosa de Versalhes de 1974 foi pensada sob o viés do homem andrógino desde a edição do mangá, e se adaptou facilmente à estética do Takarazuka Revue no que diz respeito ao sentimentalismo e ao papel do homem e da mulher em cena. A fricção entre a crítica dos desgostosos com a fragmentação de gêneros no Japão moderno e o público animado com as novas variações de performatividade a partir da mulher.

Era uma vez na América de 2020 se distancia do filme, que apresenta homens rudes e violentos e de aparência grosseira, e apresenta mafiosos com uma aura mais jovem e menos assustadora, mais sedutora e menos viril. Uma montagem pertinente a um século que passa a discutir o que significa ser homem e o que significa ser mulher.

O acréscimo das canções e coreografias de dança nos dois espetáculos também atua de forma diferente em ambos. Se em Rosa de Versalhes é possível conciliar aquele mundo nobre e elegante criado no mangá com a melodia, em Era uma vez na América o filme não existe mais e a estrutura montada no palco é como a criação de uma nova obra de arte.

Metodologia de Atuação

Meninas de 18 anos são escolhidas anualmente para ingressar na Escola de Música Takarazuka e passam por um processo de treinamento que começa na Classe Júnior (Yoka) e vai até a Classe Sênior (Honka). Depois de dois anos, elas são divididas em duas categorias de desempenho: otokoyaku (papéis masculinos) e musumeyaku (papéis femininos). Os determinantes para tal escolha são a anatomia, o timbre vocal, o carisma e a aura cênica da aluna, ou seja, a forma como a atriz se comporta em cena a partir do momento em que a atmosfera cênica já está estabelecida (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 64NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.). A partir dessa classificação, a atriz se torna oficialmente uma tarakasienne e está sujeita a uma nova hierarquia entre os membros otokoyaku ou musumeyaku na pirâmide de privilégios da companhia e a receber papéis para atuar nos espetáculos. Quando completa a idade para se casar ou passar dos 40 anos, a atriz participa de uma cerimônia de graduação, em outras palavras, despede-se da companhia. A postura das takarasiennes na esfera pública é sempre bastante formal e polida e difere muito da atmosfera onírica e descontraída dos palcos. A impressão que se tem ao assistir a uma entrevista ou a um anúncio do Takarazuka Revue é a de um ambiente de extrema disciplina e etiqueta.

O investimento anual é em média de quase 3.000.000 ienes [...], e os próprios alunos devem comprar o uniforme cinza da escola em estilo militar. [...] A maioria das alunas mora com uma ou duas colegas de quarto nos dormitórios Violet, onde a administração busca socializar as jovens para uma vida de disciplina e hierarquia (Robertson, 1998, p. 11ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998.).

A companhia é dividida em cinco trupes: Trupe de Flores (considerada o tesouro da escola e onde geralmente são encontradas as principais estrelas), Trupe de Lua (grandes cantos e dramas do ocidente), Trupe de Neve (dramas japoneses tradicionais e algumas adaptações cinematográficas), Trupe da Estrela (proeminente musumeyaku) e Cosmos Troupe (experimental e as mais novas). Rosa de Versalhes passou por várias trupes, mas sua origem se deu na Trupe da Lua. Era uma vez na América nasceu na Trupe de Neve (Brau, 1990, p. 79BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

Dois pontos sustentam a grade de formação das atrizes do teatro Takarazuka: Constantin Stanislavski e Tadashi Suzuki.

Quarenta horas por semana durante o primeiro ano se dedicam a aulas de voz, instrumentos musicais, história da música, dança japonesa, ocidental e moderna, teoria de atuação e teatro, história cultural e etiqueta. O currículo do segundo ano é essencialmente o mesmo (Robertson, 1998, p. 10ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998.).

Durante as aulas de canto, as atrizes são avaliadas em grupo e individualmente. Os exercícios individuais utilizam posições e movimentos corporais aleatórios e de resistência durante o aquecimento vocal para estimular a “entrada da palavra no corpo”, ou seja, para que haja uma assimilação da atriz ao que está sendo cantado de modo que nenhum tipo de estímulo externo a distraia. Antes da melodia da canção, é necessário que a atriz conheça o significado do que é cantado e o experimente no corpo por meio de gestos congruentes e incongruentes para depois dominar a melodia e alimentar sua “fé cênica”. A música tem a mesma importância que um monólogo teatral, pois ambas são exclamações teatrais. O treinamento de balé torna-se necessário para a versatilidade corporal, enquanto a marcação serve como um estímulo para a disciplina do grupo e corpo de baile sincronizado. Tanto o trabalho com a dança como o trabalho com o canto visam o encanto estético, a beleza do próprio movimento, mas também estimulam a narrativa do espetáculo e delimitam as circunstâncias.

Segundo o russo Stanislavski, o público é afetado não apenas pelos pensamentos, impressões e imagens que estão ligadas às palavras, mas também pelas tonalidades das palavras, as inflexões dos movimentos, os silêncios, que preenchem tudo o que as palavras deixam para expressar. A ação do personagem é transitória, pois é vista “através dela”. Isso é chamado de subtexto.

[O subtexto] é a expressão manifesta, intimamente sentida de um ser humano em um papel, que flui ininterruptamente sob as palavras do texto, dando-lhes vida e uma base para que existam. O subtexto é uma teia de incontáveis padrões interiores variados dentro de um pedaço e um papel, com [...] determinadas circunstâncias, com todos os tipos de imaginações, movimentos interiores, objetos de atenção, verdades maiores e menores, crença nelas, adaptações, ajustes e outros elementos semelhantes. É o subtexto que nos faz dizer as palavras que dizemos em uma peça (Stanislavski, 2001, p. 163STANISLAVSKI, Constantin. A construção da personagem. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001.).

