Acessibilidade / Reportar erro

A Coleção ‘História geral da África’ e a historiografia da educação:por um ensino descolonizado

The ‘General history of Africa collection’ and the historiography of education: for a decolonizing teaching

La colección ‘Historia general de África’ y la historiografía de la educación: por una enseñanza descolonizada

Resumo:

Este trabalho busca compreender os elementos teórico-metodológicos que nortearam a construção da Coleção ‘História geral da África’ (HGA), financiada pela Unesco. Nesse sentido, analisamos os capítulos que tratam sobre esses temas, localizados no primeiro volume da obra, que discorrem sobre as perspectivas historiográficas que orientaram a concepção do projeto. Ao mesmo tempo, nosso objetivo é compreender os possíveis alcances desse conhecimento na Historiografia da Educação, tendo em vista os debates sobre ‘descolonização dos currículos’. Constatamos que a HGA e as publicações dela derivadas podem constituir-se em obras de referência na escrita de manuais escolares e nas pesquisas em História e Historiografia da Educação, ensejando também práticas docentes e científicas antirracistas.

Palavras-chave:
perspectiva africana; descolonização do ensino; educação; ensino antirracista

Abstract:

This work seeks to understand the theoretical-methodological elements that guided the construction of the ‘General history of Africa’ Collection (GHA), financed by UNESCO. At the same time, our objective is to understand the possible scope of this knowledge in the Historiography of Education, considering the debates on ‘decolonizing the curricula’. We found that GHA and other publications derived from it, can constitute reference works in the writing of textbooks and the investigations within the History and Historiography of Education field. They can also give rise to anti-racist teaching and scientific practices.

Keywords:
african perspective; teaching decolonization; education; anti-racist rules

Resumen:

Este trabajo busca comprender los elementos teóricos y metodológicos que guiaron la construcción de la colección ‘Historia general de África’ (HGA), financiada por la UNESCO. Al mismo tiempo, nuestro objetivo es comprender el alcance de este conocimiento en la Historiografía de la Educación, en vista de los debates sobre ‘descolonización de los planes de estudio’. Se encontró la HGA y sus publicaciones derivadas, pueden constituirse como obras de referencia en la redacción de libros de texto y en investigaciones en la Historia y en la Historiografía de la Educación, dando lugar también a prácticas docentes y científicas antirracistas.

Palabras clave:
perspectiva africana; descolonización de la enseñanza; educación; enseñanza antirracista

Introdução

A partir do final da década de 1940, a historiografia africana se renovou. Os historiadores africanos desenvolveram categorias específicas de análise para investigar a história do continente, contribuindo de forma ostensiva para a constituição de uma ótica autóctone. Desejavam, assim, romper com as perspectivas eurocêntricas e racistas que, em grande parte, estigmatizavam o continente africano, considerando-o primitivo, a-histórico. É importante lembrarmos que essas transformações historiográficas se desenvolviam concomitantemente aos processos de independência das nações africanas, que se libertavam do jugo europeu.

Nesse contexto, nasceu a coleção intitulada ‘História geral da África’ (HGA), construída ao longo da segunda metade do século XX, formada por oito volumes extensos1 1 A Unesco lançou, em 2013, em Addis Abeba (Etiópia), um projeto para elaboração de novos volumes da Coleção ‘História geral da África’. O Comitê Científico Internacional reuniu-se em Belo Horizonte, entre os dias 25 e 28 de março de 2019, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Escola Superior Dom Helder Câmara (EDH), com o objetivo de discutir sobre os manuscritos dos volumes IX, X e XI, bem como sobre estratégias de divulgação desses trabalhos (Unesco, 2019, p. 3). . Financiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a HGA contou com as contribuições de centenas de especialistas- historiadores, arqueólogos, antropólogos, linguistas, africanos e não africanos e possuiu o intuito de constituir-se na condição de uma obra de referência sobre o tema, produzindo e sistematizando um conhecimento científico sobre a África. É necessário compreendermos a importância dessa coleção para a percepção do africano como sujeito de sua própria história, colaborando para uma espécie de ‘tomada de consciência’.

Traduzida para o português em 2010 por especialistas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a ‘História geral da África’ se constitui em elemento importante para subsidiar o debate e a implementação da Lei nº 10.639/2003, que trata sobre o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira na educação básica. Se antes o grande problema enfrentado pelos professores era o desconhecimento sobre a temática, a partir da publicação e da maior divulgação da HGA em língua portuguesa, o conhecimento histórico sobre o continente africano se tornou mais acessível. No entanto, a extensão e a complexidade da coleção poderiam ser consideradas obstáculos, o que impulsionou a formação da Síntese da coleção história geral da África, também pela UFSCar, as quais condensaram as principais discussões presentes na obra original. Outro produto importante desse projeto a ser mencionado é a História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, manual direcionado aos professores da educação infantil.

Assim, neste trabalho, temos o objetivo de compreender os principais elementos teórico-metodológicos presentes na Coleção ‘História geral da África’, analisando as perspectivas historiográficas africanas que fundamentaram a construção da obra, como forma de apreender aqueles movimentos diretamente ligados à História e à Historiografia da Educação. Ademais, almejamos entender o contexto no qual aconteceram as transformações na historiografia africana, sobretudo no que diz respeito à escrita da HGA, ao mesmo tempo que visamos compreender o alcance dessa coleção, principalmente no Brasil, de forma geral, e nos estudos de História e Historiografia da Educação, em particular.

A Coleção ‘História geral da África’ e a perspectiva africana

Entre 1965 e 1999, a Unesco organizou e financiou um ambicioso projeto que visava construir e sistematizar produções históricas sobre o continente africano a partir, sobretudo, de uma perspectiva autóctone: tratava-se da ‘História geral da África’. Essa extensa empresa, que contou com as contribuições de cerca de trezentos e cinquenta especialistas, resultou na escrita de uma coleção composta por oito volumes, os quais discutem a respeito de inúmeros temas acerca da África, com um recorte cronológico que compreende desde a Pré-História até o final do século XX. Nesse sentido, segundo Muryatan Santana Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 2), a HGA se caracterizou por ser “[...] um compêndio pormenorizado sobre o assunto, cobrindo toda a história da humanidade na África”. A obra se divide da seguinte forma: Metodologia e pré-história da África (volume 1), África Antiga (volume 2), África do século VII ao XI (volume 3), África do século XII ao XVI (volume 4), África do século XVI ao XVIII (volume 5), África do século XIX à década de 1880 (volume 6), África sob a dominação colonial, 1880-1935 (volume 7), África desde 1935 (volume 8).

Em seu âmago, a ‘História geral da África’ buscou desconstruir os olhares historiográficos eurocêntricos e racistas sobre o continente forjados ao longo dos séculos, enfatizando a necessidade de se analisar a África sob um prisma especialmente africano. Esse objetivo norteou as discussões e os trabalhos produzidos pelos membros do projeto, bem como a composição do Comitê Científico Internacional, o qual coordenou o empreendimento: dos trinta e nove membros, dois terços deveriam ser pesquisadores africanos. Assim, segundo Betwell Allan Ogot (2010Ogot, B. A. (2010). Apresentação do projeto. In J. Ki-Zerbo (Ed.). História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxvii-xxx). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. p. XXVIII), presidente do referido Comitê, “[...] a História Geral da África é aqui essencialmente examinada de seu interior. Obra erudita, ela também é, em larga medida, o fiel reflexo da maneira através da qual os autores africanos veem sua própria civilização”.

A construção da Coleção fez parte do processo de renovação historiográfica ocorrida no continente africano a partir da década de 1940. Nesse sentido, Leila Leite Hernandez (2008Hernandez, L. M. G. L. (2008). A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo, SP: Selo Negro.) afirma que o surgimento da Revista Présence Africaine2 2 Segundo Barbosa (2019), a Présence Africaine começou a ser publicada em 1947, poucos anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, e tinha como editores, inicialmente, os senegaleses Alioune Diop e Christiane Diop. Contou, em maior parte, com a presença de intelectuais oriundos da África Ocidental Francesa e influenciada pelo fortalecimento da ‘negritude’ e do ‘pan-africanismo’ enquanto movimentos político-ideológicos (Barbosa, 2019). foi importante no processo de descolonização da História e da Historiografia africanas, tendo em vista as fortes influências da ‘negritude’ e do ‘pan-africanismo’ e a adoção de “[...] técnicas europeias de investigação histórica para resgatar o passado africano, buscando elementos de identidade cultural solapados pelo colonialismo” (Hernandez, 2008Hernandez, L. M. G. L. (2008). A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo, SP: Selo Negro., p. 23). Ao mesmo tempo, Barbosa (2008Barbosa, M. S. (2008). Eurocentrismo, história e história da África. Sankofa: Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, 1(1), 47-63. Recuperado de: http://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/88723/91620
http://www.revistas.usp.br/sankofa/artic...
, 2012) identifica importantes nomes dessa nova fase da historiografia africana, como Cheik Anta Diop e Djibril Tamsir Niane, envolvidos na construção da Coleção História geral da África, da Unesco. Aponta também o surgimento de universidades no continente africano interessadas em pesquisas sobre a História da África, tais como a Universidade de Dakar (Senegal), o Gordon College Cartum (Sudão) e a Universidade de Nairobi (Quênia).

