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O Gigante do Século XX: Imagens do Brasil na Unesco

The Giant of the 20th Century: Images of Brazil at UNESCO

Resumo

O objetivo do texto é refletir sobre a constituição de imagens do Brasil a partir de sua relação com a Unesco. Estudo-a como um momento em que a ideia de país é operada de maneira singular. Acredito que essas imagens são construídas historicamente, mas também têm caráter prospectivo. Mostro, então, como a estruturação dessa relação pressupunha a construção de um Brasil com características delimitadas pela disputa de interesses e perspectivas ideológicas da Unesco e também de parte de certa elite intelectual brasileira. O foco do artigo é o número especial de 1986 do Correio da Unesco, dedicado ao Brasil e com maioria de textos escrita por brasileiros apresentando questões e reflexões sobre o país visando moldar para ele uma perspectiva. Aposto, contudo, que é nas imagens escolhidas pelo editor que se pode entrever algumas proposições da Unesco em torno de uma concepção de país e de uma ideia de cultura.

Palavras-chave
Unesco; cultura (conceito); Brasil; antropologia histórica do Estado; pensamento social brasileiro

Abstract

The purpose of this paper is to reflect on the constitution of images of Brazil in its relationship with Unesco. I study the relationship between these two agents as a moment on which an idea of country is operated in a singular way. I believe that this image is built historically, but also has a prospective character. I show how the structuring of this relationship presupposed the construction of a Brazil with characteristics defined by interests and ideological perspectives of Unesco and of some members of a Brazilian intellectual elite. The focus of this article is a special issue of the 1986 UNESCO Courier dedicated to Brazil with texts written mostly by Brazilians presenting questions and reflections about the country that contribute to shaping a certain perspective. I bet, however, that it is in the images chosen by the editor that one can glimpse some propositions of Unesco around a conception of Brazil and an idea of culture.

Keywords
Unesco; culture (concept); Brazil; historical anthropology of the State; Brazilian social thought

A performance1 1 Utilizo-me do termo inspirado nas proposições de Geertz (1991) em torno do Estado balinês, quando mostra que as performances estatais, dotadas de pompa e apresentações públicas historicamente significativas, são constitutivas mesmo do Estado. Não se deve, portanto, tomá-las apenas em termos meramente ideológicos; elas produzem o Estado. Ao mesmo tempo, seria possível, como propôs Tambiah (1985), analisar uma imagética estatal com base em rituais e cerimônias, no sentido de que o Estado também se materializa a partir de representações e imagens. internacional de certo país - termo entendido, aqui, como ente jurídico administrativo com circunscrição territorial, mas também com convenções culturais que o articulam como comunidade imaginada2 2 Aproprio-me da expressão de Anderson (2009). -, em suas múltiplas interações com outros Estados e também com organismos não estatais, pressupõe a formatação de certa autoimagem prospectiva. Essas construções significativas - afeitas ao que se convencionou chamar de nação3 3 Partindo de Elias (2006), acredito que os processos de formação de Estado são correlatos a construções de nações. Assim, é importante enfatizar que não acredito ser possível constituir uma análise a partir de noções estáveis ou unívocas de Estado e de nação. Nesse cenário, parece-me mais proveitoso pensar em processos de formação: “O que hoje se ensina como a história de um país, não importa quantas mudanças se identifiquem ao longo dos séculos, geralmente pode ser acomodado às exigências de uma autoimagem, segundo a qual a nação se representa como inalterável, através das eras, em suas características básicas. [...] Devemos ser capazes de perceber a distinção entre as ideologias nacionais que levam uma nação a parecer um sistema social de grande valor, imutável e bem integrado, e o projeto de integração e desintegração no longo prazo, no curso do qual se observam disputas entre tendências centrífugas e centrípetas e entre grupos estabelecidos e outsiders, tensões típicas da estrutura desses desenvolvimentos. Devemos poder reconhecer as nações como um tipo específico de integração que requer explicação, e que não pode ser analisado se não identificarmos processos de longo prazo na formação de Estados, e, como uma de suas fases, a construção de nações” (Elias, 2006: 164). Os trabalhos de Souza Lima (1995) e Steinmetz (1999) também são referências importantes nesse sentido. - têm enorme importância na maneira como as próprias relações estatais se estabelecem - mesmo que seus objetivos sejam muito diferentes; das trocas comerciais a acordos econômicos, da cooperação técnica ao intercâmbio artístico-cultural.

Ao mesmo tempo, não se deve perder de vista que essas imagens estatais são construídas em processos em que diferentes agentes e agências atuam socialmente. Nesse cenário, poderíamos analisar historicamente a construção de símbolos nacionais, como fez José Murilo de Carvalho (1995)Carvalho, José Murilo de. (1995). A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. em a Formação das almas ao investigar o pensamento republicano no Brasil. Essas imagens de país - históricas e prospectivas, como dito - são chaves interessantes para refletir sobre os processos de disputa em torno da noção de país, por um lado, e, ao mesmo tempo, sobre os condicionantes das performances que vão, pouco a pouco, colaborando para os processos de formação de Estado. Elas não são estáticas, portanto.

Essas questões orientam a análise proposta neste texto. Seu objetivo central é discutir algumas representações do Brasil a partir de sua relação com a Unesco. Trata-se, assim, de uma perspectiva analítica que toma a própria relação como escopo,4 4 Aproprio-me do termo a partir de Charles Tilly (2000), considerando que as relações guardam historicidades que podem ser estudadas. Elas colocam em contato, de maneira dinâmica, diferentes locações sociais. ou seja, não se trata de supor que haja de fato uma noção unívoca de Brasil que seria necessariamente operada em todas as situações, mas sim de que são construídas imagens parciais, calcadas em alguns fragmentos culturais historicamente consolidados, que sustentam e medeiam performances políticas de muitas ordens. Ocorre, ainda, que essas construções são baseadas em processos políticos específicos. Possuem, dessa maneira, um caráter operativo não apenas da relação que as inscreve, mas também do mundo social de maneira mais ampla. São boas oportunidades, assim, para compreender projetos políticos em jogo nessas relações, levando-se em consideração que essas construções não apenas delimitam um Brasil, mas também definem o que o país deveria ser.

A relação entre Brasil e Unesco remonta à criação da Organização. O país foi um de seus Estados-membros fundadores e, mais do que isso, teve participação importante em processos que de fato deram forma à atuação da Unesco. Esse ponto é verdadeiro tanto para os momentos em que o país foi tomado como objeto de estudos - que ajudariam a moldar, também, certos aspectos da cooperação técnica da Organização - como para aqueles em que intelectuais e administradores brasileiros participaram de processos importantes como profissionais técnicos em ações que não envolveram diretamente o país.

O Projeto Unesco sobre relações raciais, realizado de finais dos anos 1940 até meados dos anos 1950, talvez seja o exemplo mais conhecido nesse sentido (ver Maio, 1999aMaio, Marcos. (1999a). O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais no Brasil nos anos 40 e 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 14/41.). A questão patrimonial pode também ser citada, especialmente a partir da formulação da noção de patrimônio mundial, que teve um de seus pilares no relatório escrito por Michel Parent (1968) a partir de missão ao Brasil - uma tradução brasileira foi produzida pelo Iphan (Leal, 2008Leal, Claudia Feierabend Baeta (org.). (2008). As missões da Unesco no Brasil: Michel Parent. Trad. Rejane Maria Lobo Vieira. Rio de Janeiro: Iphan/Copedoc.). No campo das políticas culturais, deve ser enfatizada a proeminência do relatório da missão coordenada por Pierre Moinot (ver Moinot, Baittaini & Said, 1969) como modelar para o Setor de Políticas Culturais da Unesco ao longo dos anos 1970.

Se quisermos levar em conta atuações individuais na Unesco, por outro lado, podemos citar, entre outros, os fatos de que Arthur Ramos era diretor de Ciências Sociais da Organização quando das negociações do Projeto Unesco - cargo para o qual Gilberto Freyre teria sido inicialmente convidado (Maio, 1999bMaio, Marcos. (1999b). Tempo controverso: Gilberto Freyre e o Projeto Unesco. Tempo Social,11/1, p. 111-136.: 114); que Paulo Carneiro teve cargo eletivo no Conselho Executivo da Organização ao longo dos anos 1970; que Carlos Chagas Filho teve atuação importantíssima quando era delegado do Brasil na Unesco, sendo, aliás, nomeado presidente da Comissão de Salvaguarda de Veneza em finais dos anos 1960; que Eduardo Portella foi diretor-geral adjunto entre 1988 e 1993; ou que Celso Furtado integrou a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Unesco já nos anos 1990. Foram numerosas e importantes, portanto, as participações de brasileiros na Organização.

