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Urbanização planetária ou revolução urbana? De volta à hipótese da urbanização completa da sociedade

Planetary urbanization or urban revolution? Back to the hypothesis of the complete urbanization of society

Resumo

Os trabalhos contemporâneos de Neil Brenner e Christian Schmid permitiram que a urbanização planetária (re)emergisse como uma das grandes narrativas no campo dos estudos urbanos. Neste trabalho, apresentamos a crítica desses autores ao “citadismo” metodológico nos estudos urbanos e ao discurso da era urbana, bem como suas teses em urbanização, que pretendem caminhar rumo a uma nova epistemologia do urbano. Finalmente, tomando como referência as elaborações de Roberto Monte-Mór acerca do urbano e da urbanização extensiva também fundadas na hipótese lefebvriana de urbanização completa da sociedade -, expomos pontos de diálogo e de tensão entre essas teorizações, culminando na crítica da concepção contemporânea da urbanização planetária.

Palavras-chave:
urbanização extensiva; urbanização planetária; Henri Lefebvre; implosão; explosão; Economia Política da Urbanização

Abstract

Neil Brenner and Christian Schmid’s recent work has caused planetary urbanization to (re)emerge as one of the striking narratives in the field of urban studies. This paper presents the authors’ critique regarding methodological cityism and urban age discourse, together with their theses on urbanization, which intend to move towards a new epistemology of the urban. Finally, drawing upon Roberto Monte-Mór’s formulations of the urban and the extended urbanization process also grounded on Lefebvre’s hypothesis that society has been completely urbanized we expose points of dialogue and tension between these theorizations, which culminate in a critique of the contemporary conception of planetary urbanization.

Keywords:
extended urbanization; planetary urbanization; Henri Lefebvre; implosion; explosion; Urban Political Economy

Introdução

A urbanização planetária (re)emergiu como uma das grandes narrativas no campo dos estudos urbanos, intensificando o resgate de Henri Lefebvre na contemporaneidade. Sob essa perspectiva, foram produzidos diversos trabalhos como tentativas de teorização e críticas a esses estudos preliminares. Neil Brenner1 1 Professor de Teoria Urbana na Graduate School of Design de Harvard e diretor do Urban Theory Lab. e Christian Schmid2 2 Professor de Sociologia no Department of Architecture na EHT-Zurich e pesquisador na EHT Studio Basel e no Contemporary City Institute. responsáveis pelo reflorescimento dessa agenda de pesquisa publicaram vários trabalhos cujo objetivo era, simultaneamente, desconstruir algumas ideias (re) e (con)correntes nos estudos urbanos e mobilizar e consolidar uma rede heterogênea de pesquisadores3 3 Esses trabalhos não serão apresentados em sua totalidade. Para outros detalhes, ver: Friedmann (2014); McGee (2014); Merrifield (2014); Arboleda (2015); Wilson e Bayón (2015). . Os autores atestaram4 4 Edward Soja (2000) já havia descrito o cenário intelectual dos estudos urbanos: o melhor e o pior dos tempos. Por um lado, um campo de estudo cada vez mais diversificado em termos metodológicos e (inter) disciplinares; por outro, um campo repleto de desentendimentos, discordâncias e discrepâncias entre teorias e práticas urbanas. uma aparente ausência de harmonia nos estudos urbanos e apontaram os problemas subsequentes: muitos frameworks epistemológicos, muitas hipóteses ontológicas, baixa capacidade de atuação coletiva. Tudo isso se traduziria nas recorrentes falhas da teoria (urbana) crítica em oferecer alternativas às ideologias hegemônicas do capitalismo contemporâneo. Seria necessária uma unidade entre os estudiosos da teoria urbana capaz de desvendar e denunciar as instrumentalizações e ideologias. Entretanto, essas elaborações recentes têm uma conexão limitada com alguns dos trabalhos desenvolvidos nos últimos 40 anos sobretudo a teoria da urbanização extensiva, concebida por Roberto Monte-Mór e até mesmo com algumas das concepções lefebvrianas do urbano e da urbanização.

Partimos, neste artigo, da crítica de Brenner e Schmid ao “citadismo” metodológico presente nos estudos urbanos e ao discurso da era urbana. Prosseguimos com suas teses sobre urbanização, que desejam caminhar rumo a uma nova epistemologia do urbano. Finalmente, tomando como referência o trabalho de autores clássicos, expomos pontos de diálogo e de tensão entre essas teorizações, culminando na crítica à concepção contemporânea de urbanização planetária.

Estudos urbanos, cidade e ideologia

O trabalho de Neil Brenner (2009 BRENNER, N. What is critical urban theory? City, v. 13, n. 2-3, p.198-207, 2009. 10.1080/13604810902996466.
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) marca o início de um projeto que reivindica a integração das questões urbanas à teoria social crítica, de modo que elas não mais se restrinjam a um campo de estudos5 5 Argumento que nos leva de volta a Lefebvre (1999, p. 59) e sua reivindicação de uma universidade devotada ao estudo do fenômeno urbano que seja capaz de reunir todas as disciplinas existentes em torno da problemática urbana. . À teoria crítica, caberia enfatizar e desvendar a disjunção entre o real e o possível, assim como garantir a reflexividade epistemológica ou seja, uma teoria orientada a condições históricas específicas. Diante desse conjunto de proposições, o autor evoca o trabalho de Henri Lefebvre (1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 .), que conjuga a universalidade do fenômeno urbano com a construção de um urbano possível. O propósito de Brenner é (re)posicionar a urbanização capitalista não apenas como indutor do crescimento das grandes cidades, mas também como processo de extensão do tecido urbano, em toda a multiplicidade que o termo carrega, para além do planejamento e do urbanismo6 6 Para uma revisão crítica da história do planejamento e do urbanismo, além de Brenner (2011), ver também: Monte-Mór (2006b), Costa (2015) e Limonad (2015). mainstream e de seus indicadores de tamanho e densidade populacional. Para Brenner (2011)BRENNER, N. The Urbanization Question or the field formerly known as urban studies. 2011. Aula inaugural ministrada na Harvard Graduate School of Design. Disponível em: http://www.urbantheorylab.net/videos/the-urbanization-question-or-the-field-formerly-k-nown-as-urban-studies/. Acesso em: 5 ago. 2015.
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, até a Segunda Guerra, todas as tentativas de definir esse objeto se basearam, em alguma medida, nas ideias de Louis Wirth, isto é, do urbano como um tipo de assentamento. A partir daí, foram cristalizadas (e fetichizadas) algumas tipologias com as quais se trabalham até hoje cidade/urbano, subúrbio, campo/rural -, de modo que os estudos urbanos nunca tiveram sucesso ao definir um objeto de pesquisa. No pós-guerra, essas tipologias wirthianas foram questionadas, e seu sentido como objeto começou a desvanecer, culminando em uma explosão de termos7 7 O artigo de Taylor e Lang (2004) - intitulado “The Shock of the New: 100 concepts describing recent urban change” - apresenta essa erupção de conceitos e denuncia uma certa pretensão de provocar uma “revolução” nos estudos urbanos ou uma mudança de paradigmas. .