Consideramos importante ressaltar que, ao mesmo tempo que se buscava analisar a história africana a partir de categorias próprias, lançou-se mão de perspectivas teórico-metodológicas das ciências ocidentais para a construção da Coleção. Nesse sentido, segundo Muryatan Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
), Joseph Ki-Zerbo defendia que a “[...] a história da África deveria ser guiada pelas normas e procedimentos fundamentais da razão, sobretudo em relação à aplicação do princípio da causalidade [...]”, permanecendo num “[...] caminho intermediário entre a singularização excessiva da África e a universalização acrítica, que levaria a alinhá-la demasiadamente a normas estrangeiras” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 38).

Em outras palavras: a escrita da ‘História geral da África’ deveria basear-se tanto no repertório científico ocidental quanto em categorias de análise peculiares às sociedades africanas, rejeitando abordagens eurocêntricas. Ki-Zerbo se referia, dessa forma, a “[...] uma visão que, sem negar as exigências da ciência universal, recuperasse a historicidade deste continente, em novos modelos” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 39). Para refletirmos sobre isso, é importante explorarmos as perspectivas decolonialistas de análises historiográficas, tais como as de Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina.) e Valentin Yves Mudimbe (2013Mudimbe, V. Y. (2013). A invenção da África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, PT: Edições Pedago.), como forma de dialogar com o potencial cultural africano da obra em foco. Dessa forma, evitamos analisá-la apenas por um viés epistemológico ocidental e nos afastamos de análises hegemônicas que se baseiam numa cultura de franca influência eurocêntrica.

Santos e Meneses (2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina.) problematiza a hegemonia das epistemologias ocidentais, ou seja, as oriundas do ‘Norte ocidental’, em detrimento de outras formas de saberes construídos, principalmente, por sociedades do Sul. Segundo o autor, esse ‘Sul’, com exceção da Austrália e da Nova Zelândia, “[...] sobrepõe-se em parte com o sul geográfico, o conjunto de países e regiões do mundo que foram submetidos ao colonialismo europeu e que [...] não atingiram níveis de desenvolvimento econômico semelhantes ao Norte global (Europa e América do Norte)” (Santos & Meneses, 2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina., p. 12). Nesse ponto de vista, as investidas colonizadoras europeias sobre o Sul tiveram como consequência não apenas uma dominação política, mas também de cunho epistemológico, ou seja, “[...] uma relação extremamente desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações colonizadas” (Santos & Meneses, 2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina., p. 13).

Para Santos e Meneses (2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina.), ainda há uma supremacia das epistemologias ocidentais sobre as demais. Assim, torna-se imprescindível compreender a diversidade epistemológica existente no mundo, o que o autor denomina de ‘epistemologias do sul’. Desse modo, Santos e Meneses (2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina.) nos convida a refletir sobre a necessidade de construirmos um pensamento ‘pós-abissal’, ou seja, “[...] um aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul [...]”, que rompa com uma perspectiva monocultural, sobretudo eurocêntrica e racista, e aposte numa ecologia dos saberes “[...] que se baseia no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (sendo um deles a ciência moderna) e em direções sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer sua autonomia” (Santos & Meneses, 2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina., p. 45).

De acordo com Mudimbe (2013Mudimbe, V. Y. (2013). A invenção da África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, PT: Edições Pedago.), é problemático o fato de os intelectuais, mesmo africanos, usarem apenas categorias conceituais ocidentais para compreenderem a África, em prejuízo de paradigmas autóctones. Por outro lado, embora os considere insuficientes para a compreensão real da cosmovisão e dos sistemas tradicionais de pensamento africanos, o autor afirma que os discursos científicos produzidos pela História e pelas Ciências Sociais são importantes, uma vez que, por meio destes, “[...] os mundos africanos foram estabelecidos enquanto realidades para o conhecimento” (Mudimbe, 2013Mudimbe, V. Y. (2013). A invenção da África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, PT: Edições Pedago., p. 3). Nesse sentido, o autor constata o protagonismo dos intelectuais africanos na escrita de sua própria história, mesmo que também a partir de epistemologias ocidentais, visto que “[...] leem, desafiam, reescrevem estes discursos como um modo de explicar e definir sua cultura, história e ser” (Mudimbe, 2013Mudimbe, V. Y. (2013). A invenção da África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, PT: Edições Pedago., p. 3-4).

Assim, Joseph Ki-Zerbo, em suas primeiras palavras registradas no primeiro volume da HGA, afirmou: “[...] a África tem uma história” (Ki-Zerbo, 2010Ki-Zerbo, J. (2010). Introdução geral. In J. Ki-Zerbo (Ed.). História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxxi-lvii). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. XXXI). Essa assertiva é emblemática no que diz respeito ao objetivo do projeto de se afastar das perspectivas historiográficas eurocêntricas, especialmente aquelas que marginalizavam ou mesmo negavam os fenômenos históricos ocorridos no continente africano. À vista disso, a ‘História geral da África’ contribuiu para a renovação da historiografia do continente, adotando como elemento central de análise histórica a ‘perspectiva africana’, descrita por Muryatan Barbosa como um paradigma que “[...] privilegia os fatores internos ao continente, em oposição aos externos, na explicação histórica, científica, da África” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 49).

De acordo com Felipe Paiva Soares (2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
), a ‘perspectiva africana’, tendo Joseph Ki-Zerbo como um de seus maiores representantes, caracteriza-se por uma subversão do olhar colonial sobre a África, que passa a ser percebida como principal ponto de referência na construção do conhecimento sobre esse território. Dessa forma, “[...] o continente [africano] funciona como topoi, isto é, lugar referencial, de onde o historiador manifesta seu discurso e o fundamenta” (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 28). Dessa maneira, o autor afirma que um importante aspecto desse paradigma historiográfico é a “[...] constituição de uma personalidade coletiva autônoma [...]”, na qual as diversas sociedades africanas são percebidas como portadoras de uma identidade singular, que as diferenciaria dos estrangeiros (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 28).

Segundo Betwell Allan Ogot (2010Ogot, B. A. (2010). Apresentação do projeto. In J. Ki-Zerbo (Ed.). História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxvii-xxx). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
), um importante aspecto da HGA diz respeito ao intuito de seus idealizadores em analisar a África como um todo, compreendendo os intercâmbios socioculturais construídos entre as diversas sociedades africanas ao longo do tempo. Desse modo, destacamos o intento do projeto em refutar produções históricas anteriores que desconsideravam as relações existentes entre civilizações que habitavam distintas partes da África, principalmente no que diz respeito às ligações das regiões ao norte e ao sul do continente: para Ogot (2010Ogot, B. A. (2010). Apresentação do projeto. In J. Ki-Zerbo (Ed.). História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxvii-xxx). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. LIV), “[...] tais laços fazem da África, de um lado e do outro do Saara, as dobradiças de uma mesma porta, as duas faces de uma mesma moeda”. Ademais, é explícito o anseio dos especialistas integrantes do projeto em investigar os contatos seculares estabelecidos entre os africanos e os povos de outros continentes.

Muryatan Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
) constata três pontos referentes à mencionada ‘perspectiva africana’ presentes na HGA: o’ regionalismo’, o ‘difusionismo intra-africano’ e o ‘sujeito africano’. Para o autor, o ‘regionalismo’ é um elemento de análise importante nesse paradigma historiográfico, uma vez que, centrando-se em uma determinada localidade, a partir de uma perspectiva de longa duração, analisa “[...] os elementos fundamentais que explicariam a história de uma região africana, em particular” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 131). Segundo Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 131), os especialistas da Coleção que se debruçaram sobre esse tipo de abordagem selecionaram como objetos de estudo sobretudo “[...] o ecossistema local (ou regional) e os desenvolvimentos (ou adequações) técnicos e sociopolíticos das populações africanas”. O regionalismo pode ser considerado, assim, como o cerne da ‘perspectiva africana’, pois é a única categoria que “[...] consegue estabelecer uma periodização histórica cujo conteúdo justifica, plenamente, uma visão internalista da África: a adequação ecossistêmica na longa duração” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 171).

