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O esquecimento como vontade de potência. O princípio de economia na epistemologia de F. Nietzsche* 1 É particularmente notável o trabalho de Thomas H. Brobjer “Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview”, no qual o autor trata de especificar todas as leituras científicas de Nietzsche, assim como de assinalar a influência real sobre a sua obra. Cf. Brobjer (2016, pp. 21-50).

The Oblivion as Will to Power. The Economy Principle in Nietzsche´s Epistemology

Resumo:

O presente artigo compara a epistemologia elaborada por Friedrich Nietzsche com a elaborada pelos positivistas do século XIX. O fio que acompanha esta comparação é o distinto uso que estes autores fazem do princípio de economia aplicado à epistemologia. Uma vez elucidado o modo como Nietzsche reelabora essa epistemologia, combinando-a com a hipótese da vontade de potência, apontaremos como o deslocamento teórico operado pelo princípio da economia produz no pensamento de Nietzsche uma inversão e reavaliação dos conceitos de “memória” e “esquecimento” aplicados à teoria do conhecimento.

Palavras-chave:
empiriocriticismo; princípio de economia; esquecimento; memória; vontade de potência

Abstract:

This article compares Friederich Nietzsche’s epistemology with that produced by the positivists of the 19th century. The theme running through this comparison is the different uses that these authors make of the principle of economy applied to epistemology. Once we have elucidated how Nietzsche reformulates this epistemology by combining it with the hypothesis of the will to power, I will point out how the theoretical displacement operated by the principle of economy produces in Nietzsche's thought an inversion and re-evaluation of the concepts of "memory" and "forgetting" applied to the theory of knowledge.

Keywords:
empiriocriticism; principle of economy; oblivion; memory; will to power

Atire às profundezas o que te pesa!

Esqueça, ser humano! Esqueça!

Divina é a arte do esquecimento!

Se queres voar

se queres ter a sua morada nas alturas:

Atire ao mar o que mais te pesa!

Aqui está o mar, atire-se ao mar!

Divina é a arte do esquecimento!

Friedrich Nietzsche

O que fundamentalmente nos interessa mostrar neste artigo é o modo como certa epistemologia crítica do século XIX é reelaborada ao entrar em contato com a hipótese da vontade de potência nos escritos de Nietzsche. Para mostrar essa transformação, é interessante comparar formulações dessa epistemologia nas quais a hipótese da vontade de potência não é levada em conta com aquelas formulações nas quais esta hipótese é essencial. Encontraremos textos desse último tipo sobretudo nos fragmentos póstumosNIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos póstumos, Volumen IV. Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2006. em que Nietzsche trabalhava com vistas a elaborar a sua obra sobre a vontade de potência. Por sua vez, desde já, são apontados dois lugares para encontrar essas formulações epistemológicas não tocadas pela ideia de vontade de potência. A primeira é composta pelos textos dos autores positivistas e evolucionistas do século XIX nos quais Nietzsche se inspira para elaborar sua própria epistemologia. O segundo lugar é constituído pelos textos do próprio Nietzsche anteriores à formulação explícita da hipótese da vontade de potência. Com efeito, essa tese característica dos últimos textos de Nietzsche teria algo a dizer efetivamente no campo da epistemologia. Como mais tarde expressaria acertadamente Heidegger: “Se a vontade de potência é o caráter fundamental de todo ente, o pensar desse pensamento deve “encontrá-la”, por assim dizer, em qualquer região do ente: na natureza, na arte, na história, na política, na ciência e no conhecimento em geral” (Heidegger, 2013HEIDEGGER, M. Nietzsche. Barcelona: Ariel, 2013., p.396).

Numerosos estudos atestam que Nietzsche está reelaborando materiais de naturalistas, evolucionistas e filósofos da ciência do século XIX e está chegando a conclusões em questões epistemológicas que a filosofia da ciência só virá a aceitar nos anos 50 do século XX1 1 É particularmente notável o trabalho de Thomas H. Brobjer “Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview”, no qual o autor trata de especificar todas as leituras científicas de Nietzsche, assim como de assinalar a influência real sobre a sua obra. Cf. Brobjer (2016, pp. 21-50). . Especificar alguns desses vínculos e retraduzir a filosofia de Nietzsche para a linguagem dessas disciplinas destacará a enorme importância de sua reflexão e a oportunidade de seus matizes, lançando alguma luz sobre sua própria filosofia.2 2 Um intento deste tipo já foi realizado com resultados muito satisfatórios por parte de Nadeem J.Z. Hussain em seu artigo “Reading Nietzsche through Ernst Mach” ao explicar a crítica de Nietzsche à metafísica e à epistemologia tradicional retraduzindo-a nos termos do mesmo monismo neutro machiano. Cf. J.Z. Hussain (2016, pp. 111-129). Considerando a distância entre as abordagens de um e de outro, poderemos verificar melhor o que significa, para Nietzsche, que o conhecimento seja vontade de potência. Uma vez constatadas essas semelhanças e distâncias, estaremos em condições de caracterizar o conhecimento como uma ferramenta a serviço da vida e de perceber o que significam, para Nietzsche, a percepção, o conhecimento e a ciência. Com isso poderemos nos encarregar das críticas que Nietzsche dirige a noções como “eu”, “coisa em si” ou “verdade” e entender o que significa a proposta nietzschiana de perspectivismo. Finalmente, rastreando a importância que tem a memória para a concepção nietzschiana de conhecimento, poderemos propor uma leitura segundo a qual Nietzsche estaria invertendo a hierarquia estabelecida tradicionalmente entre esquecimento e memória,3 3 O tema do esquecimento, em Nietzsche, foi trabalhado em língua espanhola, porém raramente em termos epistemológicos. A importância do esquecimento e da memória foram suficientemente ponderados, em termos históricos, à luz da segunda extemporânea sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida e, em termos éticos, referenciando sobretudo a Genealogia da moral, especificamente aquelas passagens em que Nietzsche tematiza a capacidade de perdoar e de fazer promessas. Sobre considerações do esquecimento e da memória nestes sentidos, Cf. Gama (2007), Polivanoff, (2011), Vanioff (2015) e Guibert (2021). e elucidar em que sentido nos é possível falar de esquecimento como vontade de potência.4 4 O esquecimento como vontade de potência foi tematizado, ainda que em termos ontológicos e desde a reflexão heideggeriana, por Pilar Gilardi. Cf. Gilardi (2019).