Para Brenner e Schmid (2011BRENNER, N.; SCHMID, C. Planetary Urbanization. In: GANDY, M. (Ed.). Urban Constellations. Berlim: Jovis , 2011. p. 10-13. ), o aparato teórico wirthiano se ajusta mais ao século XX (do urbano demarcado como o oposto do rural) do que à atualidade. Os autores identificam, nos últimos 30 anos, uma intensificação particular do processo de reestruturação urbana com alguns elementos principais. Primeiramente, a criação de novas escalas de urbanização, geradas por uma urbanização extensiva a partir de regiões metropolitanas polinucleadas, resultando em um espraiamento de “galáxias urbanas”. Além disso, houve um ofuscamento e uma rearticulação de territórios urbanos, identificáveis apenas na dispersão de suas funções centrais para subúrbios e hinterlands: consumo (shopping centers e sedes de empresas), instituições (centros de pesquisa e ensino e sedes de órgãos públicos), cultura (teatros, cinemas e casas de shows) etc. As próprias hinterlands se desintegraram a partir de reconfigurações funcionais que facilitaram a expansão da industrialização, associando novos espaços às redes urbanas planetárias, nisso incluídos os espaços “selvagens” (ou territórios extremos8 8 Esse projeto do Urban Theory Lab, coordenado por Brenner, busca pôr à prova a factualidade absoluta do termo urbanização planetária através da investigação da extensão do tecido urbano aos chamados (de maneira euroamericana) territórios extremos: Sibéria, Ártico, Himalaia, África Sahariana, Amazônia, Oceano Pacífico, Deserto de Gobi e até mesmo a atmosfera terrestre. ) frente às consequências socioecológicas das transformações (extensões) urbanas. Mudanças nos padrões regulatórios (ainda mais) direcionadas para o desenvolvimento industrial em escala global acompanharam esse processo, que foi também marcado pelos regimes neoliberais nas múltiplas esferas institucionais (BRENNER; SCHMID, 2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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).

A “cidade”, assim como outras unidades, se tornou uma ferramenta analítica obsoleta, de modo que não se pode mais fazer diferenciações entre as grandes aglomerações urbanas e as zonas menos densas através das categorias convencionais. Basta tomar a ideia de subúrbio: o suburbano é também urbano? Como ele pode ser diferenciado depois do processo de descentralização econômica? Em outras palavras, por que sempre assumir que existe um “não urbano”, um “exterior constituinte”? Esse é o argumento central de Brenner (2014bBRENNER, N. Urban theory without an outside. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014b. p. 14-30.): por uma teoria urbana sem um “lado de fora”9 9 Tradução do título original: Urban Theory Without an Outside. .

Nesse sentido, Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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) recuperam a crítica da unidade, de Manuel Castells (1983CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.). Para esse autor, “a não-delimitação teórica do espaço tratado [...] faz com que o relacionemos a uma divisão culturalmente prescrita (e, portanto, ideológica)” (CASTELLS, 1983CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983., p. 334). Brenner e Schmid (2015a)BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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sugerem uma associação entre a crise epistemológica dos anos 1960 e 1970 nos estudos urbanos e a obsessão contemporânea pelas cidades como objeto de análise. Angelo e Wachsmuth (2014ANGELO, H.; WACHSMUTH, D. urbanizing urban political ecology: a critique of methodological cityism. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization. Berlim: Jovis, 2014. p. 372-385.) utilizam o termo “citadismo10 10 Tradução nossa do original “cityism”. metodológico para descrever a naturalização e o privilégio dado à “cidade” nas teorias (e práticas) urbanas, principalmente no campo da ecologia política urbana, no qual a não cidade seria, em muitos dos casos, um objeto mais significativo. Para Matthew Gandy (2014GANDY, M. Where does the city end? In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlin: Jovis, 2014. p. 86-89., p. 86, tradução nossa), as “cidades são apenas uma forma particular de urbanização”. Ou, nas palavras de David Harvey (2014HARVEY, D. Cities or urbanization. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlin: Jovis , 2014. p. 52-66., p. 61, tradução nossa), “a ‘coisa’ que chamamos de ‘cidade’ é o resultado de um ‘processo’ chamado ‘urbanização’”.

Se se incorpora essa crítica ao “citadismo” metodológico, imediatamente há um questionamento da própria existência de um campo de estudos destinado à pura investigação da “cidade”. A esse objeto, resta a existência como ideologia ou categoria histórica:

O conceito de cidade não corresponde mais a um objeto social. Portanto, sociologicamente trata-se de um pseudo-conceito. Não obstante, a cidade tem uma existência histórica que não se pode desconsiderar. Ainda há e por muito tempo haverá cidades pequenas e médias. Uma imagem ou representação da cidade pode se prolongar, sobreviver às suas condições, inspirar uma ideologia e projetos urbanísticos. Dito de outro modo, o “objeto” sociológico “real”, neste caso, é a imagem e, sobretudo, a ideologia! (LEFEBVRE, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 ., p. 61)

A partir da crítica de Henri Lefebvre, David Wachsmuth (2014WACHSMUTH, D. City as ideology. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosion/Explosion: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014. p. 353-371.) tenta desvendar a cidade como ideologia na contemporaneidade, discutindo a possibilidade de reconciliação da explosão da cidade e da tenacidade de seu conceito. Tomada como categoria de representação de uma prática social emergente (em vez de categoria fixada analiticamente), é mais nítida, então, a identificação da cidade como ideologia. Isso implica que o mecanismo que possibilita o obscurecimento das relações de poder e de dominação em uma realidade distorcida seja mais claramente identificado.

Nesse ponto, é fundamental a formulação de Kanishka Goonewardena (2005GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005. 10.1111/j.0066-4812.2005.00473.x.
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) sobre o sensório urbano. A partir dos níveis e dimensões de análise identificados por Lefebvre11 11 O nível G é o global, do Estado como “vontade e representação” (LEFEBVRE, 1999, p. 77). Esse nível projeta um nível intermediário M, da mediação, nível “especificamente urbano” (LEFEBVRE, 1999, p. 78), no qual está introjetada a dinâmica do nível P, privado, da experiência quotidiana vivida, que opera como “reservatório da subjetividade utópica” (GOONEWARDENA, 2005, p. 65). e da intensificação da estetização da política na pós-modernidade, o autor discute como o espaço urbano é capaz de mediar12 12 Mediar, para Goonewardena (2005, p. 51), é trazer à tona (por um agente), é o resultado de um processo ativo. É o oposto de uma imediação, de uma relação sem intermediários, de um processo sem resultados. Mediar uma ideologia é, portanto, “quebrar seu feitiço”, torná-la visível. ideologias e produzir hegemonias. Para que seja efetiva, uma ideologia não pode se resumir apenas ao campo das ideias, ela também precisa ser afetiva, dialogando com os sentimentos e afeições, com as percepções e sensações (contrárias ao domínio único dos conceitos e pensamentos), ou seja, com a própria estética. Assim, existe uma relação entre a estetização da política e a mediação de ideologias através do espaço (urbano). E, ainda, se é verdade que existe uma relação de mediação entre a produção do espaço e a produção de ideologia, é preciso compreender como o espaço urbano a realiza.

Se uma ideologia é uma “representação da relação imaginária dos indivíduos com suas reais condições de existência” (ALTHUSSER, 1971, p. 162 apudGOONEWARDENA, 2005GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005. 10.1111/j.0066-4812.2005.00473.x.
https://doi.org/10.1111/j.0066-4812.2005...
, p. 49, tradução nossa), precisamos, então, atentar-nos para o espaço urbano simultaneamente, determinante de nossa vida sensível e produto do nível global como agente e arena desse desvendamento. Mas não é possível apreender esse espaço urbano em sua totalidade; temos um hiato entre ele e a nossa própria experiência. Diante disso, questiona Goonewardena (2005GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005. 10.1111/j.0066-4812.2005.00473.x.
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, p. 55): qual é o papel desempenhado pela estética e pela política do espaço o sensório urbano na produção e na reprodução da disjunção perene entre a consciência da vida quotidiana urbana e a estrutura global de relações sociais, ela própria responsável pela produção de espaços da nossa experiência vivida? Se a realidade (assim como a sociedade) fosse transparente, acessível à consciência humana através da experiência, não precisaríamos de representações (tampouco de ideologias). Ou seja, o próprio sensório urbano o ambiente sensorial (percebido) obscurece a estrutura do espaço urbano e das relações sociais nele inscritas e projetadas. Analogamente, o hiato entre o espaço urbano e a consciência quotidiana que dele alcançamos encontra um paralelo com o hiato entre as estruturas globais do capitalismo e a experiência vivida. Existe uma relação entre esses dois hiatos associada ao sensório urbano, a qual obscurece não apenas a estrutura do espaço urbano, como também o próprio funcionamento do capitalismo: a experiência urbana estrutura nossa compreensão (e representação) do capitalismo e, simultaneamente, nossa percepção (seletiva) do capitalismo estrutura nossa compreensão do espaço urbano.