No que diz respeito ao ‘difusionismo intra-africano’, prima-se pela investigação de intercâmbios socioculturais e econômicos entre as sociedades africanas, bem como os movimentos migratórios ocorridos no continente, “[...] elementos considerados essenciais à evolução dos povos e sociedades dentro do próprio continente africano” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 167). De acordo com os autores da Coleção que utilizaram essa perspectiva analítica para a compreensão do período que se iniciou na Antiguidade e foi até o século XIX, os movimentos populacionais e as relações comerciais internacionais constituíram-se nos principais temas a serem investigados, bem como o Islamismo, elemento histórico incorporado à história africana a partir do século VII. De acordo com Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
), o difusionismo ‘intra-africano’ foi o tipo de escrita mais comum entre os especialistas da HGA.

Por fim, no que diz respeito ao ‘sujeito africano’, este é compreendido como um agente construtor de sua própria história. Tal ponto de vista encontrou maior espaço entre os capítulos da Coleção que analisaram períodos em que influências políticas, econômicas e culturais externas à África ganharam mais força, em especial o colonialismo imperialista dos séculos XIX e XX. Apesar disso, Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
) também constata a existência do ‘sujeito africano’ em trabalhos que investigaram épocas mais remotas a partir de uma ótica de longa duração, tal como a experiência egípcio-faraônica, a civilização berbere-magrebina e as diásporas africanas. Essa categoria possui menor enfoque na HGA, se comparada ao regionalismo e ao difusionismo intra-africano, uma vez que “[…] sua presença faz-se marcante, sobretudo, nos momentos históricos em que os fatores externos são estruturalmente dominantes” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 50).

É importante compreendermos que tal perspectiva teórica está relacionada ao contexto no qual a construção da ‘História geral da África’ aconteceu: os processos de independência no continente africano, aliados ao fortalecimento dos discursos pan-africanistas. Nesse sentido, ao considerar a África em sua totalidade, desconstruindo concepções eurocêntricas que não percebiam as relações existentes entre as diversas sociedades africanas, e ao sistematizar um conhecimento histórico do continente a partir de um ponto de vista autóctone, enfatizando o protagonismo africano, a HGA visou possibilitar ao africano reconhecer uma consciência autêntica de si mesmo (Ki-Zerbo, 2010Neab/UFSCar. (2010). Nota dos tradutores. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. ix-x). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
). Assim, Ogot (2010Ogot, B. A. (2010). Apresentação do projeto. In J. Ki-Zerbo (Ed.). História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxvii-xxx). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. LIII) defende que “[...] a atitude histórica africana não será então uma atitude vingativa nem de auto-satisfação, mas um exercício vital de memória coletiva que varre o campo do passado para reconhecer suas próprias raízes”.

Outro elemento importante da HGA é o desenvolvimento do conceito de ‘resistência’, presente em grande parte dos oito volumes, e que ganhou distintas formas ao longo da coleção. Segundo Felipe Soares (2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
), nos primeiros seis livros que compõem a História Geral da África, que abarcam o período pré-colonialista, a concepção de ‘resistência’, de modo geral, não foi sistematicamente desenvolvida pelos historiadores e, por isso, não se configurou, nessa parte da coleção, como um paradigma historiográfico. No entanto, ao abordar os processos de colonização europeia do continente a partir do século XIX e as reações africanas a esse processo, o termo ganhou nova tonalidade, tendo os pesquisadores enfatizado o protagonismo africano nas lutas contra o invasor estrangeiro. Destarte, o africano só poderia resistir em face do ‘outro’. Todavia, esse ‘outro’, invasor, é identificado como o estrangeiro, elemento externo ao continente, e não como o próprio africano, raras as exceções. Desse modo, segundo a perspectiva adotada em grande parte da HGA, “[...] quando há a dominação de um povo africano sobre outro ela não se reveste da carga de imposição, violação ou mesmo colonização” (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 13).

O ‘tempo’ é outro elemento analítico importante discutido pelos pesquisadores da HGA, tendo em vista as peculiaridades existentes na concepção africana. Nessa perspectiva, para a construção de um conhecimento histórico de fato autóctone, é imprescindível compreendermos o espaço ocupado pelos mitos e pelos ancestrais na construção dos saberes sobre as sociedades africanas, visto que, segundo Boubou Hama e Joseph Ki-Zerbo (2010Hama, B., & Ki-Zerbo, J. (2010). Lugar da história na sociedade africana. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 23-36). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. 24, grifo do autor), “[...] sob forma de ‘costumes’ vindos de tempos imemoriais, o mito governa a História, encarregando-se, por outro lado, de justificá-la”. Em suma: afastou-se da percepção de uma história meramente linear, tendo em vista que o passado e o presente eram percebidos como elementos que coexistiam e orientavam o caminhar dos africanos rumo ao futuro.

Os autores refutam qualquer ideia de que esse aspecto resultaria em um suposto imobilismo africano, como se o continente estivesse apenas voltado para o passado. O tempo africano é, portanto, também um tempo histórico e “[...] não contradiz a lei geral das forças e do progresso” (Hama & Ki-Zerbo, 2010Hama, B., & Ki-Zerbo, J. (2010). Lugar da história na sociedade africana. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 23-36). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. 32). Ao mesmo tempo, constatam que, nesse processo, o indivíduo não é, de fato, o verdadeiro protagonista, mas sim o grupo no qual está inserido. Sob essa ótica, “[...] o tempo não é a duração capaz de dar ritmo a um destino individual; é o ritmo respiratório da coletividade” (Hama & Ki-Zerbo, 2010Hama, B., & Ki-Zerbo, J. (2010). Lugar da história na sociedade africana. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 23-36). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. 24). Desse modo, o caminhar histórico africano não seria impulsionado apenas por ações particulares, isoladas, mas sim pelo coletivo, o que nos permite afirmar que, para o africano, “[...] a história é a vida crescente do grupo” (Hama & Ki-Zerbo, 2010Hama, B., & Ki-Zerbo, J. (2010). Lugar da história na sociedade africana. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 23-36). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. 31).

Consideramos importante abordar também as reflexões propostas por Jan Vansina (2010Vansina, J. (2010). A tradição oral e sua metodologia. In J. Ki- Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 139-166). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
) e por Amadou Hampaté Bâ (2010Hampaté Bâ, A. (2010). A tradição viva. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 167-212). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
) sobre o papel central ocupado pelos tradicionalistas africanos, em particular os mestres denominados Doma e os griots genealogistas e historiadores, na transmissão dos saberes ancestrais de geração em geração e na construção do conhecimento histórico sobre o continente africano. De acordo com os autores, nas sociedades cujas culturas foram construídas fundamentadas na oralidade, a fala não representa apenas um meio de comunicação cotidiano trivial, mas também uma forma, tão legítima quanto a cultura escrita, para a preservação dos conhecimentos passados. Geralmente originadas de testemunhos oculares, as tradições são transmitidas à posteridade e se tornam importantes para o funcionamento e para a compreensão das instituições e dos vínculos sociais africanos. Assim, é imprescindível entendermos, segundo esses intelectuais, que “[...] o que a África tradicional mais preza é a herança ancestral” (Hampaté Bâ, 2010Hampaté Bâ, A. (2010). A tradição viva. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 167-212). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. 174). Vansina e Hampaté Bâ (2010Hampaté Bâ, A. (2010). A tradição viva. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. 167-212). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
) defendem que a oralidade representa um posicionamento singular diante do mundo, uma vez que a Palavra é percebida como elemento sagrado, de origem divina.

Desse modo, para a construção de uma história da África autóctone, a partir da ‘perspectiva africana’ e do consequente rompimento com abordagens eurocêntricas e racistas, é importante que o historiador compreenda que as tradições orais não podem ser consideradas menos autênticas ou legítimas que as fontes escritas, cabendo ao historiador lançar mão de ferramentas teóricas e metodológicas específicas em sua análise. Segundo Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
), Hampaté Bâ, assim como Hama e Ki-Zerbo, compreendia “[...] o conhecimento prévio da tradição nas sociedades africanas como uma premissa epistemológica do historiador de África. Tais argumentações reivindicam uma imersão cultural e uma abertura de espírito necessária ao trabalho historiográfico” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 42).

