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Conflito ambiental no sertão baiano: o projeto Pedra de Ferro em Caetité e Pindaí

Environmental conflict in the Bahian backlands: the Pedra de Ferro project in Caetité and Pindaí

Resumo

Este trabalho estuda os conflitos ambientais em curso em Caetité e Pindaí, na Bahia, Brasil, em decorrência da implantação do projeto Pedra de Ferro, que pretende extrair minério de ferro na região com vistas à exportação. À luz das reflexões acerca da justiça ambiental, e dentro de uma perspectiva metodológica que considera as diferentes estratégias discursivas envolvidas no conflito, este trabalho objetiva mostrar que o modelo de desenvolvimento neoextrativista adotado produz profundas desigualdades socioambientais e amplia as possibilidades para a emergência do conflito.

Palavras-chave:
Conflito Ambiental; Neoxtrativismo; Mineração

Abstract

This paper focuses on ongoing environmental conflicts in Caetité and Pindaí in Bahia, Brazil, since the implementation of the Pedra de Ferro project, which intends to extract iron ore for export in the region. In the light of reflections about environmental justice, and within a methodological perspective that considers the different discursive strategies involved in the conflict, this work aims to show that the neo-extractive development model adopted produces profound socio-environmental inequalities and expands the possibilities for the emergence of the conflict.

Keywords:
Environmental Conflict; Neo-extractivism; Mining

Introdução

No final dos anos 2000, o estado da Bahia começou a ser anunciado como “polo emergente da mineração do Brasil” e tornou-se objeto de cobiça de grandes mineradoras do mundo. A expectativa do governo é de que o estado assuma a terceira colocação no ranking da exploração mineral do país.

Apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM, 2011INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO (IBRAM). Bahia de todos os minérios, 11 out. 2011. Disponível em: http://ibram.org.br/150/15001002.asp?ttCD_CHAVE=150346 . Acesso em: 10 jul. 2019.
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) como a “mais nova joia baiana” ou como principal vetor de crescimento da mineração na Bahia, a região de Caetité destaca-se dentre as localidades do interior do estado que receberam novos projetos de mineração a partir dos anos 2000. Nessa região, que dista cerca de 650 quilômetros de Salvador, encontra-se em implantação o projeto Pedra de Ferro. Conduzido pela Bahia Mineração (Bamin), empresa controlada pela Eurasian Resources Group (ERG)1 1 Com origem no Cazaquistão e sede em Londres, o Eurasian Resources Group (ERG) incorporou a Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), antigo controlador da Bamin (2016). BAMIN. BAHIA MINERAÇÃO. O minério de ferro. Salvador, 2016. Disponível em: ttps://www.bamin.com.br/pagina.php?cod=1. Acesso em: 7 jul.2020. , o projeto Pedra de Ferro promete extrair quase 20 toneladas de minério de ferro por ano.

O movimento da indústria da mineração para regiões remotas da Bahia está vinculado ao modelo de desenvolvimento “neoextrativista”, um padrão de acumulação focado na exportação de commodities consolidado em vários países da América Latina nas primeiras décadas do século XXI e que se caracteriza pela larga exploração de recursos naturais em redes produtivas pouco diversificadas, resultando em uma inserção subordinada desses países na divisão internacional do trabalho (GUDYNAS, 2012GUDYNAS, E. O novo extrativismo progressista na América do Sul: teses sobre um velho problema sob novas expressões. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (org.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond , 2012.; ACSELRAD, 2018aACSELRAD, H. Apresentação. In: ACSELRAD, H. (org.). Políticas territoriais, empresas e comunidades: o neoextrativismo e a gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro: Garamond, 2018a.; SVAMPA, 2013SVAMPA, M. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Nueva Sociedad, 244, p. 30-46, mar.-abr. 2013.; LASCHEFSKI; ZHOURI, 2019LASCHEFSKI, K.; ZHOURI, A. Povos indígenas, comunidades tradicionais e meio ambiente: a “questão territorial” e o novo desenvolvimentismo no Brasil. Terra Livre, v. 52(1), p. 241-285, 2019.).

A implantação desse modelo extrativista exportador de commodities conduz ao confronto de duas lógicas diversas de apropriação do território e de seus recursos. Por um lado, empresas e governantes, dentro da lógica mercantil, procuram se apropriar da natureza para promover a acumulação do capital e, por outro, grupos territorialmente referenciados lutam pelo direito de continuar desenvolvendo práticas socioeconômicas e culturais tradicionais. Essas disputas entre diferentes maneiras de apropriação do território e de seus recursos engendram conflitos ambientais que envolvem diferentes formas de significação de modo de vida em busca de legitimidade (ACSELRAD, 2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.).

Diante do potencial impactante de dois outros grandes projetos de desenvolvimento em curso na região de Caetité e Pindaí - a extração de urânio promovida pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e o Complexo Eólico do Alto Sertão -, esses conflitos podem assumir uma dimensão de grande complexidade.

Tendo em vista as dificuldades de caracterizar as especificidades dos “conflitos ambientais” como objeto científico, Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.) propõe um recurso à teoria social de Bourdieu na construção de um quadro analítico para a compreensão do que denomina “campo dos conflitos ambientais”. O conceito de campo, no sentido de campo de forças e de lutas simbólicas pela legitimidade dos discursos capazes de conservar ou transformar relações de poder que nele atuam (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.; BOURDIEU; WACQUANT, 1997BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. J. D. An invitation to reflexive sociology. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. ), possibilitaria o desenvolvimento de um olhar sobre a questão ambiental que, em contraponto à visão consensualista do “meio ambiente unitário”, leve em conta o papel da diversidade sociocultural e os conflitos correlatos (ACSELRAD, 2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.).

Por meio de uma perspectiva que considera, em consonância com Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.), o meio ambiente como terreno contestado material e simbolicamente, este texto explora os conflitos decorrentes da confrontação de distintos projetos de apropriação e significação dos recursos ambientais, em Caetité e Pindaí, situados no sertão baiano, em face da instalação do projeto de exploração de minério de ferro na região.

Algumas questões balizaram as reflexões aqui apresentadas: Como emergem os conflitos ambientais relativos à implantação do projeto Pedra de Ferro nesses dois municípios? Quais são os principais atores envolvidos nesses conflitos e suas principais estratégias discursivas? De que modo os conflitos ambientais nessa região expressam as tensões no processo de reprodução de modelos de desenvolvimento? Em que medida os embates entre as diferentes estratégias discursivas conseguem modificar as relações de poder sobre esses territórios e seus recursos?.

O argumento aqui apresentado é o de que a adoção do modelo de desenvolvimento neoextrativista na região de Caetité, que objetiva a exploração do minério de ferro sustentada em uma representação mercantil da natureza, resulta em profunda “desigualdade ambiental” e amplia as possibilidades de conflito. À medida que os embates se aprofundam, entretanto, novas estratégias discursivas emergem, rompendo com o senso comum de inexorabilidade desse modelo e abrindo espaço para outra forma de representação da natureza - aquela que leva em conta a promoção da justiça ambiental.

Com o objetivo de desenvolver esse argumento, buscou-se identificar as principais estratégias nos discursos e nas ações dos sujeitos representativos das duas lógicas de apropriação do território em confronto na região estudada - poder público e empresa mineradora e grupos atingidos pelo projeto -, sem, contudo, perder de vista a dimensão transescalar (VAINER, 2006VAINER, C. B. Lugar, região, nação, mundo: explorações históricas do debate acerca das escalas de ação política. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, v. 8, n. 2, p. 9-29, 2006. ; BRANDÃO, 2008BRANDÃO, C. Desenvolvimento, territórios e escalas espaciais: levar na devida conta as contribuições da economia política e da geografia crítica para construir a abordagem interdisciplinar. In: RIBEIRO, M. T. F.; MILANI, C. R. S. (org.). Compreendendo a complexidade socioespacial contemporânea: o território como categoria de diálogo interdisciplinar. Salvador: Ed. da UFBA, 2008.) das disputas que se desenvolvem dentro do campo dos conflitos ambientais. Nesse sentido, foram analisadas as narrativas dos diferentes sujeitos envolvidos sob uma perspectiva que considera as interações inter e intraescalares desses confrontos. A fala dos atingidos foi analisada mediante entrevistas semiestruturadas com os grupos mais diretamente afetados - ex-integrantes de comunidades tradicionais removidas pelo projeto e integrantes de comunidades de seu entorno -, com pesquisadores locais comprometidos com a ideia de justiça ambiental e com lideranças dos movimentos sociais que se articulam em múltiplas escalas. A análise do discurso de representantes do Estado baseou-se em declarações públicas de governantes das três esferas, em informações disponíveis em sítios oficiais na rede de computadores e em entrevistas semiestruturadas com representantes do poder público local nos dois municípios afetados. As estratégias da empresa mineradora foram exploradas por meio da análise de declarações feitas à mídia e de informações disponíveis nos veículos oficiais de comunicação da empresa responsável pelo empreendimento e de distintos sujeitos coletivos que atuam em outras escalas de representação do setor2 2 Para garantir a proteção das fontes da pesquisa, os entrevistados não são identificados neste texto. .

1. O modelo de desenvolvimento em questão

Refletir sobre as disputas entre diferentes formas de apropriação do território, como sugerido por Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.), com o apoio da teoria social de Bourdieu, significa pensar o campo dos conflitos ambientais como uma rede de relações objetivas entre posições “na estrutura da distribuição das espécies de poder (ou capital) cuja possessão comanda acesso a lucros específicos que estão em jogo no campo” (BOURDIEU; WACQUANT, 1992BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. J. D. An invitation to reflexive sociology. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. , p. 97, tradução nossa). Considerando o “campo” como um espaço social hierarquizado pela desigual distribuição de capitais (econômicos, culturais, sociais, simbólicos etc.), a posição de cada agente ou grupo de agentes nesse espaço social estaria definida pelo volume global de capital e pela composição dos diferentes tipos de capital que possui. O empenho de indivíduos ou grupo de indivíduos a fim de manter elevado seu volume global de capital implicaria, então, de acordo com os autores, uma disputa permanente pela valorização ou desvalorização relativa de certos tipos de capital, o que significa também uma luta simbólica pela legitimação de visões de mundo.

Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.) sugere a distinção de dois espaços onde se definem as relações de poder, que estariam relacionados aos modos de apropriação da base material da sociedade. O primeiro seria o espaço da distribuição do poder sobre os diferentes tipos de “capital”, incluindo o que ele chama de “capital material”3 3 A capacidade diferencial de os sujeitos terem acesso ao território e aos recursos naturais se configuraria nesse espaço. . No segundo, legitimam-se os modos de distribuição de poder como resultado do confronto das representações, valores e ideias que organizam e legitimam visões de mundo. As disputas cognitivas em jogo no campo dos conflitos ambientais seriam principalmente aquelas relativas ao conceito de natureza e às formas legítimas de apropriação do território e de seus recursos. Essa leitura do meio ambiente como terreno contestado, material e simbolicamente, criou as bases para o conceito de conflitos ambientais apresentado por Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35., p. 27):

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis - transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos - decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.

A caracterização do ambiental como um campo específico, no qual se constituem e se manifestam os conflitos, pressupõe uma opção metodológica que, para conhecer as especificidades dos conflitos que emergem de determinado empreendimento, leva em conta as disputas relativas ao modelo de desenvolvimento correlato. Afinal, como destaca Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.), para cada ambiente conflitivo que se manifesta o que se encontra em questão é o modelo de desenvolvimento.

O projeto Pedra de Ferro é um empreendimento da Bamin que propõe a construção de um complexo com capacidade para extrair, beneficiar e transportar o minério de ferro da mina Pedra de Ferro situada no limite entre os municípios de Caetité e Pindaí, ambos localizados no Território de Identidade Sertão Produtivo na Serra Geral da Bahia (BAHIA, 2018BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Bamin anuncia início da produção de ferro e obra do Porto Sul com 1,5 mil empregos, 24 jul. 2020. Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35 . Acesso em: 27 jun. 2020.
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).

O anúncio do projeto Pedra de Ferro para a região de Caetité em 2007 resulta de uma agressiva política de desenvolvimento neoextrativista promovida por governantes das três esferas da administração pública. Gudynas (2012)GUDYNAS, E. O novo extrativismo progressista na América do Sul: teses sobre um velho problema sob novas expressões. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (org.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. alerta para a emergência desse novo modelo de desenvolvimento extrativista na América Latina no início do século XXI, em países então conduzidos por governos progressistas, inclusive o Brasil. O autor define o extrativismo como um conjunto particular de apropriações de recursos naturais, caracterizado pelos grandes volumes removidos e/ou pela alta intensidade, em que metade ou mais dos recursos apropriados acaba sendo exportada como matéria-prima, sem processamento industrial ou com processamento limitado4 4 Tal conceituação diferencia esse modelo de desenvolvimento das práticas produtivas de pequeno alcance relacionadas à pesca ou à extração de vegetais, conhecidas como formas tradicionais e coletivas de apropriação dos recursos naturais, caso, por exemplo, da extração de frutos em terras comuns ou do látex da seringa na Amazônia. (GUDYNAS, 2016GUDYNAS, E. Extractivismos en America Del Sur y sus efectos derrame. Société Suisse des Américanistes, n. 76, 2016., p. 14).

Nesses países, a expansão territorial da mineração, do agronegócio, das monoculturas de árvores e da exploração de petróleo e gás estaria atrelada, nas últimas décadas, a essa estratégia de desenvolvimento. Para o autor, embora guarde a característica básica do extrativismo convencional - a persistência de rupturas socioambientais -, o neoextrativismo se diferencia daquele modelo especialmente por uma atuação mais incisiva do Estado, que, no novo contexto, busca captar uma porção maior do excedente e destinar parte dele ao financiamento de projetos sociais. Estes, por sua vez, cumpririam a função de legitimar tanto os governos quanto os próprios empreendimentos extrativistas.

Para Svampa (2013SVAMPA, M. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Nueva Sociedad, 244, p. 30-46, mar.-abr. 2013.), o modelo neoextrativsta se consolida na América Latina no contexto de uma nova ordem, tanto econômica como político-ideológica: trata-se do “consenso das commodities”, que se sustenta na explosão dos preços internacionais das matérias-primas e dos bens de consumo, cada vez mais procurados pelos países centrais e pelas potências emergentes.

O avanço de empreendimentos neoextrativistas sobre áreas remotas, com seus contingentes de operários, técnicos e equipamentos, tem resultado na constituição de um emaranhado de enclaves diretamente conectados aos mercados globais, engendrando processos de desterritorialização e fragmentação que aprofundam as tensões no território (GUDYNAS, 2012GUDYNAS, E. O novo extrativismo progressista na América do Sul: teses sobre um velho problema sob novas expressões. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (org.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond , 2012.). Svampa (2013SVAMPA, M. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Nueva Sociedad, 244, p. 30-46, mar.-abr. 2013.) chama atenção para os riscos de intensificação da grilagem de terras em decorrência da dinâmica instalada por esses empreendimentos e para o seu poder destruidor sobre as economias regionais, a biodiversidade e a vida dos povos do campo e de comunidades tradicionais.

Além de produzir efeitos danosos sobre a biodiversidade, o projeto Pedra de Ferro, embora apresentado pela empresa e por representantes do estado como “bom para todos”, conflita diretamente com as práticas de apropriação e significação do território de comunidades remanescentes de quilombos e de pequenos agricultores que habitam sua área de influência.

É nesse campo, onde se confrontam duas lógicas diferentes de apropriação e significação do território e de seus recursos, que emergem os conflitos ambientais. O projeto de sociedade preconizado pelo modelo de desenvolvimento extrativista exportador, assim como o destino por ele apresentado como inevitável para os recursos naturais, começa a ser questionado por outras narrativas. Em função da distribuição desigual dos diferentes tipos de poder (ou capitais) entre sujeitos em disputa pelo acesso ao território e seus recursos e da má distribuição dos riscos ambientais que dela resulta, o recurso ao conceito de “desigualdade ambiental” pode contribuir para a construção de estratégias discursivas contestatórias.

O movimento pela justiça ambiental surgiu nos Estados Unidos durante os anos 1980, inspirado nas lutas contra o “racismo ambiental” inicialmente travadas em defesa dos direitos civis dos afrodescendentes. Depois de uma articulação entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis, uma rede de lutas pela justiça ambiental logo se fortaleceu e procurou se internacionalizar, constituindo uma resistência global às dimensões mundiais da reestruturação espacial da poluição (ACSELRAD, 2002ACSELRAD, H. Justiça ambiental e construção social do risco. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 5, p. 49-60, jan.-jun. 2002.). O lema do movimento - “poluição tóxica para ninguém” - deixa claro que o simples deslocamento espacial da poluição não interessa aos que lutam por justiça ambiental.

Para Acselrad (2010ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos avançados, v. 24, n. 68, São Paulo, 2010., p. 108), a luta por justiça ambiental representa uma mudança expressiva na forma de encarar a questão ambiental e surge da “apropriação singular da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social”. O autor alerta para a necessidade de reconstrução das arenas onde ocorrem os embates sociais, mediante a alocação das questões ambientais ao lado de questões sociais tradicionais. Situações normalmente vistas como problemas ambientais originados pelo desenvolvimento são compreendidas, nessa perspectiva, por meio da noção dos conflitos ambientais.

Partindo do pressuposto de que as questões sociais e as ambientais são indissociáveis, o conceito de “desigualdade ambiental” surgiu como contraponto ao discurso hegemônico redutor da problemática ambiental ao equacionamento dos limites impostos pela escassez de recursos materiais e energéticos. O Coletivo de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental (2012)COLETIVO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES, v. 17, p. 164-183, 2012. mostra como esse conceito permite entender os processos de distribuição desigual dos proveitos e rejeitos do desenvolvimento econômico dentro do capitalismo liberalizado, que conduz os benefícios aos grandes grupos econômicos e faz com que os danos resultantes incidam predominantemente sobre grupos sociais vulneráveis. Em referência aos violentos processos de mercantilização dos bens não mercantis - como terra, água e ar - promovidos por esse tipo de projeto, o Coletivo de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental (2012)COLETIVO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES, v. 17, p. 164-183, 2012. recorre ao conceito de “acumulação por espoliação”, proposto por David Harvey (2004HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.) em referência a formas contemporâneas de acumulação capitalista que se caracterizam pela permanência de práticas identificadas como próprias dos momentos inaugurais do capitalismo e descritas por Marx como características da acumulação primitiva.

Como lembra Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35.), as lutas ambientais são também lutas por sentidos culturais. Considerando a importância das lutas simbólicas e o poder de politização que emerge dos conflitos ambientais, as indústrias mineradoras e representantes do Estado se articulam na construção de estratégias discursivas que objetivam despolitizar as discussões relativas à questão ambiental na região de Caetité, neutralizando os conflitos. Ao representar o crescimento econômico como única meta, esses agentes desprezam as especificidades de cada território no que concerne às práticas socioculturais preexistentes e aos ciclos regenerativos da natureza.