Para que o subtexto fique claro, o movimento e as palavras devem estar em sincronia e a ação física deve provocar os sentimentos exigidos para a cena, já que eles não brotam naturalmente de si mesmos. Uma ação, uma situação, é o gatilho para tristeza ou alegria. As circunstâncias são o começo e as emoções são o fim. O trabalho não deve começar pelo fim. Não há sentimentos soltos. “O que quer que aconteça no palco, deve ser com o propósito geral de ser visível ao público” (Stanislavski, 1994, p. 65STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. São Paulo: Civilização Brasileira, 1994.). As atrizes que treinam pelo método Stanislavski na companhia são submetidas a sessões em que precisam criar imagens a partir do roteiro decorado e alimentar essas imagens a ponto de elas se tornarem gestos concretos e desaguarem em sentimentos. Por exemplo, uma atriz lê um texto sobre despedida que a faz imaginar uma campina, então seu desejo é correr pela campina verde atrás do objeto de despedida. Essa ação de correr gera uma percepção de urgência e preocupação; dependendo da intensidade, desespero. Em Rosa de Versalhes, a personagem Rosalie dança com as vestes militares de Oscar e isso deve evocar uma sensação de nostalgia. Em Era uma vez na América, Noodles perfura seu sentimento de raiva por ser rejeitado pela mulher que ama arrancando flores de um vaso e jogando-as fora. A combinação de ‘palavra’ e ‘corpo’ também é um tema presente na obra de outro diretor de teatro, o japonês Tadashi Suzuki.

Tenho trabalhado dentro de uma estrutura japonesa para revitalizar a palavra japonesa e ajudar os atores a levar a palavra ao corpo. Incluir a palavra dentro do corpo. Acho que existe uma correspondência entre os dois (Castilho apud Suzuki, 2012, p. 91CASTILHO, Patrícia Lima. O Teatro de Tadashi Suzuki e o Ator como Eixo de sua Poética Cênica. 2012. Dissertation (Master in Performing Arts) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.).

Para Suzuki, o ator é o eixo central de sua poética cênica. Partindo da ideia de atuar como autoexpressão da consciência do ator, na tentativa constante de descobrir a verdadeira natureza do que é ser humano, ele se dedica a investigar caminhos que estimulem o ator a resgatar sua expressividade inata, sua sensibilidade física e perceptiva.

Suzuki acredita que o processo de autoconsciência e autoconhecimento aliado ao domínio técnico dos princípios de seu ofício formam a base a partir da qual o ator tem a chance de explorar plenamente seu potencial expressivo, criando a partir de si mesmo, livre de clichês e estereótipos (Castilho, 2012, p. 10CASTILHO, Patrícia Lima. O Teatro de Tadashi Suzuki e o Ator como Eixo de sua Poética Cênica. 2012. Dissertation (Master in Performing Arts) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.).

Para Suzuki, o ator vai se encontrar e afirmar sua identidade quando se apresenta a uma plateia. Os demais elementos do espetáculo participam da construção desse ato. Para Suzuki, o ator, uma vez em movimento, deve ter como objetivo permanecer absolutamente atento a toda a estrutura de seu corpo, como uma espécie de escultura em movimento. Penetrar nas esferas psicológicas por um caminho puramente físico. O clímax da narrativa é pontuado por poses congeladas assumidas pelos atores. Suzuki acredita que a chave para o ator desenvolver a consciência corporal é a exploração do movimento. Ele não usa o componente sentimental em seu método em um esforço para ajudar a manter o foco do ator e para manter a observação do corpo o mais objetiva possível. Isso, em absoluto, não impede a exploração dos componentes do movimento para estimular a apreensão de sensações e sentimentos, dada a natureza psicofísica intrínseca às ações corporais e vocais. A fala deve estar totalmente relacionada ao uso do corpo. O movimento e as palavras precisam se fundir de maneira fluida, de modo que não haja palavra falada que não esteja intimamente ligada às sensações e ritmos corporais. “A palavra deve ser entendida como uma espécie de ação física; o ato de falar, uma variação do gesto. Repetição e detalhamento são assuntos importantes do seu treinamento” (Castilho, 2012, p. 93CASTILHO, Patrícia Lima. O Teatro de Tadashi Suzuki e o Ator como Eixo de sua Poética Cênica. 2012. Dissertation (Master in Performing Arts) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2012.). Porém, o ator deve se preocupar em manter sempre um envolvimento imaginativo e emocional com o exercício para que não vire mera ginástica. Sua metodologia pode ser dividida em: categoria básica (balé e posições corporais na dança moderna), categoria intermediária (caminhada do teatro nô) e categoria avançada (posturas do kabuki).

Embora as aulas de atuação sejam conduzidas nos moldes do método Stanislavski, os alunos também são treinados de uma maneira comparável à que é usada no treinamento do ator kabuki, isto é, através da memorização do kata – comportamentos codificados centrados em gestos, roupas e voz, que ajudam a criar um papel (Brau, 1990, p. 86BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

Stanislavski sugere um modelo de ação física e Suzuki proporciona um elo entre as metodologias de desempenho ocidentais e orientais. O Takarazuka Revue também adapta peças tradicionais encenadas em kabuki e bunraku sem excluir as danças com leques e o fortalecimento do kata3 3 Sequência de movimentos e posturas dentro das artes da cena, das artes do corpo e das artes marciais. O kata é preestabelecido dentro de uma escola tal qual uma linguagem em comum pelos praticantes para que haja o jogo, a luta. O domínio do kata permite o domínio dos golpes ou das variantes da dança daquela escola. , elemento vital para posturas dinâmicas e os flertes certos durante as cenas, que serve para reforçar o caráter otokoyaku ou musumeyaku de cada atriz.

Grande parte do treinamento das atrizes que se concentra na aprendizagem de kata se refere coletivamente às tecnologias de gênero, incluindo forma, postura, signo, código, gesto e coreografia. Os kata aprendidos pelas takarasiennes envolvem especificamente gestos estilizados, movimentos, entonações e padrões de fala que significam gênero (Robertson, 1998, p. 12ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998.).