Nesse contexto, torna-se necessário avaliar a quem servem tais representações e quais estruturas e ordens sociais elas legitimam. É o que Brenner e Schmid (2014BRENNER, N.; SCHMID, C. The ‘urban age’ in question. International Journal of Urban and Regional Research , v. 38, n. 3, p. 731-755, 2014. 10.1111/1468-2427.12115
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; 2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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) pretendem fazer: realizar uma apresentação crítica das ideologias urbanas, partindo de um exemplo caricatural em destaque no século XXI o discurso da era urbana. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em 2007, a humanidade atingiria um limiar sem precedentes: pela primeira vez na história, mais da metade da população mundial estaria vivendo nas cidades a partir de 2008 (UN-HABITAT, 2007UN-HABITAT. The State of the World’s Cities Report 2006/2007. Londres: Earthscan, 2007. Disponível em: http://unhabitat.org/books/state-of-the-worlds-cities-20062007/. Acesso em: 10 set. 2016.
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). Essa declaração invadiu o debate político, institucional (ONU, OMS, Banco Mundial), acadêmico13 13 Ver, por exemplo, as pesquisas e seminários desenvolvidos no centro Cities da London School of Economics em torno da chamada era urbana. Disponível em: https://lsecities.net/. Acesso em: 20 jun. 2015. e jornalístico, cristalizando uma noção ordinária e superficial acerca da “era urbana” e do que seria a “problemática urbana” (ambas diametralmente opostas aos significados lefebvrianos).

Brenner e Schmid (2014BRENNER, N.; SCHMID, C. The ‘urban age’ in question. International Journal of Urban and Regional Research , v. 38, n. 3, p. 731-755, 2014. 10.1111/1468-2427.12115
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) apresentam algumas das falhas do discurso da era urbana, chamando a atenção para os riscos e inconveniências de sua ampla difusão exemplificada com vários trabalhos que se valem do limiar de 50% para destacar a centralidade (bastante conveniente) das pesquisas teóricas e práticas nas cidades. Os autores revelam algumas informações sobre a amostra utilizada pela ONU. A própria metodologia de cálculo dessa transição para a era urbana é frágil. Além da ausência de uma definição padronizada para localidade urbana, os institutos nacionais de cada país determinaram seus próprios critérios do que seria uma unidade urbana e informaram apenas um percentual de suas delimitações urbanas e rurais.

Para Brenner e Schmid (2014BRENNER, N.; SCHMID, C. The ‘urban age’ in question. International Journal of Urban and Regional Research , v. 38, n. 3, p. 731-755, 2014. 10.1111/1468-2427.12115
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, p. 748, tradução nossa), tais compreensões hegemônicas fazem a mediação dos “discursos, representações, imaginação e prática” tanto populares quanto acadêmicas, com desdobramentos sobre relações econômicas e políticas. Ademais, o discurso da era urbana (e de outras ideologias citadistas) gera uma visão defasada da condição urbana mundial. Por isso, é necessário rastrear a trajetória e a abrangência do discurso e da noção popular acerca da era urbana, bem como suas influências nas ações de atores, instituições e políticas públicas. David Satterthwaite (2010SATTERTHWAITE, D. Urban myths and the mis-use of data that underpin them. Helsinki: United Nations University, United Nations University World Institute for Development Economics Research, 2010 (Working Paper, 2010/28). Disponível em: https://www.wider.unu.edu/sites/default/files/wp2010-28.pdf. Acesso em: 20 jun. 2015.
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) esclarece as limitações e insuficiências dos dados disponíveis sobre níveis de urbanização e as distorções das políticas urbanas que utilizam esses dados como referência. Além da falta de critérios empíricos nas pesquisas populacionais, não se questiona sua comparabilidade, cujo impacto mais grave e imediato é a transposição acrítica de políticas do Norte para o Sul14 14 Jeniffer Robinson (2002) já havia feito a crítica dessa geografia dos estudos urbanos. De um lado, as cidades do “primeiro mundo”, referenciadas como modelos a serem seguidos; nelas e através delas são produzidas e exportadas as teorias e as políticas urbanas. Do outro lado, estão as cidades do “terceiro mundo” como problemas a serem resolvidos; seu diagnóstico e seu prognóstico são baseados nas condições e práticas urbanas das cidades de primeiro mundo. global sobretudo nas áreas de saúde pública, pobreza e emissão de gases, dramaticamente diferentes no Sul -, mesmo diante da inconsistência de muitas das bases de dados em urbanização no Norte (como é o caso da Europa). David Wachsmuth (2014WACHSMUTH, D. City as ideology. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosion/Explosion: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014. p. 353-371.) também critica esse tipo de transposição, que pressupõe uma comparabilidade e replicabilidade das cidades e das práticas urbanas contemporâneas, embasadas nas ideias de competitividade urbana e de benchmarking urbano.

A partir dessas e de outras (re)afirmações citadistas, foram produzidas metanarrativas que se popularizaram no meio acadêmico. Para Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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), trata-se de abordagens universalistas, totalizantes, “cidade-cêntricas”. Todas elas têm em comum a ideia de um certo triunfalismo das cidades, seja pela atribuição de seu privilégio absoluto como locus da inovação e da democracia, seja pela ideologia tecnocientífica (das smart cities à “nova” ciência das cidades15 15 Ver, por exemplo, Michael Batty (2013) e sua abordagem de sistemas de cidades dentro da ciência da complexidade, que o autor chamou de A Nova Ciência das Cidades (o exato título da obra). ), seja pela promessa da sustentabilidade.

Nesse contexto, Brenner (2014bBRENNER, N. Urban theory without an outside. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014b. p. 14-30.b) propõe uma mudança de paradigma dentro do campo dos estudos urbanos: deixar a compreensão do urbano como condição socioespacial delimitada, nodal ou relativamente fechada para, finalmente, atingir conceitualizações processuais mais diferenciadas (territorialmente), variadas (morfologicamente) e multiescalares. Se a tese fundamental de Lefebvre em 1970 foi anunciada, mas não incorporada ou sistematicamente aplicada nos estudos urbanos, faz-se necessária, então, uma reformulação na direção de novas estratégias de pesquisa e análise que sejam capazes de incorporar os parâmetros e objetos apropriados, superando os pressupostos do mainstream das ciências sociais e das disciplinas de planejamento e arquitetura.

Teses em urbanização: rumo a uma nova epistemologia do urbano16 16 Aqui, faço referência aos títulos dos artigos de Brenner (2014c), “Theses on Urbanization”, e de Brenner e Schmid (2015a), “Towards a new epistemology of the urban?”.

Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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, p. 163, tradução nossa) introduzem suas teses em urbanização com o objetivo de “demarcar alguns parâmetros epistemológicos relativamente amplos, dentro dos quais uma multiplicidade de abordagens reflexivas para a teoria urbana crítica possa ser alcançada”. As primeiras teses em urbanização foram apresentadas por Brenner (2011)BRENNER, N. The Urbanization Question or the field formerly known as urban studies. 2011. Aula inaugural ministrada na Harvard Graduate School of Design. Disponível em: http://www.urbantheorylab.net/videos/the-urbanization-question-or-the-field-formerly-k-nown-as-urban-studies/. Acesso em: 5 ago. 2015.
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, e diferem tanto das teses encontradas em Brenner (2014c) BRENNER, N. Theses on urbanization. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014c. p. 181-202.quanto da última formulação em Brenner e Schmid (2015a)BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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.