Entretanto, apesar de a ‘perspectiva africana’ ter sido o paradigma predominante na HGA, não foi o único que fundamentou as pesquisas. Grande parte dos especialistas que compuseram esse projeto era de origem não africana. Conforme Soares (2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
), houve divergências nas análises das fontes e na escrita dos artigos, tendo em vista a diversidade ideológica existente entre os autores na Coleção. Assim, devemos nos afastar da ideia de uma suposta homogeneidade historiográfica existente nesse empreendimento, pois, de acordo com Soares, a HGA “[...] mostra-se com a sua lealdade dividida [...]”: se por um lado há “[...] a lealdade da obra como um todo ao seu projeto de ancorar a pesquisa em uma ótica internalista [...]”, por outro existe “[...] a lealdade de alguns autores em particular aos seus laços culturais e, possivelmente, religiosos profundos” (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 45).

Alguns especialistas adotaram uma ótica ‘islamocêntrica’ na escrita da história da África, indo de encontro ao objetivo central do projeto. Segundo Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
), El Fasi, editor do terceiro volume da Coleção, assim como outros autores cujos artigos compuseram esse tomo, privilegiaram “[...] a ideia do papel civilizador do Islã sobre os povos africanos” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 71), qualificando como selvagem, por exemplo, a resistência berbere diante das investidas muçulmanas no Magrebe. Houve, assim, segundo Soares, um rompimento com a ‘perspectiva africana’, uma vez que apresentaram a África como “[...] um lugar a ser preenchido” (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 45). Esvaziou-se, em algumas abordagens, a concepção do africano como sujeito sociopolítico de sua história, em prol do protagonismo, nesse caso específico, das sociedades islâmicas não africanas. Em outras palavras, é possível afirmarmos que “[...] a África que a HGA escolheu apresentar nesse momento é aquela vista pelo olhar do outro” (Soares, 2014Soares, F. P. (2014). Polifonia conceitual: a resistência na história geral da África (Unesco) (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal Fluminense, Niterói. Recuperado de: https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/565
https://appdesenv.uff.br/riuff/handle/1/...
, p. 45).

Isso evidencia que o projeto, embora primasse pela ‘perspectiva africana’, não era homogêneo no que diz respeito aos posicionamentos de seus pesquisadores. Muryatan Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
) afirma que aconteceram muitas divergências entre os especialistas, sobretudo a partir de 1975, quanto às interpretações realizadas acerca dos processos históricos africanos. Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
) constata, por exemplo, que houve críticas por parte do Comitê Científico (CE) ao ponto de vista adotado por Ali Mazrui, editor do oitavo volume (que trata sobre a África pós-1935): para o CE, os temas abordados nesse livro, em especial os capítulos que tratavam sobre os processos de independência de muitos países africanos, precisavam ser analisados sob uma ótica mais africana do que a que havia sido utilizada por Mazrui.

Além disso, conforme Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
), Albert Adu Boahen, editor do sétimo tomo, afirmou a necessidade de notificar os autores deste de que “[...] ali se tratava de uma história da África vista como um todo, a partir de uma visão essencialmente interna” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 32-33). Isso nos mostra a existência de discordâncias de caráter teórico-metodológico na elaboração da Coleção, uma vez que alguns especialistas supostamente se desviavam do objetivo principal defendido pelos organizadores. Nesses termos, “[...] quando o CE acreditava que esta ‘perspectiva [africana]’ não estava sendo de fato incorporada na escrita na história da HGA, havia uma forte oposição do grupo organizador da obra” (Barbosa, 2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 33-34, grifo nosso).

Por outro lado, Barbosa (2012Barbosa, M. S. (2012). A África por ela mesma: a perspectiva africana na história geral da África (Unesco) (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09012013-165600/pt-br.php
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
) afirma que, no último dia da reunião do Comitê Científico Internacional em Paris em 1977, M. Amadou Mahtar M’Bow, então Diretor-Geral da Unesco, defendeu que o projeto fosse menos dogmático e mais democrático, e solicitou que os especialistas fossem mais tolerantes em relação aos diversos posicionamentos teórico-metodológicos existentes. Segundo M’Bow (2010M’Bow, M. A. M. (2010). Prefácio. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxi-xxvi). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
), a Coleção História geral da África não deveria esgotar as discussões realizadas sobre os temas tratados, mas sim fomentar a construção de uma historiografia africana autóctone e discutir as possíveis limitações das pesquisas realizadas, elencando o que ainda precisava ser investigado. Nesse sentido, M’Bow, no prefácio escrito para o primeiro volume da Coleção, afirma que a HGA

[...] não busca a exaustão e se pretende uma obra de síntese que evitará o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposição dos problemas indicadores do atual estádio dos conhecimentos e das grandes correntes de pensamento e pesquisa, não hesitando em assimilar, em tais circunstâncias, as divergências de opinião. Assim preparará o caminho para posteriores publicações (M’Bow, 2010M’Bow, M. A. M. (2010). Prefácio. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxi-xxvi). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. XXXVII).

Mônica Lima (2012Lima, M. (2012). A África tem uma História. Afro-Ásia, Salvador, 33, (279-288). Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0002-05912012000200009&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) afirma que a Coleção também foi alvo de diversas críticas oriundas de especialistas pertencentes a outros espaços acadêmicos, como Joseph Miller (Universidade da Virgínia), Rolando Oliver (Universidade de Londres) e Randall L. Pouwells (Universidade de Arkansas). Segundo a autora, esses pesquisadores questionaram até que ponto as discussões contidas na obra ainda se encontravam atualizadas quando publicadas, haja vista o longo período de sua concepção. Ademais, Lima constata que outra parte desse posicionamento crítico dizia respeito ao engajamento sociopolítico dos autores da HGA, cujas “[...] postura[s] produziria[m] um viés por vezes marcado pelo afrocentrismo ou, o que seria ainda pior, por concepções equivocadas de defesa de uma supremacia da raça negra, a título de inversão das concepções racistas do Ocidente” (Lima, 2012Lima, M. (2012). A África tem uma História. Afro-Ásia, Salvador, 33, (279-288). Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0002-05912012000200009&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 282). Ou seja, “[...] sinalizaram desfavoravelmente seu descompasso com a pesquisa histórica e seu viés, a seu ver excessivamente afrocêntrico e ideologizado” (Lima, 2012Lima, M. (2012). A África tem uma História. Afro-Ásia, Salvador, 33, (279-288). Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0002-05912012000200009&lng=en&nrm=iso
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 282).

Em contrapartida, outro ponto que merece destaque é o fato de os organizadores da Coleção História Geral da África terem dividido os tomos em ordem cronológica, de forma linear, reproduzindo, em muitos aspectos, um paradigma de distribuição temporal caro a uma historiografia de caráter eurocêntrico. Além disso, chama-nos atenção a utilização da categoria ‘Pré-História’, que foi um dos temas presentes no primeiro volume da HGA, pois também nos remete a um modelo eurocêntrico de divisão do tempo que define como pré-históricas as sociedades que não possuíam cultura escrita. Ou seja, considerando que grande parte dos povos africanos se forjaram com base na oralidade, como discutimos, tal perspectiva teórica poderia perpetuar a exclusão desses grupos do ponto de vista histórico e historiográfico, assim como fizera a historiografia eurocêntrica de outrora.

Apesar das limitações e das contradições mencionadas, defendemos a importância da ‘História geral da África’ não apenas para o continente africano, mas também para os processos de pesquisa e ensino desenvolvidos em outras partes do mundo. A Unesco se empenhou, assim, em disseminar essa obra de modo que fosse “[...] amplamente difundida, em numerosos idiomas [...]”, tornando-se base para “[...] elaboração de livros infantis, manuais escolares, e emissões televisivas ou radiofônicas” (M’Bow, 2010M’Bow, M. A. M. (2010). Prefácio. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. xxi-xxvi). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. XXVI). Nessa perspectiva, pesquisadores trabalharam na tradução da HGA para línguas africanas, como o kiswahili e o haussa, e para outros idiomas, como alemão, chinês, italiano, japonês, português. Dessa maneira, sobre os produtos surgidos a partir dessa coleção, podemos citar, no caso brasileiro, a tradução da obra para a língua portuguesa em 2010, a elaboração da Síntese da coleção história geral da África e a construção do manual História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, que serão tratados a seguir.