O kata da masculinidade compreende atributos que podem ser agrupados em quatro categorias básicas: aparência física, voz, gestos e temperamento. O otokoyaku quanto forma não é um “homem cru”, ou cisgênero, é um homem construído. A construção da personagem é posterior à construção do gênero. A partir do momento que diretores e professores identificam a potencialidade masculina em uma dada atriz, “elas devem erradicar qualquer noção de ‘homem’ ou ‘mulher’ – como atrizes, elas existem apenas como figuras [vazias]” (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 68NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.). Uma atriz vazia está pronta para receber uma nova personalidade. “Muitas estrelas também usam a metáfora de ‘se matar’ para entrar no personagem” (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 70NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.). Elas são atendidas pelo “gênero secundário” com base em critérios físicos (mas não genitais) e sociopsicológicos: altura, físico, perfil, forma, voz, personalidade e, até certo ponto, preferência pessoal. Elas têm como premissa os próprios estereótipos contrastivos de gênero. A maquilagem hiperbólica é usada para delimitar supostas diferenças físicas entre mulheres e homens e reforçar as peculiaridades de comportamento socialmente prescritas entre mulheres e homens, como uma cicatriz que indica brutalidade ou um semblante corado, delicadeza no toque. As otokoyaku são ativamente encorajadas a estudar o comportamento e as ações dos homens fora do palco para construírem seus homens com mais eficácia, sejam eles samurais ou cowboys.

Takarazuka ensina seus membros a observar, manipular e modificar os papéis ortodoxos de gênero para seus próprios propósitos [...] em relação ao seu comportamento e interações entre si. […] Aulas de atuação, voz e dança (balé, dança moderna e sapateado), além de aulas de dança tradicional japonesa (Satoh, 2012, p. 3SATOH, Kay. Takarazuka for the Family: Japanese All-Women's Musical Theater and Traditional Gender Perceptions. 2012. Dissertation (Master in Music) – Southern Illinois University Carbondale, Illinois, 2012.).

Os diretores usam esses experimentos para garantir que o gênero secundário masculino de uma otokoyaku seja mantido sob controle por sua feminilidade natural primária. Otokoyaku e musumeyaku existem uma para a outra. Uma não pode existir sem a outra. Takarazuka Revue cria histórias de homens que vivem para mulheres e mulheres que vivem para homens. A relação entre musumeyaku e otokoyaku começa nos bastidores, onde a hierarquia já predomina. As otokoyaku são as mais poderosas, depois do diretor. Eles aconselham as musumeyaku sobre sua interpretação e estas seguem as instruções. A musumeyaku no palco serve para exaltar a imagem do otokoyaku. “Os gestos que essas mulheres usam em cenas românticas são bastante simplistas e sutis. [...] Usam gestos para sugerir sua personalidade como o uso correto das palavras, olhos e corpo inteiro pelos dedos” (Satoh, 2012, p. 9SATOH, Kay. Takarazuka for the Family: Japanese All-Women's Musical Theater and Traditional Gender Perceptions. 2012. Dissertation (Master in Music) – Southern Illinois University Carbondale, Illinois, 2012.).

Em Rosa de Versalhes, Oscar entra no baile com várias damas da corte que estão olhando para ela (ele) com admiração. Algumas desmaiam, outras gaguejam e uma delas simula um desmaio. Com apenas uma piscadela discreta, Oscar desestabiliza todas as damas da corte. Essa cena, uma das primeiras do ato, indica o poder oculto da masculinidade na personagem. Mais adiante na narrativa, embora Oscar se desvie de sua casca masculina, até certo ponto, quando tropeça na feminilidade ao pedir a André que faça dela sua esposa, Oscar continua a falar com sua voz artificialmente grave, sustentando assim a ilusão de pastiche de que é homem. Em Era uma vez na América, a personagem Deborah tenta esconder seu amor por Noodles cada vez que aparece e, por mais que ela acabe decidindo abandoná-lo, é notável como a presença do mafioso a deixa mais sensível e vulnerável em cena, pelas mãos que pendem nervosas sob o vestido, pelo olhar perto do chão. As ações hesitantes de Deborah são parte de sua luta constante entre seus verdadeiros sentimentos (honne) e os sentimentos de fachada (tatemae). A propósito, essa batalha sentimental está presente em várias peças do Takarazuka Revue, pois a guerra entre o amor e a razão não é algo exclusivo do estrangeiro, estando também presente no imaginário japonês pelas histórias de suicídio amoroso do teatro de marionetes (bunraku) e o drama doméstico do teatro kabuki. A batalha entre o que se quer fazer (ninjo) e o que precisa ser feito (giri).

Atmosfera Cênica

A Atmosfera Cênica é entendida como o conjunto de elementos que contribuem para o imaginário do espetáculo e legitimam o pacto ficcional entre o público e o palco. São estes os elementos: cenografia, roupa, maquilhagem, performance, equipamento artificial ou orgânico e todos os bastidores que ditam o que é a peça, qual é o seu conteúdo de humor (tristeza, alegria, terror, amor, etc.) e qual é ou será sua tendência padrão durante o show (Pavis, 2008, p. 184PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.). A atmosfera cênica é como um eixo estrutural sensorial que garante a verossimilhança do espetáculo aos olhos do público.

No caso de Takarazuka Revue, a maioria das apresentações é realizada em teatros próprios da companhia, o que garante aos técnicos adaptar o palco de acordo com cada peça, aumentando o cenário e adicionando mais refletores e luzes. A apresentação é dinâmica e com poucas pausas. Cada cena dura no máximo alguns minutos e normalmente todo o fundo do palco e o local onde as ações acontecem são substituídos. Em Era uma vez na América, temos no primeiro ato um bar que logo se transforma em uma cidade movimentada que logo se transforma em uma escola de balé que logo se transforma em uma prisão. Tudo acontece nos primeiros 30 minutos. Em Rosa de Versalhes, um salão de baile francês iluminado assume a forma de um jardim noturno com um coral. A eficiência e rapidez com que cada mudança ocorre faz pensar que não só as atrizes estão interpretando, mas todos os objetos da cena também; cada um com seus movimentos planejados, de forma a não atrapalhar as entradas e saídas de outras atrizes e de outros objetos de cena.