Tese 1: o urbano e a urbanização são categorias teóricas, não objetos empíricos

Essa primeira tese é reflexo da problemática da categorização. O urbano, para os autores, não é um objeto apreendido empiricamente e, certamente, não corresponde à cidade. O argumento de Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
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, p. 163, tradução nossa) é de que o urbano e a urbanização “devem ser compreendidos como abstrações teóricas”. Para que sejam demarcados dentro da “zona do pensamento, da representação, imaginação ou ação”, é necessário o processo de abstração teórica. A distinção do urbano em relação ao “não urbano” significa que a própria evolução do campo dos estudos urbanos segue os debates acerca da “interpretação e do mapeamento do urbano”. O problema dessas abordagens estaria na pretensão de universalidade, como se fosse possível definir o urbano como um conceito aplicável independentemente das especificidades contextuais. Por isso, qualquer exercício dentro dos estudos urbanos passaria, direta ou indiretamente, por esse esforço epistemológico, mas seria sempre provincial17 17 Ver: Chakrabarty (2009), para a ideia de provincializar a Europa e descentralizar a experiência europeia do imaginário e das formas quotidianas de pensamento. Para uma crítica pós-colonialista no debate contemporâneo, ver: Roy (2009; 2016); Robinson (2002). , uma vez que essas tentativas são sempre mediadas por experiências e condições histórico-geográficas específicas.

Por outro lado, Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
) criticam a ênfase nas especificidades contextuais, uma vez que, dialeticamente, a noção de especificidade só existe contra a ideia de generalidade. Em um capitalismo formado por autoridade, acumulação de capital, reestruturação regulatória nacional, exploração, destruição socioambiental e despossessão, essas especificidades contextuais emergem dentro de um contexto mais amplo de desenvolvimento desigual, a saber, o contexto do contexto18 18 Ver: Brenner, Peck e Theodore (2010). , cada vez mais planetário, no qual e através do qual se desenvolve a urbanização capitalista neoliberal.

Tese 2: o urbano é um processo, não uma forma universal, tipo de assentamento ou unidade delimitada

Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 165, tradução nossa) argumentam que não se pode compreender o urbano como forma, uma vez que não há uma morfologia única de um processo. Para esses autores, existem “processos de transformação urbana que se cristalizam” de formas diversas e em múltiplas escalas, com efeitos amplos e imprevisíveis sobre os “arranjos socioespaciais preexistentes”. O urbano também não pode ser compreendido como um tipo de assentamento. As tipologias tradicionais teriam sobrevivido por mais tempo do que a adequação à realidade lhes permite. Além do urbano-rural convencional, também seria preciso ter cuidado com as novas terminologias, seu baixo dinamismo e suas respectivas capacidades de explicação da realidade. Os autores propõem que as configurações urbanas sejam compreendidas como “campos de força de reestruturação socioespacial”, capazes de envolver tanto as configurações preexistentes quanto as rodadas de reestruturação (passadas e futuras) através das quais o espaço é produzido. Por fim, se nem mesmo os limites da cidade podem ser claramente desenhados19 19 Ver: Gandy (2014). , o urbano não pode ser compreendido como uma unidade delimitada retomando a crítica ao “citadismo” metodológico e à definição do urbano contra um “exterior não urbano” (BRENNER, 2014bBRENNER, N. Urban theory without an outside. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014b. p. 14-30.).

Tese 3: a urbanização envolve três momentos mutuamente constitutivos urbanização concentrada, urbanização extensiva e urbanização diferencial

Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 166, tradução nossa) sugerem uma conceitualização multifacetada da urbanização, constituída por três momentos distintos. O primeiro deles é o da urbanização concentrada, descrita como um momento “familiar”, advindo de “abordagens herdadas da geografia econômica urbana que visam a iluminar o processo de aglomeração” relacionadas às teorias locacionais, aos componentes que se concentram no espaço nas diversas fases do desenvolvimento capitalista e aos elementos que Lefebvre (1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 .) associou ao processo de implosão. Esse primeiro momento, entretanto, é insuficiente. Seria preciso negar a hipótese convencional dos estudos urbanos de que as aglomerações são um terreno privilegiado de estudo, ir além das aglomerações e estudar as áreas transformadas pela urbanização em suporte para as aglomerações.

Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 167, tradução nossa) definem um segundo momento: a urbanização extensiva é, antes de tudo, a ativação e a “operacionalização de lugares” distantes dos grandes centros urbanos para dar suporte às “atividades quotidianas e dinâmicas socioeconômicas da vida urbana”. A produção dessas paisagens operacionais de urbanização extensiva é resultado, segundo eles, “dos imperativos sociometabólicos mais básicos associados ao crescimento urbano”: produção e circulação de água, alimentos, energia e materiais de construção; exportação de externalidades negativas vinculadas à problemática ambiental; mobilização de mão de obra para essas atividades. Nesse processo, reorganiza-se a base material das áreas não metropolitanas, levando a um espessamento do tecido urbano sobre todo o planeta. Por fim, a urbanização extensiva envolve o cercamento de terras destinadas à apropriação privada por vezes, a partir da despossessão de seus usuários anteriores.

Alvaro Sevilla-Buitrago (2014, p. 236-7, tradução nossa) discute a urbanização extensiva primitiva20 20 Termo cunhado a partir do conceito marxista de acumulação primitiva. , utilizando os cercamentos ingleses como “lente” de interpretação da urbanização extensiva como “característica particular da urbanização capitalista”. Esse processo teria criado uma nova racionalidade espacial, redimensionado o tecido social das áreas rurais, aumentando a submissão do campo à cidade e reprimindo a autonomia do modo de vida campesino. A vida quotidiana, antes orientada pelo valor de uso e pelas trocas em sentido amplo, é suplantada pelos modos de (re) organização totalizantes do capitalismo através da alienação das relações de propriedade e de uma nova e mais aprofundada divisão (espacial) do trabalho. As formas de reprodução tornam-se subalternas ao Estado, que passa a mediar (e legalizar) a execução violenta e opressiva do que teria sido o primeiro processo de urbanização extensiva. Nesse “estágio inaugural de um novo regime emergente da urbanização capitalista”, desenvolve-se uma dinâmica persistente e contínua, na qual as regiões “não urbanas” vão sendo “implacavelmente incorporadas e reentrelaçadas nessas paisagens operacionais” (SEVILLA-BUITRAGO, 2014SEVILLA-BUITRAGO, A. Historical enclosures and the extended urbanization of the countryside. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosion/Explosion: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014. p. 236-259., p. 240).

Essa destruição criativa das configurações socioespaciais preexistentes caracteriza o que Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 168, tradução nossa) chamam de urbanização diferencial21 21 Segundo os autores, o conceito de urbanização diferencial tem como referência a ideia de espaço diferencial de Henri Lefebvre (1974). Por outro lado, justificam a não utilização da implosão-explosão lefebvriana como equivalente aos conceitos propostos de urbanização concentrada e extensiva devido à existência da urbanização diferencial. , um “momento diferencial da urbanização baseado no percurso perpétuo de reestruturar a organização socioespacial no capitalismo contemporâneo”:

Consistente com a conceitualização processual do urbano apresentada na Tese 2, o momento diferencial da urbanização coloca em alívio o intenso e perpétuo dinamismo das formas capitalistas de urbanização, nas quais as configurações socioespaciais são estabelecidas tendencialmente, apenas para serem tornadas obsoletas e, eventualmente, suplantadas através do movimento implacável do processo de acumulação e do desenvolvimento industrial (Harvey, 1985; Storper e Walker, 1989). Tão crucial quanto, como sugerimos abaixo (Tese 7), a urbanização diferencial é também o resultado de várias formas de luta urbana e expressa os poderosos potenciais para transformações sociais e políticas radicais que são desencadeadas, mas muitas vezes suprimidas, através do desenvolvimento industrial capitalista (BRENNER; SCHMID, 2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 168, grifos nossos, tradução nossa).

Tese 4: o tecido da urbanização é multidimensional

Essa tese propõe uma compreensão multidimensional do processo de urbanização frente à abordagem monodimensional cidade-cêntrica, o que, para Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 169), significa o abandono de definições “sociológicas, demográficas, econômicas e culturais”. Em outras palavras, seria necessário desconstruir a ideia de que o processo de urbanização tem origem nas unidades tradicionais e resulta em assentamentos idênticos ou hipoteticamente similares, tanto em termos de infraestrutura quanto de formas culturais.