De saída, é necessário afirmar que o interesse pelo Brasil quando da fundação da Unesco pode ser inserido num contexto internacional ampliado. Essa questão é bem delimitada por Omar Ribeiro Thomaz (2014Thomaz, Omar Ribeiro. (2014). Tigres de papel: Gilberto Freyre, Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa. In. Bastos, Cristiana; Almeida, Miguel Vale de & Feldman-Bianco, Bela (orgs.). Trânsitos coloniais: diálogos críticos luso-brasileiros. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.: 54):

Para uma Europa atormentada diante de uma tentativa radical e trágica de lidar com a diversidade étnica e religiosa no interior de uma mesma fronteira nacional; para os Estados Unidos que ainda não tinham superado a divisão entre o Norte e o Sul do país, esta última região marcada por rigorosas leis que amputavam a cidadania da população de afrodescendentes; para a África do Sul que caminhava a passos largos em direção à institucionalização do apartheid; e para todos aqueles que previam a inevitável descolonização violenta da África e da Ásia, a simples ideia da existência de uma possível superação de conflitos pela via relacional e mesmo pela miscigenação, poderia ser um alento. Tal realidade deveria ser investigada. É nesse contexto que intelectuais norte-americanos e europeus começam a olhar para o Brasil e a se interessar por seus pensadores.

Thomaz aponta, assim, o Brasil como país socialmente pacificado, cuja experiência poderia servir de referência para outros processos políticos marcados pelo trato violento com a diferença. Se esse ponto é verdadeiro para os anos 1940 e 1950 - e foram a justificativa direta, por exemplo, para o já citado Projeto Unesco - creio que outras representações do país também se ancoram numa diversidade cultural pacificada.5 5 Utilizo a ideia de pacificação como empregada por Souza Lima (1995, especialmente Parte 1) ao refletir sobre o tratamento dado pelo Estado às populações indígenas no Brasil. Nesse cenário, a metáfora de uma guerra de conquista, que leva em conta um horizonte simbólico - o que implica um compartilhamento cultural entre brancos e indígenas como parte do processo de dominação -, me soa especialmente fecunda. João Pacheco de Oliveira (2014) também faz uso eloquente da noção de pacificação para explicar questões brasileiras contemporâneas. Essa perspectiva para a diversidade perpassa o trabalho da Organização mesmo contemporaneamente.6 6 Um dos pilares documentais dessa perspectiva é o relatório “Our creative diversity”, elaborado pela Comissão de Cultura e Desenvolvimento da Unesco (1996). Para uma análise do relatório, ver Wright (1998: 12-14).

Essa questão, portanto, servirá de base para a reflexão que se segue. De modo mais direto, analisarei um número especial do Correio da Unesco de dezembro de 1986, inteiramente dedicado ao Brasil. Pretendo, com isso, mostrar a maneira como certa ideia de país é construída. De um lado, os textos escritos majoritariamente por brasileiros afirmam posições consolidadas do pensamento social, mas dão espaço para críticas afeitas ao momento histórico em que foram escritos. De outro lado, a partir da leitura das imagens - selecionadas pelo editor da revista e, portanto, sob os auspícios da Unesco - é visível a afirmação de um país diverso, porém pacificado; desenhado, pois, com os moldes do projeto político-ideológico da Organização e pronto para seguir um inevitável caminho de desenvolvimento. Será possível, de qualquer modo, visualizar, em ambas as perspectivas, uma afirmação de certa ideia de cultura singular, que neutraliza a diferença para conformar países e identificar seus povos.

É preciso considerar, assim, o momento político vivido pelo Brasil quando da publicação da revista. Os anos 1980 são marcados pela transição democrática, com balizas importantes na construção da democracia brasileira. A abertura “lenta, segura e gradual” planejada pelo general Ernesto Geisel (presidente entre 1974 e 1979) passou a ser de fato implementada a partir do governo de João Figueiredo (1979-1985), último presidente militar do país. Nesse processo, viu-se a abertura política, que permitiu o retorno de exilados. Ao mesmo tempo, partidos políticos foram criados ou refundados - para além de MDB e Arena, os únicos reconhecidos pela ditadura - e, em 1982, houve eleições diretas para governadores. Em 1985, um civil indiretamente eleito, José Sarney, assume a presidência; abriam-se caminhos para as eleições diretas, que ocorreriam em 1989. É também nesse momento que acontece a Assembleia Constituinte - entre 01 de fevereiro de 1987 e 22 de julho de 1988 -, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Durante a ditadura militar-civil, especialmente em seus primeiros anos, entre 1964 e 1968, os posicionamentos brasileiros em fóruns internacionais tendiam a seguir aqueles dos Estados Unidos. Avançando os anos 1970, contudo, especialmente com o governo de Jimmy Carter (1977-1981), viu-se uma mudança de posicionamento estadunidense, em que certa prerrogativa de direitos humanos fez com que as relações com as ditaduras latino-americanas fossem rearticuladas. Uma das ações públicas dessa mudança foi uma advertência pública a Geisel sobre as violações de direitos humanos pela ditadura brasileira; o general imediatamente denunciou acordos de cooperação militar com os Estados Unidos (Teixeira da Silva, 2014Teixeira da Silva, Francisco Carlos. (2014). O Brasil no mundo. In: Aarão Reis, Daniel (org.). Modernização, ditadura e democracia: 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, p. 127-181.: 147). A partir daí o posicionamento brasileiro tende a se diversificar, tendo como mote os interesses econômicos.

De qualquer modo, é durante a ditadura, acompanhando processos modernizantes de múltiplas ordens, que se veem surgir estruturas administrativas importantes para a gestão da cultura - destacando-se o Conselho Federal de Cultura (1966), a Embrafilme (1973), a Funarte (1975), entre outros. O mesmo processo pode ser percebido na institucionalização do ensino superior e da pós-graduação, majoritariamente em instituições públicas. “De algum modo, avançou no período a constituição de uma esfera pública na sociedade brasileira que envolveu a institucionalização dos meios artísticos e intelectuais, mesmo que esse processo tenha convivido contraditoriamente com um regime militar” (Ridenti, 2014Ridenti, Marcelo. (2014). Cultura. In: Aarão Reis, Daniel (org.). Modernização, ditadura e democracia: 1964-2010. Rio de Janeiro: Objetiva, p. 233-283.: 238-239).

A atuação brasileira na Unesco deve ser lida nesse cenário. Não se trata propriamente de uma postura democrática, que se ocuparia da cultura, da educação e da ciência como meios efetivos para garantias de liberdades individuais ou desenvolvimento pleno. Nas consultas aos Arquivos do Itamaraty e Central da Unesco, foram encontradas censuras efetivas a atuações de brasileiros no exterior, assim como à recepção de especialistas ou intelectuais soviéticos ou cubanos.7 7 O presente texto baseia-se em pesquisa documental realizada entre dezembro de 2015 e julho de 2016 no Arquivo Central da Unesco em Paris. Durante esse período, fui pesquisador visitante no Centre Maurice Halbwachs (CNRS/EHESS/ENS). Agradeço ao professor Benoît de L’Estoile o fato de ter sido meu supervisor nessa oportunidade. Além disso, durante pesquisa pós-doutoral no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo entre 2014 e 2018, fiz numerosas viagens de pesquisa ao Arquivo Histórico do Itamaraty em Brasília. Ambas as frentes de investigação contaram com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Os posicionamentos do Brasil na Unesco devem ser lidos, na minha perspectiva, como mais uma ordem de apanágios que - bastante controlados - davam um lustro democrático ao regime militar.

É nesse contexto que se pode pensar a produção do objeto de análise do presente artigo. Os autores dos textos que compõem a publicação, em sua maioria brasileiros, tiveram sua produção impactada tanto pelo período repressivo da ditadura civil-militar, como estariam também imbuídos da esperança democrática colocada pela redemocratização. Esse processo foi marcado por perspectivas críticas - ancoradas tanto numa nova possibilidade de avaliação do momento repressivo precedente como pela promessa de invenção de um outro país.