Takarazuka é, essencialmente, caracterizado pelo excesso: os cenários exóticos, trajes extravagantes e cenários complicados do Revue evocam um mundo paralelo de melodrama emocionante, fantasia selvagem, etnicidade ambígua, aventura ousada, paixão frustrada e romance torturado (Robertson, 1998, p. 26ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998.).

Os cenários e os figurinos são luxuosos, as apresentações são melodramáticas e os finais são extravagantes. As atrizes reforçam a identidade da personagem com o uso de maquiagem excessiva e gestos bem definidos para papéis masculinos e femininos. O sistema de iluminação possui uma fileira de refletores que cobre toda a linha horizontal do teto e paredes retráteis que guardam mais refletores na vertical. A infinidade de cores se sobrepõe para ditar uma cena durante o dia, à tarde, à noite, um dia chuvoso ou nublado, ao amanhecer ou pôr do sol, entre outras possibilidades. Há projetores maiores dispostos nas duas extremidades opostas do teatro, na parte de trás da plateia, enquanto os refletores de chão ficam próximos à chamada ponte de prata (ginkyou), que medeia a orquestra e o público. A ponte de prata é um espaço liminar onde a atriz encontra suas fãs apaixonadas, uma ressignificação da ponte das flores do kabuki (Hanamichi), local onde ocorre as entradas e saídas do artista por entre a plateia, e que por vezes proporciona momentos interativos entre artista e público.

Quanto à música, mesmo depois de terminadas as canções de uma cena, a trilha se conecta continuamente com uma nova proposta sonora de fundo, que permanece e dialoga com o movimento dos personagens e o teor da cena, até gerar uma nova canção: tensão, reencontro, amor, ódio e batalha. Em Era uma vez na América, a música sacra dentro de uma igreja se funde com a música tema do protagonista Noodles, que lamenta as coisas ruins que aconteceram em sua vida. Maria Antonieta, em Rosa de Versalhes, vive um momento de tensão cuja trilha sonora serve de ignição para a música de aparição do personagem Fercen. Esse fator é equivalente aos espetáculos da Broadway como Cats (1980), West Story (1957) e Chicago (1975). As peças Rosa de Versalhes e Era uma vez na América são dois exemplos da infinidade de outras produções que se passam em mundos alternativos ligados ao sonho do estrangeirismo. A primeira se passa próxima à Revolução Francesa e, a segunda, passa-se nos Estados Unidos durante a lei seca. Cenários desconexos da realidade japonesa, porém permeados por um exotismo atraente.

Takarazuka leva o nome da cidade turística de fontes termais, onde fica a sede dos trens. […] O que começou como uma atração turística local, um ‘show paralelo’ de fontes termais, tornou-se um grande negócio promovendo seus próprios ‘shows paralelos’ e merchandising (Brau, 1990, p. 79BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

No entanto, vale lembrar que o teatro takarazuka não é uma cópia do mundo ocidental, mas uma ressignificação onírica. Ao contrário da mimese barata, como o desmantelado Rokumeikan4 4 Edifício de Tóquio, símbolo controverso da ocidentalização do Japão, construído em 1883. Encomendado para hospedar convidados estrangeiros pelo ministro das Relações Exteriores do Japão, Inoue Kaoru, e projetado pelo arquiteto Josiah Conder. Embora seu apogeu tenha sido breve, o local se tornou famoso por suas festas e bailes. Foi amplamente utilizado para a acomodação de diplomatas estrangeiros e aliados europeus. No entanto, o que se pretendia que fosse um edifício que lembrasse aos diplomatas europeus a sua pátria, acabou por se tornar uma piada, uma mimese, uma tentativa de recriar a “realidade” europeia tal como é. “A perspectiva japonesa da época não era semelhante a francesa ou a inglesa e o resultado dessa ausência de devir foi um edifício de temática risível, áspera e pestilenta” (Origlia apud Mishima, 2002, p. 2). , o Takarazuka Revue fabulou um novo significado à realidade ocidental por meio da sua atmosfera cênica, como pintar um quadro com cores e formas próprias ao invés de colorir por sobre uma fotografia em preto e branco.

Tal processo fabular que o Takarazuka Revue cria por meio da atmosfera cênica busca subsídio em dois construtos. O primeiro elemento é a teoria do Teatro Total (Total Theater) de Max Reinhardt, derivada da teoria do Teatro Total de Wagner (Berthold, 2011, p. 491BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2011.). É o intuito de proporcionar ao espectador um sonho real, um espetáculo que toca todos os sentidos de quem assiste e encanta de uma forma que a vida real faria ser impossível perpetrar igualmente (Styan, 1982, p. 12STYAN, John L. Max Reinhardt. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.). O personagem e a pessoa real se confundem e então o segundo construto é estabelecido: o Sistema das Estrelas (Star System). Trata-se de um sistema de contratos exclusivos de longo prazo firmados por atores com um determinado estúdio, que passa a controlar a carreira dos artistas, cuidando de sua imagem e decidindo quais filmes fazer (Aumont; Michel, 2003, p. 278AUMONT, Jacques; MICHEL, Marie. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus Editora, 2003.). O público vai ao teatro para ver determinado ator, que está para além do interesse pela peça.

Os fãs-clubes providenciam ingressos para seus integrantes, que costumam assistir a cada show cerca de dez ou vinte vezes. Essa é parte da razão pela qual os ingressos regulares são tão difíceis de conseguir para pessoas que não pertencem a um fã-clube e servem para aumentar a exclusividade do mundo Takarazuka (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 62NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.).