A partir dos três momentos constituintes do processo de urbanização e das três dimensões identificadas pelos autores a partir de Lefebvre (1974LEFEBVRE, H. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974. ) práticas espaciais, regulações territoriais e vida quotidiana -, Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
) apresentam uma interpretação do processo de produção do tecido urbano na contemporaneidade, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1:
Momentos e dimensões da urbanização

Tese 5: a urbanização se tornou planetária

Essa tese afirma a hipótese lefebvriana de urbanização completa da sociedade, não mais virtual, mas imediata. Para os autores, o processo de urbanização planetária teve início a partir de 1980 com a desconstrução dos regimes nacional-desenvolvimentistas fordistas-keynesianos, seguindo a consolidação do processo global de neoliberalização. Os novos incentivos à expansão da infraestrutura urbano-industrial criaram novos padrões e trajetórias de reestruturação socioespacial que se cristalizaram, rapidamente, por todo o planeta. Constatar tal caráter planetário da urbanização permite, segundo Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 173, tradução nossa), a construção de um aparato teórico capaz de compreender a produção das paisagens operacionais “mediadas pelo Império, pelo colonialismo, pelo neocolonialismo e pelas várias formas de cercamento e acumulação por despossessão”22 22 O caso da crise agrária urbana na Índia é um dos exemplos da produção de paisagens operacionais, do agravamento da neoliberalização e das consequências sociais catastróficas, como o caso da maior onda de suicídios da história. Ver: Sainath (2009; 2015); Goonewardena (2014). .

Tese 6: a urbanização se desdobra através de trajetórias e padrões variegados de desenvolvimento espacial desigual

Possivelmente, essa é a mais simples e menos controversa das teses em urbanização. Se a urbanização capitalista é de fato capaz de gerar inovações constantes na produção de formas e processos socioespaciais, então, a abordagem teórica acerca do desenvolvimento espacial desigual requer novas diferenciações. Para os autores, as conceitualizações rígidas das formas de urbanização constituiriam, em si, uma “armadilha intelectual”.

Tese 7: o urbano é um projeto coletivo no qual os potenciais gerados através da urbanização são apropriados e contestados

Essa última tese muito brevemente apresentada pelos autores pretende destacar o caráter político das considerações epistemológicas propostas, sobretudo através do que se chamou de urbanização diferencial, ainda que esse conceito não tenha sido suficientemente desenvolvido por eles. Brenner e Schmid (2015aBRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
, p. 177) afirmam que a “definição do urbano [...] não é exclusivamente uma questão teórica”, a despeito do argumento desenvolvido na primeira tese. Se o urbano é coproduzido pela apropriação e pelo uso dos indivíduos na criação de outras experiências e usos coletivos, então, ele não pode ser completamente “subsumido às lógicas abstratas da industrialização capitalista”. Para os autores, os conceitos e perspectivas em torno do urbano e da urbanização planetária oferecem uma “orientação epistemológica” para decifrar movimentos sociais e revoltas urbanas, apesar das raríssimas menções a essa referida prática urbana ou mesmo às lutas urbanas e aos movimentos sociais.

Crítica da urbanização planetária: revisitando formulações clássicas

A ideia de um processo planetário de urbanização ainda que anunciado há mais de 45 anos recebeu uma série de críticas23 23 Foge ao escopo deste artigo apresentar todas as críticas e discussões subsequentes. Ver, principalmente, a crítica avassaladora e instantânea de Richard Walker (2015), a tréplica de Brenner e Schmid (2015b) e o manifesto de Sheppard, Leitner e Maringantib (2013). , que, em parte, se devem a uma falta de familiaridade com algumas das formulações clássicas24 24 Faço referência ao prefácio de Neil Brenner (2014a, p. 6), no qual se cristaliza a agenda de pesquisa em urbanização planetária: “Essa coleção inclui vários textos clássicos de pensadores pioneiros como Henri Lefebvre, David Harvey, Edward Soja, Terry McGee, Roberto Luis Monte-Mór e Marcel Meili”. sobre o tema, desenvolvidas a partir da obra de Henri Lefebvre. Nesta última seção, apresentamos algumas reflexões críticas com base na teorização do processo de urbanização extensiva, desenvolvida por Roberto Monte-Mór (1988; 1989; 1994; 2004; 2015). O autor escreveu amplamente sobre esse processo a partir de uma interpretação lefebvriana da geohistória25 25 Para escapar ao vício historicista e assegurar a inseparabilidade do social, do histórico e do espacial, Soja (2000) utiliza o termo geo-história, afirmando o poder interpretativo da geografia. do Brasil e sua interação particular com a Fronteira Amazônica.

Monte-Mór (1994) destacou o problema da dualidade urbano-rural diante das novas formas de ocupação do espaço e das lógicas híbridas de povoamento que emergiam no espaço brasileiro. De acordo com ele, essa reestruturação do espaço nacional pode ser melhor compreendida através da

[...] urbanização extensiva esta urbanização que se estende para além das cidades em redes que penetram virtualmente todos os espaços regionais integrando-os em malhas mundiais [que] representa, assim, a forma socioespacial dominante que marca a sociedade capitalista de Estado contemporânea em suas diversas manifestações, desde o centro dinâmico do sistema capitalista até e cada vez mais às diversas periferias que se articulam dialeticamente em direção aos centros e subcentros e subsubcentros […] (MONTE-MÓR, 1994MONTE-MÓR, R. Urbanização extensiva e lógicas de povoamento: um olhar ambiental. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A.; SILVEIRA, M. L. (Org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, Anpur, 1994. p. 169-181. , p. 171).

As categorias que compõem o eixo temporal lefebvriano ganham vida e materialidade no Brasil no trabalho de Monte-Mór (2004)MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. : do controle ideológico e militar na cidade política comandada pelas oligarquias rurais brasileiras aos efeitos da cidade industrial que nasce no governo Vargas e aprofunda-se no governo juscelinista do pós-guerra, com os subsequentes planos de desenvolvimento. A partir da segunda metade do século XX, acentua-se o processo de produção do espaço com o investimento estatal em rodovias e a própria criação de Brasília, numa tentativa de integração socioeconômica do território. Sob o regime tecnocrata dos militares, o projeto de modernização é ainda mais acelerado: “enriquecer” regiões “pobres” e “ocupar” áreas “desocupadas”. O estímulo ao crescimento em um espaço nacional desarticulado agrava a concentração nas regiões metropolitanas e desencadeia um processo de implosão-explosão:

O fenômeno de “implosão-explosão” da cidade industrial descrito por Lefebvre (1968LEFEBVRE, H. A Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968. ) encontra seu paralelo no Brasil, nesse crescimento metropolitano pós-guerra. Por um lado, o valor das terras e a concentração histórica de atividades e investimentos em áreas centrais levaram à “implosão” dos núcleos urbanos, onde a renda diferencial da terra produziu preços de imóveis extremamente altos e densidades urbanas; por outro, a integração espacial e a extensão do tecido urbano para além dos limites da cidade para perímetros urbanos constantemente redefinidos ao longo de estradas e avenidas externas marcou a “explosão” da cidade industrial para abrigar o tecido urbano-industrial, um tecido socioespacial privado de sua tríade de atributos básicos: excedente econômico coletivo, poder sociopolítico e a “festa” cultural (MONTE-MÓR, 2004MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. , p. 290).

A extensão do tecido urbano-industrial foi tomando a circunvizinhança das principais cidades brasileiras, em seguida as cidades pequenas em suas imediações e, pouco a pouco, a própria Fronteira Amazônica. Essas áreas periféricas pré-capitalistas foram sendo transformadas “de acordo com as necessidades que emana[va]m dos centros urbano-industriais” (MONTE-MÓR, 2004MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. , p. 291). A superação da velha contradição cidade-campo resultante do processo de urbanização extensiva dá lugar, na Fronteira Amazônica, à articulação tecido urbano-floresta, na qual as relações de produção (e reprodução) vão sendo reconstruídas nas bases da vida quotidiana.