A região de Caetité e Pindaí se caracteriza historicamente pela predominância de atividades tradicionais, ligadas à agricultura familiar e à pecuária. Com população estimada de 50.975 habitantes (IBGE, 2019aINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). IBGE Cidades, 2019a. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/caetite/panorama . Acesso em: 5 jul. 2020.
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), o município de Caetité contava, por ocasião do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico de 2010, Bahia. IBGE, 2010. Disponível em Disponível em https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=29&dados=29 . Acesso em: 5 jul. 2020.
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), com mais de 40% de seus habitantes residindo na área rural. Já em Pindaí, cuja população estimada é de 16.260 habitantes (IBGE, 2019bINSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). IBGE Cidades, 2019b. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/pindai/panorama . Acesso em: 5 jul. 2020.
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), mais de 72% da população vivia no campo (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico de 2010, Bahia. IBGE, 2010. Disponível em Disponível em https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=29&dados=29 . Acesso em: 5 jul. 2020.
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). Os índices de residentes da zona rural dessas localidades - imensamente superiores à média nacional e mesmo do Nordeste, que contabilizaram, respectivamente, 15% e 26% (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico de 2010, Bahia. IBGE, 2010. Disponível em Disponível em https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=29&dados=29 . Acesso em: 5 jul. 2020.
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) de pessoas vivendo no campo - revelam a importância socioeconômica do território e de seus recursos naturais para as famílias que ali habitam.

De acordo com os relatos colhidos, a maioria dessas pessoas que habitam o campo é composta de pequenos produtores rurais e comunidades tradicionais praticantes de atividades agropastoris, destinadas ao consumo próprio, cujo excedente costuma ser negociado nas feiras livres de Caetité e Pindaí. A apropriação de territórios pela empresa, para o desenvolvimento da exploração mineral, conflita com a continuidade dessas atividades.

Quando grupos, cujas práticas socioculturais não obedecem à lógica mercantil capitalista, vislumbram suas formas tradicionais de viver e os recursos essenciais para sua existência ameaçados de destruição pela ação de sujeitos motivados pela acumulação de riquezas, sua única alternativa à completa exclusão passa a ser a resistência.

Como observado por Sant’Ana Júnior e Alves (2017)SANT’ANA JÚNIOR, H. A. de; ALVES, E. de J. P. Mina-Ferrovia-Porto: no “fim de linha”, uma cidade em questão. In: ZHOURI, A. (org.). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil . Marabá: Iguana: ABA , 2018., os efeitos socioambientais da mineração neoextrativista podem ser ampliados quando a eles se conecta a instalação de projetos de infraestrutura, de energia e de transportes, tais como estradas de ferro, minerodutos e portos. A extração de minério de ferro no Sertão Produtivo se articula diretamente à implantação do Complexo Logístico Intermodal Porto Sul, que compreende dois outros megaempreendimentos, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e o Complexo Portuário Porto Sul, na cidade de Ilhéus, no litoral sul da Bahia. A Fiol5 5 A Fiol é uma obra do Governo Federal, com extensão de 1.527 quilômetros, que teve financiamento inicial por intermédio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Atualmente, a obra se encontra em processo de desestatização (PPI, 2020). ligará o município de Ilhéus ao município de Figueirópolis, no Tocantins, e terá a função principal de viabilizar o escoamento, por meio dos terminais do Porto Sul6 6 O Porto Sul será construído com o apoio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) firmada entre o estado da Bahia e a Bamin. , do minério produzido na região de Caetité e dos granéis, agrícolas e líquidos (PPI, 2020PROGRAMA DE PARCERIAS E INVESTIMENTOS (PPI). Ferrovia EF-334/BA - Ferrovia de Integração Oeste-Leste-Fiol (trecho entre Ilhéus/BA e Caetité/BA). 2020. Disponível em: https://www.ppi.gov.br/ferrovia-ef-334ba-ferrovia-de-integracao-oeste-lest-fiol . Acesso em: 25 jun. 2020.
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), oriundos das regiões de monocultura do agronegócio no oeste da Bahia e Tocantins. O projeto de construção da ferrovia compreende os trechos I, II e III - Ilhéus-Caetité, Caetité-Barreiras e Barreiras-Figueirópolis, respectivamente.

Gudynas (2016GUDYNAS, E. Extractivismos en America Del Sur y sus efectos derrame. Société Suisse des Américanistes, n. 76, 2016.) usa o termo “efeito derrame” para se referir às repercussões das atividades neoextrativistas que vão muito além da escala local e se derramam sobre outros territórios e outras dimensões7 7 O autor exemplifica o efeito derrame citando a construção de grandes obras de infraestrutura e as mudanças na economia, nas políticas públicas ou na legislação ambiental que, apesar de promovidas com o principal objetivo de atender às demandas das atividades neoextrativistas, acabam afetando outros setores e outros lugares do país. , como no caso do Complexo Fiol-Porto Sul. À medida que o projeto de construção desse complexo avança, novos conflitos vão surgindo também em outros municípios que recebem trechos da ferrovia, especialmente na região de Ilhéus, sede das instalações do terminal portuário. Tais conflitos, embora não se constituam em objeto deste estudo, podem ser eventualmente mencionados aqui, quando inseridos em contexto inter-relacionado àqueles que emergem em Caetité e Pindaí.

Às disputas engendradas pelo projeto Pedra de Ferro, na região de Caetité, se somam aquelas resultantes da instalação de mais dois grandes empreendimentos: uma mina de urânio e o Complexo Eólico do Alto Sertão. Instalada a 30 quilômetros da sede do município de Caetité, com capacidade para produzir 400 toneladas de concentrado de urânio por ano, a mina de urânio de Caetité é o único empreendimento para extração do mineral em operação no Brasil e é operada pela estatal INB8 8 A INB é uma empresa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. . Já o Complexo Eólico do Alto Sertão apresenta-se como o maior complexo de energia eólica na América Latina, atuando na região de Caetité e em mais seis municípios da região. Inicialmente empreendido pela Renova9 9 A Renova é controlada pela RR Participações, a Light Energia e a Cemig GT. , o projeto Alto Sertão é composto de um conjunto de três complexos de produção, Alto Sertão I, II e III10 10 O Complexo Alto Sertão III ainda não se encontra em operação. com capacidade total de produção de quase 1100 megawatts de energia. Territórios outrora utilizados para o desenvolvimento de práticas socioeconômicas tradicionais são hoje destinados à mineração ou a outras atividades ligadas ao Parque Eólico ou à Fiol.

De modo combinado, as estratégias de desenvolvimento adotadas para a região de Caetité têm criado o contexto para a emergência de conflitos ambientais de diferentes motivações, vários deles se sobrepondo acumulativamente. As disputas pela apropriação do território e seus recursos, assim como os impactos das ações relacionadas à atividade mineradora sobre o meio ambiente, constituem a arena para que tais conflitos se manifestem.

2. Práticas e estratégias discursivas hegemônicas em contestação

A promoção do desenvolvimento regional tem sido o argumento central das empresas mineradoras e representantes do poder público na busca de legitimidade para os projetos neoextrativistas. A promessa de criação de postos de trabalho e de distribuição de renda constitui o pilar de sustentação desse argumento.

Com a meta de converter a Bahia em grande exportador de recursos minerais, o governo do estado atribuiu à Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) a tarefa de desenvolver detalhado mapeamento geográfico do solo baiano para identificar a presença de jazidas minerais.

A CBPM tem dedicado especial atenção à prospecção, à descoberta e divulgação de oportunidades de investimento mineral no território baiano, visando, num passo subsequente, disponibilizá-las e transferi-las para iniciativa privada [...]. A disposição prévia destas informações, além de ampliar a atratividade das oportunidades, propicia aos investidores a redução de riscos, custos e tempo demandado para a prospecção, descoberta e avaliação de uma jazida mineral adequada aos seus objetivos empresariais (BAHIA, [2008 ou 2009]BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Panorama do setor mineral baiano. [2008 ou 2009]. Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35 . Acesso em: 25 jun. 2020.
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).

Postura parecida foi também assumida pelo Governo Federal, ao delegar essa tarefa ao Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Na cerimônia de encaminhamento da proposta de Marco Regulatório da presidenta Dilma Rousseff ao Congresso Nacional, em 2013, o então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que a empresa disponibilizaria o banco de dados existente e subsidiaria a identificação das melhores áreas para exploração. O presidente da CRPM, Manoel Barretto, por sua vez, destacou que, sob sua responsabilidade, o Brasil realizava, desde 2004, o maior levantamento geofísico do mundo em escala utilizado pelas empresas (BRASIL, 2013bBRASIL. Ministério de Minas e Energia. Governo encaminha ao Congresso Nacional Novo Marco da Mineração. 26 jun. 2013b. Disponível em: http://www.cprm.gov.br/publique/Noticias/Governo-encaminha-ao-Congresso-Nacional-Novo-Marco-da-Mineracao-2587.html . Acesso em: 25 jun. 2020.
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).

Para Acselrad (2018bACSELRAD, H. Mariana, novembro de 2015: a genealogia política de um desastre. In: ZHOURI, A. (org.). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. Marabá: Iguana: ABA, 2018b.), o afrouxamento das restrições sociais e ambientais aos negócios no Brasil - propiciado por uma crescente atuação do setor empresarial na esfera política dentro do contexto das reformas liberais promovidas a partir dos anos 1990 -, ao lado da demanda crescente da economia chinesa por recursos naturais, favoreceu a especialização da economia brasileira nas exportações de produtos primários, que resultou em marcante expansão territorial das fronteiras da mineração, do agronegócio, das monoculturas de árvores e da exploração de petróleo e gás.

