Acessibilidade / Reportar erro

Fluência verbal semântica e fonológica: estudo comparativo em deficientes auditivos e ouvintes

Resumos

OBJETIVO:

Comparar o desempenho de deficientes auditivos e ouvintes nas provas de fluência verbal semântica e fonológica.

MÉTODOS:

Realizou-se um estudo transversal com 48 indivíduos adultos deficientes auditivos e 42 indivíduos (grupo comparação) sem queixas de audição e/ou linguagem. Foram levantados dados sociodemográficos e as características da perda auditiva e do dispositivo auditivo eletrônico (aparelho de amplificação sonora individual ou implante coclear), quando pertinente. Aplicaram-se os testes de fluência verbal por pista semântica (categoria animais) e fonológica (letra F).

RESULTADOS:

A escolaridade influenciou os resultados das provas nos dois grupos, sendo mais evidente nos deficientes auditivos (p<0,001). Os deficientes auditivos apresentaram pior desempenho nas provas de fluência verbal em comparação aos ouvintes nos grupos com até dez anos de escolaridade. Na comparação do desempenho nos dois testes, os dois grupos apresentaram melhores resultados na fluência verbal semântica.

CONCLUSÃO:

Os deficientes auditivos de menor escolaridade evocaram um número inferior de palavras pela pista semântica e fonológica em relação aos ouvintes. O nível de escolaridade é relevante para o estudo de fluência verbal em deficientes auditivos.


PURPOSE:

To compare the performance of hearing-impaired and normal-hearing people on phonologic and semantic verbal fluency tests.

METHODS:

A cross-sectional study was conducted with 48 hearing-impaired adults and 42 individuals (control group) with no hearing or language complaints. Sociodemographic data were collected, as well as the characteristics of hearing loss and of the electronic auditory device (hearing aids or cochlear implant), when relevant. Verbal fluency was tested in two different tasks: by semantic category (animals) and by phonology (letter F).

RESULTS:

Educational level has influenced the results of fluency tests in both groups, with more evidence in the hearing-impaired subjects (p<0.001). Hearing-impaired subjects showed worse performance in verbal fluency tests when compared to normal-hearing people in groups with up to 10 years of schooling. In the comparison of performance in the two tests, both groups showed better results in the semantic fluency task.

CONCLUSION:

The hearing-impaired subjects with low educational level evoked fewer words in semantic and phonologic verbal fluency tests in comparison to normal-hearing subjects. Educational level is a relevant issue to the study of verbal fluency in deaf and hearing-impaired people.


INTRODUÇÃO

A linguagem é o que dá forma ao conteúdo variável de nossas experiências, que torna real o mundo vivido. É o processo simbólico que veicula significação às coisas, permitindo a comunicação interpessoal.

A língua, por sua vez, é o meio de comunicação que permite a expressão da linguagem. Consiste em um sistema organizado de símbolos linguísticos - palavras - e regras para combiná-los( 11. Soares AD, Goulart BNG, Chiari BM. Narrative competence among hearing-impaired and normal hearing children: analytical cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2010;128(5):284-8. ). Os processos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos permitem a relação de equilíbrio entre forma, conteúdo e uso, dando funcionalidade à língua( 22. Chiari BM. Língua e linguagem: forma, conteúdo e uso nos déficits de audição. In: Marchezan IQ, Justino H, Tomé MC. Tratado de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Roca; 2014. p. 632-34. ).

Todo ser humano detém um léxico mental da língua, que é acessado quando deseja representar, por meio de palavras, um determinado objeto ou ação. O acesso ao nome de um objeto depende das habilidades fonológicas e, principalmente, da memória. A aquisição lexical, por sua vez, está relacionada com a capacidade de compreender e produzir vários tipos de significados( 33. Ptok M, Kühn D, Miller S. Lexical development: the construction of different vocabulary tests used in clinical practice. HNO. 2014;62(4):258-65. ).

Há uma relação entre o aprendizado de vocabulário e sua categorização no léxico, pois categorizar requer a existência de representações mentais de significado que são mapeadas em palavras para formar itens lexicais, apoiadas por rótulos linguísticos que fornecem sinais adicionais( 44. Befi-Lopes DM, Gândara JP, Felisbino FS. Categorização semântica e aquisição lexical: desempenho de crianças com alteração do desenvolvimento da linguagem. Rev CEFAC. 2006;8(2):155-61. ).

Nesse aspecto, testes como a prova de fluência verbal podem fornecer informações sobre a capacidade de armazenamento do sistema de memória, habilidade de recuperar a informação guardada, a capacidade de organizar o pensamento e as estratégias utilizadas para a busca de palavras( 55. Costa A, Bagoj E, Monaco M, Zabberoni S, De Rosa S, Papantonio AM, et al. Standardization and normative data obtained in the Italian population for a new verbal fluency instrument, the phonemic/semantic alternate fluency test. Neurol Sci. 2014;35(3):365-72. ).

O léxico e o vocabulário são parte integrante de todas as línguas, sejam elas orais ou gestuais. Socialmente, no entanto, a língua falada é a principal forma de comunicação utilizada na interação, sendo a audição a base para a comunicação oral.

A percepção dos sons da fala inclui diversos aspectos, como: recepção e interpretação dos padrões de fala, discriminação entre os sons, reconhecimento, memorização e a compreensão de unidades de fala dentro de determinado sistema linguístico.