Imaginações de brasileiros na Unesco

Em dezembro de 1986, o Correio da Unesco lançou um número especial sobre o Brasil com o título O gigante do século XX. Publicado desde 1947 e na época veiculado em 32 idiomas, o periódico tanto se dedicava a elaborações gerais sobre temas de seu escopo de atuação como apresentava edições inteiramente voltadas para um de seus Estados-membros. O governo brasileiro teve pouca participação - ao menos documentada - no número. Em ofício de 02 de abril de 1986, o chefe da delegação da Unesco no Brasil em exercício, Sergio Abreu e Lima Florêncio, afirma que a Organização seria a responsável pela escolha dos textos e seus autores. Um sumário provisório foi anexado ao ofício (Arquivo, 1986Arquivo Histórico do Itamaraty. (1986). Ofícios (Brasunesco). Tomo 1.). Não houve objeções do governo brasileiro, e esse escopo foi mantido.

A capa do número especial (figura 1), que reproduz a tela Trabalhadores, de Tarsila do Amaral, é um bom indicador do teor da edição - pinta-se um país em modernização e marcado por sua faceta cultural. A diagramação da revista a aproximava de outros suplementos culturais da época. Os textos não eram longos e, apesar da presença de acadêmicos entre seus autores, apresentavam linguagem jornalística. Artigos de cerca de cinco ou seis páginas, acompanhados de muitas imagens, eram entremeados por quadros com textos mais diretos e curtos.

Figura 1
Correio da Unesco, dezembro de 1986, capa, reprodução

O editorial, de responsabilidade de Edouard Glissant,8 8 Glissant foi editor do periódico entre 1981 e 1988. Filósofo, teórico literário e poeta de grande importância no cenário internacional, foi um dos expoentes do pensamento arquipelágico e da criolização - ele próprio francês ultramarino, nascido na Martinica. Sua obra mais conhecida é Poétique de la Relation, de 1990. enfatiza a natureza exuberante e as dimensões continentais do país, descrito como o pulmão do mundo - por produzir um quarto do oxigênio do planeta. A publicação destaca também as reservas de pedras preciosas e metais, assim como o rio Amazonas, o maior do globo em extensão e volume, garantindo ao país a maior reserva mundial de água doce. Ao mesmo tempo, a pujança econômica e a industrialização garantiriam seu protagonismo na América Latina.

Uma delimitação cultural do Brasil é, porém, o que tem maior destaque no texto:

O Brasil [...]) desenvolveu uma cultura original que respeita as crenças e os costumes dos diferentes grupos étnicos (alguns dos quais vivem da mesma forma como seus ancestrais viviam quando os conquistadores portugueses chegaram há quase 500 anos) que constituem sua população. O destino do Brasil também foi moldado pela mistura étnica que é uma das características mais marcantes do país. Entre as manifestações importantes de sua cultura, para citar apenas três exemplos das artes, estão as esculturas de Aleijadinho, que tem sido descrito como um “gênio universal” e “o maior artista nascido na América”; a arquitetura de Brasília, primeira cidade do século 21, chamada por André Malraux de “primeira capital da nova civilização”; e a música brasileira, cuja popularidade mundial só rivaliza com a do tango. Superlativos são inevitáveis quando se trata do Brasil. (Unesco, 1986Unesco. (1986). The Unesco Courrier.: 2).9 9 Do original: “Brazil has also developed an original culture which respects the beliefs and customs of the different ethnic groups (some of which live much as their ancestors did when the Portuguese conquistadors arrived almost 500 years ago) which make up its population. The destiny of Brazil has also been shaped by the ethnic intermingling which is one of the country’s most distinctive characteristics. Among the important manifestations of this culture, to take only three examples from the arts, are the sculptures of o Aleijadinho, who has been described as a “universal genius” and “the greatest artist born in America”; the architecture of Brasilia, the first city of the 21st century, called by André Malraux the “first capital of the new civilization”; and Brazilian music, whose popularity at world level is rivalled only by that of the tango. Superlatives are unavoidable where Brazil is concerned”.

Nota-se, desse modo, ênfase para uma cultura baseada em mistura étnica, mas que soube respeitar os costumes e crenças de grupos que viveriam de maneira próxima aos seus ancestrais de 500 anos atrás. É nesse escopo que teria sido possível o florescimento de importantes manifestações artísticas. Esta é a perspectiva que daria o tom da leitura esperada da revista: um país grande, de natureza imponente, diverso culturalmente, que soube respeitar essas diferenças. O editorial, contudo, faz uma ressalva: “excluímos de nossa cobertura os problemas que estão fora do campo de competência da Unesco e tentamos dissipar a imagem estereotipada e, em alguns casos, enganosamente pitoresca do país, que poderia ser veiculada em um folheto turístico”10 10 Do original: “we have excluded from our coverage problems which lie outside Unesco’s fields of competence, and have attempted to dispel the stereotyped and in some cases misleadingly picturesque image of the country which may be propagated by the tourist brochure”. (Unesco, 1986Unesco. (1986). The Unesco Courrier.: 2). É visível uma certa tomada de posição que se isentaria de questões aparentemente mais políticas ou econômicas, já que esse não deveria ser escopo da Unesco - questão que pressupõe uma noção algo restrita de político. Afastar-se de um folheto turístico garantiria, ainda, simultaneamente uma espécie de isenção e uma busca pelo autêntico, por um Brasil de fato. O que não quer dizer, como a leitura de imagens no próximo item mostrará, que não haja um acionamento de outras estereotipias.

A partir de uma mirada mais direta para os textos da publicação (ver Quadro 1), é possível perceber uma organização que gira em torno de retratos genéricos do país para chegar, posteriormente, a textos dedicados a manifestações artísticas mais diretamente. A revista é marcada por “ilustrações” - tanto mediante material escrito, voltados para produções artísticas, como a partir de fotografias, produzindo um caráter pedagógico para a publicação.

Quadro 1
Conteúdo do número especial do Correio da Unesco de dezembro de 1986 Elaboração do autor

De modo geral, é visível uma perspectiva ao mesmo tempo única e generalista para o Brasil. Ela se torna palpável no compartilhamento da língua, mas também numa explicação do país pela cultura, que tem como base a diversidade, tão afeita à produção da Unesco desde pelo menos os anos 1960. Essa mirada, porém, acaba por reafirmar concepções identificadas com certo senso comum sobre o Brasil - país racial e culturalmente diverso - mas elas ganham certa materialidade a partir das referências diretas à produção artístico-cultural. Escolhe-se para isso Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Portinari; a poesia concreta e o Cinema Novo; a literatura de cordel e artesanato. Trata-se, assim, de autores ligados a produções que lidam com o popular, mesmo que sua produção possa ser classificada como erudita; mas há espaço também para a cultura popular em si, à qual não se atribui autoria. Constrói-se, desse modo, um escopo da produção cultural perpassando uma concepção de diversidade popular, mas que tem como polos de um lado uma arte séria, erudita, e de outro certa artesania popular.

As variações são dadas nesse registro, e é aí que se traça, por exemplo, uma espécie de mapa da produção musical pelo país, tratada como produção afeita à cultura global contemporânea, tendo em Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso seus expoentes. A Semana de Arte Moderna de 1922, nesse sentido, parece servir simultaneamente de epítome e disparador dos preceitos que permitiriam a relevância das produções artísticas efetivamente brasileiras.

Carlos Rodrigues Brandão, hoje professor emérito da Unicamp, escreve sobre uma compreensão do Brasil, enquanto nação, como fruto de uma miscigenação entre indígenas, europeus e africanos. Trata-se de perspectiva que afirma a mistura como identidade, de maneira que mais interessante do que buscar por esses elementos separadamente seria a miscigenação - tomada como algo naturalizado -, o dispositivo capaz de explicar o Brasil. Isso seria possível porque os grupos culturais não teriam sido guetificados no país e o contato sexual de diferentes teria sido estimulado. O autor aponta, porém, para uma questão política importante no cenário nacional: o racismo como problema. A mistura de raças aqui, se é mantida como identidade do país, não é tomada como algo pacífico.