A ‘História geral da África’ e a descolonização do ensino

Em 2010, a Coleção ‘História geral da África’ foi traduzida para o português, iniciativa da Representação da Unesco no Brasil e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), a partir dos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) desta instituição. Segundo Vicent Defourny, então representante da Unesco no país, e Fernando Haddad, então Ministro da Educação, a publicação da HGA em língua portuguesa visou disseminar o conhecimento científico produzido sobre o continente africano de forma a contribuir para a construção de “[...] uma visão equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da África para a humanidade, assim como para o estreitamento dos laços históricos existentes entre o Brasil e a África” (Defourny & Haddad, 2010Defourny, V., & Haddad, F. (2010). Apresentação. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. vii-viii). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. VII).

A tradução da ‘História geral da África’ vai ao encontro das tentativas de fomentar o cumprimento da Lei nº 10.639/2003, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, tornando obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação Básica. Apesar da aprovação dessa importante legislação, em 2007 a Secad/MEC e a Unesco constataram o “[...] seu baixo grau de institucionalização e sua desigual aplicação no território nacional [...]”, haja vista “[...] a falta de materiais de referência e didáticos voltados à História da África” (Neab/UFSCar, 2010Neab/UFSCar. (2010). Nota dos tradutores. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. ix-x). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. X). Tal panorama era problemático, posto que o conhecimento histórico de viés eurocêntrico se configurava como um paradigma historiográfico hegemônico nas instituições educacionais brasileiras. Nesse sentido,

[...] no que diz respeito aos manuais e estudos disponíveis sobre a História da África, havia um certo consenso em afirmar que durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada e eurocêntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especialmente sua história quase inexistente para muitos até a chegada dos europeus no século XIX (Neab/UFSCar, 2010Neab/UFSCar. (2010). Nota dos tradutores. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. ix-x). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. X).

Ressaltamos que a Lei nº 10.639/03, promulgada pelo então Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, foi em grande parte consequência das reivindicações dos movimentos negros brasileiros ao longo do século XX, principalmente a partir da década de 1980. Segundo Nilma Lino Gomes (2012Gomes, N. L. (2012b). Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, 12(1), 98-109. Recuperado de: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/curr%C3%ADculo-e-rela%C3%A7%C3%B5es-raciais-nilma-lino-gomes.pdf
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-c...
b), a educação se tornou uma das demandas centrais dos negros, seja no que diz respeito ao acesso dessa parcela da população a um ensino de qualidade, seja no que se refere à descolonização de conteúdos e ao desenvolvimento de práticas pedagógicas antirracistas. Assim, a autora afirma que a educação

[...] é compreendida pelo movimento negro como um direito paulatinamente conquistado por aqueles que lutam pela democracia, como uma possibilidade a mais de ascensão social, como aposta na produção de conhecimentos que valorizem o diálogo entre diferentes sujeitos sociais e suas culturas e como espaço de formação de cidadãos que se posicionem contra toda e qualquer forma de discriminação (Gomes, 2012Gomes, N. L. (2012b). Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, 12(1), 98-109. Recuperado de: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/curr%C3%ADculo-e-rela%C3%A7%C3%B5es-raciais-nilma-lino-gomes.pdf
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-c...
b, p. 735).

Antes dessa publicação da HGA em português, seu uso se encontrava “[...] limitado, sobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas [...]”, e quase inacessível a professores e estudantes. Nessa perspectiva, “[...] um dos motivos desta limitação era a ausência de uma tradução do conjunto dos volumes que compõem a obra em língua portuguesa” (Neab/UFSCar, 2010Neab/UFSCar. (2010). Nota dos tradutores. In J. Ki-Zerbo (Ed.), História geral da África: metodologia e pré-história da África (p. ix-x). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese_pdf_only/
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
, p. X). É possível compreender, assim, a importância da tradução dessa coleção, cujo intuito foi tornar acessível à sociedade brasileira o conhecimento histórico sobre o continente africano construído, em especial, sob uma ótica africana, em detrimento das concepções predominantemente eurocêntricas.

A partir da versão brasileira da ‘História geral da África’, por meio do ‘Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas’ desenvolvido pelo Neab/UFSCar, em parceria com a Unesco e com o MEC, houve a elaboração da Síntese da coleção história geral da África3 3 É importante frisar que a HGA, sua Síntese...e a História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil se encontram disponíveis, tanto em material impresso quanto virtualmente, no site da Unesco, disponível para qualquer pessoa que deseje realizar o download. O link está nas referências, ao final do texto. , publicada em dois volumes no ano de 2013, editada por Valter Roberto Silvério (2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
), professor do Departamento e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar e especialista em estudos pós-coloniais e relações raciais. Esse trabalho se relaciona, também, ao objetivo de tornar ainda mais acessível o conteúdo presente na HGA, haja vista a grande extensão e complexidade da obra original, transformando-a em material pedagógico. Assim, de acordo com Silvério,

[...] a síntese, em dois volumes, que estamos disponibilizando a partir dos oito volumes da História Geral da África, é parte do conjunto de materiais [pedagógicos] e tem por objetivo propiciar aos professores e alunos, e às pessoas de modo geral, um conjunto de conhecimentos e informações sobre o continente africano (Silvério, 2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
, p. 10).

Conforme o editor da Síntese..., houve uma condensação dos originais da ‘História geral da África’ em cerca de 90%, por meio da qual “[...] cada volume da versão original em língua portuguesa transformou-se em um capítulo na versão sintetizada [...]”, ao mesmo tempo que, no segundo tomo, “[...] os capítulos de cada um dos volumes da versão original transformaram-se em subcapítulos ou tópicos” (Silvério, 2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
, p. 10). Para tanto, foram suprimidos gráficos, figuras, tabelas e partes dos textos em que havia demasiadas discussões teórico-metodológicas, com o intuito de deixar a leitura dos artigos mais fluida. Concomitantemente, “[...] as ideias e os objetivos dos autores de cada capítulo foram preservados e mantidos os exemplos mais representativos, significativos ou esclarecedores para o assunto tratado” (Silvério, 2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
, p. 11). Nesse sentido, é importante destacar que não houve nenhum tipo de atualização nas discussões realizadas na HGA, uma vez que se trata “[...] da síntese do conteúdo da HGA como foi pensado pelos seus autores” (Silvério, 2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
, p. 11).

Tais iniciativas são importantes, pois são capazes de fomentar a formação de professores da educação básica e do ensino superior sobre temas relacionados à História e Historiografia da Educação, bem como à História da África e da população afro-brasileira. Nesse sentido, possibilitar debates a respeito dessas temáticas nas instituições de ensino pode proporcionar a apreensão e a produção de um conhecimento histórico, a partir, também, da ótica africana, contribuindo para uma maior compreensão sobre o continente africano, assim como acerca das relações deste com o Brasil e as contribuições das sociedades africanas para a formação da sociedade brasileira ao longo dos últimos séculos. Assim, Silvério afirma que, na Síntese...,

[...] procuramos organizar os dois volumes com textos sintéticos e objetivos, para permitir uma visão tanto da riqueza das contribuições dos povos africanos para a humanidade quanto do seu impacto na constituição da sociedade brasileira e, também, em resposta às reivindicações de mudanças expressas pela Lei nº 10.639/2003 e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (Silvério, 2013Silvério, V. R. (2013). Apresentação. In V. R. Silvério (Org.), Síntese da coleção história geral da África: pré-história ao século XVI (p. 7-16). Brasília, DF: Unesco. Recuperado de: https://unesco.bibliomondo.com/ark:/48223/pf0000227007?posInSet=4&queryId=N-3f2fa233-444b-4e87-a5c4-0277499c4be4
https://unesco.bibliomondo.com/ark:/4822...
, p. 10).

Ademais, outro importante produto oriundo dos trabalhos desenvolvidos na HGA e no ‘Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas’ foi a História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação Infantil, manual direcionado aos professores da educação infantil. Seu intuito, segundo o Ministério da Educação, a Representação da Unesco no Brasil e os especialistas envolvidos da Universidade Federal de São Carlos, é propiciar “[...] a construção de uma educação infantil que contemple a identidade étnico-racial e a diversidade cultural das crianças que frequentam os espaços infantis [...]”, bem como abrir “[...] caminhos para aqueles que buscam respostas de como fazer, no cotidiano, para construir uma sociedade livre da discriminação e do preconceito racial” (Brasil, 2014, p. 9). Por meio de propostas pedagógicas antirracistas, o livro fomenta o desenvolvimento de projetos educativos com o objetivo de valorizar a diversidade cultural africana e afro-brasileira.