Se, por um lado, a lógica hegemônica do urbano-industrial metropolitano se coloca (de São Paulo a Nova York) até mesmo sobre regiões agrárias afastadas das grandes aglomerações (e sobre a vida quotidiana daqueles que as habitam), por outro, algumas alternativas e possibilidades que caminham na direção de um espaço diferencial também se apresentam. A extensão das relações capitalistas urbano-industriais implica a produção de combinações espaço-tempo-sociedade diversas, que não são apenas manifestações de formas e processos hegemônicos, mas também, e de maneira mais intensa, de (re)criação de práticas tradicionais advindas de necessidades imediatas derivadas dessas heterogeneidades multitemporais: encontros particulares no espaço (tecido urbano-selva), no tempo (processos globais hegemônicos-culturas pré-colombianas) e diferentes tempos espaciais26 26 Ver: Milton Santos (1978). (MONTE-MÓR, 2004MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. ).

Nesse hibridismo de formas e processos espaço-temporais, está implícito um processo de (re)politização do território: enquanto o espaço social é “equipado com as condições urbano-industriais” (MONTE-MÓR, 2006aMONTE-MÓR, R. As teorias urbanas e o planejamento urbano no Brasil. In: DINIZ, C.; CROCCO, M. (Org.), Economia Regional e Urbana: contribuições teóricas recentes. Belo Horizonte: UFMG, 2006a. p. 61-85. a, p. 76), ele é acrescido “das questões sociopolíticas e culturais intrínsecas à polis e à civitas” (MONTE-MÓR, 2006bMONTE-MÓR, R. O que é o urbano no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Cedeplar/ UFMG, 2006b (Texto para Discussão, 281). Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20281.pdf. Acesso em: 10 set. 2016.
http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td...
, p. 10). O resultado é uma espécie de “cidadania extensiva através do espaço social (urbano) como um todo”, que empodera “múltiplos setores da sociedade civil e promove a emergência de novos atores sociais, portanto produzindo novos projetos pós-modernos de emancipação” (MONTE-MÓR, 2004MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. , p. 341). Esse processo se intensifica e ilumina novos horizontes, enquanto as misturas e trocas da cultura local com a cultura regional e nacional encontram uma base material urbano-industrial. Grupos antes condenados a viver sob a égide do capitalismo industrial encontram novas possibilidades de resistência quando de sua conexão com a práxis urbana, via urbanização extensiva:

Ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990, índios, seringueiros, garimpeiros, trabalhadores rurais e extrativistas, camponeses sem terra, os afetados por barragens, ambientalistas, mulheres, negros, homossexuais, entre muitos outros grupos sociais se organizaram por todo o país, não apenas em cidades e vilas. Na verdade, os Movimentos Sociais Urbanos (MSU) haviam perdido seu adjetivo de “urbano” e se tornaram apenas Movimentos Sociais (MS), uma vez que eles estavam por toda parte no espaço social. A urbanização extensiva havia trazido, junto com o tecido urbano, o germe da polis, da civitas. Política e cidadania eram agora um problema nacional, da classe média metropolitana às tribos indígenas da Amazônia (MONTE-MÓR, 2004MONTE-MÓR, R. Modernities in the Jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 2004. 360 f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) University Of California, Los Angeles, 2004. , p. 304-305).

Em cada um desses interstícios se encontra o urbano de Henri Lefebvre, o qual Monte-Mór (2015) chamou de urbano-utopia concreto e experimental por encontrar materialidade nos dias de hoje na participação, na politização do espaço de vida, na construção de uma cidadania e de uma democracia radicais. “Não há como negar o crescimento das populações antes excluídas e hoje transformadas em atores com vozes por vezes expressivas no cenário contemporâneo” (MONTE-MÓR, 2015MONTE-MÓR, R. Urbanização, sustentabilidade, desenvolvimento: complexidades e diversidades contemporâneas na produção urbano. In: COSTA, G.; COSTA, H.; MONTE-MÓR, R. (Org.). Teorias e Práticas Urbanas: condições para a sociedade urbana . Belo Horizonte: Com Arte Editora, 2015. p. 55-70., p. 61).

Dessa perspectiva, admitir o urbano-extensivo e o urbano-totalidade significa aceitar a realização eminente da sociedade urbana, importante do ponto de vista teórico (rumo a uma visão mais holística dos processos e das relações socioespaciais) e prático (leia-se, revolução urbana). Ademais, se tratarmos a urbanização completa da sociedade nos termos de Henri Lefebvre, a problemática urbana torna-se o contexto do contexto; o urbano se apresenta como lente interpretativa da realidade e também como nível da totalidade social, como mediação das mediações. Além disso, parece claro que o tão procurado objeto dos estudos urbanos é a própria problemática urbana.

Nesse ponto, é importante avaliar como a pesquisa contemporânea dialoga com a obra lefebvriana. Lefebvre (1968LEFEBVRE, H. A Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968. , p. 21-2) aborda a ideia de práxis de Marx, “prática da sociedade baseada na indústria que permite tomar consciência da prática humana em geral”, oposta “à filosofia e à atitude especulativa do filósofo”:

As várias formas de conhecimento encontram seu alcance e seu sentido na conexão com a atividade prática. O problema especulativo do conhecimento deve ser rejeitado como um falso problema. A coerência abstrata, a demonstração teórica desligada da atividade social e da verificação prática, não tem nenhum valor. A essência do ser humano é social e a essência da sociedade é praxis: ato, ação, interação. Separando-se a praxis, a teoria se perde em problemas mal postos e insolúveis, em mistérios e misticismo (LEFEBVRE, 1968LEFEBVRE, H. A Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968. , p. 23).

Nesse caso, a noção que nos interessa é a de uma praxis revolucionária, aberta ao possível, capaz de reestabelecer equivalências entre representações e realidade:

A praxis no seu mais alto grau (criador, revolucionário) inclui a teoria que ela vivifica e verifica. Ela compreende a decisão teórica como a decisão de ação. Supõe tática e estratégia. Não existe atividade sem projeto; ato sem programa, praxis política sem exploração do possível e do futuro (LEFEBVRE, 1968LEFEBVRE, H. A Sociologia de Marx. Rio de Janeiro: Forense, 1968. , p. 38-9).

Buscamos, sem sucesso, essa perspectiva lefebvriana da praxis radical nessas formulações contemporâneas. Encontramos uma conceitualização de urbanização diferencial que tenta nos remeter a um espaço diferencial, mas ela não encontra sustentação teórica, tampouco prática. Nessa primeira etapa de um projeto que busca uma nova epistemologia do urbano, o urbano(-utopia) lefebvriano parece ter sido subsumido na operacionalização das paisagens, no processo de neoliberalização, na colonização e na implosão-explosão do capitalismo. Clarifiquemos, desde já: a crítica das formulações contemporâneas da urbanização planetária é uma crítica utópica, “aquela que tenta abrir a via do possível, explorar e balizar um terreno que não seja simplesmente aquele do ‘real’, do realizado, ocupado pelas forças econômicas, sociais e políticas existentes” (LEFEBVRE, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 ., p. 20). Não se trata de colocá-las em descrédito. Também não se trata apenas de demandar uma positividade teórica, de desejar um final feliz para o filme de terror. Trata-se de compreender: Henri Lefebvre é raiz, mas é também nuvem no céu concreta, real, possível.

Aonde mais buscaremos alternativas emancipatórias senão nas raízes locais e suas interações com a ordem distante? Os territórios extremos de urbanização extensiva além de colocarem à prova o caráter planetário da urbanização não podem ser alternativas extremas de emancipação? Voltemos ao trabalho de Monte-Mór (2004): o autor reconstrói a geohistória da ocupação da Fronteira Amazônica em torno da problemática urbana emergente, atém-se às especificidades contextuais, fornece uma descrição extremamente detalhada do tecido urbano com base nas especificidades locais e na vida quotidiana do Nortão do Mato Grosso, do Sul do Pará, do Tocantins e de Rondônia. Ou seja, o autor foi capaz de associar processos locais-regionais, mostrar o caráter de mediação do espaço urbano, associando processos mais amplos (relativos às estratégias do Estado brasileiro e aos processos do capitalismo fordista) à vida quotidiana, tomando a Amazônia como uma “janela paradigmática” através da qual é possível ver o desenvolvimento urbano-regional que se dá no território incompletamente organizado27 27 O conceito de espaço incompletamente organizado é de Milton Santos (1978). do Brasil.