A colonização, para dar continuidade a temas afeitos diretamente à interpretações do Brasil, é tratada como um passado longínquo.11 11 Já havia, naquele momento, produções que poderiam relativizar essa perspectiva, como as elaborações ligadas direta ou indiretamente à noção de colonialismo interno. Os trabalhos de González Casanova (2007), mas também de Cardoso de Oliveira (1972) e Otávio Velho (2009), são exemplares nesse sentido. O domínio português é pensado como mais um indício de diferença entre o Brasil e seus vizinhos latino-americanos, colonizados pela Espanha. Ela serve de mote inaugural para textos históricos - e o de Eric Nepomuceno é o melhor exemplo -, de uma espécie de historiografia escolar, mas supreendentemente abrangente - passando pela vinda da Corte portuguesa para o país em 1808 e pelo Império, entre 1822 e 1989. A comparação com o restante da América Latina, por sinal, é outro ponto recorrente nos textos. Essa é uma perspectiva da Unesco, que divide sua atuação em blocos regionais - numa estratégia de territorialização que transforma continentes em unidades de atuação.

Pode-se dizer, portanto, que os textos se apresentam esperançosos com a virada democrática. Estão conectados, assim, com o contexto político brasileiro ampliado. Nesse sentido, eles apresentam certo aparato crítico - o que é especialmente interessante se levarmos em conta sua extensão e caráter jornalístico - uma vez que fazem algumas ressalvas não totalizantes, que têm como ponto central o reconhecimento da desigualdade. Esse processo, porém, não garante questionamento efetivo de seus processos de produção.

Por outro lado, é possível identificar certa equivalência entre práticas culturais, de um lado, e produções artísticas, de outro. Dessa maneira, parte-se de descrições gerais - ancoradas em afirmações geográficas, naturais e/ou culturais - para exemplos pontuais, em todos os casos ligados direta ou indiretamente a linguagens artísticas. Produz-se, portanto, uma diversidade cultural exemplificada pela produção artística. Não se deixam de lado, contudo, algumas das características importantes que a definiriam. É nesse cenário que se aciona o processo colonial, responsável por ter estabelecido o “contato” entre diferentes ou ainda a presença dos imigrantes já no século XX.

É imperativo destacar, enfim, a maneira como a publicação afirma narrativas modernizantes. Isso é visível no modo como os dados populacionais entremeiam os textos, denotando uma concepção de tempo afeita a um desenvolvimento teleológico. O gigantismo brasileiro, assim, parece ser colocado para além de suas dimensões e características naturais. Ele é qualificado também a partir da diversidade de sua população e da potencialidade de desenvolvimento econômico e tecnológico diferenciado por sua composição cultural.

Imagens do Brasil na perspectiva da Unesco

Os textos foram produzidos majoritariamente por brasileiros e possuem abordagens bastante afeitas a uma perspectiva pacificada do país, mesmo que apontem a desigualdade - e apenas um deles chega a qualificá-la a partir do racismo. Ocorre, contudo, que as imagens - e a revista é amplamente ilustrada, contando, aliás, com um caderno específico - foram selecionadas pelo editor. Essa questão é importante porque, como argumentarei a seguir, é nelas que me parece haver mais similaridades com algumas prerrogativas da Unesco relativas à cultura. E, em boa medida, proponho ser essa perspectiva que organiza e orienta a leitura dos textos, eclipsando sua possibilidade - já reduzida, como mostrei no item anterior - de crítica efetiva.

Produzo esse exercício, ainda, com uma questão metodológica em mente. Parto das proposições de Lilia Schwarcz (2014)Schwarcz, Lilia. (2014). Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais. Sociologia & Antropologia, 4/2, p. 391-431., que identifica um tratamento diferenciado entre a análise de textos escritos, de documentos, e aquele dispensado às imagens. Os primeiros teriam sido as bases para o desenvolvimento das ciências humanas, enquanto as últimas ocuparam o papel de mera ilustração. Assim,

o suposto era que a investigação social, sua própria genealogia, seria pautada em manuscritos escritos, como se todas as demais fontes estivessem excluídas da agenda desses profissionais, ou ocupassem papel subalterno e apenas complementar. Sobretudo as imagens funcionariam como “ilustrações”, no sentido de que apenas “adornam” uma tese previamente conhecida; exemplificam conclusões já estabelecidas (Schwarcz, 2014Schwarcz, Lilia. (2014). Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais. Sociologia & Antropologia, 4/2, p. 391-431.: 391).

Seria necessário, portanto - e é a esse exercício que me proponho agora -, vasculhar usos de imagens não como ilustrações, mas como documentos que, assim como os demais, constroem modelos e concepções. Não como reflexo, mas como produção de representações, costumes, percepções, e não como imagens fixas e presas a determinados temas ou contextos, mas como elementos que circulam, interpelam, negociam (Schwarcz, 2014Schwarcz, Lilia. (2014). Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais. Sociologia & Antropologia, 4/2, p. 391-431.: 393).

Essa abordagem, assim, diferencia-se de outras elaborações importantes e pertinentes em torno da produção de imagens em suas possíveis relações com as ciências sociais. Num primeiro sentido, devo pontuar que não pretendo com essa proposta realizar um exercício de antropologia visual. Há, felizmente, uma tradição de produção antropológica já consolidada - de Bateson e Mead a Jean Rouch, de Trinh T. Minh-ha a David MacDougall ou Grace Cho - que se utiliza de produção imagética e, especialmente, audiovisual, para construção de suas reflexões.12 12 Essa produção vem acompanhada, naturalmente, de uma série de reflexões teórico-metodológicas luminosas. Os trabalhos de Hockings (1975), Crawford & Turton (1971) e Pink (1992) são exemplares nesse sentido. Peixoto (2019) e Caiuby Novaes (2004) trazem contribuições importantes para pensar a temática em cenário brasileiro. Nesse caso, e diferentemente do objeto em questão para este texto, as imagens são produzidas pelos pesquisadores como recursos analíticos. Isso não quer dizer, porém, que essas abordagens não tragam reflexões pertinentes, especialmente quando pretendem produzir imagens para desconstruir estereótipos.13 13 Sobre esse ponto, ver Jell-Bahlsen (1975: 427-428).

Tampouco pretendo produzir análises que poderiam ser afiliadas diretamente a uma antropologia da arte. Mas se, como nos explica Alfred Gell (1998: 3), essa modalidade de antropologia “concentra-se na ligação da produção, circulação e recepção de arte ao contexto social, em vez de na avaliação de obras de arte particulares, que, a meu ver, é a função de um crítico”,14 14 Do original: “focuses on tie social context of art production, circulation, and reception, rather than the evaluation of particular works of art, which, to my mind, is the function of a critic”. seria o caso de nos interrogarmos sobre a maneira como as imagens são também elas agentes em certas relações sociais. Seria possível, assim, partir de uma “teoria antropológica em que pessoas ou ‘agentes sociais’ são, em certos contextos, substituídos por objetos de arte15 15 Do original: “anthropological theory in which persons or ‘social agents’ are, in certain contexts, substituted for by art objects”. (Gell, 1998Gell, Alfred. (1998). Art and agency: an anthropological theory. Oxford: Clarendon Press.: 5). Essa mirada permite observar as imagens a partir do que produzem num duplo movimento - de um lado, a relação entre Brasil e Unesco que condiciona a própria existência da publicação que analiso; mas, de outro, há também as perspectivas que essas imagens engendram em seus leitores, e isso, em alguma medida, é indício de parte do que a relação entre Brasil e Unesco tem por objetivo produzir.

Gostaria também de aludir à proposição de Michael Baxandall (2006Baxandall, Michael. (2006). Padrões de intenção. São Paulo: Companhia das Letras.: 32) quando afirma que “toda explicação elaborada de um quadro inclui ou implica uma descrição complexa desse quadro. Isso significa que a explicação se torna parte de uma descrição maior do quadro, ou seja, uma forma de descrever coisas nele que seriam difíceis de descrever de outro modo”. Se o exercício que proponho a seguir possui diferenças significativas - já que não estou analisando quadros efetivamente, mas imagens impressas (algumas de quadros) num suplemento cultural com especial interesse para o que elas comunicam em conjunto -, creio ser central a dimensão da descrição. Afirmo, de saída, que o modo como descrevo as imagens nas próximas páginas tem também uma dimensão analítica.