A proposta do presente artigo é a de que a epistemologia nietzschiana se configura em torno da reflexão sobre o princípio da economia como um de seus núcleos fundamentais, e que Nietzsche, ao elaborar sua “teoria do conhecimento”, se é que se pode dizer que tal coisa exista em Nietzsche,5 5 Segundo Rodríguez (2012, pp. 151 e 152): “Considerando que essa subversão semântica da verdade - subversão que supõe a valiosa confusão entre conhecimento e arte que paradoxalmente nos esclareceria sobre a verdadeira natureza do conhecer -, caberia dizer que talvez não se pudesse falar, no que diz respeito ao filósofo alemão, de uma epistemologia em sentido pleno com o sentido clássico, moderno e atual do termo (...). Pode-se até dizer que o que encontramos em Nietzsche, visto dessa perspectiva, é a destruição da epistemologia ou da tradição epistemológica ocidental. Ou mesmo uma autêntica impugnação do significado tradicional do conhecimento”. recolhe e reelabora formulações do referido princípio que o antecedem.6 6 Propomos aqui, portanto, uma genealogia da epistemologia nietzschiana alternativa àquela que assinala como seus antecedentes diretos as críticas do conhecimento elaboradas sobretudo por Kant e Lange. Não obstante, ainda que alternativa, essa genealogia é respeitosa e plenamente compatível com essa análise que, ao meu entender, explica bem o aspecto fundamental da crítica do conhecimento realizada por Nietzsche. Uma genealogia desse tipo foi reconstituída detalhadamente por George J. Stack em seu livro Lange and Nietzsche (1983), e ainda mais especificamente em seu artigo “Kant, Lange and Nietzsche: critique of knowledge” (1991, pp. 30-58). Por sua vez, essa genealogia é garantida pelo minucioso trabalho de Thomas H. Brobjer que se encarregou de precisar em detalhe os títulos que Nietzsche leu em sua exata cronologia. Cf. Brobjer (2016, pp. 21-50). Nesse sentido, o primeiro autor com o qual é interessante comparar a proposta de Nietzsche é Herbert Spencer. Spencer tem uma relevância especial na obra de Nietzsche. Não apenas porque muitas de suas obras ainda estão preservadas em sua biblioteca com abundantes sublinhados e anotações7 7 Thomas H. Brobjer chamou atenção para a influência de Spencer sobre Nietzsche destacando a compra de alguns de seus volumes, bem como a abundância de anotações e sublinhados nos volumes que ainda se encontram preservados em sua biblioteca. Cf. Brobjer, (2016, p. 37). , mas também porque ele é um dos poucos autores que Nietzsche cita explicitamente em muitas ocasiões. Este evolucionista pré-darwiniano é um dos primeiros a entender o conhecimento como um produto natural que deve ser explicado com leis naturais por se tratar de um órgão mais desenvolvido no processo evolutivo. Na obra de Spencer, mas também na de Nietzsche, o conhecimento é concebido à luz da evolução e do desenvolvimento orgânico da vida. As semelhanças entre os dois autores, no entanto, não vão muito além disso. O modo como Spencer concebe a evolução introduz em seu raciocínio algumas características que serão inaceitáveis para Nietzsche e que estabelecem claramente os pontos de divergência entre as duas propostas. O naturalismo rudimentar de Spencer tenta explicar com as mesmas leis processos tão diferentes como a formação do sistema solar e a das sociedades modernas, passando, claro, pela aquisição e estruturação do conhecimento e da ciência. Todos esses processos são explicados por um simples processo de especialização unidirecional desde estados homogêneos até estados heterogêneos em uma continuidade monista e insuperável. O que é interessante para a nossa argumentação é que o princípio fundamental que rege esse processo não é outro senão o princípio da economia. Spencer teria tomado uma ideia existente na física e na teologia de sua época, cuja origem remonta à lex parsimoniae, conhecida como “navalha de Ockham”, que viria a postular que as mudanças acontecem sempre com o menor gasto de energia possível, isto é, da forma mais simples. Ele argumenta que, se os processos que têm lugar no mundo ocorrem desencadeando a menor mudança possível e o conhecimento é um processo evolutivo, então o conhecimento também é moldado de forma econômica. O filósofo polonês Leszek Kolakowski estudou bem essa questão em seu tratado sobre a filosofia positivista e definiu o princípio da economia aplicado à epistemologia da seguinte forma: “Quando novos elementos, quaisquer que sejam eles, nos são dados na experiência, a mudança que se produz na consciência para assimilá-los é a menor possível na situação dada” (Kolakowski, 1979KOLAKOWSKI, L. La filosofía positivista. Ciencia y filosofía. Madrid: Cátedra, 1979., p. 143). Esse princípio de economia não está presente apenas em Spencer, mas em muitos outros filósofos e cientistas naturalistas do século XIX. É também o princípio fundamental que deu origem ao empiriocriticismo fundado por Richard Avenarius e Enst Mach e, como veremos, também tem seu correlato na epistemologia nietzschiana, especificamente na reformulação das categorias de memória e esquecimento. Um dos filósofos que popularizou na Alemanha a aplicação do princípio de economia na epistemologia foi Friedrich Herbart. Para Herbart, o ato perceptivo e cognitivo ocorre sempre quando dois elementos entram em relação. Seguindo a sua terminologia, o primeiro elemento a considerar no ato cognitivo é a “massa aperceptiva”, que vem a ser o conjunto de conhecimento prévio ao ato perceptivo ou cognitivo e que seria formado pelas percepções anteriores depositadas em nossa memória de forma coerente. O segundo elemento dessa relação é a “apercepção”, ou seja, aqueles elementos novos captados do meio. Para Herbart, também para os empiriocriticistas e, como veremos, também Nietzsche, os elementos captados na apercepção nunca são conhecidos em si mesmos, mas somente quando estabelecem relação com a “massa aperceptiva” e, respeitando o princípio de economia, desencadeando nela as mínimas mudanças possíveis.

O que é realmente interessante nesse modelo epistemológico é que ele designa como elemento ativo não o ato da percepção, mas a massa aperceptiva que se encarrega de selecionar e traduzir a percepção para relacioná-la ao conjunto de representações já fixadas. É interessante retraduzir a epistemologia nietzschiana para esses termos porque nos permite compreender melhor o papel ativo da memória em sua filosofia. Situar a atividade na “massa aperceptiva” permite explicar o fato de constatarmos regularidades, constâncias e identidades em um mundo que não as tem. Normalmente, o princípio da economia, na consideração tanto dos autores empiriocriticistas quanto de Nietzsche, é levado em conta apenas de modo superficial para ilustrar a evolução das ciências ou para descrever de maneira ampla a epistemologia desses autores. No entanto, é esse deslocamento no locus da atividade cognitiva que permitirá, a meu ver, a formulação da hipótese da vontade de potência no seio da epistemologia nietzschiana. Nos fragmentos póstumosNIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos póstumos, Volumen II. Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2008. sobre epistemologia que escreve para sua obra inacabada sobre a vontade de potência, Nietzsche teoriza o ato de conhecimento sempre nesses termos. Para Nietzsche, “‘conhecer’ é um referir retrospectivo” (Nachlass/FP 1885NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos póstumos, Volumen III. Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2010., 2 [132], KSA 12.133NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).8 8 As traduções das citações de Nietzsche foram feitas a partir dos diferentes volumes das versões espanholas utilizadas pelo autor, publicadas pela Tecnos, Madri, e traduzidas por Diego Sánchez Mecaet al, ou ainda pelas traduções brasileiras de Rubens Rodrigues Torres Filho (doravante RRTF), que serão sempre destacadas. No caso das citações dos comentadores, traduziu-se a partir da versão utilizada pelo autor do texto. Todas as obras estão indicadas nas referências. Conhecer algo é o mesmo ato de abraçar o novo com o velho.

Do mesmo modo que ao surgimento da aritmética deve ter precedido um longo exercício e preparação na visão igualadora, no querer tomar por igual, no colocar casos idênticos e no “contar”, o mesmo ocorre à dedução lógica. O juízo é originariamente algo mais que a crença “isto e isto é verdadeiro”, é, antes de mais nada: “quero que seja verdadeiro assim e assim!” O instinto da assimilação, aquela função orgânica fundamental na qual se baseia todo crescimento, se adapta também interiormente ao que se apropria do entorno: a vontade de potência funciona neste abarcar o novo sob as formas do velho, o já vivido, o todavia-vivo na memória: e nós o chamamos então - “compreender”! (Nachlass/FP 1885, 40[7], KSA 11. 631NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

A aplicação do princípio da economia à teoria do conhecimento tem como uma de suas consequências mais rudimentares o coerentismo ou holismo epistemológico, cujas derivações podem ser rastreadas, na filosofia da ciência, até as obras de Pierre Duhem, Thomas Kuhn ou Willard Van Orman Quine. A impossibilidade de conhecer os fatos puros e o modo segundo o qual toda percepção dos fatos já envolve neles a introdução de teoria é um dos primeiros corolários desse giro epistemológico. Não obstante, Nietzsche não se debruça sobre as consequências mais óbvias desse giro. Como dissemos, podemos seguir a reflexão de Nietzsche por meio da comparação de seus textos com os de seus contemporâneos. Encontramos uma forma de holismo epistemológico em First Principles of a new system of philosophy, uma das obras fundamentais de Spencer:

Cada pensamento envolve todo um sistema de pensamentos e deixa de existir se for separado de seus correspondentes. (...) Uma inteligência já desenvolvida só pode elevar-se acima dos materiais amorfos da consciência mediante um processo que, ao definir os pensamentos, também os torna mutuamente dependentes, estabelecendo entre eles certas conexões vitais cuja destruição causaria a destruição instantânea desses pensamentos. (…) Todo pensamento envolve a ideia de semelhança: nenhuma coisa pode ser concebida abertamente como única, mas deve ser conhecida apenas como sendo de tal ou qual espécie, como sendo classificada juntamente com outras coisas em virtude de seus atributos comuns. (...) Em que sentido é possível, então, estabelecer a Filosofia? A inteligência desenvolvida está marcada por certas concepções organizadas e consolidadas das quais não pode ser despojada e sem o uso das quais não pode se mover mais do que um corpo poderia se mover sem a ajuda de seus membros. De que maneira, então, a inteligência, esforçando-se para filosofar, poderia dar conta de suas concepções e mostrar sua validade ou invalidade? Só há uma forma: devem se assumir como provisoriamente verdadeiras aquelas concepções que, ou bem são vitais, ou bem não podem ser separadas das demais sem provocar a dissolução mental. As intuições fundamentais que são essenciais no processo do pensamento devem ser temporariamente aceitas como inquestionáveis, deixando aos resultados a tarefa de justificar a sua inquestionabilidade (Spencer, 1876SPENCER, H. First Principles of a new system of philosophy. New York: D. Appleton and Co., 1876., pp. 135-138).