O manual propõe, assim, uma série de atividades a serem realizadas junto a crianças com idades entre 0 e 5 anos, à luz da Lei nº 10.639/03, que visam desenvolver e valorizar habilidades relacionadas à oralidade, à corporeidade, à musicalidade, ao ritmo e à sociabilidade. Essas dimensões se encontram ligadas, por sua vez, às dinâmicas socioculturais das populações africanas e afro-brasileiras, ao mesmo tempo que estão presentes nas competências a serem desenvolvidas ainda na primeira infância pelas instituições escolares. Nesse sentido, o manual se divide em dois projetos centrais, o ‘Espaço Griô e o Projeto Capoeira’, com os quais pode ser possível “[...] realizar trabalhos pedagógicos que privilegiem a expressão africana e a realidade afro-brasileira” (Brasil, 2014Brasil (2014). História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil. Brasília, DF: MEC/SECADI. Recuperado de: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227009
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 19). De acordo com os autores,

[...] tendo os griôs (contadores de histórias) e a capoeira (arte do jogo e da luta) como motes principais, as professoras e os professores da educação infantil são convidados a motivar as crianças pequenininhas (0 a 3 anos) e as pequenas (4 a 5 anos) a explorar vários sentidos da sua corporeidade, a conhecer cores, palavras, canções texturas e histórias, a produzir desenhos, a participar de conversas informais e a estabelecer relações entre si e com os adultos (Brasil, 2014Brasil (2014). História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil. Brasília, DF: MEC/SECADI. Recuperado de: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227009
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 20).

Para além das propostas de atividades, o História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil apresenta resumidamente aos educadores o arcabouço teórico que fundamentou a construção das intervenções pedagógicas a serem desenvolvidas, tendo como referência sobretudo a Coleção ‘História geral da África’, em particular o primeiro volume. Desse modo, no tópico “Com as mãos na massa [...]”, presente nas duas seções principais do manual já mencionadas, “[...] propõe-se um diálogo teórico com as especificidades das culturas afro-brasileira e africana, com indicações para a formulação de práticas pedagógicas na educação das relações étnico-raciais na educação infantil” (Brasil, 2014, p. 25). Isso ocorre porque, conforme os autores, é imprescindível que os educadores compreendam as discussões existentes acerca da historiografia africana e a consequente descolonização do conhecimento histórico construído sobre o continente a partir da segunda metade do século XX, contribuindo para a formação continuada desses profissionais e possibilitando o desenvolvimento de práticas docentes antirracistas. Em outras palavras:

.] é importante que o conhecimento das dimensões histórica, cultural e social da tradição oral africana e da capoeira sejam de domínio teórico e conceitual da professora e do professor da educação infantil, pois isso contribuirá para que, na sua prática, esses profissionais atuem de maneira a ampliar e enriquecer a sua própria formação e a das crianças (Brasil, 2014Brasil (2014). História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil. Brasília, DF: MEC/SECADI. Recuperado de: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000227009
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
, p. 20).

A Coleção ‘História geral da África’, a Síntese... e a História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, desse modo, colaboram para o que Nilma Lino Gomes (2012Gomes, N. L. (2012b). Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, 12(1), 98-109. Recuperado de: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/curr%C3%ADculo-e-rela%C3%A7%C3%B5es-raciais-nilma-lino-gomes.pdf
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-c...
b) denominou de ‘descolonização dos currículos’, ou seja, um rompimento com paradigmas epistemológicos eurocêntricos e racistas produzidos e reproduzidos na educação. Nesse processo, torna-se fundamental problematizar a hegemonia dos modelos científicos ocidentais, muitas vezes, perpetuada nas instituições de ensino, levando-se em consideração a diversidade de saberes construídos além do mundo acadêmico; ao mesmo tempo que se abandone “[...] um imaginário que vê de forma hierarquizada e inferior as culturas, povos e grupos étnico-raciais que estão fora do paradigma considerado civilizado e culto, a saber, o eixo do Ocidente, ou o ‘Norte’ colonial” (Gomes, 2012bGomes, N. L. (2012b). Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, 12(1), 98-109. Recuperado de: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/curr%C3%ADculo-e-rela%C3%A7%C3%B5es-raciais-nilma-lino-gomes.pdf
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-c...
, p. 102, grifo do autor).

Gomes compreende, assim, que é necessário superar “[...] o modelo monocultural de conhecimento e de ensino” (Gomes, 2012bGomes, N. L. (2012b). Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, 12(1), 98-109. Recuperado de: http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/curr%C3%ADculo-e-rela%C3%A7%C3%B5es-raciais-nilma-lino-gomes.pdf
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-c...
, p. 105). O ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica vai ao encontro dessa postura pedagógica, uma vez que possibilita romper com posicionamentos históricos eurocêntricos em prol do ensino das perspectivas africanas e afro-brasileiras e tem o potencial de dar visibilidade a uma parcela social que, na maioria das vezes, permaneceu marginalizada: os negros. Esses atores, diferente de antes, passaram a ser percebidos como sujeitos na construção do conhecimento para além dos paradigmas científicos, principalmente a partir de suas experiências de vida. Segundo a autora, a demanda curricular pela introdução dessa temática no ensino básico “[…] exige mudança de práticas e descolonização dos currículos da educação básica e superior em relação à África e aos afro-brasileiros. Mudanças de representação e de práticas” (Gomes, 2012aGomes, N. L. (2012a). Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, 33(120), 727-744. Recuperado de: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302012000300005&script=sci_abstract&tlng=pt
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
, p. 99-100).

Sobre esse aspecto, Luena Nunes Pereira (2008Pereira, L. N. N. (2008). O ensino e a pesquisa sobre a África no Brasil e a Lei 10.639. In Los estudios afroamericanos y africanos en América Latina: herencia, presencia y visiones del outro (p. 253-276). Buenos Aires, AR: CLACSO. Recuperado de: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/coediciones/20100823034037/15nun.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/c...
, p. 259) afirma que isso auxiliaria no combate ao preconceito racial, visto que “[...] a História e a narrativa histórica são percebidas aí como elementos centrais para a formação da identidade individual como coletiva, e fundamentais para a construção de uma memória positiva e, por conseguinte, de uma autoestima elevada”. Dessa forma, compreendemos que o protagonismo negro na construção da História africana e afro-brasileira em sala de aula é imprescindível, pois se constitui em “[...] etapa fundamental para a redefinição da identidade e do novo lugar que grupos subalternos em geral buscam ocupar na configuração social contemporânea” (Pereira, 2008Pereira, L. N. N. (2008). O ensino e a pesquisa sobre a África no Brasil e a Lei 10.639. In Los estudios afroamericanos y africanos en América Latina: herencia, presencia y visiones del outro (p. 253-276). Buenos Aires, AR: CLACSO. Recuperado de: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/coediciones/20100823034037/15nun.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/c...
, p. 259).

Assim, descolonizar currículos é fundamental para tentar reverter o quadro de segregação racial que vivenciamos nas escolas, considerando que grande parte do fracasso escolar de crianças e adolescentes negros4 4 Segundo o IBGE, enquanto a vida escolar da parcela branca da população brasileira tem duração em média de 10,3 anos, os negros possuem 8,4 anos de estudos. De acordo com Paula Ferreira (2019a, 2019b), em 2018, 9,1% da população negra ou parda eram analfabetos no Brasil, contrapondo-se aos 3,9% de brancos nessa mesma situação. Priscila Keslley (2018) afirma que, em 2018, também de acordo com levantamentos realizados pelo IBGE, apenas 62% de negros ou pardos com idades entre 15 e 17 anos encontravam-se regularmente matriculados no ensino médio, contra 76% de jovens brancos nessa condição. se deve à falta de identificação destes com o que é ensinado. De acordo com Pereira (2008Pereira, L. N. N. (2008). O ensino e a pesquisa sobre a África no Brasil e a Lei 10.639. In Los estudios afroamericanos y africanos en América Latina: herencia, presencia y visiones del outro (p. 253-276). Buenos Aires, AR: CLACSO. Recuperado de: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/coediciones/20100823034037/15nun.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/c...
), a partir da década 1980, pesquisas no campo da Educação começaram a se atentar para os fatores de discriminação intraescolares, tais como “[...] a inadequação do currículo escolar, dos livros didáticos e a postura diferenciada dos professores frente aos alunos de diferentes origens raciais” (Pereira, 2008Pereira, L. N. N. (2008). O ensino e a pesquisa sobre a África no Brasil e a Lei 10.639. In Los estudios afroamericanos y africanos en América Latina: herencia, presencia y visiones del outro (p. 253-276). Buenos Aires, AR: CLACSO. Recuperado de: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/coediciones/20100823034037/15nun.pdf
http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/c...
, p. 259). Nesse sentido, a autora afirma que a não compreensão do negro como sujeito histórico na construção da história, seja na África ou no Brasil, contribui para a marginalização social dessa parcela da população brasileira no presente, uma vez que fomenta a perpetuação de estigmas raciais.