Com isso, argumentamos que Neil Brenner está correto em reafirmar a crítica da unidade; contudo, é preciso compreender que a reconstrução da geohistória do processo de urbanização (concentrada e extensiva) passa, sem dúvida, por especificidades contextuais e pelas unidades-centralidades de maior expressão em cada região. Além disso, faz-se necessária uma mudança no tom dessa reafirmação para que não se abandone a centralidade em função da crítica ao “citadismo” essa obsessão teórico-metodológica com as cidades. Essa defesa não deve apenas mencionar o papel das economias de aglomeração, como fizeram Brenner e Schmid (2015a). Ela deve também enfatizar o papel fundamental da centralidade, sem a qual não existe realidade urbana, tampouco teoria urbana.

Considerações finais

Este artigo buscou apresentar a agenda de pesquisa contemporânea em urbanização planetária, que retoma a hipótese de urbanização completa da sociedade anunciada por Lefebvre. Foge ao escopo de um trabalho dessa natureza uma abordagem completa que articule outros temas centrais no debate contemporâneo, tais como: a discussão das origens da cidade e do urbano; as concepções de outras epistemologias (e ontologias) do urbano e da urbanização; a exposição completa das críticas e discussões subsequentes às proposições de Neil Brenner e Christian Schmid; a crítica dos estudos pós-coloniais e as perspectivas de autores do Sul global acerca das possibilidades emancipatórias associadas à explosão da cidade e à urbanização completa da sociedade. É preciso ressaltar que essa agenda de pesquisa contemporânea ainda não dialoga de forma substantiva com os trabalhos clássicos sobre o tema em vários aspectos destacados, sobretudo naqueles que se referem ao possível, ao urbano-utopia, ao espaço diferencial.

A partir da retomada da urbanização planetária em contraponto às formulações clássicas, queremos dizer que: a revolução urbana se sobrepõe à realidade urbano-industrial; a questão da reprodução se sobrepõe à da produção e a dimensão ambiental prevalece sobre a lógica produtivista da indústria; os sonhos diurnos, a simultaneidade e o encontro são fundamentais diante dos mecanismos de alienação, de ordenamento da vida quotidiana e da produção de ideologias e racionalidades hegemônicas. Queremos dizer que, além da colonização e da dominação das aglomerações urbanas sobre as paisagens operacionais, existem novas formas de integração econômica e social que emergem em meio ao hibridismo sociocultural produzido. Queremos dizer que o processo de explosão implica extensão do tecido urbano e modernização estrutural; significa, igualmente, cidadania extensiva, politização urbano-utópica. E, ainda, a implosão não se traduz apenas em adensamento, tamanho, competição e fortalecimento da lógica industrial; ela quer dizer também praxis da centralidade urbana, quer dizer disputa pelo poder, pelo excedente e pelo fortalecimento da festa como forma de (re)ativação dos símbolos e sonhos coletivos contra a ameaça da lógica industrial.