Em continuidade, creio que as imagens têm um duplo caráter na publicação. Primeiro, há a maneira como “funcionam” na condição de ilustrações dos textos. Em segundo lugar, e penso que esse é o mais importante, há uma centralidade das imagens para a construção das representações de país; na publicação elas parecem sobrepor os textos nessa tarefa. Opero uma concepção analítica afeita àquela formulada por Svetlana Alpers (1996Alpers, Svetlana. (1996). Visual culture questionnaire, October, 77, p. 25-70.: 26) para outro cenário. Como a autora, eu estou “lidando com uma cultura na qual as imagens, diferenciadas dos textos, eram [e são] centrais para a representação (no sentido da formulação do conhecimento) do mundo”.16 16 Do original: “dealing with a culture in which images, as distinguished from texts, were central to the representation (in the sense of the formulation of knowledge) of the world”.

A primeira imagem a ser analisada, desse modo, é a já mencionada capa da publicação (figura 1). A escolha pelo quadro de Tarsila do Amaral, para onde poderia haver uma fotografia, é significativa. Se sabemos que não é o caso de supor a fotografia como realidade efetiva - já que é um recorte, uma mirada possível em meio a outras17 17 A reflexão de Susan Sontag (2003) em torno das fotografias de guerra ajuda a aprofundar essa discussão. -, a escolha por uma pintura é deliberadamente por uma versão, por uma representação específica que não deve ser decalque direto do real. Temos, aí, uma pintura modernista; que, se é brasileira na temática, é facilmente compreendida a partir dos moldes de outros modernismos ou das vanguardas europeias. Há um cânone amplamente já consolidado para interlocutores dos anos 1980, o que produz uma codificação da imagem, ainda que desconhecidos sua autoria e seu contexto de produção.

É uma representação de trabalhadores, com muitos rostos; diversos, de diferentes cores e formatos. Estão dispostos à frente das chaminés de uma fábrica. A imagem, contudo, é multiplicada: a reprodução total do quadro ao centro vem ladeada por detalhes da própria pintura. Como uma espécie de zoom in, a capa nos dá a oportunidade de ver os trabalhadores mais próximos. O título do número especial, Brazil: 20th-century giant, vem em verde e amarelo, com ênfase nas palavras Brasil e gigante - ao passo que o da publicação quase desaparece num branco tímido e sem contraste com o céu cinza de Tarsila. A leitura conjunta desses elementos nos permite imaginar uma aposta num Brasil gigante a partir de dois elementos. O primeiro, e que parece ter sido o de maior destaque, é sua gente. Mas há também, e esse parece ser o argumento da publicação, uma crença em seu desenvolvimento - nesse caso representado pelo trabalho fabril.

Ao folhear a publicação - movimento que certamente direciona a atenção do leitor para as imagens -, as primeiras impressões são marcadas por contrastes. De um lado uma fotografia aérea de um Rio de Janeiro urbano; de outro, ocupando toda uma página, temos uma imagem das Cataratas do Iguaçu. O título do artigo de Tiago Mello, o já mencionado “A land of contrasts” ganha cores específicas - mesmo que no texto o contraste a que se propõe seja outro (a oposição entre sertão e Amazonas). As legendas são longas e informativas. Explica-se a importância econômica, política e cultural do populoso Rio de Janeiro; ao passo que as cataratas teriam importância turística, além da opulência natural. O contraste produzido pelo editor, aqui, é entre o urbano e o natural. Mas reflete também uma perspectiva do que seria o Brasil.

Seguindo o exercício de folhear, passamos por um conjunto de imagens: um mapa do Brasil em fundo verde (até aqui, todas as imagens, fora a capa, são em preto e branco); um desenho de Euclides da Cunha, de seu caderno de campo, acima da capa de Grande sertão: veredas (de Guimarães Rosa); uma fotografia do centro urbano de Manaus; uma fotografia da escultura dos evangelistas à frente da esplanada dos ministérios (legendada equivocadamente como praça dos Três Poderes). São imagens diversificadas, certamente, e que têm por objetivo ilustrar diferentes cenários brasileiros. Por outro lado, vejo como significativo o fato de que o sertão não tenha ganhado uma imagem fotográfica, ao passo que os outros cenários sim. A diferença, aqui, parece não querer ser traduzida em desigualdade. Exceção, contudo, é uma fotografia dos Tapuia em Manaus de 1865. Ela está em um quadro cujo título parece ser o que autoriza o retrato da pobreza: “pictures from the past” (figura 2). Ou seja, trata-se de uma questão referida a um cenário anterior, em vias de extinção.

Quando chegamos ao segundo artigo da publicação, o texto de caráter histórico escrito por Eric Nepomuceno, a reprodução de uma pintura ocupa a parte superior da página. É contrastante o título do texto “Brazil and its neighbours” com a tela Desembarque de Pedro Álvares Cabral em 1500, de 1922. A célebre pintura de Oscar Pereira da Silva mostra o desembarque dos portugueses no Brasil; indígenas são retratados como selvagens, em contraste com o caráter plácido e grave dos indivíduos que, em embarcações, se aproximavam da costa paradisíaca. O trabalho certamente perde o impacto por estar em preto e branco, mas de qualquer modo é visível a postura benévola do colonizador junto aos indígenas - alguns empunhando lanças, outros já absortos pela complacência portuguesa. A manchete e a imagem geram confusão, já que não haveria sentido em tratar colonizadores e indígenas como vizinhos; esse desconcerto só se dissolve numa eventual leitura do texto.

A seguir, numa disposição que ocupa quase a totalidade da página, temos imagens de diferentes momentos históricos nacionais. No alto, vê-se a pintura de Debret Aclamação do Imperador Pedro I. Ao lado, a conhecida fotografia de Antônio Luís Ferreira da multidão em frete ao Paço Imperial quando da abolição da escravatura. E abaixo, uma foto do Monumento às Bandeiras, sem créditos, com longa legenda explicando que São Paulo era a cidade mais populosa e importante economicamente do país, e informando que a escultura de Brécheret é uma homenagem aos conquistadores - o grifo é meu - que exploraram o interior do Brasil. Virando a folha, a última imagem ligada ao texto de Nepomuceno é de Sebastião Salgado, que retrata trabalhadores de uma fábrica de aviões no estado de São Paulo - presumo, pela localização da Embraer.

Figura 2
Correio da Unesco, dezembro de 1986, p. 10, reprodução

Gostaria de produzir uma leitura conjunta das imagens que ladeiam esse texto histórico. Se de início temos o marco colonial visível na pintura de Pereira da Silva, depois somente aspectos progressistas da história brasileira são apresentados. Vemos a independência do Brasil; o fim da escravatura; e uma ode ao progresso, tanto nos bandeirantes paulistanos como na indústria de aeronaves. Há uma démarche de desenvolvimento, que claramente se produz a partir de uma linearidade, em movimento que atravessa as imagens: o fim é a produção tecnológica industrial; os marcos, nas outras imagens, são os passos para alcançá-la. É interessante notar que esse certamente não é o tom do texto de Nemopuceno; que se não tem grande imaginação historiográfica - o que pode ser perdoável para um texto informativo - não chega a ser celebratório de um progresso teleológico. As imagens advogam, aqui, por uma perspectiva para o desenvolvimento que tem clara ligação com as prerrogativas da Unesco.

Já as imagens que “ilustram” o texto de Carlos Castilho são bastante diferentes entre si. Dessa vez, o título, “Caribbean Cousins”, pode ajudar na compreensão da primeira: a pintura de Portinari Paisagem de Brodowski, de 1940. Nela, negros trabalhando no campo são retratados com os traços habituais do pintor; mais uma vez, contudo, a reprodução sem cores reduz a potência da obra. Os detalhes dos animais esquálidos não são completamente visíveis, assim como as construções espalhadas mais ao fundo da paisagem - uma delas parecida com a estação de trem de Brodowski, onde hoje funciona o museu do pintor, em sua cidade natal. É notável, ainda assim, que nenhuma das figuras humanas tenha o rosto voltado para quem olha a pintura. Se é gerada certa impessoalidade, seria possível pensar também na maneira como esses indivíduos não se disponibilizam efetivamente para representação. Parece haver resistência, por um lado; por outro, a agência do pintor é a que prevalece. De qualquer modo, é interessante notar que, em uso ilustrativo, uma paisagem com trabalhadores negros num campo pode produzir certa intercambialidade entre o Brasil e o Caribe.