Outro obstáculo para a efetiva implementação da mencionada legislação, abordado por Joatan Nunes Machado Jr. (2019Machado Jr., J. N. (2019). O negro nos manuais de história da educação: as marcas de uma ausência (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. ), que em seu trabalho analisou a presença dos negros nos manuais didáticos para a História da Educação, é a escassez de discussões históricas e historiográficas mais aprofundadas sobre os africanos e os afro-brasileiros nessas obras, escritas e publicadas no Brasil a partir da última Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e, sobretudo, da Lei n º 10.639, e utilizadas nos cursos de licenciatura. Em sua pesquisa, Machado Júnior analisou obras de autores como Paulo Ghiraldelli Júnior, Cynthia Greive Veiga e Maria Lúcia Hildsorf, e constatou que nestas permanecem visões superficiais sobre aspectos socioculturais da população negra, uma vez que “[...] a abordagem que os autores fazem dos negros no pós-abolição ainda é de subalternidade, uma visão escravocrata” (Machado Jr., 2019Machado Jr., J. N. (2019). O negro nos manuais de história da educação: as marcas de uma ausência (Dissertação de Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana. , p. 105). Um panorama problemático, tendo em vista que esses livros se destinam à formação de professores.

Em contrapartida, Marcus Vinícius Fonseca e Surya Aaronovich Pombo de Barros (2016Fonseca, M. V., & Barros, S. A. P. (Orgs.). (2016). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói, RJ: EdUFF.) apontam mudanças significativas nas pesquisas em História da Educação, principalmente envolvendo a temática racial, embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido. Se outrora as historiografias tradicional e marxista tornavam quase totalmente invisível a população negra, na medida em que reforçavam “[...] a perspectiva que tratava negros e escravos como sinônimos, excluindo-os de uma relação com os processos formais de educação [...]”, a renovação historiográfica iniciada nas últimas décadas do século XX possibilitou a ampliação da diversidade de fontes, o diálogo com outras disciplinas e a mudança de perspectivas em relação ao papel ocupado pelos negros na educação (Fonseca, 2016Fonseca, M. V. (2016). A população negra no ensino e na pesquisa em história da educação no Brasil. In M. V. Fonseca, & S. A. P. Barros (Orgs.), A história da educação dos negros no Brasil (p. 23-50). Niterói, RJ: EdUFF., p. 36). Segundo Fonseca (2016Fonseca, M. V. (2016). A população negra no ensino e na pesquisa em história da educação no Brasil. In M. V. Fonseca, & S. A. P. Barros (Orgs.), A história da educação dos negros no Brasil (p. 23-50). Niterói, RJ: EdUFF.), esse panorama se relaciona à ampliação do campo da História da Educação nos programas de pós-graduação, nos grupos de pesquisa, em livros que abordam os trabalhos realizados nessa área e em eventos regionais, nacionais e internacionais organizados.

Compreendemos que esse panorama de descolonização dos currículos na educação básica e no ensino superior, bem como da Historiografia da Educação brasileira, também está relacionado com a descolonização do conhecimento histórico construído sobre o continente africano, na qual está inserida a Coleção ‘História geral da África’. O rompimento de grande parte dos historiadores, em especial dos historiadores da educação, com as perspectivas eurocêntricas e racistas, que outrora eram hegemônicas nas pesquisas existentes nesse campo, vão ao encontro da ‘perspectiva africana’, que fundamentou a construção da HGA, em particular da categoria ‘sujeito africano’, à medida que as novas pesquisas enfatizam o protagonismo sociopolítico dos negros nos processos educativos.

Percebemos, portanto, que a tradução da ‘História geral da África’ para o idioma português e a elaboração da Síntese... e da História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil foram passos importantes rumo à efetivação da Lei nº 10.639/2003. Compreendemos que as obras analisadas podem ser ferramentas importantes na construção e transmissão de um conhecimento histórico menos estigmatizado sobre a história do continente africano e da cultura afro-brasileira. Isso contribuiria para uma ‘tomada de consciência’, também, por parte dos alunos negros brasileiros e para a construção de sua autoestima, concorrendo para a efetiva inclusão social dessa parcela da população.

Considerações finais

A ‘História geral da África’, financiada pela Unesco e construída ao longo de mais de trinta anos a partir do trabalho de centenas de profissionais, constitui-se em importante obra de referência sobre o continente africano. Nesse sentido, é necessário compreender que a HGA se desenvolveu sobre um arcabouço teórico-metodológico específico para tratar sobre o tema. Assim, o desenvolvimento de categorias como ‘perspectiva africana’, ‘resistência’, bem como a análise dos processos históricos na África sob uma ótica africana do ‘tempo’, foram imprescindíveis para a construção de uma perspectiva histórica autóctone. A referida coleção se tornou fundamental para disseminar uma história africana científica (na qual se uniam o repertório científico ocidental e as categorias de análises próprias acerca das sociedades africanas) menos estigmatizada, colaborando para uma ‘tomada de consciência’.

Como se sabe, a historiografia sobre as temáticas relacionadas aos negros, tanto no que se refere a questões mais amplas quanto à questão educacional, tem vivido uma profunda transformação, sobretudo no que diz respeito ao quantitativo das pesquisas e de núcleos interessados nas temáticas, como na diversificação de objetos e fontes. Todo esse movimento tem trazido elementos que qualificam positivamente as práticas educativas, seja no nível da formação de professores, seja no nível da prática de sala de aula, ou ainda nas novas pesquisas dos programas de pós-graduação. Diversos aspectos explicitam essa dinâmica, quando o negro, na historiografia brasileira, passa ao lugar de sujeito, que pode e deve, inclusive, falar por si mesmo. Assim, Maria Cristina Cortez Wissenbach (2002Wissenbach, M. C. C. (2002). Cartas, procurações, escapulários e patuás: os múltiplos significados da escrita entre escravos e forros na sociedade oitocentista brasileira. Revista Brasileira de História da Educação, 2(2[4]), 103-122. ) afirma que o campo da historiografia

[...] conheceu mudanças significativas e, em seus novos rumos, alguns enfoques interpretativos têm se mostrado particularmente produtivos, especialmente aqueles que, partindo da consideração do escravo como agente histórico, romperam com as visões tradicionais que insistiam na reificação do cativo e também em sua vitimização (Wissenbach, 2002Wissenbach, M. C. C. (2002). Cartas, procurações, escapulários e patuás: os múltiplos significados da escrita entre escravos e forros na sociedade oitocentista brasileira. Revista Brasileira de História da Educação, 2(2[4]), 103-122. . p. 104).

Não resta dúvida acerca dos esforços para a compreensão profunda e radical da presença dos negros na cultura brasileira, numa perspectiva histórica, e os frutos sociais desse investimento. Entretanto, ainda é recorrente, em muitos estudos, a crítica de uma certa invisibilização, principalmente, em pesquisas ligadas à educação. Segundo Amauri Mendes Pereira, é possível, também, “[...] ao tratar da questão racial no sistema educacional, deparar, ao mesmo tempo, com sua (quase) invisibilidade/invisibilização e com demandas de que ela seja enfrentada como aspecto recorrente na história da educação” (Pereira, 2005Pereira, A. M. (2005). Escola: espaço privilegiado para a construção da cultura de consciência negra. In J. Romão (Org.), História da educação do negro e outras histórias (p. 35-48). Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade., p. 38). Essa invisibilidade, ainda de acordo com o autor, tem impacto na “[...] disputa política sobre a existência ou não do racismo, cujos desdobramentos vão depender da correlação de forças entre os agentes” (Pereira, 2005Pereira, A. M. (2005). Escola: espaço privilegiado para a construção da cultura de consciência negra. In J. Romão (Org.), História da educação do negro e outras histórias (p. 35-48). Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade., p. 46). Considerando que a escola é um dos principais agentes, torna-se o espaço privilegiado para o conhecimento e a valorização da cultura negra, superando práticas pouco substantivas, baseadas em comemorações superficiais esporádicas, por exemplo.