Referências

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    » https://doi.org/10.1080/13604813.2015.1024073
  • WILSON, J.; BAYÓN, M. Concrete Jungle: The Planetary Urbanization of the Ecuadorian Amazon. Human Geography, v. 8, n. 3, p. 1-23, 2015.
  • 1
    Professor de Teoria Urbana na Graduate School of Design de Harvard e diretor do Urban Theory Lab.
  • 2
    Professor de Sociologia no Department of Architecture na EHT-Zurich e pesquisador na EHT Studio Basel e no Contemporary City Institute.
  • 3
    Esses trabalhos não serão apresentados em sua totalidade. Para outros detalhes, ver: Friedmann (2014)FRIEDMANN, J. Becoming urban: On Whose Terms? In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014. p. 551-560. ; McGee (2014)MCGEE, T. The Emergence of Desakota Regions in Asia: expanding a hypothesis. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosion/Explosion: towards a study of planetary urbanization. Berlim: Jovis , 2014. p. 121-139.; Merrifield (2014)MERRIFIELD, A. The urban question under planetary urbanization. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosion/Explosion: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014. p. 164-180.; Arboleda (2015)ARBOLEDA, M. Spaces of extraction, metropolitan explosions: planetary urbanization and the commodity boom in Latin America. International Journal of Urban and Regional Research, v. 40, n. 1, p. 96-112, 2015. 10.1111/1468-2427.12290
    https://doi.org/10.1111/1468-2427.12290...
    ; Wilson e Bayón (2015)WILSON, J.; BAYÓN, M. Concrete Jungle: The Planetary Urbanization of the Ecuadorian Amazon. Human Geography, v. 8, n. 3, p. 1-23, 2015..
  • 4
    Edward Soja (2000)SOJA, E. Postmetropolis: critical studies of cities and regions. Oxford: Backwell, 2000. já havia descrito o cenário intelectual dos estudos urbanos: o melhor e o pior dos tempos. Por um lado, um campo de estudo cada vez mais diversificado em termos metodológicos e (inter) disciplinares; por outro, um campo repleto de desentendimentos, discordâncias e discrepâncias entre teorias e práticas urbanas.
  • 5
    Argumento que nos leva de volta a Lefebvre (1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 ., p. 59) e sua reivindicação de uma universidade devotada ao estudo do fenômeno urbano que seja capaz de reunir todas as disciplinas existentes em torno da problemática urbana.
  • 6
    Para uma revisão crítica da história do planejamento e do urbanismo, além de Brenner (2011)BRENNER, N. The Urbanization Question or the field formerly known as urban studies. 2011. Aula inaugural ministrada na Harvard Graduate School of Design. Disponível em: http://www.urbantheorylab.net/videos/the-urbanization-question-or-the-field-formerly-k-nown-as-urban-studies/. Acesso em: 5 ago. 2015.
    http://www.urbantheorylab.net/videos/the...
    , ver também: Monte-Mór (2006b)MONTE-MÓR, R. O que é o urbano no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Cedeplar/ UFMG, 2006b (Texto para Discussão, 281). Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20281.pdf. Acesso em: 10 set. 2016.
    http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td...
    , Costa (2015)COSTA, G. Construções teóricas da problemática urbana brasileira: rupturas, permanências, transcendências e convergências. In: COSTA, H.; MONTE-MÓR, R. (Org.). Teorias e Práticas Urbanas: condições para a sociedade urbana. Belo Horizonte: Com Arte, 2015. p. 19-40. e Limonad (2015)LIMONAD, E. Muito além do jardim: planejamento urbano ou urbanismo, do que estamos falando? In: COSTA, G.; COSTA, H.; MONTE-MÓR, R. (Org.). Teorias e Práticas Urbanas: condições para a sociedade urbana . Belo Horizonte: Com Arte , 2015. p. 71-102..
  • 7
    O artigo de Taylor e Lang (2004)TAYLOR, P.; LANG, R. The shock of the new: 100 concepts describing recent urban change. Environment and Planning A., v. 36, p. 951-958, 2004. 10.1068/a375
    https://doi.org/10.1068/a375...
    - intitulado “The Shock of the New: 100 concepts describing recent urban change” - apresenta essa erupção de conceitos e denuncia uma certa pretensão de provocar uma “revolução” nos estudos urbanos ou uma mudança de paradigmas.
  • 8
    Esse projeto do Urban Theory Lab, coordenado por Brenner, busca pôr à prova a factualidade absoluta do termo urbanização planetária através da investigação da extensão do tecido urbano aos chamados (de maneira euroamericana) territórios extremos: Sibéria, Ártico, Himalaia, África Sahariana, Amazônia, Oceano Pacífico, Deserto de Gobi e até mesmo a atmosfera terrestre.
  • 9
    Tradução do título original: Urban Theory Without an Outside.
  • 10
    Tradução nossa do original “cityism”.
  • 11
    O nível G é o global, do Estado como “vontade e representação” (LEFEBVRE, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 ., p. 77). Esse nível projeta um nível intermediário M, da mediação, nível “especificamente urbano” (LEFEBVRE, 1999LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999 ., p. 78), no qual está introjetada a dinâmica do nível P, privado, da experiência quotidiana vivida, que opera como “reservatório da subjetividade utópica” (GOONEWARDENA, 2005GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005. 10.1111/j.0066-4812.2005.00473.x.
    https://doi.org/10.1111/j.0066-4812.2005...
    , p. 65).
  • 12
    Mediar, para Goonewardena (2005GOONEWARDENA, K. The Urban Sensorium: Space, Ideology and the Aestheticization of Politics. Antipode, v. 37, n. 1, p. 46-71, 2005. 10.1111/j.0066-4812.2005.00473.x.
    https://doi.org/10.1111/j.0066-4812.2005...
    , p. 51), é trazer à tona (por um agente), é o resultado de um processo ativo. É o oposto de uma imediação, de uma relação sem intermediários, de um processo sem resultados. Mediar uma ideologia é, portanto, “quebrar seu feitiço”, torná-la visível.
  • 13
    Ver, por exemplo, as pesquisas e seminários desenvolvidos no centro Cities da London School of Economics em torno da chamada era urbana. Disponível em: https://lsecities.net/. Acesso em: 20 jun. 2015.
  • 14
    Jeniffer Robinson (2002)ROBINSON, J. Global and world cities: a view from off the map. International Journal of Urban and Regional Research , v. 26, n. 3, p. 531-554, 2002. 10.1111/1468-2427.00397
    https://doi.org/10.1111/1468-2427.00397...
    já havia feito a crítica dessa geografia dos estudos urbanos. De um lado, as cidades do “primeiro mundo”, referenciadas como modelos a serem seguidos; nelas e através delas são produzidas e exportadas as teorias e as políticas urbanas. Do outro lado, estão as cidades do “terceiro mundo” como problemas a serem resolvidos; seu diagnóstico e seu prognóstico são baseados nas condições e práticas urbanas das cidades de primeiro mundo.
  • 15
    Ver, por exemplo, Michael Batty (2013)BATTY, M. The New Science of Cities. Cambridge: MIT Press, 2013. e sua abordagem de sistemas de cidades dentro da ciência da complexidade, que o autor chamou de A Nova Ciência das Cidades (o exato título da obra).
  • 16
    Aqui, faço referência aos títulos dos artigos de Brenner (2014c)BRENNER, N. Theses on urbanization. In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014c. p. 181-202., “Theses on Urbanization”, e de Brenner e Schmid (2015a)BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, p. 151-182, 2015a. 10.1080/13604813.2015.1014712.
    https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
    , “Towards a new epistemology of the urban?”.
  • 17
    Ver: Chakrabarty (2009)CHAKRABARTY, D. Provincializing Europe: Postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2009., para a ideia de provincializar a Europa e descentralizar a experiência europeia do imaginário e das formas quotidianas de pensamento. Para uma crítica pós-colonialista no debate contemporâneo, ver: Roy (2009ROY, A. The 21st-Century Metropolis: New Geographies of Theory. Regional Studies, v. 43, n. 6, p. 819-830, 2009. 10.1080/00343400701809665.
    https://doi.org/10.1080/0034340070180966...
    ; 2016ROY, A. Who is afraid of postcolonial theory? International Journal of Urban and Regional Research , v. 40, n. 1, p. 200-209, 2016. 10.1111/1468-2427.12274
    https://doi.org/10.1111/1468-2427.12274...
    ); Robinson (2002)ROBINSON, J. Global and world cities: a view from off the map. International Journal of Urban and Regional Research , v. 26, n. 3, p. 531-554, 2002. 10.1111/1468-2427.00397
    https://doi.org/10.1111/1468-2427.00397...
    .
  • 18
    Ver: Brenner, Peck e Theodore (2010)BRENNER, N.; PECK, J.; THEODORE, N. Variegated Neoliberalization: Geographies, Modalities, Pathways. Global Networks, v. 10, n. 2, p. 182-222, 2010. 10.1111/j.1471-0374.2009.00277.x
    https://doi.org/10.1111/j.1471-0374.2009...
    .
  • 19
    Ver: Gandy (2014)GANDY, M. Where does the city end? In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlin: Jovis, 2014. p. 86-89..
  • 20
    Termo cunhado a partir do conceito marxista de acumulação primitiva.
  • 21
    Segundo os autores, o conceito de urbanização diferencial tem como referência a ideia de espaço diferencial de Henri Lefebvre (1974)LEFEBVRE, H. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974. . Por outro lado, justificam a não utilização da implosão-explosão lefebvriana como equivalente aos conceitos propostos de urbanização concentrada e extensiva devido à existência da urbanização diferencial.
  • 22
    O caso da crise agrária urbana na Índia é um dos exemplos da produção de paisagens operacionais, do agravamento da neoliberalização e das consequências sociais catastróficas, como o caso da maior onda de suicídios da história. Ver: Sainath (2009SAINATH, P. Neoliberal Terrorism in India: The Largest Wave of Suicides in History. Counterpunch, 12 fev. 2009. Disponível em: http://www.counterpunch.org/2009/02/ 12/the-largest-wave-of-suicides-in-history-2/. Acesso em: 20 mar. 2015.
    http://www.counterpunch.org/2009/02/ 12/...
    ; 2015SAINATH, P. The slaughter of suicide data. Blog de Palagummi Sainath, 5 ago. 2015. Disponível em: http://psainath.org/the-slaughter-of-suicide-data/. Acesso em: 22 nov. 2015.
    http://psainath.org/the-slaughter-of-sui...
    ); Goonewardena (2014)GOONEWARDENA, K. The country and the city in the urban revolution In: BRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlin: Jovis , 2014. p. 218-231..
  • 23
    Foge ao escopo deste artigo apresentar todas as críticas e discussões subsequentes. Ver, principalmente, a crítica avassaladora e instantânea de Richard Walker (2015)WALKER, R. Building a better theory of the urban: A response to ‘Towards a new epistemology of the urban?’ City, v. 19, n. 2-3, p. 183-191, 2015. 10.1080/13604813.2015.1024073
    https://doi.org/10.1080/13604813.2015.10...
    , a tréplica de Brenner e Schmid (2015b)BRENNER, N.; SCHMID, C. Combat, Caricature & Critique in the Study of Planetary Urbanization. Urban Theory Lab, Graduate School of Design, Harvard University, 2015b. Disponível em: http://www.soziologie.arch.ethz.ch/_DATA/90/BrennerSchmid2.pdf. Acesso em: 10 set. 2016.
    http://www.soziologie.arch.ethz.ch/_DATA...
    e o manifesto de Sheppard, Leitner e Maringantib (2013)SHEPPARD, E.; LEITNER, H.; MARINGANTIB, A. Provincializing Global Urbanism: A Manifesto. Urban Geography, v. 34, n. 7, p. 893-900,. 2013. 10.1080/02723638.2013.807977
    https://doi.org/10.1080/02723638.2013.80...
    .
  • 24
    Faço referência ao prefácio de Neil Brenner (2014aBRENNER, N. (Ed.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization . Berlim: Jovis , 2014a. , p. 6), no qual se cristaliza a agenda de pesquisa em urbanização planetária: “Essa coleção inclui vários textos clássicos de pensadores pioneiros como Henri Lefebvre, David Harvey, Edward Soja, Terry McGee, Roberto Luis Monte-Mór e Marcel Meili”.
  • 25
    Para escapar ao vício historicista e assegurar a inseparabilidade do social, do histórico e do espacial, Soja (2000) utiliza o termo geo-história, afirmando o poder interpretativo da geografia.
  • 26
    Ver: Milton Santos (1978)SANTOS, M. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo. São Paulo: Hucitec, 1978..
  • 27
    O conceito de espaço incompletamente organizado é de Milton Santos (1978)SANTOS, M. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo. São Paulo: Hucitec, 1978..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2016
  • Aceito
    21 Set 2016
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