Comparem-se as semelhanças e divergências entre o raciocínio de Spencer e o que colocamos a seguir de Nietzsche e serão notadas as diferentes conclusões que um e outro extraem de um modelo epistemológico que funciona segundo o princípio da economia. Nietzsche, muito menos otimista que Spencer no que se refere ao conhecimento e à ciência, coloca um sugestivo “mas” no centro de sua reflexão. Em um fragmento póstumo de 1888, Nietzsche escreve:

Toda a “experiência interior” repousa no fato de que, para uma excitação dos centros nervosos, uma causa é procurada e representada - e que só então a causa encontrada entra na consciência: esta causa não é de modo algum adequada à causa real - ela é uma sondagem baseada em “experiências interiores” previamente adquiridas - isto é, baseada na memória. Mas a memória também preserva as rotinas da antiga interpretação, isto é, suas causalidades errôneas... de modo que a "experiência interior" ainda há de levar consigo as conseqüências de todas as falsas ficções causais precedentes. (Nachlass/FP 1888, 15[90], KSA 13.458NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

A título de comparação, podemos supor que a objeção de Nietzsche a Spencer se referiria à sua concepção de ciência como um processo de simplificação sistemática do conhecimento. Embora seja verdade que para Spencer não é possível um conhecimento científico exato da realidade (diga-se de passagem, porque essa é uma experiência reservada à religião), a experiência científica do mundo, como generalização de nossas experiências, acaba sendo uma e a mesma para todos. Enquanto Spencer estaria disposto a aceitar “como provisoriamente verdadeiras aquelas concepções que, ou bem são vitais, ou bem não podem ser separadas das demais sem causar dissolução mental” esperando por uma ulterior confirmação científica, para Nietzsche tal esperança é vã, já que “a memória também preserva as rotinas da antiga interpretação, isto é, suas causalidades errôneas”. Nietzsche confronta Spencer diretamente neste ponto, talvez sem prestar muita atenção ao fato de que o autor inglês não aceita, sem mais, aquelas ideias que não podem contradizer-se, mas que o faz “provisoriamente”. Justamente essa palavra apareceria no original em inglês, e assim a respeitamos, destacada em itálico. Em um fragmento póstumo intitulado precisamente “A vontade de potência como conhecimento”, Nietzsche critica a posição de Spencer como “ingênua”:

A imperiosa necessidade subjetiva de não poder contradizer neste ponto é uma necessidade biológica: carregamos em nosso corpo o instinto da utilidade do raciocínio tal como raciocinamos, nós somos um pouco mais ou menos esse instinto... Mas que ingenuidade, extrair daí a prova que possuímos por isso mesmo uma ‘verdade em si’... O não-poder-contradizer demonstra uma incapacidade, não uma “verdade”. (Nachlass/FP 1888, 14[152], KSA 13.333NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

Poderia restar dúvidas de que aqui Nietzsche estivesse confrontando diretamente com Spencer, não fosse o fato de que apenas algumas páginas antes, em seu caderno, ele tenha pretendido ridicularizar sua posição inscrevendo-a, hipoteticamente, na fachada de um manicômio.

Inscrições na fachada de um manicômio moderno. (…) A definitiva comprovação da verdade de uma proposição é a impossibilidade de compreender a sua negação. Herbert Spencer. (NF/FP 1888, 14[48], KSA 13.242NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

Sem dúvida, já não é mais possível atribuir essas ingenuidades ao próximo autor com o qual seria conveniente comparar a proposta de Nietzsche, Ernst Mach, cuja proximidade é espantosa. É surpreendente porque, embora saibamos que ambos acabaram conhecendo a obra um do outro, não é de todo claro que nenhum deles teria sido influenciado de modo significativo pelas obras de seu contemporâneo. Essas semelhanças, tanto em seus pensamentos quanto na cronologia de seus desenvolvimentos, levaram vários especialistas a debaterem sobre se os dois autores puderam ler-se mutuamente antes de conceber o essencial de suas formulações. Assim, por exemplo, a partir de uma anotação de 1882, Thomas H. Brobjer9 9 Cf. Brobjer, (2016 p. 43 e ss). observou que Nietzsche pretendia ler a palestra de Mach de 1872, Die Geschichte und die Wurzel des Satzes von der Erhaltung des Arbeit (História e fundamentos do princípio de conservação de energia). Além disso, traz também o depoimento de Max Oehler, segundo o qual Nietzsche teria lido textos de Ernst Mach em uma biblioteca pública de Zurique em 1884. Por fim, como se sabe, por volta de 1886 ou 1887, Nietzsche compraria a famosa obra de Mach, Uma análise das sensações, publicada na época e que se conservaria sublinhada em sua biblioteca. Brobjer observa também quão problemáticas são as críticas de Nietzsche aos positivistas críticos, levando em conta que o próprio Nietzsche teria se dado ao trabalho de enviar um exemplar de Genealogia da Moral a Mach em novembro de 1887, à qual ele teria respondido enviando-lhe, por sua vez, um exemplar com dedicatória de um de seus artigos publicados naquele ano.

Por outro lado, tanto Pietro Gori quanto Naddem J.Z. Hussain notaram que, "tanto a visão de Mach quanto outras semelhantes estavam no ar cedo o suficiente para influenciar Nietzsche". Na verdade, Gori, apoiando-se de forma convincente em referências comuns a ambos os autores, argumentou que:

Ainda que, de fato, algumas posições de Nietzsche em matéria de epistemologia sejam parecidas às ideias de Mach, o estudo fisiológico de seus escritos e, em particular, a cronologia das referências textuais não permitem convalidar uma influência direta. Pessoalmente, em vez de sustentar - como tem sido feito recentemente - que Nietzsche pode ter acolhido algumas das posições de Mach, que seguramente circulavam desde 1872, considero preferível admitir que os dois autores fizeram referência a fontes comuns (GORI, 2011GORI, P., Nietzsche, Mach y la metafísica del yo. En: Estudios Nietzsche, No.11, 2011., p. 101).

Seja como for, devido a esses surpreendentes paralelismos, o caso da epistemologia de Ernst Mach fornece um pano de fundo apropriado para estabelecer a comparação com a de Nietzsche e apreciar em que sentido a hipótese da vontade de potência modula a epistemologia crítica do século XIX nas mãos de Nietzsche. Mach teria assumido totalmente o giro evolucionista de Spencer e tirado mais algumas consequências do princípio da economia. Efetivamente, para Mach, o princípio de economia não descreve somente o funcionamento da ciência, mas também, e de modo mais originário, a relação de um sujeito com o seu entorno. A ciência, como contínua correção de representações, é uma deriva especializada de nossa vida psíquica normal e, como tal, um aspecto do nosso desenvolvimento orgânico.10 10 Uma análise exaustiva das implicações do princípio de economia na obra de Mach pode ser encontrada em Gori (2011 pp. 15-37). Muito mais próximo da visão perspectivista e desencantada da ciência de Nietzsche, para o físico alemão, o conhecimento já não é mais um estágio conjunto e objetivo do qual nos aproximamos historicamente. Assim como para Nietzsche, todas as nossas afirmações sobre o mundo são feitas com base em experiências prévias falsificadas e, portanto, sua validade é sempre transitória. Nessa linha, a estabilidade do conhecimento aparece como uma ferramenta biológica falível e não como um estágio para o qual tendemos inexoravelmente. Para ambos os autores, a constância, a identidade e a estabilidade que encontramos no mundo são geradas repetidamente pela memória e sustentadas pela linguagem. Esse processo contínuo de estabilização artificial produziria categorias que mais tarde teríamos hipostasiado conferindo-lhes uma realidade substantiva. Nesse sentido, as críticas que Mach e Nietzsche dedicam a noções como “coisa em si”, “eu” ou “átomo” partem das mesmas intuições e se expressam no mesmo sentido. Certamente, como apontaram alguns especialistas, a semelhança dessas críticas de Mach e Nietzsche, sobretudo, com a noção de "coisa em si" é suficientemente explicável tendo em vista a preponderância das teses neokantianas no campo das ciências e a filosofia da segunda metade do século XIX na Alemanha.11 11 Extremamente interessante é a crítica de Lichtenberg à noção de "eu" como uma referência que Mach e Nietzsche teriam em comum, como apontou Pietro Gori. A citação de Lichtenberg que Mach teria usado em Análise das Sensações e que evidentemente está por trás do famoso aforismo 17 de Para além de bem e mal é a seguinte: “Tomamos consciência de certas representações que não dependem de nós; outras, pelo contrário, ao menos acreditamos, dependem de nós; onde está a linha de demarcação? Conhecemos apenas a existência de nossas sensações, representações e pensamentos. O pensamento deveria ser considerado de forma igualmente impessoal tal como o lampejo (deveria-se dizer “pensa-se” como se diz “relampeja”). Dizer “cogito” já é demais quando se traduz por “eu penso”. Assumir o eu, postulá-lo, é uma necessidade prática” (Lichtenberg apudGori, 2011, pp. 104 -105). Seria difícil discernir sem aparato crítico a origem desses dois fragmentos que correspondem, respectivamente, a Ernst Mach e Friedrich Nietzsche:

O hábito prático de designar com um nome o estável e de reunir em um conceito sem análise especial as partes constitutivas, pode levar a uma contradição característica com o intento de isolar essas partes constitutivas. (...) Como cada uma dessas partes pode ser suprimida sem que a imagem deixe de representar o conjunto, podendo este ser sempre reconhecido, acredita-se que tudo poderia ser suprimido e ainda assim algo permaneceria. Assim nasce naturalmente o conceito de uma coisa em si (reconhecida como distinta de sua aparência) (Mach, 1925MACH, E. Análisis de las sensaciones. Madrid: D. Jorro, 1925. , pp. 5-6).

A “coisa em si” é um contrassenso. Se separo com o pensamento todas as relações, todas as “propriedades”, todas as “atividades” de uma coisa, não fica como resto a coisa: porque só acrescentamos a coisidade ficticiamente, por necessidades lógicas, ou seja, com o fim de designar, de se entender, não - - - (para ligar essa multiplicidade de relaç(ões), proprieddes, atividades) (Nachlass/FP 1887, 10[202], KSA 12.580NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Levando em conta essas semelhanças, restaria agora o trabalho de especificar a contribuição original de Nietzsche em questões epistemológicas. Compartilhando essas análises até certo ponto, por que Nietzsche se mostra tão crítico com a epistemologia evolucionista de sua época? A originalidade de Nietzsche nesse ponto tem a ver com sua introdução, sem sair do plano de imanência, de uma nova força que se combina com a força equalizadora e estabilizadora do conhecimento descrita, entre outros, pelos empiriocriticistas. Para Nietzsche, sob essa vontade de equalização, abstração e estabilização, que difere, como vimos, de uma vontade de verdade, opera uma vontade muito mais importante. Uma vontade que já não é a da equalização e que não se explica apenas com o princípio da economia. Sob essa vontade, apesar de seu componente evolucionista, ainda tão pouco orgânico, tão maquínico, opera uma vontade de potência. Isto é, que a equalização e o ajuste econômico da percepção e o conhecimento não se dão sem motivo, seguindo uma teleologia cega a partir da qual a ciência acaba por subsumir tudo em uma lei universal, mas que a equalização e a abstração têm como objetivo último o controle, a capacidade de operar, de afetar e ser afetado e, em última análise, de poder. A simplificação e falsificação que opera no ato cognitivo não pode ser bem compreendida se não for levado em conta que o seu fim último é a introdução de uma valoração interessada. Esta é a grande diferença que separa Nietzsche do resto dos autores mencionados e que se torna verdadeiramente produtiva quando Nietzsche, até o final de sua vida, reconsidera a epistemologia à luz de sua hipótese da vontade de potência. Como afirmou Óscar Quejido:

Nietzsche compreende, a esta altura de sua obra, que esta expressão de um “querer que seja verdadeiro”, esse “artigo de fé regulativo” responde na realidade, como qualquer outro querer, à manifestação de uma vontade de potência, que não responde a uma vontade de verdade, mas a uma vontade de equalização: uma redução, uma “abreviação”, que conclui com a geração de conceitos ou categorias, e que responde a uma operação fisiológica de simplificação e, portanto, de valoração - de hierarquização - por meio da qual os poderosos estabelecem e determinam, como estamos vendo, o valor dos valores (Quejido, 2016QUEJIDO, O. La construcción relacional de la subjetividad en Nietzsche: hacia nuevas perspectivas políticas. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2016, p. 97).

A operação aqui realizada por Nietzsche é, portanto, muito mais concreta e direcionada do que a intuição spenceriana. O ato cognitivo já não é meramente um ato mecânico da natureza, mas é uma vontade forte que gera esse conhecimento como condição de possibilidade para a ação. A reformulação epistemológica de Nietzsche pode ser resumida da seguinte forma: “o juízo é originalmente algo mais do que a crença ‘isso e isso é verdadeiro’, é, antes de tudo: ‘eu quero que seja verdadeiro justamente assim e assim’” (Nachlass/FP 1885, 40[7], KSA 11.631NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.). Portanto, para Nietzsche, não é possível pensar o conhecimento sem que se envolva a vontade de potência. O conhecimento já não consiste numa adequação à realidade, mas sim numa ficção interessada que uma vontade é capaz de impor violentando o equilíbrio no qual vive.

O conhecimento trabalha como um instrumento do poder. Assim, cai sob seu próprio peso que crescerá com cada vez mais poder (...) É a utilidade da conservação, não uma necessidade teórico-abstrata qualquer, que se encontra como motivo por detrás da evolução dos órgãos do conhecimento ( ... ) A medida do querer-conhecer depende da medida do crescimento da vontade de potência da espécie: uma espécie capta tanta realidade quanto tem capacidades para dominá-la, para colocá-la a seu serviço”. (Nachlass/FP 1888, 14[122], KSA 13.301NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

Aqui a cronologia dos acontecimentos revela-se importante. Diz-se que “o conhecimento (...) crescerá com cada vez mais poder” e não o contrário, como a filosofia ocidental, coagida pelo projeto iluminista, tradicionalmente entendeu. A vontade não espera pacientemente a descoberta de uma realidade para agir, é ela mesma que introduz, mediante o conhecimento, o próprio fundamento sobre o qual prevê sua ação. Em sentido estrito, ato cognitivo e ato volitivo não são processos diferentes, mas interpretações em diferentes registros do mesmo processo. O que se pode dizer então não é que Nietzsche introduziu uma nova dimensão na epistemologia, mas que, a rigor, unificou, sob a interpretação da vontade de potência, duas dimensões que permaneciam estagnadas. Portanto, o que se apresenta deslocado com a introdução dessa nova força na epistemologia é a relação tradicional que se havia estabelecido entre conhecimento e interesse, ou entre conhecimento e conservação, em prol de uma relação mais rica e explicativa entre o conhecimento e o crescimento do poder. Por certo, Nietzsche vai além da simples negação da possibilidade do conhecimento pelo conhecimento, da contemplação filosófica como algo que tenha sentido em si mesmo, mas tampouco é a mera utilidade o que mobiliza a intelecção. Ainda que não seja uma verdade desprezível, esta não constitui, na realidade, o fundo da questão. Não se trata, portanto, de conservar-se, mas de aumentar a capacidade de afetar e ser afetado, de se espalhar, de crescer na vida e nos afetos. Como se sabe, esta é a razão pela qual Nietzsche se posiciona mais ao lado de Lamark do que de Darwin em questões evolucionistas. Em Para além de bem e mal, Nietzsche dirigiria essa crítica aos fisiologistas de seu contexto intelectual:

Os fisiólogos deveriam pensar duas vezes antes de definir a pulsão de autoconservação como pulsão cardinal de um ser orgânico. Antes de mais nada, algo vivo quer descarregar a sua força - a vida mesma é vontade de potência -: a autoconservação é só uma das consequências indiretas e mais habituais disso. - Em suma, aqui, como em todas partes, cuidemo-nos de princípios teleológicos supérfluos! - tal como o é uma pulsão de autoconservação (nós a devemos à inconsequência de Espinosa). Assim pede o método, que deve ser essencialmente economia de princípios (JGB/BM, 13, KSA 5.27NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Podemos ainda nos perguntar, o que é que permite a Nietzsche estar em condições de reformular desse modo as teses evolucionistas e empiriocriticistas de seu tempo e assim se diferenciar de seus contemporâneos? Uma breve comparação com textos anteriores nos ensina que, embora seja verdade que a hipótese da vontade de potência é formulada no final da produção nietzschiana, os fundamentos dessa concepção já estão lançados desde muito cedo. Esses fundamentos aparecem por volta de 1873 quando, após a publicação de O nascimento da tragédia, Nietzsche opera um giro em sua epistemologia deixando para trás os vestígios metafísicos que impregnavam a sua primeira obra. No conhecido texto daquele ano, Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, Nietzsche escreveu:

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tomaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (WL/VM I, KSA 1.875NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)12 12 Tradução de RRTF.