Tanto no caso do aumento quantitativo e qualitativo dos estudos históricos sobre o negro quanto no da presença desses estudos como suporte para práticas educativas mais substantivas na promoção da cultura negra, as contribuições da HGA são de suma importância, se considerarmos que a maior parte dos estudos não dialogam diretamente com a diáspora e com os complexos processos sociais africanos, dos quais os negros foram brutalmente arrancados, pela escravidão. Exemplo disso é a excelente obra intitulada Dicionário da escravidão e da liberdade: 50 textos críticos, da autoria de Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes (2018Schwarcz, L. M., & Gomes, F. S. (Orgs). (2018) Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo, SP: Cia das Letras.), que problematiza e defende fortemente uma história mais ampliada, uma espécie de história atlântica, em que novas conexões são estabelecidas, muito além de aspectos econômicos. No texto, os autores explicam que há uma série de estudos que procuram compreender sujeitos e culturas a partir das perspectivas deles mesmos. Ou seja, esses estudos

[...] têm oferecido novas perspectivas (com muitas pesquisas realizadas em arquivos) no sentido de destacar conexões entre os mundos atlânticos da escravidão nas Américas, envolvendo a triangulação com as Áfricas e Europas. Não se trata de pensar apenas nas conexões econômicas, que abrangeram índices comerciais e exploração colonial. Circulavam ainda saberes, conhecimentos, culturas e fundamentalmente experiências. Ideias, notícias, rumores, expectativas, se difundiam em ambientes letrados, nobres, científicos, por meio de viajantes, mas também entre marinheiros, e assim alcançavam as populações coloniais e de escravizados. As margens atlânticas do tráfico conheceriam dor, genocídio, transferência de riquezas, mas também comunicações, expectativas, valores, culturas (inclusive material) (Schwarcz & Gomes, 2018Schwarcz, L. M., & Gomes, F. S. (Orgs). (2018) Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo, SP: Cia das Letras., p. 443).

Portanto, assim como a obra acima citada, os idealizadores da HGA, forjada com o objetivo de desconstruir os olhares eurocêntricos sobre o continente africano, lançaram mão de teorias e métodos desenvolvidos pela historiografia africana para refletir sobre os processos históricos ocorridos tanto no continente como nos sujeitos e nas culturas africanas em deslocamentos. Desse modo, observamos que a HGA busca o alinhamento com as teorias decoloniais, como as desenvolvidas por Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2009Santos, B. S., & Meneses, M. P. (Orgs.). (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, PT: Edições Almedina.) e Valentin Yves Mudimbe (2013Mudimbe, V. Y. (2013). A invenção da África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde, PT: Edições Pedago.), os quais questionam a supremacia das epistemologias ocidentais, sobretudo a ciência moderna, ao mesmo tempo que compreendem a importância desses paradigmas epistemológicos para a construção de conhecimentos contra-hegemônicos. Não se trata, assim, de refutar totalmente as epistemologias do Norte, mas de compreendê-las dentro de uma relação horizontal com outros saberes não ocidentais.

Nessa mesma perspectiva, as traduções da ‘História geral da África’ para a língua portuguesa, bem como a elaboração da Síntese... e da História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, a partir dos trabalhos de pesquisadores da UFSCar, são iniciativas importantes no sentido de fomentar a implementação da Lei nº 10.639/2003 e, consequentemente, a descolonização de práticas educativas na educação básica, seja no nível dos educandos, como na formação dos educadores, seja no contexto do ensino e da pesquisa na academia (relacionada mais especificamente à História e à Historiografia da Educação). Dessa forma, tendo em vista que a marginalização dos alunos negros no sistema educacional brasileiro se deve, em grande parte, à falta de identificação destes com os conteúdos discutidos em sala de aula, a disseminação de um conhecimento científico sobre a África, sob a visão africana, torna compreensíveis a complexidade e a importância históricas do continente, bem como as contribuições das sociedades africanas e dos afro-brasileiros para a formação da sociedade brasileira.

Referências

  • 1
    A Unesco lançou, em 2013, em Addis Abeba (Etiópia), um projeto para elaboração de novos volumes da Coleção ‘História geral da África’. O Comitê Científico Internacional reuniu-se em Belo Horizonte, entre os dias 25 e 28 de março de 2019, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Escola Superior Dom Helder Câmara (EDH), com o objetivo de discutir sobre os manuscritos dos volumes IX, X e XI, bem como sobre estratégias de divulgação desses trabalhos (Unesco, 2019Unesco (2019). Coleção história geral da África: volumes IX, X e XI. Brasília, DF. Recuperado de: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000367194?posInSet=1&queryId=fbdb81c3-cd57-4ab0-8349-e983eda85d9c
    https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
    , p. 3).
  • 2
    Segundo Barbosa (2019Barbosa, M. S. (2019). O debate pan-africanista na revista Présence Africaine (1956 -1963). História, 38, p. 1-21. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742019000100406&lng=en&nrm=iso
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ), a Présence Africaine começou a ser publicada em 1947, poucos anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, e tinha como editores, inicialmente, os senegaleses Alioune Diop e Christiane Diop. Contou, em maior parte, com a presença de intelectuais oriundos da África Ocidental Francesa e influenciada pelo fortalecimento da ‘negritude’ e do ‘pan-africanismo’ enquanto movimentos político-ideológicos (Barbosa, 2019Barbosa, M. S. (2019). O debate pan-africanista na revista Présence Africaine (1956 -1963). História, 38, p. 1-21. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742019000100406&lng=en&nrm=iso
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    ).
  • 3
    É importante frisar que a HGA, sua Síntese...e a História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil se encontram disponíveis, tanto em material impresso quanto virtualmente, no site da Unesco, disponível para qualquer pessoa que deseje realizar o download. O link está nas referências, ao final do texto.
  • 4
    Segundo o IBGE, enquanto a vida escolar da parcela branca da população brasileira tem duração em média de 10,3 anos, os negros possuem 8,4 anos de estudos. De acordo com Paula Ferreira (2019aFerreira, P. (2019a, 19 de junho). Brasil ainda tem 11,3 milhões de analfabetos. O Globo. Recuperado de: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/brasil-ainda-tem-113-milhoes-de-analfabetos-23745356
    https://oglobo.globo.com/sociedade/educa...
    , 2019bFerreira, P. (2019b, 12 de junho). No Brasil, 40% da população acima de 25 anos não têm ensino fundamental. O Globo. Recuperado de: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/no-brasil-40-da-populacao-acima-de-25-anos-nao-tem-nem-ensino-fundamental-
    https://oglobo.globo.com/sociedade/educa...
    ), em 2018, 9,1% da população negra ou parda eram analfabetos no Brasil, contrapondo-se aos 3,9% de brancos nessa mesma situação. Priscila Keslley (2018Kesley, P. (2018, 22 de novembro). Obstáculos no caminho: desigualdade racial na educação brasileira. Todos pela Educação. Recuperado de: https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/obstaculos-no-caminho-desigualdade-racial-na-educacao-brasileira
    https://www.todospelaeducacao.org.br/con...
    ) afirma que, em 2018, também de acordo com levantamentos realizados pelo IBGE, apenas 62% de negros ou pardos com idades entre 15 e 17 anos encontravam-se regularmente matriculados no ensino médio, contra 76% de jovens brancos nessa condição.
  • 9
    Rodadas de avaliação: R1: dois convites; duas avaliações recebidas. R2: um convite; uma avaliação recebida.
  • 10
    Como citar este artigo: Pinto, M. F. M., & Hamdan, J. C. A Coleção ‘História geral da África’ e a historiografia da educação: por um ensino descolonizado. Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e254
  • Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 5
    “Embora prefiram ‘escravidão’ a ‘escravidões’, a meia centena de ensaios concisos que Lilia Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes reuniram neste volume, com título e intenção de ser um dicionário temático, mostra a grande quantidade de faces que compõem o que é um poliedro em movimento. Cada um desses textos convida a novos textos, a novas pesquisas, a aprofundamentos, a novas comparações e a contestações” (Schwarcz & Gomes, 2018Schwarcz, L. M., & Gomes, F. S. (Orgs). (2018) Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo, SP: Cia das Letras., p. 13, grifo do autor).

Editado por

Editor-associado responsável: Evelyn de Almeida Orlando (PUC-PR) E-mail: evelynorlando@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5795-943X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2021
  • Aceito
    14 Out 2022
  • Publicado
    29 Jan 2023
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com