Acessibilidade / Reportar erro

F. Nietzsche* * Publicado em O Paiz. Rio de Janeiro, ano 17, n. 5924, 26 de Dezembro de 1900, p. 2. Esse texto foi reeditado no livro A crítica de ontem, ed. Leite Ribeiro & Maurillo, Rio de Janeiro, 1919.

Resumos

Artigo publicado em 1900, no diário O Paiz. Esse breve artigo de Nestor Vítor é um dos primeiros textos críticos da filosofia de Nietzsche. Nele, o autor trata de ideias da filosofia nietzschiana sempre de uma perspectiva genética, histórica e/ou bastante ampla.

Nietzsche; niilismo; probidade; modernidade


Article published in 1900 in the O Paiz. This brief article of the Nestor Vítor is an early critical texts of Nietzsche's philosophy. In it, the author comes to ideas of Nietzsche's philosophy of always genetic, historical and / or very wide perspective.

Nietzsche; nihilism; probity; modernity


(Impressões de Pages Choisies, edição do Mercure de France)

Nietzsche é o sentimento de probidade intelectual levado à loucura. Depois de nos havermos encontrado como ele, qual o de nós que não se sente, mais ou menos cabolin?

Mas não é a cabolinage, quer dizer o sentimento verbal, o característico desses três últimos séculos da nossa civilização? Não é o irreligionismo que teme reconhecer como tal, o decrescimento do entusiasmo organicamente vital, o caminhar lento, preguiço, mas positivo para um niilismo a que aspiramos sem nele pensar, de um modo inteiramente instintivo, - não é isto o que resume a história do mundo ocidental, da Renascença para cá?

Nós não fazemos mais, portanto, do que sermos os tipos da nossa época. (Quando digo nós, incluo um Goethe, incluo um Wagner, no fundo tão cabolins como Carlyle, como um V. Hugo.) Vamos sendo o que somos, rindo-nos de nós mesmos lá no intimo, virtude esta que mais altamente pode caracterizar a grandeza de um homem.

O próprio Nietzsche o reconhece: ele próprio ri de si mesmo, "com as pernas por cima da cabeça", e aconselha os outros a rirem-se assim. Apenas, nele este riso é convulsivo, é louco: é justamente o que o separa do cabolin. O cabolin é um idiota que anda fazendo de louco; Nietzsche é um louco que às vezes quer fazer de idiota.

No fundo esta cabolinage dos nossos três últimos é justificada, é nobre. Este nosso irreligionismo mascarado sob tantas formas de falso sentimentalismo, o que é senão o sentimento religioso sem um objetivo determinado? O que é este banalismo do homem moderno senão um modo de ser do seu desespero por esta falta de objetivo em que sua mentalidade se aplica? E essa necessidade do nihil que de cada vez mais se acentua o que pode ser senão a sumula, a consequência geral dessa boemia em que andam os nossos mais profundos sentimentos humanos?

No fundo, por conseguinte, esta cabolinage é apenas aparente. Nós fazemos mais do que assoviar uma área banal enquanto lá no intimo se dá, de modo inconsciente embora, todo o processo de uma radical renovação. Desde a Renascença que a civilização cristã entrou crise.

Lutero foi o irremediável de que tudo o mais tem sido consequências. Seu não foi uma negativa que então começou e que tem vindo até agora a formar-se.

Por conseguinte, essa probidade em Nietzsche é, em última análise, uma probidade a Brutus, uma probidade por incompletacão, como é o seu orgulho incomparável.

Nietzsche, por outro lado tem consciência da grandeza humana desenvolvida, no seu máximo grau; mas nenhuma vez se lembra da relatividade dessa grandeza, do nada que ela representa em fase do Universo.

Evidenciados estes seus característicos, e reunidos eles às suas altas qualidades intelectuais, vemos toda a sua obra e por fim a catástrofe que obumbrou aquele espírito, surgirem como consequências necessárias e inevitáveis naquele ser.

Louco embora, sua loucura, entretanto, é venerável: Nietzsche agora ficará no mundo como um olho rubro, sem pálpebras, a perseguir todos os comediantes com pretensões a serem tomadas a sério, todas as fofidades, todas as falsas qualidades pretendidas a uma cotação.

Se não tiveres confiança em teu valor não o leias; se a tens, encontra-te com ele: na volta hás de confessar que reconheces valer menos um pouco do que supunhas.

E nem fixa atentamente os olhos deste louco, nunca mais o abandona. Para quem tenha valor, eles serão sempre uns olhos duros, implacáveis, mas amigos; para os seres falsos para as falsas inteligências, para os falsos corações, eles serão sempre uma ironia corrosiva, um sarcasmo dissolvente, impiedosos e fatais. (De Meus hóspedes)

  • *
    Publicado em O Paiz. Rio de Janeiro, ano 17, n. 5924, 26 de Dezembro de 1900, p. 2. Esse texto foi reeditado no livro A crítica de ontem, ed. Leite Ribeiro & Maurillo, Rio de Janeiro, 1919.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
Grupo de Estudos Nietzsche Rodovia Porto Seguro - Eunápolis/BA BR367 km10, 45810-000 Porto Seguro - Bahia - Brasil, Tel.: (55 73) 3616 - 3380 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cadernosnietzsche@ufsb.edu.br