Não só em Hollywood, mas até hoje, na fachada do teatro Kabuki-za, os nomes dos atores mais importantes são os maiores e mais visíveis, os quadros pintados ou gravuras nos cartazes retratam os mais habilidosos. No Takarazuka Revue, não é diferente: “Por que essas mulheres vêm para assistir ao Teatro Takarazuka? A maioria das fãs responderia que é para ver suas atrizes favoritas e serem levadas pelo ‘sonho takarazuka’” (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 63NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.). Muitas das fãs veteranas dão presentes caros e, quando estão em Tóquio, algumas atrizes ficam no apartamento vago de uma delas ou em um quarto de hotel pago por elas. “De acordo com uma fofoca, uma atriz famosa de takarazuka teve fãs preparando todas as refeições para ela e seu novo marido por dois anos depois que ela deixou a companhia” (Brau, 1990, p. 91BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.). As frequentadoras assíduas sentam a noite toda antes da estreia para comprar um único ingresso e esperam atrás do teatro para cumprimentar sua atriz favorita por alguns segundos após o show. A intimidade entre fã e estrela se deve ao fenômeno que a pesquisadora Kaja Silverman (2002, p. 65)SILVERMAN, Kaja. James Coleman. Berlin: Hatje Cantz Verlag, 2002. chama de sutura:

O processo pelo qual os espectadores identificam (e se interpelam) a posição dos sujeitos na tela. […] A estrutura tradicional do filme nega a subjetividade total das espectadoras. [...] Os espectadores masculinos, no entanto, podem suturar totalmente com os protagonistas masculinos que atuam tanto como espelhos de sua autoimagem idealizada quanto de pais e modelos.

Ou seja, o público experimenta uma catarse emocional e se espelha em papéis fora da sua realidade civil. A forma como Silverman expõe a falta de representatividade feminina na mídia explicaria o fascínio esmagadoramente feminino pelo Takarazuka Revue, já que essas mulheres são livres para se moverem entre os (papéis de) gêneros em sua imaginação. Isso é um contraponto ao argumento de que o teatro takarazuka se apoia exclusivamente no tradicionalismo. O público feminino vê em Oscar a possibilidade da mulher de assumir a liderança em um relacionamento, uma “possibilidade considerada por algumas japonesas como remota na vida real” (Brau, 1990, p. 81BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.). Embora o Takarazuka Revue reforce o status quo e sublime os desejos das mulheres por meio de suas narrativas oníricas, ainda existe a possibilidade de que certas espectadoras considerem fortalecedor simplesmente o ato de assistir outras mulheres interpretando homens.

O Teatro Total adicionado ao Sistema das Estrelas do Takarazuka Revue modela a atmosfera cênica desse tipo de teatro como um teatro comercial lucrativo, que soube se aproveitar da práxis capitalista dos grandes centros do mundo. O Takarazuka Revue foi fundado não por um artista de teatro empobrecido e apaixonado, mas por um industrial e empresário que amava o teatro (Brau, 1990, p. 83BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

Performance de Gênero

Segundo alguns pais de atrizes, “[...] as otokoyaku aprendem a serem boas mães e esposa, pois o estudo minucioso que fazem as ensina sobre o que os homens gostam, a comida, a maneira como as mulheres devem agir, a maneira de colocar o casaco, o tipo de cigarro” (Dream Girls, 1994DREAM Girls. Directed by Kim Longinotto. Tokyo: Alan Bookbinder Productions, 1994. 1 DVD (50 min).). Dentro da companhia, a hierarquia entre otokoyaku e musumeyaku segue um padrão semelhante ao do patriarcado. Musumeyaku escuta e otokoyaku fala. Uma performance de gênero cruzado dentro dos limites da convenção.

O ideal é que os homens sejam mais altos do que as mulheres; devem ter um rosto mais longo e retangular, uma testa mais larga, sobrancelhas e lábios mais grossos, um nariz em ponte mais alto, pele mais escura, ombros mais retos, quadris mais estreitos e uma voz mais baixa do que a das mulheres; e deve exalar carisma, que é desacreditado nas mulheres (Robertson, 1998, p. 12ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998.).

No entanto, o teatro de Kobayashi buscou uma fabulação masculina que tangencia o arquétipo usual do homem, já que a otokoyaku deve ser “[...] mais suave, mais afetuosa, mais descortês, mais charmosa, mais bonita e mais fascinante do que os ‘homens reais’” (Dream Girls, 1994DREAM Girls. Directed by Kim Longinotto. Tokyo: Alan Bookbinder Productions, 1994. 1 DVD (50 min).). Não podemos ignorar o fato de que tal proposta estética afina-se às subculturas de gênero no Japão e encoraja identidades alternativas e fluidas. A percepção das pessoas não é unânime e depende de seu tempo e de suas transformações. Um exemplo da tentativa de apagamento dessas transformações é o relato da pesquisadora Jennifer Robertson (1998)ROBERTSON, Jennifer Ellen. Takarazuka: Sexual Politics and Popular Culture in Modern Japan. San Diego: University of California Press, 1998., que afirma ter tentado encontrar artigos e fotos mais antigos sobre a história privada do Takarazuka Revue, porém foi impedida de acessá-los, enquanto em outras ocasiões recebia a resposta de que esses arquivos não existiam e que sua pesquisa era inconveniente. Em outras palavras, provavelmente há casos abafados de relacionamentos homoafetivos históricos dentro de trupes e comportamentos que se opõem à domesticação de boas esposas.

Mesmo que takarazuka não aborde as desigualdades na sociedade sexista do Japão, mas reforce o status quo e sublime os desejos das mulheres por meio de suas narrativas oníricas, ainda existe a possibilidade de que certos espectadores considerem empoderador simplesmente assistir mulheres interpretando homens. O teatro oferece imagens de liberação de papéis opressivos ligados ao gênero (Brau, 1990, p. 80BRAU, Lorie. The Women's Theatre of Takarazuka. The Drama Review, Cambridge University Press, v. 34, n. 4, p. 79-95, 1990.).