Lendo este fragmento e o texto em geral, estamos convencidos de que, embora ainda não explicitamente, a concepção nietzschiana de linguagem e conhecimento é concebida desde muito cedo em termos da produção de uma vontade própria, de um ato puramente criativo que serve como ferramenta de domínio. Após as críticas recebidas por O nascimento da tragédia, Nietzsche se distanciou do modelo segundo o qual a música pode representar o “uno primordial”, a realidade dionisíaca, passando a pensar todas as produções culturais à luz da arte de uma forma totalmente distinta. Nesse momento, em que Nietzsche prepara seus cursos de retórica para a Universidade da Basiléia, ele fica tocado por um livro que lhe faz mudar completamente de perspectiva e cujo título é bastante revelador: Die Sprache als Kunst (A linguagem como arte), de Gustav GerberGERBER, G. Die Sprache als Kunst. Bromberg: Mittlershce Buchhandlung, 1973.. A partir desse momento, toda linguagem, toda forma de comunicação e, com ela, toda produção cultural em sentido amplo passa a ser compreendidas por Nietzsche sob o esquema do artístico. O que nos interessa reter deste giro operado em 1873 é que Nietzsche não aborda a indagação epistemológica a partir da ótica científica, como fizeram aqueles outros pensadores com os quais o comparamos. Nietzsche não se aproxima da reflexão naturalista buscando encontrar, como eles, os fundamentos biológicos da ciência e do conhecimento, mas o faz pensando no fenômeno artístico, efetivamente a música e a linguagem, e, portanto, não precisa conceber o conhecimento como a gradual conformação ou adaptação da vida psíquica ao mundo real, que seria o objetivo da ciência. Suas considerações sobre a ciência viriam apenas em um segundo momento e como extensão de suas considerações sobre o fenômeno artístico. Vale ressaltar que a outra obra que indubitavelmente se encontra por trás da mudança de paradigma que pode ser vista comparando O nascimento da tragédia e Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral é a obra de Friedrich Albert Lange, História do MaterialismoLANGE, F., A. Historia del materialismo (VOL. I y II). Madrid: Daniel Jorro Editor, 1903, que Nietzsche conheceu e estudou profundamente desde sua publicação em 1865. Como comentou George J. StackSTACK, G. J. Kant, Lange and Nietzsche: critique of knowledge. En Nietzsche and Modern German Thought. London: Routledge, pp. 30-58, 1991. em sua monografia Lange and Nietzsche, “como filólogo, Nietzsche já estava familiarizado com a importância da interpretação para a compreensão de um texto. Mas foi Lange quem sugeriu a ele a universalidade da Auffassung ou Auslegung, sua importância para a vida, a sensação, o pensamento e o conhecimento.13 13 Stack (1983, p. 136). Traduzido a partir da versão do autor (N. do T.). De fato, Pietro Gori se encarregou de analisar de que modo, desde 1873 até o fim de sua vida, Nietzsche paulatinamente foi se desligando do vocabulário artístico que encontramos em todo o seu esplendor em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral substituindo-o por um vocabulário marcadamente evolucionista tomado, provavelmente, da leitura reiterada da obra de Lange. Pouco a pouco, categorias como “ficção” e “metáfora” teriam dado lugar à categoria “erro”, que se refere mais ao contexto científico que ao filológico.14 14 Cf. Gori (2009, pp. 40-55). De qualquer modo, a reflexão do Nietzsche maduro retém os traços essenciais que tinha em 1873. Todo conhecimento é uma agressão àquilo que nos cerca, dando-lhe uma forma determinada, omitindo o seu incessante devir. Todo conhecimento é um erro ou engano e toda vontade de conhecer é uma vontade de engano. Nietzsche procura dar conta, portanto, de que a pretensão de verdade última, a pretensão de um conhecimento como adequação é um erro e, além disso, uma interpretação paralisante e indesejável. Diante dessa vontade de verdade, Nietzsche opõe a vontade de engano como o movimento criativo de uma vontade de potência. Não há, como já dissemos, conhecimento sem vontade de potência.

É importante ter em mente esta reflexão nietzschiana para não retirar da sua filosofia consequências imprecisas que insistem em inscrever a sua epistemologia sob o registro da adequação. Tradicionalmente e acertadamente, a epistemologia nietzschiana é entendida como uma epistemologia centrada no erro. De acordo com essa explicação, como vimos, o conhecimento se resumiria num processo de simplificação com finalidades adaptativas e comunicativas e sem qualquer relação representacional com os estímulos originais. Essa forma de compreender a epistemologia de Nietzsche, aliás coerente e amparada por inúmeros pronunciamentos do autor, pode suscitar, no entanto, a ideia de que, sendo nossos conceitos uma abstração provisória, eles poderiam, se fosse o caso, conseguir descrever cada vez melhor a realidade externa. O pragmatismo do erro nietzschiano parecia trazer consigo a ideia de que é possível uma aproximação progressiva em direção à verdade sempre e quando uma percepção melhor e mais adequada do mundo resulte produtiva para o organismo que percebe. Longe disso, o que quero mostrar neste trabalho é que, no que diz respeito à epistemologia nietzschiana, o erro não é circunstancial, mas constitutivo, e que, se não se atentar para esse caráter central de sua epistemologia, não se entende bem as coordenadas a partir das quais Nietzsche pensa o surgimento do conhecimento sobre a terra. É crucial, portanto, entender a que se deve o errar que constitui o fundamento de sua epistemologia. Esse erro não se deve ao seu caráter convencionalista, pois com isso não exclui a possibilidade do conhecimento verdadeiro. Tampouco se deve, como outros sugeriram, estritamente à incapacidade circunstancial do ser humano para registrar a ampla gama de estímulos que lhe passa despercebida e para a qual outros seres vivos são sensíveis.15 15 Este motivo é sustentado, junto com outros e de forma subsidiária, como motivo da impossibilidade do conhecimento adequativo por J. Stack. Cf. Stack. (1983 p. 121 e 124). É concebível a ampliação de nossa capacidade de registrar esses estímulos mediante derivas evolutivas ou através da incorporação de tecnologia, o que, a rigor, não introduziria nenhuma mudança fundamental na epistemologia nietzschiana. Na realidade, o erro é constitutivo do conhecimento por sua própria estrutura e mecanismo de composição. Acredito que, para compreender melhor a proposta de Nietzsche e descartar estas pretensões injustificadas, é necessário não apenas atender ao resultado das indagações epistemológicas de Nietzsche, mas também às ferramentas conceituais que constituem seu raciocínio e lhe permitem dizer aquilo que diz. Sustento que uma das ferramentas conceituais fundamentais para construir sua epistemologia é o princípio da economia do pensamento tal como Nietzsche o reformula à luz da hipótese da vontade de potência. Que nos seja impossível conhecer verdadeiramente não é, como por vezes se apresenta, um dos resultados das reflexões epistemológicas de Nietzsche, mas sim um dos seus fundamentos. Isso pela simples razão de que a verdade é, segundo a filosofia de Nietzsche, uma ideia metafísica, mas, acima de tudo, um contrassenso. Uma reflexão sobre o papel que desempenha a memória, bem como o modo como ela se relaciona com a percepção e com o ato cognitivo na epistemologia de Nietzsche possibilita iluminar essa perspectiva.

Se, contra o positivismo, podemos dizer que não há fatos, mas apenas interpretações, é porque todo dado apresentado à percepção é registrado e compreendido em relação a uma memória, com um, recordemos, “contato baseado nas experiências interiores que se tiveram”. Não cabe, portanto, reformular a teoria do conhecimento nietzschiana para vê-la como uma aproximação progressiva da realidade. Nietzsche, reivindicando a posição de Schopenhauer, esclarece-a em uma nota póstuma da seguinte maneira: “a destruição de uma ilusão ainda não produz nenhuma verdade, mas apenas um fragmento a mais de ignorância, uma ampliação do nosso ‘espaço vazio’, um aumento de nosso próprio deserto”. (Nachlass/FP 1885, 35[47], KSA 11.533NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.)