A legenda reputa Portinari como um dos mais importantes pintores do Brasil, colocando-o ao lado de Oscar Niemeyer, na arquitetura, e Villa-Lobos, na música, como ícones da cultura nacional. Na página seguinte, veem-se dois livros: Os passos perdidos, de Alejo Carpentier, e A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães - este último ilustrado com stills da telenovela (a atriz Lucélia Santos, devidamente caracterizada, está na capa). Entre as duas capas, um desenho bastante prejudicado pela reprodução, em que se discernem algumas figuras humanas com um casario ao fundo. Só a legenda ajuda a compreendê-la: trata-se de uma ilustração da primeira edição de Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. O quadro de Portinari parece afirmar a similitude, a partir da presença negra, entre Brasil e Caribe, ao passo que os livros mostrariam efetivamente essa interação pela autoria e pela temática abordada.

A seguir, duas fotografias de mulheres paramentadas para rituais de candomblé são as ilustrações abaixo do título do texto de Carlos Rodrigues Brandão, “Three continents, one people”. De modo geral, pode-se afirmar uma centralidade dada à cultura negra na composição cultural que a publicação afirma. O texto de Brandão é cortado por um caderno de imagens coloridas; elas são bastante distintas entre si, como detalharei adiante, e, desconectadas dos textos, parecem ser utilizadas pelo editor efetivamente como ilustrações.

A primeira dessas páginas me parece a mais significativa. Nela, vemos uma fileira de quatro rostos que deveriam ser representativos dos brasileiros e, logo abaixo, a pintura As cinco moças de Guaratinguetá, de Di Cavalcanti. Nesse caso, a legenda das fotografias dá o tom de um tratamento bastante específico para diferença que seria observável na sociedade brasileira:

Rostos de brasileiros (aqui, um nativo da região amazônica; uma mulata de olhos verdes; uma mulher negra com a touca de Iansã, uma deusa de ritos afro-brasileiros; e uma mulher branca de ancestralidade europeia distante) dão alguma ideia da escala da mistura étnica que ajudou a moldar uma das culturas mais ricas, originais e variadas da América do Sul (Unesco, 1986Unesco. (1986). The Unesco Courrier.: 22).18 18 Do original: “Brazilian faces (here, a native of the Amazon region; a green-eyed mulatto; a Black woman wearing the head-dress of Iansã, a goddess who features in Afro-Brazilian rites; and a White woman of distant European ancestry) give some idea of the scale of the ethnic intermingling which has helped to shape one of South America’s richest, most original and varied cultures”.

A ideia de representatividade dessas imagens é reforçada pela autenticidade exótica dos rostos fotografados. Trata-se de uma ode à diferença cultural; não há espaço para questionamentos: aqui, ela é tão original quanto pacificada. Ela se traveste em diversidade tornando-se positiva - não há nessa elaboração qualquer referência à posição que esses indivíduos ocupam na estrutura social brasileira. A ideia de diversidade como força produtiva é potencializada, ainda, na pintura de Di Cavalcanti. Nela, os traços voluptuosos das moças - reafirmados pela paleta de cores escolhida - dão testemunho criativo da mistura de raças que compõe o brasileiro.

As outras imagens que integram o caderno parecem também afirmar as diferentes facetas do gigantesco país. Primeiro, uma imagem das calçadas de Copacabana é ladeada por toras de madeira sendo transportadas pelo rio Negro. Mais à direita, uma fotografia da escultura O meteorito, de Bruno Giorgi, que adorna a frente do Palácio do Itamaraty de Brasília. Uma imagem aérea da bacia do rio Amazonas tem ao lado o casario de uma fazenda no Mato Grosso e um cenário de seca - com gado de bom peso, mas com alguns galhos retorcidos, é verdade - descrito genericamente como nordestino.

As imagens que seguem oscilam entre retratos de pessoas e coisas; e algumas obras de artes visuais. Os retratados são autores das manifestações artísticas nacionais citadas nos textos: Chico Buarque, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes, Heitor Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado. As coisas, produções que não são propriamente identificadas com autoria, são varais de literatura de cordel e instrumentos musicais tradicionais, que compõem acervo de museus etnográficos. As obras de artes visuais, sempre com autoria creditada, ilustram majoritariamente o modernismo brasileiro.

Figura 3
Correio da Unesco, dezembro de 1986, p. 23, reprodução
Figura 4
Correio da Unesco, dezembro 1986, p. 44, reprodução

Não é possível deixar de notar aqui como a lógica de autoria marca a definição do que é arte e do que é cultura - mesmo que, num movimento que assemelha autores e editor, a primeira esteja contida na última. É como se a cultura brasileira fosse uma composição entre as produções populares espontâneas e aquela feita por uma elite que transita internacionalmente. A maioria dos autores retratados - seja efetivamente, seja a partir de suas obras - é branca. Nesse sentido, caberia aos negros e índios - seguindo a lógica das três raças como constituintes da cultura nacional - ser cultura. A arte é branca (e o espanto com que o Teatro Experimental do Negro é descrito na revista corroboraria essa perspectiva); a cultura é negra e indígena.

As duas últimas imagens da publicação são de São Paulo: um “antes e depois” mostrando o processo de construção da cidade (figura 4). Elas ilustram as informações econômicas do Brasil; servem, pois, para referendar o processo de desenvolvimento observado pelo país. Finaliza-se, assim, a narrativa que atravessa a publicação como um todo: um gigante, com avanço técnico que não eclipsou a cultura autêntica e que tem na mestiçagem um valor criativo.

Considerações finais

É possível observar, portanto, que textos e imagens possuem características diferentes, mesmo que sejam, de modo geral, afeitos a uma perspectiva positiva para mestiçagem. Os artigos parecem estar ligados de modo mais direto ao debate acerca da democracia e de uma crítica possível dos problemas do Brasil daquele momento. Tal disparidade pode ser encontrada na maneira como a questão da desigualdade não parece ser levada em conta pela Unesco na escolha das imagens - mesmo que em várias delas seja possível encontrar diferença. Neste último caso, a posição da Organização parece ser a de superação da diferença pelo desenvolvimento, tendo um horizonte de modernização como fim necessário.

A leitura das imagens, assim, mostra uma diversidade que se afirma como variação de uma mesma unidade cultural. Há, portanto, uma visão algo unívoca para cultura; é como se a cultura fosse una e singular, contudo composta pela soma de partes que variam dentro de um escopo seguro.

No momento da publicação do número especial a Unesco utilizava - oficialmente - a noção de cultura definida na Conferência Mundial de Políticas Culturais (Mondiacult), realizada na Cidade do México em 1982. É oportuno retomar diretamente essa definição:

em seu sentido mais amplo, a cultura pode ser agora considerada o todo complexo de características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que configuram uma sociedade ou grupo social. Inclui não apenas as artes e letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistemas de valores, tradições e crenças; é a cultura que dá ao homem a capacidade de refletir sobre si mesmo. É a cultura que nos torna especificamente humanos, seres racionais, dotados de juízo crítico e senso de comprometimento moral. É por meio da cultura que discernimos valores e fazemos escolhas. É pela cultura que o homem expressa a si mesmo, toma consciência de si mesmo, reconhece sua incompletude, questiona suas próprias conquistas, busca incansavelmente novos significados e cria obras pelas quais transcende suas limitações (Unesco, 1982Unesco. (1982) Mexico City Declaration on Cultural Policies. Paris: Unesco.: 1).19 19 Do original: “in its widest sense, culture may now be said to be the whole complex of distinctive spiritual, material, intellectual and emotional features that characterize a society or social group. It includes not only the arts and letters, but also modes of life, the fundamental rights of the human being, value systems, traditions and beliefs; that it is culture that gives man the ability to reflect upon himself. It is culture that makes us specifically human, rational beings, endowed with a critical judgment and a sense of moral commitment. It is through culture that we discern values and make choices. It is through culture that man expresses himself, becomes aware of himself, recognizes his incompleteness, questions his own achievements, seeks untiringly for new meanings and creates works through which he transcends his limitations”.

Seria possível encontrar nessa conceituação de cultura uma inspiração antropológica marcante.20 20 E aquela que ressoa de modo mais eloquente é a célebre - e fundadora para boa parte da historiografia da noção de cultura em antropologia - definição de Tylor (1871: 1) ainda no século XIX: “Cultura ou Civilização, em seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (do original “Culture or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits acquired by man as a member of society”). A cultura abarcaria sistemas simbólicos, um todo complexo de características distintivas que perpassa diversos modos de vida, por meio do qual são criados novos significados e obras. É notável, contudo, que estamos diante de uma definição suficientemente ampla para que abarque uma série de diferenças entre os países-membros - que são, afinal, os clientes da Unesco -, e isso é necessário. Nesse processo perde-se, porém, o decalque social da produção cultural; suas condições políticas de produção e distribuição. Sua condição hierarquizante, enfim; pois se cultura é significado e ação social, nem todo significado e ação social possuem o mesmo valor, tampouco a mesma eficácia. Nem todo fragmento de cultura é acessível a todos os indivíduos de um mesmo país. A ordem da produção cultural não é indiferenciada; ao contrário, ela é um bom lugar para observar - e criticar - a produção de desigualdade.