O argumento comum é o de que a otokoyaku é a fantasia de um homem que não existe: um homem impossível. Um homem que sacrifica seus deveres pela mulher que ama em detrimento do “verdadeiro” homem japonês, que sacrifica sua própria família pela reputação no trabalho. As mulheres mais velhas apreciam a otokoyaku pela sugestão de uma fantasia adolescente, um romance juvenil que não é mais possível no mundo em que elas vivem, mas é possível no teatro. Takarazuka Revue, embora seja uma válvula de escape, não é permanente e, portanto, tem o caráter de sonho, pois logo se acorda. Devemos enfatizar que a “fuga” da concretude adulta e a reversão para a infância na cultura takarazuka é temporal e espacialmente limitada, a fim de que os espectadores sejam desvinculados das expectativas normativas. “Elas não vivem nesse espaço permanentemente” (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 70NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.). O público está ciente disso e por isso mantém o sonho vivo acompanhando celebridades, indo a vários shows, fazendo fãclubes e encontros, alimentando a fantasia shoujo.

A masculinidade feminina no estágio de Takarazuka é fundamentalmente feminina da pré-puberdade – uma reversão aos anos de ‘moleca’, de liberdade antes da responsabilidade adulta simbolizada pelo sangue da menstruação. [...] No Japão, a fuga para as mulheres é possível por meio da reversão para um estado pré-púbere. Acreditamos que para a maioria dos fãs de Takarazuka, a sexualidade nas interações entre as fãs e as estrelas é inconcebível. As estrelas – que se apresentam simbolicamente como ‘estudantes’ e ‘meninas’ – não são objetos do desejo sexual. Em vez disso, eles servem como um recipiente vazio para os sonhos dos fãs (Nakamura; Matsuo, 2002, p. 70NAKAMURA, Karen; MATSUO, Hisako. Female Masculinity and Fantasy Spaces: Transcending Genders in the Takarazuka Theatre and Japanese Popular Culture. In: MARTINEZ, Dolores (Org.). Gender and Japanese Society. Abingdon: Routledge Curzon, 2002. P. 128-163.).

A performance de gênero da otokoyaku possui afinidade para com a androginia de apagamento de gênero trabalhada nas artes cênicas do período Edo (ou Tokugawa) (1603-1868), personificada pelo onnagata, ator de teatro Kabuki especializado em papéis femininos5 5 Existem três palavras para “androginia” na língua japonesa: ryosei, cunhado para se referir a alguém com as duas genitálias ou com ambas as características de gênero; o ultrapassado conceito de hermafrodita. Atualmente, ryosei tem sido usado para se referir a corpos intersexuais ou a pessoas que se comportam nos mesmos registros de senso comum do que é considerado “homem” e “mulher”. Chusei, por outro lado, tem sido usado como sinônimo de “neutro” ou “entre” e, portanto, nem mulher nem homem. “Ryosei enfatiza a justaposição ou combinação de diferenças de gênero, chusei enfatiza o apagamento ou anulação das diferenças” (Robertson, 1992, p. 429). No Japão, o termo chusei tem sido usado desde a virada deste século para nomear três tipos básicos de mulheres: “[...] aquelas cujos corpos se aproximam do estereótipo masculino; aquelas que são carismáticas, não convencionais e, portanto, não são mulheres femininas; e aquelas que foram designadas para fazer o gênero ‘masculino’ ou que se apropriaram por sua própria iniciativa” (Robertson, 1992, p. 435). . Dentro dessa perspectiva assumida, qual é o homem resultante da otokoyaku? O Bishounen, que é nada mais nada menos do que a materialização da beleza do homem impossível.

Aquele que possui o poder fálico subjuga as mulheres ao mesmo tempo que carrega a beleza ambígua dos anjos, atrai por convite as mulheres e seu universo. O termo significa “jovem belo” e demarca um tipo tipicamente esguio, com pele clara, cabelo estiloso e características faciais claramente femininas (como maçãs do rosto), mas ao mesmo tempo mantém um corpo masculino, como um anjo do oeste da Renascença (Adriano; Darin, 2018, p. 40ADRIANO, Geisy; DARIN, Leila. A tradução intersemiótica de Hamlet para os quadrinhos: o solilóquio “Ser ou não ser”. Tradterm, São Paulo, Universidade de São Paulo, v. 31, p. 25-53, 2018.). Algo semelhante ao protagonista de Contos de Genji6 6 Grande romance escrito por Murasaki Shikibu durante o século XI. Trata-se da saga do jovem príncipe Genji no Japão. Suas peripécias e amores. É considerado o “o primeiro romance do Japão”. , um homem de belas feições e que não carrega a brutalidade masculina em sua expressão facial. São retratados predominantemente como personagens de mangás shoujo e no yaoi (homens gays), demarcados por membros longos, cabelos sedosos e olhos esguios com cílios longos que às vezes podem se estender para além do rosto. Personagens com “músculos protuberantes” raramente são considerados bishounen, pois são “muito masculinos”. James Welker (2006, p. 842)WELKER, James. Beautiful, Borrowed, and Bent: “Boys’ Love” as Girls’ Love in Shôjo Manga. Signs. Journal of Women in Culture and Society, Chicago, University of Illinois at Urbana-Champaign, v. 31, n. 3, p. 841-870, 2006. define o belo jovem como “um esteta queer andrógino com uma alma feminina, que vive e ama fora do mundo heteropatriarcal”. Apesar de o termo ter sido usado no Japão para descrever meninos em idade escolar, hoje é uma gíria para designar todos os meninos e jovens bonitos. O ator sueco Björn Andrésen é considerado o marco fundador da ideia de bishounen no Japão devido a sua atuação no filme Morte em Veneza, de 1971. Na época, seu semblante jovial se popularizou no Japão e sua presença angelical inspirou vários personagens de mangás para garotas, como a(o) própria(o) Oscar, de Rosa de Versalhes. Andrésen morou no Japão por alguns anos, onde participou de comerciais, gravou discos musicais, aproveitando a onda de sucesso (The Most Beautiful Boy in the World, 2021THE MOST Beautiful Boy in the World. Directed by Kristina Lindström and Kristian Petri. United States: Mantaray Film, 2021. 1 DVD (93 min).).