O empenho do Estado brasileiro em viabilizar a expansão da fronteira de exploração mineral fica evidente durante toda a trajetória de discussão do Novo Marco Regulatório da Mineração. A percepção da legislação ambiental como obstáculo ao desenvolvimento das “atividades produtivas” já aparecia claramente no Plano Nacional de Mineração 2030, apresentado no Governo Dilma Rousseff (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Mineração 2030: geologia, mineração e transformação mineral. Brasília, DF: Ministério de Minas e Energia, maio 2011.), ao estabelecer o desenvolvimento da “mineração em áreas de proteção legal” como um dos principais desafios a serem enfrentados. Nessa perspectiva de promover a expansão das atividades mineradoras e ampliar a arrecadação de impostos e royalties, o Projeto de Lei (PL) nº 5.807/2013 (BRASIL, 2013aBRASIL. Projeto de Lei nº 5.807 de 2013. Dispõe sobre a atividade de mineração, criação do Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração - ANM e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2013a.), sem clara definição dos compromissos do minerador com o meio ambiente e afetados, já propunha a transferência do poder de autorizar atividades minerárias em área de Unidades de Conservação e terras indígenas e quilombolas, do Legislativo para a Agência Nacional da Mineração (ANM), sob a responsabilidade do Ministério de Minas e Energia. Ao esvaziar o poder do Estado sobre as riquezas minerais, o PL já expunha a uma condição vulnerável esses territórios e as comunidades que neles vivem.

Sem a promoção de um amplo debate púbico, o PL nº 5.807/2013 encontrou alguma resistência em avançar no Congresso Nacional, que acabou recuando nas discussões sobre o assunto após o rompimento da barragem de Fundão, no município mineiro de Mariana, aquele que, até então, fora o maior desastre socioambiental da história da mineração brasileira. Embora o PL nº 5.807/2013 nunca tenha se convertido em lei, a essência de seus conteúdos foi fatiada e reapresentada, por intermédio de atos autoritários como medidas provisórias (MPs) e decretos, durante o Governo Michel Temer. Por meio de duas MPs - posteriormente convertidas na Lei nº 13.540, de 18 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017aBRASIL. Lei nº 13.540 de 18 de dezembro de 2017. Altera as Leis nos 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e 8.001, de 13 de março de 1990, para dispor sobre a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Diário Oficial da União , Brasília, DF, 2017a. ), que altera a legislação de regência da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM)11 11 A CFEM corresponde aos royalties da mineração. , e na Lei nº 13.575 de 26 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017bBRASIL. Lei nº 13.575 de 26 de dezembro de 2017. Cria a Agência Nacional de Mineração (ANM); extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); altera as Leis nos 11.046, de 27 de dezembro de 2004, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e revoga a Lei nº 8.876, de 2 de maio de 1994, e dispositivos do Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Diário Oficial da União . Brasília, DF, 2017b. ), que cria a Agência Nacional de Mineração (ANM) -, assim como do Decreto nº 9.406 (BRASIL, 2018BRASIL. Decreto nº 9.406 de 12 de junho de 2018. Regulamenta o Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, a Lei nº 6.567, de 24 de setembro de 1978, a Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989, e a Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017. Diário Oficial da União . Brasília, DF, 2018.), que regulamenta o Código da Mineração de 1967, definiu-se, então, o novo Marco Legal da Mineração no Brasil. O PL nº 191/2020 (BRASIL, 2020BRASIL. Projeto de Lei nº 191 de 2020. Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Brasília, DF, 2020.), que regulariza a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para a geração de energia elétrica em terras indígenas, apresentado por Jair Bolsonaro em fevereiro de 2019, parece pretender arrematar o arcabouço legal que viabiliza as metas de expansão da atividade mineradora já estabelecidas em 2011, no Plano de Mineração 2030. Acserald (2018b)ACSELRAD, H. Mariana, novembro de 2015: a genealogia política de um desastre. In: ZHOURI, A. (org.). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil. Marabá: Iguana: ABA, 2018b. alerta para os riscos de tragédias ambientais associados a essa política de desregulamentação, que possui como principal objetivo a atração de grupos empresariais com vistas à promoção do crescimento econômico.

A trajetória de discussão desse arcabouço jurídico revela que as alternâncias de orientação sofridas no comando da política brasileira a partir de 2016 não implicaram transformações substantivas em relação à prioridade assumida pelo modelo de desenvolvimento neoextrativista.

A proposta do Plano Nacional de Mineração, apresentada em 2020 pelo Ministério de Minas e Energia, com metas definidas até 2023, também enfatiza, entre seus objetivos, a expansão da mineração em novas áreas (AGÊNCIA BRASIL, 2020AGÊNCIA BRASIL. Governo pretende lançar Plano Nacional de Mineração até agosto: ministro diz que encontrou setor de mineração sem planejamento. 10 jul. 2020. Acesso em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-07/governo-pretende-lancar-plano-nacional-de-mineracao-ate-agosto . Acesso em: 20 jul. 2020.
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). A aplicação dessa meta ao território baiano fica evidente na fala do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, no que tange à prioridade recebida pela Fiol:

É importante que o pessoal da Bahia entenda que a Fiol é uma prioridade absoluta para o governo (do presidente Jair) Bolsonaro [...] Isso é algo muito concreto porque, observe, no ano passado tivemos uma situação de contingenciamento severo e o orçamento da Fiol foi preservado. [...] Nós estamos com a convicção firme de manter essa obra, vamos fazer uma injeção grande de recursos nela (FREITAS, 2020 apud CORREIO 24 HORASCORREIO 24 HORAS. A Fiol será uma realidade antes do que se espera: ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, fala sobre a ferrovia em entrevista. 15 jun. 2020. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/a-fiol-sera-uma-realidade-antes-do-que-se-espera /. Acesso em: 15 jul. 2020.
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).

Refletindo as estratégias dos representantes máximos do Estado, as ações das agências estatais de meio ambiente, que deveriam ser responsáveis por proteger os recursos naturais e a biodiversidade, muitas vezes se limitam a legitimar representações mercantis da natureza apresentadas pelas empresas em seus Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais (EIA/RIMA). Dentro dessa perspectiva, que trata a natureza como passível de ser mediada pelos recursos econômicos e compreendida em termos de custos e benefícios, o processo de licenciamento do projeto Pedra de Ferro foi marcado pelo conflito. De acordo com o informe da Comissão Pastoral da Terra (ECODEBATE, 2009ECODEBATE. Informe da Comissão Pastoral da Terra - Regional Bahia, 6 ago. 2009. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2009/08/06/ba-o-povo-disse-nao-ao-projeto-pedra-de-ferro /. Acesso em: 6 fev. 2020.
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), mais de 5 mil pessoas participaram das audiências promovidas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) entre 28 e 31 de julho de 2009, nos municípios de Guanambi, Caetité, Malhada e Pindaí (no distrito de Guirapá), e se manifestaram contrariamente o licenciamento do projeto. No mesmo ano, a Comissão Territorial de Meio Ambiente Sul/Sudoeste, composta de dezesseis entidades representativas das comunidades locais, levou carta aos membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente no Estado da Bahia (Cepram), enumerando os impactos negativos do empreendimento sobre a natureza e os modos de vida das comunidades locais e reivindicando que a licença não fosse concedida (COMISSÃO TERRITORIAL DE MEIO AMBIENTE SUL/SUDOESTE, 2009COMISSÃO TERRITORIAL DE MEIO AMBIENTE SUL/SUDOESTE. Aos membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente no Estado da Bahia. Ecodebate, 22 dez. 2009. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2009/12/22/adiada-a-discussao-do-licenciamento-da-exploracao-de-ferro-em-caetite-bahia /. Acesso em: 28 jun. 2020.
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). Algumas lideranças presentes na reunião do Cepram relataram o tratamento truculento que receberam dos representantes da empresa e do estado no Cepram e a pressão que os demais conselheiros sofreram para aprovar o licenciamento. A restrição da participação de camadas populares nos processos de licenciamento ambiental e a capacidade de ingerência das empresas mineradoras sobre esses processos - desde o momento da produção das leis até a constituição das instâncias decisórias - são temas exaustivamente explorados nos trabalhos que compõem a primeira parte da coletânea apresentada em Zhouri (2018ZHOURI, A. (org.). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil . Marabá: Iguana: ABA , 2018.), que estuda o desastre da barragem da empresa Samarco em Mariana.

Durante a instalação do projeto Pedra de Ferro, segundo os entrevistados, a empresa Bamin deixou de cumprir várias condicionantes, especialmente no que tange aos compromissos assumidos com as comunidades removidas. Apesar dos questionamentos, o IMA e posteriormente o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema)12 12 O Inema foi criado, em maio de 2011, como resultado da junção de duas autarquias da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia (Sema), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e o Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá). autorizaram todas as licenças solicitadas pela empresa.

Dentro da estratégia discursiva de promoção do desenvolvimento, também se alinha a entusiasmada fala de Antônio Carlos Tramm, presidente da CBPM, por ocasião do anúncio, em julho de 2020, do início das obras do Porto Sul13 13 Em setembro de 2017, o governador da Bahia, Rui Costa, havia assinado um Memorando de Entendimento com um consórcio chinês e com o ERG, controlador da Bamin, para viabilizar a conclusão do projeto do Porto Sul, da Fiol e da mina de Pedra de Ferro (BAHIA, 2019). BAHIA. Assessoria de Comunicação da Casa Civil. Projetos do Porto Sul e da Fiol avançam na Bahia, 1 nov. 2019. Disponível em: http://www.ba.gov.br/noticias/projetos-do-porto-sul-e-da-fiol-avancam-na-bahia. Acesso em: 25 jun. 2020. e de uma operação provisória em pequena escala da Bamin na mina Pedra de Ferro, em Caetité (BAHIA, 2020BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Bamin anuncia início da produção de ferro e obra do Porto Sul com 1,5 mil empregos, 24 jul. 2020. Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35 . Acesso em: 27 jun. 2020.
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)14 14 A operação movimentará apenas 800 mil toneladas de minério de ferro por ano, muito aquém dos 20 milhões de toneladas previstos no projeto inicial, e deverá gerar trezentos empregos diretos. Segundo a companhia, o embarque internacional da operação acontecerá pelo terminal portuário de Maragogipe, em novembro de 2020. .

