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Professor Areão: vanguarda da educação catarinense

Resenha de Teive, G. M. G.. (Org.). (2014). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950) . Florianópolis, SC: Insular.

Coletânea organizada por Gladys Mary Ghizoni Teive1 1 Doutora em educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora associada do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado Santa Catarina (UDESC). Autora de Modernização econômica e formação de professores em Santa Catarina; Uma vez normalista, sempre normalista: cultura escolar e produção de um habitus pedagógico (Escola Normal Catarinense: 1911-1935); coautora de A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina. . A obra em questão busca, por meio da trajetória do professor João dos Santos Areão, um ‘bandeirante paulista do ensino’, saldar a dívida dos historiadores da educação no que se refere ao fenômeno da Historiografia Brasileira conhecido como ‘Bandeirismo Paulista do Ensino’2 2 Fenômeno desencadeado pela reforma da instrução pública do ensino paulista, iniciada em 1890, a qual, dentre outros, implantou os grupos escolares. Esta experiência inovadora foi disseminada em todo o país por meio das denominadas ‘Missões de Professores Paulistas’, da qual faziam parte normalistas com experiência docente e de gestão em grupos escolares, os quais eram contratados para realizarem reformas congêneres nos Estados. Santa Catarina foi um dos primeiros Estados da federação a contratar um professor paulista para reformar a instrução pública [...] esse fenômeno tem sido relegado a um quase esquecimento no meio acadêmico brasileiro (Teive, 2014). , entre 1912 e 1950, em Santa Catarina.

A obra foi organizada em seis capítulos e cada capítulo foi escrito por autores distintos, conta ainda com prefácio escrito por Maria Teresa Santos Cunha, apresentação escrita pela organizadora e ao final foi disponibilizado um anexo com excertos da memória de João dos Santos Areão relacionado a sua experiência como diretor dos grupos escolares: Jerônimo Coelho, Vidal Ramos, Hercílio Luiz, e como inspetor escolar.

Destacamos a priori, a abordagem na qual a coletânea se insere, que foi convencionada a denominar de ego-história3 3 Um gênero novo, para uma nova idade da consciência histórica a partir do cruzamento de dois grandes movimentos; por um lado, o abalo das referências clássicas da objetividade histórica, por outro, a investigação do presente pelo olhar do historiador ao passado (Nora, 1989 apud Cunha, 2014, p. 14). e o reconhecimento das fontes como ego- documento4 4 “[...] termo cunhado pelo historiador holandês Jacob Presser, em 1958, para designar a diversidade das formas de expressão escrita dos sentimentos e experiências pessoais” (Schulze, 2005 apud Teive, 2014, p. 111). Segundo seu principal defensor atual, Rudolf Dekker (2005), o ego-documento é um texto em que um autor escreve sobre a imagem que faz de si mesmo, de sua família, de sua comunidade, de seu país, justificando suas atitudes, manifestando seus medos, mostrando seus valores, refletindo sobre suas experiências e suas esperanças (apud Teive, 2014). . E a posteriori que a coletânea oferece diferentes pontos de vista acerca da atuação do professor Areão, no Estado de Santa Catarina, em diversos momentos.

Definida estas questões, o primeiro capítulo intitulado ‘Como no tempo das bandeiras: a primeira expedição do Professor Areão em Santa Catarina’, Gladys Mary Ghizoni Teive analisa a primeira expedição do professor no Estado, recém-formado na Escola Normal de São Paulo, na direção do primeiro grupo escolar de Laguna o ‘Jerônimo Coelho’.

Tem como fio condutor de análise as memórias do professor cruzada com outras fontes documentais e evidencia os desafios diários de um diretor - cargo novo na década de 1910 - no sentido de colocar em prática os postulados da pedagogia moderna e em ser o pioneiro na implantação da primeira escola complementar do Estado.

No capítulo II, intitulado ‘Um educador no Batalhão da Esperança: João dos Santos Areão e a Escola de Escoteiros de Laguna’, Luiz de Souza Romero Sanson5 5 Mestre em educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). discute as práticas sociais do escotismo e a produção de discursos jornalísticos acerca das atividades, relacionadas às experiências públicas e aos debates dos campos político e educacional da Primeira República brasileira. A escola é analisada em suas três fases: 1917-1919; 1924-1930 e 1939-1960, com ênfase no período em que foi dirigida pelo professor Areão.

Em ‘Direção do Grupo Escolar Vidal Ramos de Lages: a segunda expedição do Professor Areão em Santa Catarina (1917-1918)’, capítulo III, Norberto Dallabrida6 6 Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor associado do Departamento de Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Coautor de A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina. faz uma reflexão sobre a segunda expedição do professor Areão no Estado, quando convidado a dirigir o Grupo Escolar Vidal Ramos, e da imersão do professor na vida social da elite dirigente de Lages, com sua participação na Orquestra dos Amadores da Arte, no Tiro de Guerra, na Sociedade Literária e Recreativa, na Maçonaria e na Escola de Escoteiros.

O quarto capítulo intitulado ‘João do Santos Areão fala às semanas: os temas da nacionalização do ensino’, Ticiane Bombassaro Marassi7 7 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC). Pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Atua no Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq). Autora da obra A educação física no Estado de Santa Catarina: a construção de uma pedagogia racional e científica (1930-1940), DIOESC, 2012. analisa a performance de Areão nas ‘Semanas Educacionais’ (1930) do Departamento de Educação, um tipo de formação continuada a professores das redes de ensino, relacionada à nacionalização do ensino nos postulados da Escola Nova e na política de assistência a imigrantes estrangeiros.