Essa ideia de cultura de caráter “antropológico” - cujo uso é feito a despeito de todas as discussões metodológicas e epistemológicas realizadas em torno do termo pela antropologia21 21 Esse movimento de espraiamento da ideia de cultura antropológica para outros contextos já foi analisado por antropólogos. Para citar dois exemplos teoricamente distintos, ver Strathern (1995) e Wright (1998). - é marca também de certo pensamento social brasileiro. Em muitas oportunidades, a explicação pela diversidade perde de vista a maneira como são ancorados processos duráveis de produção de desigualdades. Em boa medida, esse tipo de perspectiva tende a deixar de lado a intersecção de distintas esferas na construção desses processos. Torna-se inviável, assim, correlacionar diferentes marcadores sociais da diferença - como raça, classe, gênero e geração -, de modo que a análise ganhe complexidade.22 22 Penso a questão da interseccionalidade a partir de McClintock (2010). Boas reflexões sobre marcadores sociais ou culturais da diferença podem ser encontradas em Moutinho (2014).

Num sentido paradigmático, gostaria de evocar a maneira como Gilberto Freyre (2003Freyre, Gilberto. (2003). Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob regime da economia patriarcal. São Paulo: Global.: 32), em Casa-grande & senzala, situa numa distinção entre raça e cultura a base de seu livro:

Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio.

Se é questionável o alcance dessa distinção,23 23 Discussões sobre a efetiva adoção de uma ideia de cultura em detrimento do conceito de raça podem ser encontrados em Lima (1989); Araújo (1993); Souza (2000). A reflexão de George Stocking Jr (1966) sobre a variação da noção de cultura ao longo da produção de Franz Boas também ajudaria a adensar esse debate. fato é que a descrição cultural - o que equivaleria, aqui, a um sentido totalizante - fez emergir um tipo de análise em que a pacificação emerge como tônica. Nesse sentido, os processos de produção de desigualdade têm seus componentes estruturais e simbólicos - quase sempre revestidos de violência - subsumidos em uma perspectiva culturalmente fatalista. A pujança de uma cultura miscigenada seria indício mesmo desse processo de pacificação, que se é analiticamente instaurado, acaba por dissolver a possibilidade de imaginação de uma país menos desigual.

Por outro lado, e retomando aqui a questão de como uma ideia de Brasil se constrói na relação entre o país e a Unesco, é notável que um ponto de contato possível entre as elaborações do Brasil apresentadas nos textos e aquela que parece ser adotada pela Organização é a concepção de que ele foi formado como mistura cultural de negros, indígenas e brancos. Esse ponto, assim, me parece ser condição de possibilidade para que a própria relação seja possível - assim como seus subprodutos: projetos, ações, publicações.

Nesse sentido, se há uma disputa em torno da produção simbólica de um país - processo esse que impacta a formação de Estado -, certos símbolos dominantes podem ser compreendidos como organizadores desse debate. No caso brasileiro, a diversidade mestiça aparece como fato em si, de modo que tanto uma perspectiva mais crítica formulada pelos brasileiros como aquela mais pacificada e estereotipada vista nas imagens da publicação acionam a diversidade.

Uma boa interpretação dessa presença da formação cultural - ou social ou mesmo econômica - do Brasil a partir da miscigenação pode ser pensada como uma espécie de símbolo dominante. Utilizo-me da expressão de Turner24 24 Essa discussão pode ser encontrada em detalhe em Turner (1967: 27-29, especialmente). - que a formulou refletindo acerca da presença de certos símbolos que têm valores em numerosas elaborações e rituais, mas cuja multipresença é também assegurada por sua polissemia - porque ela permite compreender os símbolos como disparadores de ação social. Penso que essa imagem é importante exatamente porque permitiria politizar, a partir da crítica, essa composição cultural do Brasil como explicação fundante e necessária. Seria o caso, portanto, de repensar esses modelos de explicação cultural levando em consideração também os processos hierárquicos em que se inserem e o tipo de produção de desigualdade que sistematicamente produzem. Nesse movimento, será possível produzir novas perspectivas para o Brasil justamente num momento em que as explicações consagradas parecem desabilitadas pelo cenário sociopolítico contemporâneo. Essa abordagem permitiria, portanto, preconizar análises que perscrutem a desigualdade - sem que a diversidade cultural se ofereça como explicação fácil, nem a perdendo completamente de vista.