Há três elementos nessas performances [do teatro takarazuka] que parecem divergir da configuração tradicional da masculinidade: (1) sensibilidade emocional e domesticidade, que antes eram consideradas domínio das mulheres; (2) juventude; (3) o desempenho de relações homem-homem que traçam uma linha tênue entre o homossocial e o que poderia ser considerado homossexual (Glasspool, 2013, p. 117GLASSPOOL, Lucy. From Boys Next Door to Boys’ Love: Gender Performance in Japanese Male Idol Media. In: GALBRAITH, Patrick W.; KARLIN, Jason G. (Ed.). Idols and Celebrity in Japanese Media Culture. New York: Palgrave Macmillan, 2012. P. 113-130.).

Mas, apesar da aparente lascívia que ronda a ideia de “belo jovem”, o fã clube do Takarazuka Revue não aspira intenções sexuais fora do palco com as atrizes e está ciente das graduações e futuros casamentos que elas precisarão constar e sair do palco, ao contrário do fã clube de boy bands de Kpop, que arquitetam situações de flerte entre os integrantes das bandas durante entrevistas para agradar aos fãs.

Em Rosa de Versalhes, Oscar solapa a fixidez ideológica das diferenças entre homem e mulher. A tensão camuflada entre o corpo feminino inerente e o gênero masculino adquirido. Oscar é a personificação do dilema do Takarazuka Revue entre o status quo e as subculturas. Uma mulher que usa vestes masculinas e tenta ocupar seu lugar no mundo dos homens, mas é oprimida pelas decisões do pai. Como bishounen, Oscar não tem tendência à violência gratuita. Ela não age com brutalidade, pronta para ouvir e pensar antes de agir quando o amor fala mais alto. Em determinada cena, mesmo após quase ser assassinada por um bandido que invade seu jardim no meio da noite, Oscar não utiliza sua lâmina e resolve poupar a vida do agressor. No desfecho da trama, André morre. A pessoa, a quem o coração de Oscar pertencia, não existe mais. Ela sofre com a perda da mesma forma que uma ‘boa esposa, mãe gentil’ e chora pelo marido morto na guerra. Ela não escapa completamente da dualidade. A androginia, nesse sentido, é dualidade. A dualidade da aparência, a dualidade dos destinos.

Em Era uma vez na América, os personagens são radicalmente diferentes do filme original. Se na obra de Sergio Leone o que prevalece é a brutalidade e a total falta de modéstia, adornada pelo conteúdo sexual que os homens intimidadores provocam nas mulheres estadunidenses, na versão takarazuka os personagens são filtrados disso e, embora haja uma centelha de gírias e trejeitos furtados da máfia japonesa (yakuza), eles são mais lindos, jovens, flexíveis e calorosos com as mulheres. A inserção da estética bishounen adiciona elegância ao romance mafioso, que se sobrepõe aos terrores causados pela máfia. Na peça, a cena em que Noodles tenta estuprar Deborah não é consumada, ao contrário do filme. No original, Noodles a violenta dentro de um carro e sai com uma tristeza contida deixando-a sozinha e sem roupas. Na peça, ele está com Deborah em uma sala cheia de rosas vermelhas e, quando está prestes a beijá-la, ela o empurra e sai. Noodles então canta sua desolação de uma forma como nenhum homem cis na ficção de Hollywood, muito menos num universo mafioso, faria, com extrema sensibilidade.

Conclusão

Em síntese, a história da criação do Takarazuka Revue (2020TAKARAZUKA REVUE. Official website. 2020. Disponível em https://kageki.hankyu.co.jp/english/index.html. Acesso em: 07 maio 2020.
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, online) precede de questões relacionadas ao papel da mulher na arte, após as leis proibitivas que baniram as mulheres dos palcos durante o feudalismo japonês e pela política social que as reinseriu na esfera pública durante a tardia revolução industrial do país e no subsequente modernismo. A estética ocidentalizada, adotada por Ichizo Kobayashi, deve-se ao processo de inserção de influências estrangeiras nos teatros, seja no aparato tecnológico, seja na estética do espetáculo em si. A formação das atrizes ocorre após o casting para a escola da linguagem takarazuka e a futura segmentação em cinco trupes temativamente distintas. Por conseguinte, tem-se a divisão entre atrizes cuja desenvoltura pende à performatividade masculina, as chamadas otokoyaku, e as de performatividade feminina, as musumeyaku. Aulas individuais para incentivar o talento autêntico e aulas em grupo para a sincronia e a montagem de corpo de baile. A atmosfera cênica remete à experiência do sonho, onde o público se aliena pela resultante do uso de todos os recursos sensoriais do espetáculo, sendo, portanto, um Teatro Total, semelhante à Broadway. Consequentemente, o público desconsidera a divisão entre personagem e atuante e passa a alimentar o Sistema das Estrelas. Os roteiros do teatro takarazuka são construídos em cima de romances europeus, filmes estadunidenses e peças de kabuki. A metodologia de atuação segue alguns princípios de Stanislavski e Tadashi Suzuki, como a importância da ação física para gerar sentimentos e não dos sentimentos para gerar ações físicas. O treinamento de balé clássico e das danças tradicionais japonesas harmonizam e disciplinam para que os kata de otokoyaku e musumeyaku sejam bem definidos e hierarquizados. O enfoque da otokoyaku é dado pela identidade bishounen, o homem de beleza impossível. A apresentação desse tipo problematiza a masculinidade hegemônica do Japão de maneira satírica, pois o homem, nesse caso, ocupa o lugar de objeto de fantasia outrora ocupado pelas mulheres. O contraste entre a posição do menino, a quem é permitida certa fluidez ou passividade nos relacionamentos, e a do homem adulto, deturpa as construções hegemônicas de dominação que tradicionalmente colocam as mulheres no papel passivo. O menino abre a possibilidade da mulher, ou mesmo do homem, de assumir o corpo masculino para satisfazer seus desejos.