Esta excelente notícia confirma o que estamos defendendo desde o início do ano: que a Fiol, o Porto Sul e a mineração como um todo serão um importante movimentador da economia baiana pós covid-19. Digo sempre que a Fiol será para o desenvolvimento da Bahia neste século o que o Polo Petroquímico foi para o final do século passado. Obrigado à Bamin por fazer essa operação de guerra e colocar a Bahia no grupo dos exportadores de minério de ferro (TRAMM apud BAHIA, 2020BAHIA. Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Bamin anuncia início da produção de ferro e obra do Porto Sul com 1,5 mil empregos, 24 jul. 2020. Disponível em: http://www.cbpm.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35 . Acesso em: 27 jun. 2020.
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, grifos nossos).

O perfil apresentado para a indústria da mineração pelo Ibram, instituição que congrega, representa, promove e divulga a indústria mineral brasileira, destaca: “Por estar sempre em busca das melhores práticas para atuar de maneira cada vez mais sustentável, estimula, nas regiões em que atua, a criação de polos de desenvolvimento, gerando emprego, renda, infraestrutura e melhor qualidade de vida para as populações” (IBRAM, s.d.INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO (IBRAM). Portal da Mineração: Quem somos. [S.d.]. Disponível em: https://portaldamineracao.com.br/quem-somos /. Acesso em: 5 jul. 2020.
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).

A tentativa de significação da natureza como reservatório de recursos tem sido largamente invocada no modelo neoextrativista (GUDYNAS, 2012GUDYNAS, E. O novo extrativismo progressista na América do Sul: teses sobre um velho problema sob novas expressões. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (org.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond , 2012.) para apresentar como inevitável e urgente a necessidade de extração/comercialização de tais recursos. A ideia de uma suposta neutralidade da técnica, que garantiria a mais “racional” produção de resultados para a promoção do “bem comum”, é adicionada como ingrediente desse discurso, que, uma vez bem-sucedido, se torna capaz de blindar o modelo de desenvolvimento à contestação e, com isso, neutralizar o conflito, apresentando os danos produzidos pelos empreendimentos a ele associados como efeitos colaterais inevitáveis do crescimento econômico.

Dentro dessa lógica, a Bamin busca estabilizar o terreno social na região de Caetité com a adoção de um conjunto de ações relacionadas ao discurso da responsabilidade socioambiental, com ênfase na ideia da “sustentabilidade”.

A Bahia Mineração assume a responsabilidade de minimizar os impactos gerados nas suas intervenções e promover programas de conservação da natureza, de responsabilidade social e de desenvolvimento sustentável. Na fase atual, a empresa já implementa programas de conservação dos recursos naturais, a adoção de tecnologias ecoeficientes e mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) (BAMIN, 2014BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Presidente da BAMIN recebe título de cidadão baiano. Salvador: Bamin, 2014. Disponível em: https://www.bamin.com.br/pagina.php?cod=1 . Acesso em: 7 jul. 2020.
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).

Quando a empresa faz a apresentação geral de suas ações enfatizando as ideias de “sustentabilidade”, o que se encontra em disputa é a definição legítima da noção de natureza. Em uma clara tentativa de despolitizar a discussão ambiental, o ambiente é apartado das contradições da sociedade e apresentado, valendo-se de uma visão consensualista, como “causa universal”. O discurso científico é acionado para apresentar a tecnologia como algo capaz de oferecer soluções reparadoras para os efeitos de sua ação danosa sobre os recursos naturais.

Os onze projetos sociais promovidos pela Bamin se concentram basicamente nas áreas de educação ambiental, formação tecnológica e profissional, apoio à gestão pública e geração de renda. Por meio do discurso de compromisso social e sustentabilidade, os programas se orientam com o propósito de formar sujeitos do consenso e transferir para os moradores da região o sentimento de responsabilidade sobre a “salvação do meio ambiente”.

A “comunicação com a comunidade” busca legitimidade por intermédio da Comissão de Acompanhamento do Projeto Pedra de Ferro, entidade criada pela Bamin com o objetivo de acompanhar o cumprimento das condicionantes estabelecidas ao projeto pelos órgãos ambientais. Constituída em 2010, a Comissão é composta de dezoito entidades ligadas a três segmentos da sociedade - poder público, iniciativa privada e Organizações Não Governamentais (ONGs). Integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) negam a existência de discussão crítica e reflexiva acerca do modelo de desenvolvimento e denunciam tanto a composição seletiva da comissão como a falta de espaço para contestação nessas reuniões. De fato, nas dezessete atas dessas reuniões disponíveis no site oficial da Bamin, todos os discursos convergem para uma leitura heroica da empresa, sem nenhuma manifestação de conflito.

A ênfase na sustentabilidade, no diálogo e no potencial da atividade mineradora como promotor do desenvolvimento também confere a tônica do discurso do Governo Federal, expressa nas palavras de Victor Bicca, diretor-geral da recém-criada Agência Nacional da Mineração (ANM).

Há uma carência de informações, de debate, de diálogo, de conversa. Um evento com essa participação tão intensa do setor revela que nós temos muito a conversar e, quando trata de inovação e sustentabilidade, é um tema que está permanentemente em pauta, cada vez de forma mais acentuada e necessária (BICCA, apud BRASIL, 2019BRASIL. Agência Nacional de Mineração - AMN. Na Bahia, ANM discute desafios e oportunidades da mineração - Transparência e comunicação estão entre as demandas do setor, 14 ago. 2019. Disponível em: http://antigo.anm.gov.br/portal/noticias/na-bahia-anm-discute-desafios-e-oportunidades-da-mineracao . Acesso em: 25 jun. 2020.
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).

A blindagem ao projeto Pedra de Ferro pelo discurso do desenvolvimento, reproduzida na fala de um representante do poder público local, revela o poder legitimador dessa estratégia.

O projeto Pedra de Ferro é importante, necessário e fundamental para o desenvolvimento da região em que está implantado. É claro que há o entendimento [de] que os setores econômicos serão os mais privilegiados, uma vez que o objetivo da exploração é comercial, mas podemos também citar o ganho social com relação à geração de renda e qualidade de vida para os envolvidos diretamente na exploração e também as ações sociais desenvolvidas nas comunidades circunvizinhas à mina. (Entrevista concedida aos autores em 10 de agosto de 2018.)

Essas narrativas não se naturalizam, entretanto, sem contestação. Membros das comunidades afetadas denunciaram a tentativa, por parte de representantes do poder público e da empresa, de hierarquizar as atividades mediante a desvalorização das atividades tradicionais, supostamente “não geradoras de desenvolvimento”, em face da captura das riquezas naturais pela atividade mineradora. Em contraponto a esse discurso, alega-se o direito de continuar desenvolvendo as atividades tradicionais que se vinculam à sua história de vida e à de suas famílias.

De acordo com a Bamin, no pico da operação o empreendimento deverá gerar 6,6 mil empregos diretos (BAMIN, 2014BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Presidente da BAMIN recebe título de cidadão baiano. Salvador: Bamin, 2014. Disponível em: https://www.bamin.com.br/pagina.php?cod=1 . Acesso em: 7 jul. 2020.
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). Muitos dos habitantes locais contestam esse discurso relativo à geração de empregos, argumentando que as empresas mineradoras se valem da situação de pobreza nos territórios onde se instalam para apresentar seu projeto como a única e necessária saída para o desenvolvimento. Na voz de um representante da CPT: “Quantas pessoas das comunidades foram empregadas até agora? Onde está o desenvolvimento? Desenvolvimento para quem? Quantos hospitais, escolas, projetos de produção foram realizados para as comunidades? Onde a vida do povo está melhorando?”. (Entrevista concedida aos autores em 9 de agosto de 2018.)

Se as estratégias discursivas do poder público e das empresas mineradoras se articulam em múltiplas escalas, os sujeitos da resistência também buscam desenvolver narrativas que contemplem o caráter transescalar do conflito. Na escala regional, estadual e nacional, eles se coordenam com moradores de outros municípios igualmente atingidos pelos projetos Pedra de Ferro/Fiol/Porto Sul, bem como com grupos que vivenciam embates em torno de temas comuns, como aqueles relativos ao uso da água ou aos efeitos da atividade mineradora em diferentes regiões. Além disso, mantêm estreita ligação com movimentos sociais que se articulam nacionalmente, como a CPT, o MAM, o Cáritas Brasileira, e pesquisadores comprometidos com a justiça ambiental. A marcante participação de lideranças da região na “Carta dos atingidos/as pela Bamin-Fiol-Porto Sul (BA)” (2011)CARTA DOS ATINGIDOS/AS PELA BAMIN-FIOL-PORTO SUL (BA). Justiça nos trilhos, Ilhéus, 28 out. 2011. Disponível em: http://www.justicanostrilhos.org/nota/836 . Acesso em: 15 jun. 2019.
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, no II Encontro de Atingidos pela Mineração, em setembro de 2013, em Salvador, e no Encontro dos Atingidos e Atingidas pela Mineração na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, em 2011, exemplifica essa capacidade de articulação em múltiplas escalas para desafiar o projeto de desenvolvimento dominante.

Os embates entre essas duas visões de desenvolvimento ganharam maior visibilidade após o rompimento das barragens de rejeitos do Fundão em Mariana e do Córrego do Feijão em Brumadinho, ambas em Minas Gerais, que, juntas, resultaram na morte de quase trezentas pessoas e em uma tragédia ambiental sem precedentes no país.