NOTAS

  • 1
    Utilizo-me do termo inspirado nas proposições de Geertz (1991)Geertz, Clifford. (1991). Negara: o Estado teatro no século XIX. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. em torno do Estado balinês, quando mostra que as performances estatais, dotadas de pompa e apresentações públicas historicamente significativas, são constitutivas mesmo do Estado. Não se deve, portanto, tomá-las apenas em termos meramente ideológicos; elas produzem o Estado. Ao mesmo tempo, seria possível, como propôs Tambiah (1985)Tambiah, Stanley. (1985). Culture, thought, and social action. An anthropological perspective. Cambridge, Mass.: Harvard University Press., analisar uma imagética estatal com base em rituais e cerimônias, no sentido de que o Estado também se materializa a partir de representações e imagens.
  • 2
    Aproprio-me da expressão de Anderson (2009)Anderson, Benedict. (2009). Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras..
  • 3
    Partindo de Elias (2006)Elias, Norbert. (2006). Processos de formação de Estados e construção de nações. In: Escritos & ensaios, 1: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 153-165., acredito que os processos de formação de Estado são correlatos a construções de nações. Assim, é importante enfatizar que não acredito ser possível constituir uma análise a partir de noções estáveis ou unívocas de Estado e de nação. Nesse cenário, parece-me mais proveitoso pensar em processos de formação: “O que hoje se ensina como a história de um país, não importa quantas mudanças se identifiquem ao longo dos séculos, geralmente pode ser acomodado às exigências de uma autoimagem, segundo a qual a nação se representa como inalterável, através das eras, em suas características básicas. [...] Devemos ser capazes de perceber a distinção entre as ideologias nacionais que levam uma nação a parecer um sistema social de grande valor, imutável e bem integrado, e o projeto de integração e desintegração no longo prazo, no curso do qual se observam disputas entre tendências centrífugas e centrípetas e entre grupos estabelecidos e outsiders, tensões típicas da estrutura desses desenvolvimentos. Devemos poder reconhecer as nações como um tipo específico de integração que requer explicação, e que não pode ser analisado se não identificarmos processos de longo prazo na formação de Estados, e, como uma de suas fases, a construção de nações” (Elias, 2006Elias, Norbert. (2006). Processos de formação de Estados e construção de nações. In: Escritos & ensaios, 1: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 153-165.: 164). Os trabalhos de Souza Lima (1995)Souza Lima, Antonio Carlos de. (1995). Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes. e Steinmetz (1999)Steinmetz, George. (1999). Culture and the State. In: Steinmetz, George (ed.). State/culture: state formation after the cultural turn. Cornell: Cornell University Press, p. 1-50. também são referências importantes nesse sentido.
  • 4
    Aproprio-me do termo a partir de Charles Tilly (2000)Tilly, Charles. (2000). How do relations store histories? Annual Review of Sociology, 26, p. 721-723., considerando que as relações guardam historicidades que podem ser estudadas. Elas colocam em contato, de maneira dinâmica, diferentes locações sociais.
  • 5
    Utilizo a ideia de pacificação como empregada por Souza Lima (1995, especialmente Parte 1) ao refletir sobre o tratamento dado pelo Estado às populações indígenas no Brasil. Nesse cenário, a metáfora de uma guerra de conquista, que leva em conta um horizonte simbólico - o que implica um compartilhamento cultural entre brancos e indígenas como parte do processo de dominação -, me soa especialmente fecunda. João Pacheco de Oliveira (2014)Oliveira, João Pacheco de. (2014). Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios. Mana, 20/1. também faz uso eloquente da noção de pacificação para explicar questões brasileiras contemporâneas.
  • 6
    Um dos pilares documentais dessa perspectiva é o relatório “Our creative diversity”, elaborado pela Comissão de Cultura e Desenvolvimento da Unesco (1996)Unesco. (1996). Our creative diversity: Report of the World Commission on Culture and Development. Paris: Unesco.. Para uma análise do relatório, ver Wright (1998: 12-14).
  • 7
    O presente texto baseia-se em pesquisa documental realizada entre dezembro de 2015 e julho de 2016 no Arquivo Central da Unesco em Paris. Durante esse período, fui pesquisador visitante no Centre Maurice Halbwachs (CNRS/EHESS/ENS). Agradeço ao professor Benoît de L’Estoile o fato de ter sido meu supervisor nessa oportunidade. Além disso, durante pesquisa pós-doutoral no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo entre 2014 e 2018, fiz numerosas viagens de pesquisa ao Arquivo Histórico do Itamaraty em Brasília. Ambas as frentes de investigação contaram com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
  • 8
    Glissant foi editor do periódico entre 1981 e 1988. Filósofo, teórico literário e poeta de grande importância no cenário internacional, foi um dos expoentes do pensamento arquipelágico e da criolização - ele próprio francês ultramarino, nascido na Martinica. Sua obra mais conhecida é Poétique de la Relation, de 1990Glissant, Edouard. (1990). Poétique de la relation. Paris: Gallimard..
  • 9
    Do original: “Brazil has also developed an original culture which respects the beliefs and customs of the different ethnic groups (some of which live much as their ancestors did when the Portuguese conquistadors arrived almost 500 years ago) which make up its population. The destiny of Brazil has also been shaped by the ethnic intermingling which is one of the country’s most distinctive characteristics. Among the important manifestations of this culture, to take only three examples from the arts, are the sculptures of o Aleijadinho, who has been described as a “universal genius” and “the greatest artist born in America”; the architecture of Brasilia, the first city of the 21st century, called by André Malraux the “first capital of the new civilization”; and Brazilian music, whose popularity at world level is rivalled only by that of the tango. Superlatives are unavoidable where Brazil is concerned”.
  • 10
    Do original: “we have excluded from our coverage problems which lie outside Unesco’s fields of competence, and have attempted to dispel the stereotyped and in some cases misleadingly picturesque image of the country which may be propagated by the tourist brochure”.
  • 11
    Já havia, naquele momento, produções que poderiam relativizar essa perspectiva, como as elaborações ligadas direta ou indiretamente à noção de colonialismo interno. Os trabalhos de González Casanova (2007)González Casanova, Pablo. (2007). Colonialismo interno (uma redefinição). In: Boron, Atilio A.; Amadeo, Javier & Gonzalez, Sabrina. A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Clacso, 2007., mas também de Cardoso de Oliveira (1972)Cardoso de Oliveira, Roberto. (1972). A noção de “colonialismo interno” na etnologia. In: A sociologia do Brasil indígena. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. e Otávio Velho (2009)Velho, Otávio. (2009). Capitalismo autoritário e campesinato: um estudo comparativo a partir da fronteira em movimento. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais., são exemplares nesse sentido.
  • 12
    Essa produção vem acompanhada, naturalmente, de uma série de reflexões teórico-metodológicas luminosas. Os trabalhos de Hockings (1975)Hockings, Paul (org.). (1975). Principles of visual anthropology. The Hague/Chicago: Mouton/Aldine., Crawford & Turton (1971)Crawford, Peter & Turton, David (orgs.). (1971). Film as ethnography. New York: Manchester University Press. e Pink (1992)Pink, Sara. (1992). Nouvelles perspectives après une formation à l’anthropologie visuelle. Journal des Anthropologues,47-48, p. 123-130. são exemplares nesse sentido. Peixoto (2019)Peixoto, Clarice. (2019). Antropologia & imagens: o que há de particular na antropologia visual brasileira? Cadernos de Arte e Antropologia, 8/1, p. 131-146. e Caiuby Novaes (2004)Caiuby Novaes, Sylvia. (2004). Imagem em foco nas ciências sociais. In: Caiuby Novaes, Sylvia et al. (orgs.). Escrituras da imagem. São Paulo: Edusp, p.11-18. trazem contribuições importantes para pensar a temática em cenário brasileiro.
  • 13
    Sobre esse ponto, ver Jell-Bahlsen (1975Jell-Bahlsen, Sabine. (1975). Funding ethnographic film and videos productions in America. In: Hockings, Paul (org.). Principles of visual anthropology. The Hague/Chicago: Mouton/Aldine, p. 413-440.: 427-428).
  • 14
    Do original: “focuses on tie social context of art production, circulation, and reception, rather than the evaluation of particular works of art, which, to my mind, is the function of a critic”.
  • 15
    Do original: “anthropological theory in which persons or ‘social agents’ are, in certain contexts, substituted for by art objects”.
  • 16
    Do original: “dealing with a culture in which images, as distinguished from texts, were central to the representation (in the sense of the formulation of knowledge) of the world”.
  • 17
    A reflexão de Susan Sontag (2003)Sontag, Susan. (2003). Diante da dor dos outros. São Paulo: Cia. das Letras. em torno das fotografias de guerra ajuda a aprofundar essa discussão.
  • 18
    Do original: “Brazilian faces (here, a native of the Amazon region; a green-eyed mulatto; a Black woman wearing the head-dress of Iansã, a goddess who features in Afro-Brazilian rites; and a White woman of distant European ancestry) give some idea of the scale of the ethnic intermingling which has helped to shape one of South America’s richest, most original and varied cultures”.
  • 19
    Do original: “in its widest sense, culture may now be said to be the whole complex of distinctive spiritual, material, intellectual and emotional features that characterize a society or social group. It includes not only the arts and letters, but also modes of life, the fundamental rights of the human being, value systems, traditions and beliefs; that it is culture that gives man the ability to reflect upon himself. It is culture that makes us specifically human, rational beings, endowed with a critical judgment and a sense of moral commitment. It is through culture that we discern values and make choices. It is through culture that man expresses himself, becomes aware of himself, recognizes his incompleteness, questions his own achievements, seeks untiringly for new meanings and creates works through which he transcends his limitations”.
  • 20
    E aquela que ressoa de modo mais eloquente é a célebre - e fundadora para boa parte da historiografia da noção de cultura em antropologia - definição de Tylor (1871Tylor, Edmund. (1871). Primitive culture, v. 1. London: John Murray.: 1) ainda no século XIX: “Cultura ou Civilização, em seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (do original “Culture or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits acquired by man as a member of society”).
  • 21
    Esse movimento de espraiamento da ideia de cultura antropológica para outros contextos já foi analisado por antropólogos. Para citar dois exemplos teoricamente distintos, ver Strathern (1995)Strathern, Marilyn. (1995). The nice thing about culture is that everyone has it. In: Shifting Contexts: transformations in anthropological knowledge. London: Routledge, p. 153-176. e Wright (1998)Wright, Susan. (1998). The politicization of “culture”. Anthropology Today, 14/1, p. 7-15..
  • 22
    Penso a questão da interseccionalidade a partir de McClintock (2010)McClintock, Anne. (2010). Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora Unicamp.. Boas reflexões sobre marcadores sociais ou culturais da diferença podem ser encontradas em Moutinho (2014)Moutinho, Laura.(2014). Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes. Cadernos Pagu, 42, p. 201-248..
  • 23
    Discussões sobre a efetiva adoção de uma ideia de cultura em detrimento do conceito de raça podem ser encontrados em Lima (1989)Lima, Luiz Costa. (1989). A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco.; Araújo (1993)Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1993). Guerra e paz: Casa-grande e senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. São Paulo: Editora 34.; Souza (2000)Souza, Jessé. (2000). Gilberto Freyre e a singularidade cultural brasileira. Tempo Social,12/1, p. 69-100.. A reflexão de George Stocking Jr (1966)Stocking, George W. (1966). Franz Boas and the culture concept in historical perspective. American Anthropologist, 68/4, p. 867-882. sobre a variação da noção de cultura ao longo da produção de Franz Boas também ajudaria a adensar esse debate.
  • 24
    Essa discussão pode ser encontrada em detalhe em Turner (1967Turner, Victor. (1967). The forest of symbols: aspects of Ndembu ritual. Ithaca: Cornell University Press.: 27-29, especialmente).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2019
  • Revisado
    12 Maio 2020
  • Aceito
    29 Jul 2020
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