Se levarmos a reformulação epistemológica nietzschiana às últimas consequências, a sentença “compreender a verdade” se converte, em sentido estrito, numa contradição. Compreender é sempre compreender algo limitado. É limitar um campo de possibilidades e fazer com que algo se encaixe nele. Ora, a verdade, compreendida sob os termos da adequação, é a expressão de um fato de forma ilimitada, não subtraída e não falseada. “Compreender a verdade” é, por definição, impossível. Mesmo admitindo que, em termos metafísicos, possa existir algo como a verdade, esse algo não pode reunir as condições necessárias para entrar em uma relação de compreensão. Em outras palavras: toda vez que algo é compreendido, esse algo, por definição, não é mais a verdade. O ato cognitivo ou perceptivo é, para usar a terminologia de Herbart, a relação entre a “apercepção” e a “massa aperceptiva”, a relação de um estímulo com o conjunto de nossa memória de uma forma não massivamente contraditória que segue o princípio de organização e modificação econômica. Por isso, tanto para Mach quanto para Nietzsche, conhecer algo “em si” é uma contradição em termos, uma vez que o “em si” se define justamente por ser algo incondicionado e não determinado pelo sujeito que conhece. Nas palavras de Nietzsche: se “conhecer é um referir retrospectivo” e conhecer a “verdade” ou o “em si” é conhecer algo sem referenciá-lo retrospectivamente, então esse tipo de conhecimento é impossível e impensável.

O que nos interessa captar desse raciocínio é o seguinte: se os elementos já captados que formam parte de nossas “massas aperceptivas” ou memória não nos fornecem um “conhecimento verdadeiro”, mas servem para captar coisas novas mediante a sua assimilação com elas, então esses elementos que constituem nossa memória atuam, a rigor, como limite. Não provocam em nós o efeito de uma positividade, mas de uma negatividade. Por isso, talvez, “a destruição de uma ilusão ainda não produz nenhuma verdade, mas apenas um fragmento a mais de ignorância, uma ampliação do nosso ‘espaço vazio’”. Desde já, essa noção de limite aplicada aos conhecimentos e percepções armazenados na memória é complexa, haja vista que é o limite mesmo o que possibilita toda experiência futura. A vida, para conhecer, precisa do limite. Por isso, afirma Nietzsche, é “o erro talvez a condição da observação em geral” (Nachlass/FP 1887, 7[1], KSA 12.247NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.). Seguindo esse raciocínio, se o conhecimento depositado na memória atua como limite, então é possível teorizar de forma positiva a força oposta da memória, essa que é responsável por dissipar e reorganizar os limites. O esquecimento deixa de ser entendido aqui como um estado negativo, como ausência pura de conhecimento, como um vazio no sistema de dados positivos. Pelo contrário, passa a ser entendido como uma força positiva que proporciona vantagens epistemológicas; um mecanismo eficiente de ação cognitiva. É possível, com Nietzsche, pensar o conhecimento e a memória como uma força limitadora que permite a apercepção, como uma força restritiva em relação à qual o esquecimento se torna uma força capacitadora, libertadora e regeneradora. Dessa perspectiva, o conhecimento não é um estado epistemológico positivo, mas negativo. É um estancamento ou desaceleração da virtual fluidez da percepção. Nesse sentido, Gilles Deleuze valorizou o jogo entre memória e esquecimento no pensamento de Nietzsche. Esquecer é, com efeito, como diz Deleuze, uma faculdade verdadeiramente positiva e necessária de todo organismo saudável. “Uma força ativa, distinta e delegada deve sustentar a consciência e reconstruir a cada instante o seu frescor, sua fluidez, seu elemento químico móvel e ligeiro. Essa faculdade ativa supraconsciente é a faculdade do esquecimento. O erro da filosofia consistiu em tratar o esquecimento como uma determinação negativa, sem descobrir seu caráter ativo e positivo” (Deleuze, 1998DELEUZE, G. Nietzsche y la filosofía. Barcelona: Anagrama, 1998., pp. 159-160).

No entanto, certas precauções devem ser tomadas quando se teoriza sobre o esquecimento no âmbito da epistemologia nietzschiana. Para Nietzsche, nada indica que exista o puro esquecimento, concebido, negativamente, como o apagamento de uma parcela do conhecimento ou da memória. Assim, em um fragmento póstumo, ele declara que “ainda não foi demonstrado que exista o esquecimento, mas apenas que certas coisas não vêm à mente quando queremos" (Nachlass/FP 1883, 12[1], KSA 10.383NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.). Entendido desta forma tradicional, o esquecimento não poderia ser explicado como uma força ativa que opera mudanças na memória. Justamente por isso, tem nos interessado apontar como fundamental para o giro epistemológico operado pelo princípio da economia o fato de a atividade, no ato cognitivo, ter se deslocado do terreno da “apercepção” para o da dinâmica das “massas aperceptivas”. Tampouco essa concepção negativa do esquecimento teria em conta que a modificação crucial que o ato cognitivo ou perceptivo tem sobre nossa memória não é a inclusão de um novo dado em sua conta, mas, mais fundamentalmente, uma reorganização econômica da memória de tal modo que um novo “fato” pode ser acolhido e interpretado de uma forma que satisfaça a vontade que conhece. De acordo com esse raciocínio, que é sem dúvida uma versão do holismo epistemológico, o que se introduz na memória quando se conhece não é apenas uma coisa que pode ou não vir à mente quando intentamos recordá-la, mas se introduz uma modificação nas relações dos elementos da memória entre si. É por isso que Nietzsche pode dizer que o fato de algo não vir à mente não demonstra a existência do esquecimento. Os elementos que constituem a memória se preservam nela junto com as modificações que sua recepção exigiu independentemente de que tenhamos um acesso consciente a eles. Nietzsche, distanciando-se da consideração do esquecimento tradicionalmente entendido, fala antes de uma espécie de “digestão do vivido”: “Em todo juízo sensorial atua toda a pré-história orgânica: “isto é verde”, por exemplo, A memória no instinto, como uma espécie de abstração e simplificação, comparável ao processo lógico: o mais importante foi continuamente sublinhado, mas os traços mais fracos também permaneceram. No reino orgânico não há esquecimento; mas sim uma espécie de digestão do vivido” (Nachlass/FP 1885, 34[167], KSA 11.476NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Portanto, quando falamos de esquecimento, em Nietzsche, falamos, metaforicamente, de uma capacidade orgânica para reinterpretar e reordenar o reino da memória, modificando-a de modo que uma nova interpretação possa se acomodar e um ato valorativo concreto possa se produzir. Esse rearranjo pode ser pensado com precisão através do princípio de economia, e a reflexão de Nietzsche ao tratar desse assunto, como temos visto, sem dúvida faz uso dele. Não obstante, o próprio Nietzsche teria se pronunciado contrário ao uso que fazem os epistemólogos de sua época do princípio de economia. O parágrafo 14 de Para além de bem e mal considera estúpido o empiriocriticismo16 16 Efetivamente, ao falar neste fragmento da “menor força possível”, Nietzsche parece estar citando o título da obra de Richard Avenarius Philosophie als Denken der Welt gemäss dem Princip des kleinsten Kraftmasses (A filosofia como pensamento do mundo segundo o princípio da menor força possível). Como apontou Thomas H. Brobjer, Nietzsche havia extraído passagens dessa obra e as teria discutido em seus cadernos de notas em 1883 e 1884, dois anos antes da publicação de Para além de bem e mal. Cf. Brobjer (2016, p. 42). e o seu princípio da “menor força possível”:

Havia, nessa subjugação e nessa interpretação do mundo à maneira de Platão, um tipo de gozo distinto daquele que nos oferecem os físicos contemporâneos, assim como os darwinistas e antiteleólogos entre os trabalhadores da fisiologia, com seu princípio da “menor força possível” e da maior das estupidezes possíveis. “Ali onde o homem não tem mais nada para ver, nada para agarrar, ele também não tem nada para buscar” - este é certamente um imperativo diferente do platônico, mas para uma estirpe rude e trabalhadora de maquinistas e construtores de pontes do futuro que deve realizar um sem-número de trabalhos grosseiros, ​​pode bem ser o imperativo adequado (JGB/BM, 14, KSA 5.28NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Nesta passagem, Nietzsche desqualifica o princípio da menor força possível desses fisiologistas, mas, ao mesmo tempo, parece aceitá-lo como um trabalho necessário para lançar pontes para o futuro. No parágrafo seguinte, o 15, ele discute de forma um tanto confusa o valor heurístico do sensualismo desses “trabalhadores da fisiologia”. “Para praticar a fisiologia com boa consciência, é preciso insistir no fato de que os órgãos sensoriais não são fenômenos no sentido da filosofia idealista: pois, como tais, não poderiam ser considerados como causas! Portanto, o sensualismo entendido pelo menos como uma hipótese reguladora, senão como princípio heurístico” (JGB/BM, 15, KSA 5.29NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Nadeen J.Z. Hussain realizou uma explicação detalhada desse aforismo, lembrando que o que Nietzsche está discutindo aqui são as afirmações de Lange e tratou de esclarecê-lo por meio do trabalho do próprio Ernst Mach. Segundo ele, o que Nietzsche estaria interessado em contrapor com essa crítica é a diferença entre uma interpretação e uma explicação de processos fisiológicos como o do conhecimento que aqui nos ocupa.