Percebendo o desgaste que a imagem do setor da mineração tem sofrido junto à sociedade brasileira, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) lançou uma campanha em defesa de uma “nova mineração”, cuja estratégia continua centrada nas ideias de ética e sustentabilidade. “O país clama por mudanças e por uma nova mineração” é o tema de um dos spots da campanha, cujo objetivo seria “restaurar a credibilidade e buscar um padrão de excelência” para a mineração no Brasil (AMIG, s.d.ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS MINERADORES DE MINAS GERAIS E DO BRASIL (AMIG). Amig lança campanha em defesa de uma nova mineração. [S.d.]. Disponível em: https://www.amig.org.br/amig-lanca-campanha-em-defesa-de-uma-nova-mineraca . Acesso em: 1 jul. 2020.
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).

Para o consultor de Relações Institucionais da AMIG, Waldir Salvador, esse é o momento decisivo para uma mobilização de todos os setores da sociedade, envolvidos ou impactados pela mineração como municípios, governo, mineradoras e instituições, para escrever uma nova história no país e promover um amplo debate, apontar soluções e evoluir para questões mais técnicas, deixando o discurso vazio de lado (AMIG, s.d.ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS MINERADORES DE MINAS GERAIS E DO BRASIL (AMIG). Amig lança campanha em defesa de uma nova mineração. [S.d.]. Disponível em: https://www.amig.org.br/amig-lanca-campanha-em-defesa-de-uma-nova-mineraca . Acesso em: 1 jul. 2020.
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).

No discurso de Waldir Salvador, duas questões merecem destaque: i) o significado da expressão “setores envolvidos ou impactados pela mineração”, que abrange municípios, governo, mineradoras e instituições e exclui as comunidades impactadas e movimentos sociais, e ii) a supervalorização que confere à técnica, com vistas a enquadrar tudo o que lhe é exterior como “discurso vazio”, a ser deixado de lado.

A opção por esse modelo de desenvolvimento extrativista exportador no contexto do “consenso das commodities” (SVAMPA, 2013SVAMPA, M. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Nueva Sociedad, 244, p. 30-46, mar.-abr. 2013.) deixa os projetos correlatos extremamente vulneráveis às oscilações do valor desses produtos no mercado internacional. A alta dos preços das commodities minerais na primeira década do milênio, alavancada pela demanda da China, motivou a apresentação do projeto Pedra de Ferro em 2007, com previsão de operação para 2014. As variações nesses preços, entretanto, têm conduzido a uma alternância de ritmos no processo de instalação do empreendimento, que chegou a atravessar um período de quase estagnação, seguido do anúncio de uma operação em pequena escala em 2020. A essas oscilações de mercado, soma-se a dependência do andamento das obras da Fiol e do Porto Sul.

Do ponto de vista das comunidades atingidas, as alternâncias de ritmo no projeto podem produzir efeitos em duas direções. Por um lado, elas geram incertezas em relação às direções que o projeto pode tomar e à forma como isso afetará suas vidas; por outro, os períodos de retração também podem se apresentar como oportunidades para o avanço das lutas pela reafirmação de suas práticas de apropriação do território e de seus recursos e contra os efeitos danosos da atividade mineradora sobre o meio ambiente.

3. Principais disputas territoriais na região de Caetité

Ao elaborar seu conceito de conflitos ambientais, Acselrad (2004ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: ACSELRAD, H. (org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004. p. 13-35., p. 27) afirma que “o conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc.”. Parte dos conflitos que se desenvolvem na região de Caetité derivam das disputas pela posse da terra e seus recursos naturais, sobretudo os hídricos, na área ocupada pelo empreendimento. Os demais resultam dos prováveis impactos negativos da atividade mineradora sobre o solo, a água, o ar e sistemas vivos, que afetam radicalmente a vida das pessoas que ocupam os territórios no entorno do empreendimento.

Conforme relatado pelos entrevistados, muitas experiências de apropriação coletiva do território se desenvolvem tradicionalmente naquela região. A maioria dos produtores da área de influência do projeto é composta de minifundiários que costumavam compartilhar o uso de terras de fundo de pasto para o pastoreio do gado, a colheita de lenha e de ervas medicinais e mesmo para circulação e acesso à água.

Assim que chegou para se instalar na região, em 2010, a Bamin adquiriu parte dessas terras e, após regularizar a documentação, as cercou, vetando às comunidades a continuidade dos usos precedentes. As terras teriam sido compradas de supostos proprietários, mas os antigos usuários alegam que nunca tiveram conhecimento da existência de proprietários anteriores; que acreditam serem terras devolutas do Estado e que suas famílias já as utilizavam havia várias gerações. Como nunca se preocuparam em reivindicar legalmente aquela posse coletiva, perderam o acesso a todos os meios que lhes garantiam a sobrevivência. Sem acesso aos meios de produção, aquelas famílias, já castigadas pelas secas recorrentes, foram expostas a situação de profunda vulnerabilidade e dependência de programas sociais. Quando o projeto estiver em operação, os líderes dessas famílias poderão vir a integrar o exército industrial de reserva (MARX, 1890MARX, K. A lei geral da acumulação capitalista. In: MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, [1890]1994. p. 712-827. Livro 2: Crítica da Economia Política.)15 15 O conceito de exército industrial de reserva, desenvolvido por Marx, explica o desemprego como elemento estrutural do sistema capitalista. De acordo com o autor, trata-se da força de trabalho que é excedente às necessidades de produção. Gerado principalmente em decorrência do sobretrabalho da parte ocupada da população, o exército industrial de reserva exerce, segundo Marx, uma pressão que força os salários dos trabalhadores ocupados para baixo e os submete à aceitação de maior carga de sobretrabalho, o que, por sua vez, retroalimenta o exército industrial de reserva. da Bamin.

Em pesquisa de campo, a pesquisadora Simone Almeida de Souza16 16 Em entrevista concedida aos autores, a pesquisadora Simone Almeida de Souza, cuja generosidade agradecemos, disponibilizou dados obtidos no levantamento de campo realizado para sua dissertação de mestrado, ainda não publicada, intitulada Conflitos socioambientais sob a ótica da cartografia social: o caso do Quilombo Riacho da Vaca em Caetité - BA. , que estuda os efeitos da atividade mineradora sobre as comunidades tradicionais, identificou, na região de Caetité e Pindaí, a existência de 27 comunidades autodeclaradas como quilombolas. Duas delas - Antas e Palmitos, onde viviam quarenta famílias (BAMIN, 2009BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Mina Pedra de Ferro. Belo Horizonte: Bamin, 2009.) - foram removidas de suas terras em Caetité para ceder espaço à mina Pedra de Ferro.

De acordo com as pessoas ouvidas, o processo de negociação foi marcado por assédio, ameaças, tratamento desigual e conflito. A remoção das comunidades ocorreu como resultado da compra individual de terrenos pela empresa, embora as práticas socioculturais de uso do território fossem coletivas. Alguns atingidos pela remoção relataram que, a despeito de as condicionantes da Licença de Implantação do projeto determinarem o reassentamento das famílias removidas em condições similares às preexistentes, independentemente do pagamento efetuado pela terra, além de suporte técnico e logístico ao reassentamento, a empresa não cumpriu integralmente o acordado. Eles alegaram não terem sido assegurados nem a posse da terra do reassentamento nem o apoio técnico e logístico prometido. Tudo o que conseguiram foi um contrato de comodato por sessenta anos em um terreno ao lado de Guirapá, distrito de Piraí, distribuído em lotes de terra com áreas menores que as dos lotes anteriores, desprovidos de habitações e com água suficiente, no máximo, para o cultivo de cebola ou alho, em detrimento das culturas tradicionalmente trabalhadas por eles. O preço da compra do terreno teria variado de acordo com a habilidade de cada proprietário em se converter em sujeito legitimador do projeto após ceder diante do assédio da empresa. Sem a garantia da posse, sem habitação no terreno nem condições para desenvolver a agricultura, restou a muitas famílias a possibilidade de comprar uma casa modesta com o dinheiro da venda do terreno, em Guirapá ou nos município de Caetité ou Guanabi, mas, sem conseguir emprego ou outro meio de subsistência, também passaram a viver em situação de vulnerabilidade.

Prometeram muita coisa boa para o pessoal, e o pessoal acabou acreditando. Porque ofereceram emprego para quem não foi indenizado, como eu e meu esposo. Na área da educação para os filhos, na área da saúde. [...] Eu tô aqui rindo no meio dessas cebolas, mas minha vontade é de chorar pelo que eu tenho passado esses dias. [...] mas, dizer que a empresa trouxe algum benefício? Nenhum. Porque até hoje ninguém nem de Antas, nem de Palmitos foram empregados na empresa Bamin. Até hoje ninguém de lá teve uma formação ajudada pela empresa. Alguns formaram, outros saíram da escola. Uns para trabalhar, outros para ficar na rua sem fazer nada. (Entrevista concedida aos autores no reassentamento de Guirapá em 9 de agosto de 2018.)

Para os representantes do MAM e da CPT, existem evidências de relação, apesar de não existirem provas, entre o interesse da mineradora no território e os obstáculos burocráticos que impediram o reconhecimento dessas duas comunidades como remanescentes de quilombo antes de sua dispersão, o que, consequentemente, impediu o prosseguimento das etapas subsequentes em direção à almejada conquista da titulação coletiva. A pesquisadora Simone Almeida de Souza relata que, dentre as dezessete comunidades que reivindicaram a demarcação, apenas as de Antas, Palmitos, Lagoinha da Cobra e Riacho da Vaca não conseguiram o reconhecimento; as duas últimas, que não têm nenhuma ligação com o projeto, ainda têm chances de obtê-lo. Com a remoção, a empresa retirou de uma vez por todas daquelas comunidades tradicionais o direito ao território socialmente construído. A renúncia à vida coletiva implicou a perda do direito de se reafirmar como quilombolas e, em consequência, a renúncia às políticas públicas que teriam direito de desfrutar na condição de integrantes de quilombos.