No geral, a performatividade do teatro takarazuka vem de escolhas artísticas e comerciais do projeto do fundador, um empresário astuto que reconciliou a batalha dos gêneros com a fantasia de gêneros através de uma dualidade e binaridade que ainda permeia a discussão das mulheres na arte no arquipélago nipônico. Uma discussão que ainda tem um longo caminho pela frente.

A contribuição singular desta pesquisa não é apenas dissertar acerca de uma linguagem teatral pouco evidenciada no campo acadêmico-artístico do Brasil enquanto revisita um teatro já popular no Japão há muito tempo. Aqui, podemos observar as brechas em um sistema patriarcal dentro das artes cênicas pela experiência da mulher do extremo Oriente. Avalia-se que há muito mais para além das hierarquias dos teatros clássicos, como o kabuki e o noh, exaustivamente estudados no Brasil, e que existem estratégias, mesmo que embrionárias, indicando a futura ruína dos binarismos de gênero. Fica, pelo menos, a provocação7 7 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. .

Notas

  • 1
    Famílias de artistas. O termo também é usado para identificar diferentes escolas de artes cênicas (nô e kabuki). No caso das gueixas, as famílias eram lideradas pelas mais velhas. Um ryu determina um estilo, uma estética e uma poética específica dentro do nicho artístico. Dos ryu, nascem as tradições.
  • 2
    Vale lembrar que o presente artigo trabalha as definições de “masculino” e “feminino”, assim como “homem” e “mulher”, no âmbito do sistema de cisgeneridade e do binarismo, portanto, considerando o papel de gênero dentro do regime do senso comum na perspectiva do Japão. A discussão sobre a transgeneridade e a intersexualidade é extremamente recente no arquipélago. Para não cometer certas assincronias e anacronismos, portanto, escolheu-se por tratar do assunto na perspectiva binária.
  • 3
    Sequência de movimentos e posturas dentro das artes da cena, das artes do corpo e das artes marciais. O kata é preestabelecido dentro de uma escola tal qual uma linguagem em comum pelos praticantes para que haja o jogo, a luta. O domínio do kata permite o domínio dos golpes ou das variantes da dança daquela escola.
  • 4
    Edifício de Tóquio, símbolo controverso da ocidentalização do Japão, construído em 1883. Encomendado para hospedar convidados estrangeiros pelo ministro das Relações Exteriores do Japão, Inoue Kaoru, e projetado pelo arquiteto Josiah Conder. Embora seu apogeu tenha sido breve, o local se tornou famoso por suas festas e bailes. Foi amplamente utilizado para a acomodação de diplomatas estrangeiros e aliados europeus. No entanto, o que se pretendia que fosse um edifício que lembrasse aos diplomatas europeus a sua pátria, acabou por se tornar uma piada, uma mimese, uma tentativa de recriar a “realidade” europeia tal como é. “A perspectiva japonesa da época não era semelhante a francesa ou a inglesa e o resultado dessa ausência de devir foi um edifício de temática risível, áspera e pestilenta” (Origlia apud Mishima, 2002, p. 2MISHIMA, Yukio. My Friend Hitler and other plays. New York: Columbia University Press, 2002.).
  • 5
    Existem três palavras para “androginia” na língua japonesa: ryosei, cunhado para se referir a alguém com as duas genitálias ou com ambas as características de gênero; o ultrapassado conceito de hermafrodita. Atualmente, ryosei tem sido usado para se referir a corpos intersexuais ou a pessoas que se comportam nos mesmos registros de senso comum do que é considerado “homem” e “mulher”. Chusei, por outro lado, tem sido usado como sinônimo de “neutro” ou “entre” e, portanto, nem mulher nem homem. “Ryosei enfatiza a justaposição ou combinação de diferenças de gênero, chusei enfatiza o apagamento ou anulação das diferenças” (Robertson, 1992, p. 429ROBERTSON, Jennifer Ellen. The Politics of Androgyny in Japan: Sexuality and Subversion in the Theater and Beyond. American Ethnologist, Ann Arbor, University of Michigan Press, v. 19, n. 3, p. 419-442, 1992.). No Japão, o termo chusei tem sido usado desde a virada deste século para nomear três tipos básicos de mulheres: “[...] aquelas cujos corpos se aproximam do estereótipo masculino; aquelas que são carismáticas, não convencionais e, portanto, não são mulheres femininas; e aquelas que foram designadas para fazer o gênero ‘masculino’ ou que se apropriaram por sua própria iniciativa” (Robertson, 1992, p. 435ROBERTSON, Jennifer Ellen. The Politics of Androgyny in Japan: Sexuality and Subversion in the Theater and Beyond. American Ethnologist, Ann Arbor, University of Michigan Press, v. 19, n. 3, p. 419-442, 1992.).
  • 6
    Grande romance escrito por Murasaki Shikibu durante o século XI. Trata-se da saga do jovem príncipe Genji no Japão. Suas peripécias e amores. É considerado o “o primeiro romance do Japão”.
  • 7
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • Disponibilidade dos dados da pesquisa: o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editor responsável: Gilberto Icle

Disponibilidade de dados

Disponibilidade dos dados da pesquisa: o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2022
  • Aceito
    10 Jan 2023
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