Aqui, entendo, Nietzsche está falando por si mesmo, mas por si mesmo apenas o aceita como uma “hipótese reguladora, para não dizer como princípio heurístico” que guiará uma determinada interpretação do mundo em que uma interpretação do mundo deve ser contrastada com uma “explicação do mundo”. Este é o contraste sublinhado no precedente parágrafo 14 de Para além de bem e mal e, posteriormente, no 21. Aceitar um conjunto de afirmações, digamos as da física, como uma interpretação do mundo não é considerá-las como uma descrição literal da estrutura da realidade (Hussain, 2016HUSSAIN, J.Z.N. Reading Nietzsche through Ernst Mach. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 111-129, 2016., p.123).

De fato, nos aforismos que seguem ao 14 e 15 até o 21, a discussão de Nietzsche acompanha o fio do debate sobre a fisiologia dos órgãos perceptivos, as categorias de "eu pensante", bem como de “vontade não livre” e “vontade livre” até chegar ao final da seção, onde introduz a ideia de vontade de potência. O que podemos extrair disso é que Nietzsche não se posiciona frente ao princípio de economia do positivismo crítico em si mesmo, mas sim contra o uso, se assim se quer, mecanicista que esses autores lhe dão. O que a Nietzsche parece reprovável, então, seria aquele imperativo que ele lhes atribui, a saber: “Ali onde o homem não tem mais nada para ver, nada para agarrar, ele também não tem nada para buscar”. Na ausência daquela dimensão introduzida por Nietzsche a qual se refere a uma vontade que quer conhecer, o raciocínio desses autores só pode avançar recorrendo à ideia de “causa sui”. No aforismo 21 de Para além de bem e mal lemos:

A causa sui é a maior auto-contradição jamais imaginada, uma espécie de violação e aberração lógicas: no entanto, o orgulho desenfreado do ser humano acabou enredando-se de maneira profunda e terrível justamente nesse disparate. (...) Supondo que alguém se esquive da simplicidade camponesa desse famoso conceito de “vontade livre” e o apague de sua cabeça, então eu lhe peço agora para dar um passo adiante em sua “ilustração” e também apague a inversão daquele monstruoso conceito de “vontade livre”: refiro-me à “vontade não-livre”, que resulta num absurdo de causa e efeito. Não se deve coisificar equivocadamente “causa” e “efeito”, tal como fazem os investigadores da natureza (ou quem, assim como eles, pensam em termos naturalistas -) de acordo com a torpeza mecanicista dominante, que permite que a causa pressione e empurre até que se “produza um efeito”; deve-se usar “causa” e “efeito” apenas como puros conceitos, isto é, como ficções convencionais cuja finalidade é a designação, o entendimento, não a explicação. (...) A “vontade não-livre” é mitologia: na vida real é apenas uma questão de vontade forte ou fraca. (JGB/BM, 21, KSA 5.35NIETZSCHE, Friedrich. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA), 15 vols. (Organizada por Giorgio Colli e Mazzino Montinari), Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988.).

Como sustentar, então, o papel que esse princípio desempenha na epistemologia de Nietzsche? A diferença fundamental que distingue Nietzsche dos fisiologistas que ele critica se apoia no fato de que, para ele, aquilo que se quer acomodar à memória não é nunca um estímulo puro que advém da realidade em si, mas, como indicamos, um estado de coisas que uma vontade anela. O princípio da economia não trabalharia, então, de forma automática, mecânica, ao receber um determinado sujeito os dados da percepção. Talvez seja por isso que Nietzsche aponta que uma descrição da intelecção em termos de causa e efeito é apenas uma interpretação que podemos tomar como heurística, mas que, em nenhum caso, é uma explicação. Por isso, ao longo desses parágrafos de Para além de bem e mal, ele acusa esses fisiologistas de se servirem de modo implícito, mas irrestrito, da ideia de causa sui. Uma explicação autêntica desse processo seria aquela que Nietzsche oferece ao postular a vontade de potência. O princípio da economia do conhecimento não é uma mola que se aciona mecanicamente na presença de um estímulo puro. Esta é precisamente a abordagem que Nietzsche critica nos “investigadores da natureza” que não fazem nada além de “coisificar erroneamente a ‘causa’ e o ‘efeito’”. Tanto a ideia de uma vontade livre quanto a ideia de uma vontade não-livre “termina(m) em um abuso da causa e do efeito”. Devemos, portanto, chegar a uma explicação que não apenas introduza a dimensão da vontade de potência ou, melhor dizendo, como dissemos acima, que reúna um ato cognitivo e um ato volitivo num mesmo plano, mas que, além disso, reúna em um mesmo acontecimento os dois atos para não cair em um abuso injustificado de causa e efeito. O princípio da economia não determina, por si só, o que se conhece e o sentido em que se conhece. Isso é, antes de tudo, obra da vontade de potência. Tal princípio atua em nossa memória reorganizando-a para que uma vontade possa interpretar e para que essa interpretação que “se quer” se acomode na memória. Mais uma vez, devemos ter cuidado para não descrever um processo de dois estágios onde, a rigor, há apenas um. Quando dizemos que a memória se reorganizada economicamente “para” que a vontade conheça, essa “para” pode causar a sensação de que a reorganização da memória precede o ato pelo qual a vontade conhece, que só viria depois, tornada possível pelo ato anterior. Na verdade, ambas as descrições remetem ao mesmo gesto, aquele em que a vontade quer conhecer algo de uma determinada forma e aquele em que a memória é reorganizada. Essa reorganização não “possibilita” o conhecimento, mas “é” ela mesma o ato cognitivo. Evidentemente, a integração na memória de uma nova interpretação ocorre seguindo os princípios da coerência generalizada e da economia. Essa reorganização da memória, que significa a adoção de novas interpretações que permitem o crescimento do poder, é o que podemos chamar, com a devida licença literária, de “esquecimento”. O esquecimento é, portanto, o nome que damos àquela parte da vontade de potência que modifica e economiza a memória quando a vontade conhece. Desse modo, esquecimento e ato cognitivo se apresentam como as duas faces da mesma moeda, que é a do conhecimento como vontade de potência. No entanto, dado que aquilo que é, propriamente falando, ativo nesse processo não é “o conhecido”, mas sim o reordenamento da memória que é, na realidade, a intelecção, é legítimo falarmos, mais acertadamente, de esquecimento como vontade de potência.