Em ambiente de clima semiárido, as decisões relativas ao destino dos recursos hídricos repercutem de forma definitiva sobre a vida das pessoas. A demanda de água para a operação do empreendimento, a intervenção em área de nascentes e em cursos d’agua e o rebaixamento do nível d’água subterrâneo na área da cava, propostos pelo projeto Pedra de Ferro, alteram o cenário de disponibilidade de recursos hídricos e agravam o conflito por esse bem comum em toda a região, especialmente para cerca de 3 mil famílias que, segundo os representantes da CPT e do MAM entrevistados, usam a água dos poços e nascentes da área de influência da Bamin.

De acordo com o RIMA (BAMIN, 2009BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Mina Pedra de Ferro. Belo Horizonte: Bamin, 2009.), a operação da mina consumirá 13.310 m3/h de água, dos quais 12.545 m3/h seriam reaproveitados do processo de beneficiamento e da clarificação da água da barragem de rejeitos. O déficit hídrico de 765 m3/h resultante seria captado do rio São Francisco, a 150 quilômetros de distância. No entanto, de acordo com integrantes do MAM em entrevista concedida aos autores, a empresa já busca alternativas para retirar a água na região da mina. A água necessária para suprir o déficit operacional da Bamin equivale a quase cinco vezes a vazão captada, com muita dificuldade, pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento (EMBASA, 2015aEMPRESA BAIANA DE ÁGUAS E SANEAMENTO (EMBASA). Relatório Anual de Informações ao Consumidor. 2015. Sistema de Abastecimento de Água do Município de Caetité. 2015a. Disponível em: http://www.embasa.ba.gov.br/images/a-embasa/areas-de-atuacao/relatorio-anual-consumidor/2015/USC/caetite2015.pdf . Acesso em: 15 jul. 2020.
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) para prover a cidade de Caetité17 17 A Embasa informa uma captação de 44 L/s, o que equivale a 158,6 m3/h - oriunda de riachos, poços e adutora emergencial - para atender aos 50.975 habitantes de Caetité. .

Ademais, a extração do minério na cava pressupõe a necessidade de rebaixamento no lençol freático do Aquífero de Mosquito, que alcançará 300 metros de profundidade (BAMIN, 2009BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Mina Pedra de Ferro. Belo Horizonte: Bamin, 2009.). O rebaixamento acarretará a perfuração sucessiva de seis poços, que chegarão a bombear um total de 600 m3/h ao final da operação. Esse rebaixamento atingirá nascentes, cursos d’água e poços localizados na sub-bacia do riacho da Faca Sul e em seu afluente, o córrego das Antas ou Jacaré. A Bamin (2009)BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Mina Pedra de Ferro. Belo Horizonte: Bamin, 2009. promete a devolução de 100 m3/h de água aos cursos d’água, mas não deixa muito claro o destino dos 500 m3/h restantes.

Segundo o RIMA (BAMIN, 2009BAHIA MINERAÇÃO (BAMIN). Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Mina Pedra de Ferro. Belo Horizonte: Bamin, 2009.), a barragem de rejeitos do projeto Pedra de Ferro teria capacidade de acumular 128 milhões de m3 de lama18 18 Esse volume corresponde a mais que o dobro da capacidade de Mariana e mais de dez vezes a de Brumadinho. , ocupando uma superfície de 454 hectares em Área de Preservação Permanente (APP), onde se encontram as nascentes do riacho Pedra de Ferro; adicionalmente, seria necessário desviar um trecho do leito do córrego Grande ou Cachoeira Alta. Considerando a importância fundamental do rio Pedra de Ferro para o abastecimento de água da região de Caetité e Pindaí, em especial na região de influência do projeto, os conflitos pela água têm se aprofundado.

Entre os conflitos associados à barragem de rejeitos, cuja previsão de capacidade foi ampliada19 19 Informação fornecida pelo gerente de mina da Bamin, Wilson Thibes, durante fala na tribuna da Câmara de Guanabi em reunião realizada em 27 de maio de 2019 e em coletiva à imprensa na mesma data. Thibes anunciou também a substituição do método de crescimento a montante, inicialmente previsto, pelo método de crescimento a jusante (único permitido pela nova Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens), e a construção por etapas, de acordo com a demanda de armazenamento do rejeito, atingindo sua capacidade máxima trinta anos após o início da operação da mina. para 180 milhões de m3, também estão aqueles relativos à possibilidade de rompimento. O riacho Pedra de Ferro localiza-se na sub-bacia do Carnaíba, principal formador da barragem de Ceraíma, que abastece os municípios de Guanambi, Candiba, Pilões, Pindaí e Morrinhos (EMBASA, 2015bEMPRESA BAIANA DE ÁGUAS E SANEAMENTO (EMBASA). Relatório Anual de Informações ao Consumidor. 2015. Sistema Integrado de Abastecimento de Água dos Municípios de Guanambi, Candiba, Pilões, Pindaí e Morrinhos. 2015b. Disponível em: http://www.embasa.ba.gov.br/images/a-embasa/areas-de-atuacao/relatorio-anual-consumidor/2010/Guanambi_Candiba_Piloes_Pindai_e_Morrinhos2010.pdf . Acesso em: 15 jul. 2020.
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). A barragem de rejeitos será construída 14 quilômetros acima da Barragem de Ceraíma e a 12 quilômetros da cidade de Guanambi20 20 A cidade de Guanabi localiza-se em uma cota 370 metros mais baixa que a da área prevista para a instalação do reservatório de lama. . Da barragem de Ceraíma até o rio São Francisco são aproximadamente 115 quilômetros pela sub-bacia do rio das Rãs. Em caso de ruptura, a barragem e o povoado de Ceraíma, o São Francisco e mesmo a cidade de Guanambi estariam na rota da lama.

A apreensão com a construção da barragem de rejeitos tem alimentado o movimento Vida sim, barragem não, que tem desenvolvido várias ações “pela vida, pela natureza, pelo nosso futuro, pelo rio São Francisco, por Guanambi e por todas as outras cidades e comunidades que também sofreriam com essa barragem!” (VIDA SIM, BARRAGEM NÃO, s.d.VIDA SIM, BARRAGEM NÃO. [S.d.]. Disponível em: https://vidasimbarragemnao.wixsite.com/pelavida . Acesso em: 15 jul. 2020.
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). Dentre essas ações destacam-se um abaixo-assinado online “a favor da vida e contra a barragem de rejeitos”; uma carta ao governador do estado da Bahia, Rui Costa, entregue em setembro de 2019, e a organização de manifestações públicas em Guanambi. Todas contaram com o apoio de grande parte da população e até mesmo de alguns representantes da administração pública daquele município e de outros grupos hegemônicos locais.

No dia 3 de outubro de 2017, o Ministério Público estadual expediu recomendação para a Bamin não implantar a barragem de rejeitos na APP do Riacho Pedra de Ferro (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, 2017MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. MP combate implantação de barragem de rejeitos minerais em Caetité. Notícias: Meio ambiente, 5 out. 2017. Disponível em: https://www.mpba.mp.br/noticia/40005 . Acesso em: 15 jul. 2020.
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). A promotora de Justiça Luciana Khoury, autora da recomendação, argumentou que na área há nascentes de rios que abastecem famílias de três municípios e que a instalação da barragem naquele local poderia trazer impactos às nascentes e cursos d’água e acarretar sérios prejuízos ao modo de vida tradicional de comunidades locais. Ela recomendou também o desenvolvimento de estudos de áreas alternativas e a complementação do RIMA, uma vez que considerou sem consistência a abrangência do estudo elaborado e apresentado pela mineradora em relação à dimensão dos impactos para os meios físicos, bióticos e socioeconômicos.

A todos esses conflitos, somam-se outros que se aprofundarão durante a fase de operação, como aqueles relativos à alteração da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, geração de ruído e emissões atmosféricas, perda definitiva de solo e supressão de vegetação21 21 A Portaria nº 13.308 do Inema, de 18 de janeiro de 2017, autoriza a supressão vegetal em uma área total de 1.793,23 hectares para a implantação da pilha de estéril e da cava do projeto Pedra de Ferro. .

Considerações finais

Ao longo deste trabalho, buscou-se mostrar que o projeto Pedra de Ferro, pautado no modelo “neoextrativista” de desenvolvimento, se configura como gerador de desigualdades socioambientais, uma vez que reserva aos grupos socialmente vulneráveis da região de Caetité e Pindaí a função de “receptáculo dos rejeitos produzidos por atividades que destinam aos grupos hegemônicos os proveitos do desenvolvimento” (COLETIVO BRASILEIRO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL, 2012COLETIVO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES, v. 17, p. 164-183, 2012., p. 176). Os conflitos ambientais daí resultantes refletem o confronto de diferentes formas de apropriação do território na região.

Corroborando os argumentos já apresentados pelo Coletivo de Pesquisadores da Desigualdade Ambiental (2012)COLETIVO DE PESQUISADORES DA DESIGUALDADE AMBIENTAL. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES, v. 17, p. 164-183, 2012., as estratégias de acumulação do capital adotadas pela empresa Bamin, nos municípios mencionados, remetem muitas vezes às teses de Harvey (2004HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.) sobre a acumulação por espoliação. As similaridades entre as estratégias da empresa e as teses de Harvey verificam-se em relação tanto às velhas práticas da acumulação primitiva já descritas por Marx como aos novos mecanismos de espoliação implantados em nome da “ortodoxia neoliberal” (HARVEY, 2004HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.). Em relação às práticas da acumulação primitiva citadas por esse autor, algumas foram identificadas na região estudada, quais sejam: a expulsão de camponeses, a privatização de recursos antes compartilhados, com a consequente formação de proletariado sem terra, e a supressão de formas alternativas de produção e consumo. Entre os novos mecanismos enumerados como associados à ortodoxia neoliberal, foram observadas a destruição dos recursos ambientais e a degradação de habitat por conta da mercadificação da natureza, a corporativização e a privatização de bens e utilidades até agora públicos associadas à expropriação das terras comuns, assim como a regressão dos estatutos regulatórios de proteção do trabalho e do meio ambiente.