No capítulo V ‘Contribuições do professor Areão para a construção de sensibilidades nacionalistas através do canto orfeônico’, Tânia Regina da Rocha Unglab8 8 Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora adjunta do Departamento de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). aborda a atuação do professor como organizador e sistematizador do Canto Orfeônico em prol da nacionalização do ensino em Santa Catarina entre os anos 1930 e 1940. Ancorada na abordagem da história cultural, analisa relatórios, Diário Oficial, partituras e documentos cedidos por entrevistados.

E o último capítulo ‘Partitura política: o caso de João dos Santos Areão e a nacionalização em Santa Catarina’, Marcelo Téo9 9 Doutor em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP) e professor colaborador do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Autor de A vitrola nostálgica: música e constituição cultural (Florianópolis, décadas de 1930 e 1940) e De arte: crítica e crônica musical n’A Gazeta (década de 1930), ambos pela editora Letras Contemporâneas. analisa a atuação do professor Areão como responsável pela prática do canto orfeônico nas instituições de ensino de Santa Catarina, especificamente os pontos de contato e de distanciamento entre o projeto de regência do coro social nacional e o contexto catarinense, relacionando a música, o ensino e o campo político na Era Vargas - Estado Novo.

O resultado mostra uma coletânea criteriosa, densa, instigante, de leitura agradável e de relevância para a historiografia da educação brasileira. Destaca-se o cuidado com que a questão metodológica é colocada e a qualidade da narrativa na perspectiva peculiar de cada autor aliando teoria e empiria.

A obra traz as facetas da trajetória educacional de um vanguardista da educação catarinense e coloca em evidência a importância da preservação de documentos, quase sempre destinados ao fogo e/ou lixo, mas que se constituem para o historiador como um patrimônio documental na pesquisa histórica. Tecer os fios da memória do professor Areão permitiu ao pesquisador compreender um passado constituído naquele presente e ao leitor apreender saberes, crenças, valores e práticas de um educador e parte da história da educação de Santa Catarina.

Referências

  • Cunha, M. T. S. (2014). Prefácio. In: G. M. G. Teive (Org.). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950) (p. 14). Florianópolis, SC: Insular.
  • Teive, G. M. G. (Org.). (2014). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950) Florianópolis, SC: Insular.
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    Doutora em educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora associada do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado Santa Catarina (UDESC). Autora de Modernização econômica e formação de professores em Santa Catarina; Uma vez normalista, sempre normalista: cultura escolar e produção de um habitus pedagógico (Escola Normal Catarinense: 1911-1935); coautora de A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina.
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    Fenômeno desencadeado pela reforma da instrução pública do ensino paulista, iniciada em 1890, a qual, dentre outros, implantou os grupos escolares. Esta experiência inovadora foi disseminada em todo o país por meio das denominadas ‘Missões de Professores Paulistas’, da qual faziam parte normalistas com experiência docente e de gestão em grupos escolares, os quais eram contratados para realizarem reformas congêneres nos Estados. Santa Catarina foi um dos primeiros Estados da federação a contratar um professor paulista para reformar a instrução pública [...] esse fenômeno tem sido relegado a um quase esquecimento no meio acadêmico brasileiro (Teive, 2014Teive, G. M. G. (Org.). (2014). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950). Florianópolis, SC: Insular.).
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    Um gênero novo, para uma nova idade da consciência histórica a partir do cruzamento de dois grandes movimentos; por um lado, o abalo das referências clássicas da objetividade histórica, por outro, a investigação do presente pelo olhar do historiador ao passado (Nora, 1989 apud Cunha, 2014Cunha, M. T. S. (2014). Prefácio. In: G. M. G. Teive (Org.). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950) (p. 14). Florianópolis, SC: Insular., p. 14).
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    “[...] termo cunhado pelo historiador holandês Jacob Presser, em 1958, para designar a diversidade das formas de expressão escrita dos sentimentos e experiências pessoais” (Schulze, 2005 apud Teive, 2014, p. 111). Segundo seu principal defensor atual, Rudolf Dekker (2005), o ego-documento é um texto em que um autor escreve sobre a imagem que faz de si mesmo, de sua família, de sua comunidade, de seu país, justificando suas atitudes, manifestando seus medos, mostrando seus valores, refletindo sobre suas experiências e suas esperanças (apud Teive, 2014Teive, G. M. G. (Org.). (2014). Professor Areão: experiências de um “bandeirante paulista do ensino” em Santa Catarina (1912-1950). Florianópolis, SC: Insular.).
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    Mestre em educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharel e licenciado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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    Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor associado do Departamento de Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Coautor de A Escola da República: os grupos escolares e a modernização do ensino primário em Santa Catarina.
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    Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC). Pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Atua no Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq). Autora da obra A educação física no Estado de Santa Catarina: a construção de uma pedagogia racional e científica (1930-1940), DIOESC, 2012.
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    Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora adjunta do Departamento de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
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    Doutor em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP) e professor colaborador do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Autor de A vitrola nostálgica: música e constituição cultural (Florianópolis, décadas de 1930 e 1940) e De arte: crítica e crônica musical n’A Gazeta (década de 1930), ambos pela editora Letras Contemporâneas.
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    Como citar esta resenha: Aguiar, C. M. R., & Assis, J. H. V. P. Professor Areão: vanguarda da educação catarinense. (2021). Revista Brasileira de História da Educação, 21. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v21.2021.e180

Editado por

Editor-associado responsável: Ana Clara Bortoleto Nery (UNESP) E-mail: neryanaclara@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6316-3243

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2020
  • Aceito
    08 Jan 2021
  • Publicado
    18 Jun 2021
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
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