Referências

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  • NIETZSCHE, Friedrich. Obras completas, Volumen IV Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2016.
  • POLIVANOFF, S. Historia, olvido y perdón Nietzsche y Ricoeur: apertura de la memoria y el olvido a la vida. En: Tábano, Argentina, Vol. 7, 2011. Disponible en: Disponible en: http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/revistas/historia-olvido-perdon-nietzsche-ricoeur.pdf [Fecha de consulta: 21/08/2022].
    » http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/revistas/historia-olvido-perdon-nietzsche-ricoeur.pdf
  • QUEJIDO, O. La construcción relacional de la subjetividad en Nietzsche: hacia nuevas perspectivas políticas Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2016
  • RODRÍGUEZ, M. Saber de las pulsiones. ¿Sería apropiado hablar de una epistemología nietzscheana? En: Estudios Nietzsche, Vol. 12, pp. 151 y 152, 2012.
  • SPENCER, H. First Principles of a new system of philosophy New York: D. Appleton and Co., 1876.
  • STACK, G. J. Lange and Nietzsche Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1983.
  • STACK, G. J. Kant, Lange and Nietzsche: critique of knowledge. En Nietzsche and Modern German Thought London: Routledge, pp. 30-58, 1991.
  • VANIOFF, K. Consideraciones sobre la memoria y el olvido en la filosofía de Friedrich Nietzsche. En: Nuevo Itinerario Revista Digital de Filosofía, Vol. 10, Argentina, 2015.
  • 1
    É particularmente notável o trabalho de Thomas H. Brobjer “Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview”, no qual o autor trata de especificar todas as leituras científicas de Nietzsche, assim como de assinalar a influência real sobre a sua obra. Cf. Brobjer (2016BROBJER, T., Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 21-50, 2016., pp. 21-50).
  • 2
    Um intento deste tipo já foi realizado com resultados muito satisfatórios por parte de Nadeem J.Z. Hussain em seu artigo “Reading Nietzsche through Ernst Mach” ao explicar a crítica de Nietzsche à metafísica e à epistemologia tradicional retraduzindo-a nos termos do mesmo monismo neutro machiano. Cf. J.Z. Hussain (2016HUSSAIN, J.Z.N. Reading Nietzsche through Ernst Mach. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 111-129, 2016., pp. 111-129).
  • 3
    O tema do esquecimento, em Nietzsche, foi trabalhado em língua espanhola, porém raramente em termos epistemológicos. A importância do esquecimento e da memória foram suficientemente ponderados, em termos históricos, à luz da segunda extemporânea sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida e, em termos éticos, referenciando sobretudo a Genealogia da moral, especificamente aquelas passagens em que Nietzsche tematiza a capacidade de perdoar e de fazer promessas. Sobre considerações do esquecimento e da memória nestes sentidos, Cf. Gama (2007GAMA, L. Historia, olvido y recuerdo en Hegel y Nietzsche. En: Areté Revista de Filosofía, Vol. XIX, No. 1, pp. 3-39, 2007), Polivanoff, (2011POLIVANOFF, S. Historia, olvido y perdón Nietzsche y Ricoeur: apertura de la memoria y el olvido a la vida. En: Tábano, Argentina, Vol. 7, 2011. Disponible en: Disponible en: http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repositorio/revistas/historia-olvido-perdon-nietzsche-ricoeur.pdf [Fecha de consulta: 21/08/2022].
    http://bibliotecadigital.uca.edu.ar/repo...
    ), Vanioff (2015VANIOFF, K. Consideraciones sobre la memoria y el olvido en la filosofía de Friedrich Nietzsche. En: Nuevo Itinerario Revista Digital de Filosofía, Vol. 10, Argentina, 2015.) e Guibert (2021GUIBERT, M. La transformación de la memoria en la Genealogía de la moral. Un acercamiento desde la mala conciencia en la religión. En: Anuario Filosófico, 54/1, pp. 41-60, 2021.).
  • 4
    O esquecimento como vontade de potência foi tematizado, ainda que em termos ontológicos e desde a reflexão heideggeriana, por Pilar Gilardi. Cf. Gilardi (2019GILARDI, P. De la utilidad del olvido para la vida. En: Éndoxa Series Filosóficas, 2019. doi:10.5944/endoxa.43.2019.19807.
    https://doi.org/10.5944/endoxa.43.2019.1...
    ).
  • 5
    Segundo Rodríguez (2012RODRÍGUEZ, M. Saber de las pulsiones. ¿Sería apropiado hablar de una epistemología nietzscheana? En: Estudios Nietzsche, Vol. 12, pp. 151 y 152, 2012., pp. 151 e 152): “Considerando que essa subversão semântica da verdade - subversão que supõe a valiosa confusão entre conhecimento e arte que paradoxalmente nos esclareceria sobre a verdadeira natureza do conhecer -, caberia dizer que talvez não se pudesse falar, no que diz respeito ao filósofo alemão, de uma epistemologia em sentido pleno com o sentido clássico, moderno e atual do termo (...). Pode-se até dizer que o que encontramos em Nietzsche, visto dessa perspectiva, é a destruição da epistemologia ou da tradição epistemológica ocidental. Ou mesmo uma autêntica impugnação do significado tradicional do conhecimento”.
  • 6
    Propomos aqui, portanto, uma genealogia da epistemologia nietzschiana alternativa àquela que assinala como seus antecedentes diretos as críticas do conhecimento elaboradas sobretudo por Kant e Lange. Não obstante, ainda que alternativa, essa genealogia é respeitosa e plenamente compatível com essa análise que, ao meu entender, explica bem o aspecto fundamental da crítica do conhecimento realizada por Nietzsche. Uma genealogia desse tipo foi reconstituída detalhadamente por George J. Stack em seu livro Lange and Nietzsche (1983), e ainda mais especificamente em seu artigo “Kant, Lange and Nietzsche: critique of knowledge” (1991, pp. 30-58). Por sua vez, essa genealogia é garantida pelo minucioso trabalho de Thomas H. Brobjer que se encarregou de precisar em detalhe os títulos que Nietzsche leu em sua exata cronologia. Cf. Brobjer (2016BROBJER, T., Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 21-50, 2016., pp. 21-50).
  • 7
    Thomas H. Brobjer chamou atenção para a influência de Spencer sobre Nietzsche destacando a compra de alguns de seus volumes, bem como a abundância de anotações e sublinhados nos volumes que ainda se encontram preservados em sua biblioteca. Cf. Brobjer, (2016BROBJER, T., Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 21-50, 2016., p. 37).
  • 8
    As traduções das citações de Nietzsche foram feitas a partir dos diferentes volumes das versões espanholas utilizadas pelo autor, publicadas pela TecnosNIETZSCHE, Friedrich. Obras completas, Volumen I. Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2016., Madri, e traduzidas por Diego Sánchez MecaNIETZSCHE, Friedrich. Obras completas, Volumen IV. Trad. Diego Sánchez Meca, Et. Al., Madrid: Tecnos, 2016.et al, ou ainda pelas traduções brasileiras de Rubens Rodrigues Torres FilhoNIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Ed. 34, 2014. (doravante RRTF), que serão sempre destacadas. No caso das citações dos comentadores, traduziu-se a partir da versão utilizada pelo autor do texto. Todas as obras estão indicadas nas referências.
  • 9
    Cf. Brobjer, (2016 BROBJER, T., Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 21-50, 2016.p. 43 e ss).
  • 10
    Uma análise exaustiva das implicações do princípio de economia na obra de Mach pode ser encontrada em Gori (2011 GORI, P., Nietzsche, Mach y la metafísica del yo. En: Estudios Nietzsche, No.11, 2011.pp. 15-37).
  • 11
    Extremamente interessante é a crítica de Lichtenberg à noção de "eu" como uma referência que Mach e Nietzsche teriam em comum, como apontou Pietro Gori. A citação de Lichtenberg que Mach teria usado em Análise das Sensações e que evidentemente está por trás do famoso aforismo 17 de Para além de bem e mal é a seguinte: “Tomamos consciência de certas representações que não dependem de nós; outras, pelo contrário, ao menos acreditamos, dependem de nós; onde está a linha de demarcação? Conhecemos apenas a existência de nossas sensações, representações e pensamentos. O pensamento deveria ser considerado de forma igualmente impessoal tal como o lampejo (deveria-se dizer “pensa-se” como se diz “relampeja”). Dizer “cogito” já é demais quando se traduz por “eu penso”. Assumir o eu, postulá-lo, é uma necessidade prática” (Lichtenberg apudGori, 2011GORI, P., Nietzsche, Mach y la metafísica del yo. En: Estudios Nietzsche, No.11, 2011., pp. 104 -105).
  • 12
    Tradução de RRTF.
  • 13
    Stack (1983STACK, G. J. Lange and Nietzsche. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1983., p. 136). Traduzido a partir da versão do autor (N. do T.).
  • 14
    Cf. Gori (2009GORI, P. Il mecanicismo metafisico: Scienza, filosofía e storia in Nietzsche e Mach. Napoli: Il Mulino, 2009., pp. 40-55).
  • 15
    Este motivo é sustentado, junto com outros e de forma subsidiária, como motivo da impossibilidade do conhecimento adequativo por J. Stack. Cf. Stack. (1983 STACK, G. J. Lange and Nietzsche. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1983.p. 121 e 124).
  • 16
    Efetivamente, ao falar neste fragmento da “menor força possível”, Nietzsche parece estar citando o título da obra de Richard Avenarius Philosophie als Denken der Welt gemäss dem Princip des kleinsten Kraftmasses (A filosofia como pensamento do mundo segundo o princípio da menor força possível). Como apontou Thomas H. Brobjer, Nietzsche havia extraído passagens dessa obra e as teria discutido em seus cadernos de notas em 1883 e 1884, dois anos antes da publicação de Para além de bem e mal. Cf. Brobjer (2016BROBJER, T., Nietzsche’s Reading and Knowledge of Natural Science: An Overview. En: MOORE, G. y BROJBER, T. (Eds.). Nietzsche and Science. New York: Routledge, pp. 21-50, 2016., p. 42).
  • *
    Este texto foi realizado graças ao contrato de pesquisador de pós-graduação da UCM (CT63/19-CT64/19). Tradução de Alexander Gonçalves

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    27 Set 2022
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