Tais estratégias, entretanto, não se consolidariam sem a ação decisiva do Estado em múltiplas escalas, o que garantiu, tanto por meios institucionais e regulatórios como mediante o provimento de infraestruturas, a implementação desses empreendimentos. Contudo, em contraposição ao período desenvolvimentista, em que a exploração mineral, voltada ao abastecimento da siderurgia nacional, estava vinculada ao projeto de industrialização e agregação de valor ao produto, a produção de minério de ferro se direciona à produção de commodities com baixo valor agregado.

Não obstante todas as estratégias discursivas acionadas pelos agentes do estado e da mineradora com o objetivo de neutralizar os conflitos ambientais resultantes do projeto e de perpetuar a reprodução das desigualdades ambientais ali instaladas, à medida que o projeto avança, o modelo de desenvolvimento adotado é interpelado; novos sujeitos emergem e novas estratégias discursivas são acionadas, abrindo espaço para uma abordagem mais politizada da questão ambiental com vistas a uma construção mais democrática do território.

O estudo do projeto Pedra de Ferro aponta para a necessidade de uma agenda de pesquisa que leve em conta as interações simultâneas, em diferentes escalas e dimensões, com os outros grandes projetos de desenvolvimento em andamento na região - o Complexo Eólico Alto Sertão e a Mina de Exploração de Urânio - e com os desdobramentos do projeto Pedra de Ferro em outras cidades afetadas, desde Figueirópolis, no Tocantins, até o Porto Sul, em Ilhéus, na Bahia. A construção de um projeto sociocultural que preze pela justiça ambiental perpassa o desenvolvimento de pesquisas que considerem aspectos atualmente marginalizados nos debates sobre o meio ambiente, como a necessidade de preservar os recursos naturais e reverter o processo de desigualdade social.

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  • CORREIO 24 HORAS. A Fiol será uma realidade antes do que se espera: ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, fala sobre a ferrovia em entrevista. 15 jun. 2020. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/a-fiol-sera-uma-realidade-antes-do-que-se-espera /. Acesso em: 15 jul. 2020.
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  • ECODEBATE. Informe da Comissão Pastoral da Terra - Regional Bahia, 6 ago. 2009. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2009/08/06/ba-o-povo-disse-nao-ao-projeto-pedra-de-ferro /. Acesso em: 6 fev. 2020.
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  • EMPRESA BAIANA DE ÁGUAS E SANEAMENTO (EMBASA). Relatório Anual de Informações ao Consumidor 2015 Sistema de Abastecimento de Água do Município de Caetité 2015a. Disponível em: http://www.embasa.ba.gov.br/images/a-embasa/areas-de-atuacao/relatorio-anual-consumidor/2015/USC/caetite2015.pdf Acesso em: 15 jul. 2020.
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  • EMPRESA BAIANA DE ÁGUAS E SANEAMENTO (EMBASA). Relatório Anual de Informações ao Consumidor. 2015 Sistema Integrado de Abastecimento de Água dos Municípios de Guanambi, Candiba, Pilões, Pindaí e Morrinhos 2015b. Disponível em: http://www.embasa.ba.gov.br/images/a-embasa/areas-de-atuacao/relatorio-anual-consumidor/2010/Guanambi_Candiba_Piloes_Pindai_e_Morrinhos2010.pdf Acesso em: 15 jul. 2020.
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  • ZHOURI, A. (org.). Mineração, violências e resistências: um campo aberto à produção de conhecimento no Brasil . Marabá: Iguana: ABA , 2018.
  • 1
    Com origem no Cazaquistão e sede em Londres, o Eurasian Resources Group (ERG) incorporou a Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), antigo controlador da Bamin (2016). BAMIN. BAHIA MINERAÇÃO. O minério de ferro. Salvador, 2016. Disponível em: ttps://www.bamin.com.br/pagina.php?cod=1. Acesso em: 7 jul.2020.
  • 2
    Para garantir a proteção das fontes da pesquisa, os entrevistados não são identificados neste texto.
  • 3
    A capacidade diferencial de os sujeitos terem acesso ao território e aos recursos naturais se configuraria nesse espaço.
  • 4
    Tal conceituação diferencia esse modelo de desenvolvimento das práticas produtivas de pequeno alcance relacionadas à pesca ou à extração de vegetais, conhecidas como formas tradicionais e coletivas de apropriação dos recursos naturais, caso, por exemplo, da extração de frutos em terras comuns ou do látex da seringa na Amazônia.
  • 5
    A Fiol é uma obra do Governo Federal, com extensão de 1.527 quilômetros, que teve financiamento inicial por intermédio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Atualmente, a obra se encontra em processo de desestatização (PPI, 2020PROGRAMA DE PARCERIAS E INVESTIMENTOS (PPI). Ferrovia EF-334/BA - Ferrovia de Integração Oeste-Leste-Fiol (trecho entre Ilhéus/BA e Caetité/BA). 2020. Disponível em: https://www.ppi.gov.br/ferrovia-ef-334ba-ferrovia-de-integracao-oeste-lest-fiol . Acesso em: 25 jun. 2020.
    https://www.ppi.gov.br/ferrovia-ef-334ba...
    ).
  • 6
    O Porto Sul será construído com o apoio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) firmada entre o estado da Bahia e a Bamin.
  • 7
    O autor exemplifica o efeito derrame citando a construção de grandes obras de infraestrutura e as mudanças na economia, nas políticas públicas ou na legislação ambiental que, apesar de promovidas com o principal objetivo de atender às demandas das atividades neoextrativistas, acabam afetando outros setores e outros lugares do país.
  • 8
    A INB é uma empresa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
  • 9
    A Renova é controlada pela RR Participações, a Light Energia e a Cemig GT.
  • 10
    O Complexo Alto Sertão III ainda não se encontra em operação.
  • 11
    A CFEM corresponde aos royalties da mineração.
  • 12
    O Inema foi criado, em maio de 2011, como resultado da junção de duas autarquias da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia (Sema), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e o Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá).
  • 13
    Em setembro de 2017, o governador da Bahia, Rui Costa, havia assinado um Memorando de Entendimento com um consórcio chinês e com o ERG, controlador da Bamin, para viabilizar a conclusão do projeto do Porto Sul, da Fiol e da mina de Pedra de Ferro (BAHIA, 2019). BAHIA. Assessoria de Comunicação da Casa Civil. Projetos do Porto Sul e da Fiol avançam na Bahia, 1 nov. 2019. Disponível em: http://www.ba.gov.br/noticias/projetos-do-porto-sul-e-da-fiol-avancam-na-bahia. Acesso em: 25 jun. 2020.
  • 14
    A operação movimentará apenas 800 mil toneladas de minério de ferro por ano, muito aquém dos 20 milhões de toneladas previstos no projeto inicial, e deverá gerar trezentos empregos diretos. Segundo a companhia, o embarque internacional da operação acontecerá pelo terminal portuário de Maragogipe, em novembro de 2020.
  • 15
    O conceito de exército industrial de reserva, desenvolvido por Marx, explica o desemprego como elemento estrutural do sistema capitalista. De acordo com o autor, trata-se da força de trabalho que é excedente às necessidades de produção. Gerado principalmente em decorrência do sobretrabalho da parte ocupada da população, o exército industrial de reserva exerce, segundo Marx, uma pressão que força os salários dos trabalhadores ocupados para baixo e os submete à aceitação de maior carga de sobretrabalho, o que, por sua vez, retroalimenta o exército industrial de reserva.
  • 16
    Em entrevista concedida aos autores, a pesquisadora Simone Almeida de Souza, cuja generosidade agradecemos, disponibilizou dados obtidos no levantamento de campo realizado para sua dissertação de mestrado, ainda não publicada, intitulada Conflitos socioambientais sob a ótica da cartografia social: o caso do Quilombo Riacho da Vaca em Caetité - BA.
  • 17
    A Embasa informa uma captação de 44 L/s, o que equivale a 158,6 m3/h - oriunda de riachos, poços e adutora emergencial - para atender aos 50.975 habitantes de Caetité.
  • 18
    Esse volume corresponde a mais que o dobro da capacidade de Mariana e mais de dez vezes a de Brumadinho.
  • 19
    Informação fornecida pelo gerente de mina da Bamin, Wilson Thibes, durante fala na tribuna da Câmara de Guanabi em reunião realizada em 27 de maio de 2019 e em coletiva à imprensa na mesma data. Thibes anunciou também a substituição do método de crescimento a montante, inicialmente previsto, pelo método de crescimento a jusante (único permitido pela nova Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens), e a construção por etapas, de acordo com a demanda de armazenamento do rejeito, atingindo sua capacidade máxima trinta anos após o início da operação da mina.
  • 20
    A cidade de Guanabi localiza-se em uma cota 370 metros mais baixa que a da área prevista para a instalação do reservatório de lama.
  • 21
    A Portaria nº 13.308 do Inema, de 18 de janeiro de 2017, autoriza a supressão vegetal em uma área total de 1.793,23 hectares para a implantação da pilha de estéril e da cava do projeto Pedra de Ferro.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sinopse do Censo Demográfico de 2010, Bahia IBGE, 2010. Disponível em Disponível em https://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?uf=29&dados=29 Acesso em: 5 jul. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2019
  • Aceito
    16 Nov 2020
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