Nos deficientes auditivos, as oportunidades limitadas de ouvir informações os privam de vivenciar experiências, acarretando consequências negativas na aquisição de vocabulário( 66. Amemyia EE, Goulart BNG, Chiari BM. Use of nouns and verbs in the oral narrative of individuals with hearing impairment and normal hearing between 5 and 11 years of age. Sao Paulo Med J. 2013;131(5):289-95. ). Dessa forma, sua produção linguística, em geral, é simples e baseada no concreto( 77. Costa MCM, Chiari BM. Verificação do desempenho de crianças deficientes auditivas oralizadas em teste de vocabulário. Pró-Fono R Atual Cient. 2006;18(2):189-96. ).

Pessoas com deficiência de audição têm mais dificuldade de adquirir o léxico e atualizá-lo no vocabulário rotineiro, daí a maior dificuldade de acesso às palavras armazenadas na memória.

Diante da relevância desses fatos, o objetivo deste estudo foi comparar o desempenho de deficientes auditivos e ouvintes nas provas de fluência verbal semântica e fonológica.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob o protocolo número 1366/11, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Trata-se de um estudo transversal, cujo grupo de estudo (aqui denominado grupo de deficientes auditivos - GDA) foi composto por 48 indivíduos deficientes auditivos adultos, com idade entre 18 e 60 anos (Média=42,8; desvio padrão - DP=12,9), pacientes do Centro do Deficiente Auditivo da Universidade Federal de São Paulo (CDA-UNIFESP).

Foram recrutados por conveniência pelas pesquisadoras durante seu acompanhamento anual no referido centro, no período de novembro de 2011 a novembro de 2012. Todos os pacientes agendados no centro passaram por uma pré-seleção por meio de análise de prontuários e aqueles que atendiam aos critérios de inclusão deste estudo foram convidados a participar da pesquisa. Foram critérios de inclusão para o GDA: possuir diagnóstico de perda auditiva, obtido por meio de exame audiológico, e utilizar a língua oral para comunicação, com domínio do vocabulário rotineiro. Foram excluídos do estudo deficientes auditivos com uso preferencial e cotidiano da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

Para constituir um grupo de comparação (GC), foram selecionados, por conveniência, 42 sujeitos com audição normal e sem queixas ou indicativos de alterações no desenvolvimento da fala e linguagem, com variação de idade similar ao GDA (Média=37,6; DP=12,6; valor de p=0,057).

Para a exclusão de comprometimentos cognitivos que pudessem influenciar os resultados deste estudo e de maneira a padronizar a amostra, todos os participantes (GC e GDA) responderam ao teste Mini-Exame do Estado Mental (MMSE)( 88. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81. ). Do total inicial de sujeitos coletados, foram excluídos seis deficientes auditivos e cinco indivíduos sem alteração auditiva, por não terem atingido as notas de corte do teste, segundo as recomendações da Academia Brasileira de Neurologia( 99. Nitrini R, Caramelli P, Bottino CMC, Damasceno BP, Brucki SMD, Anghinah R. Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil: avaliação cognitiva e funcional. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3-A):720-7. ), resultando na amostra apresentada anteriormente.

A fluência verbal foi avaliada em duas categorias: semântica e fonológica. A fluência verbal semântica (FVS) foi analisada por meio da elocução, em um minuto, de palavras da classe semântica "animais". Tal categoria é a mais amplamente utilizada nessa prova e apresenta grande sensibilidade para a avaliação do acesso e organização do léxico mental semântico( 1010. Caramelli P, Carthery-Goulart MT, Porto CS, Charchat-Fichman H, Nitrini R. Category fluency as a screening test for Alzheimer disease in illiterate and literate patients. Alzheimer Dis Assoc Disord. 2007;21(1):65-7. ). Os participantes receberam a instrução: "diga pra mim o maior número de animais que você conseguir lembrar, vale qualquer tipo de animal" e o tempo foi cronometrado pelo avaliador.

A fluência verbal fonológica (FVF) foi avaliada logo após a primeira prova, pela elocução de palavras iniciadas pela letra "F", dentro de um minuto. Tal fonema foi selecionado pela sua frequência de ocorrência no Português Brasileiro, sendo parte do Teste de Fluência Fonêmica (FAS), em que se utilizam também as letras "A" e "S"( 1111. Machado TH, Fichman HC, Santos EL, Carvalho VA, Fialho PP, Koenig AM, et al. Normative data for healthy elderly on the phonemic verbal fluency task - FAS. Dement Neuropsychol. 2009;3(1):55-60. ). Nessa avaliação, os participantes receberam a instrução: "diga pra mim o maior número de palavras que começam com a letra F, vale qualquer palavra".

Ambas as provas foram cronometradas com um relógio comum, sendo a emissão gravada, por meio de um gravador, em arquivo de áudio para posterior análise e transcrição pelas pesquisadoras.

Além disso, as características da população estudada, tais como idade, gênero, escolaridade, tipo e grau da deficiência auditiva, idade de surgimento desta, tempo de privação sensorial e uso de um dispositivo auditivo eletrônico (aparelho de amplificação sonora individual - AASI ou Implante Coclear - IC), quando pertinentes, foram verificadas a partir de um questionário com perguntas fechadas.

Foi realizada a análise de correlação entre as variáveis: idade, escolaridade e características da perda auditiva e do dispositivo auditivo eletrônico, com desempenho nas provas de fluência verbal por meio do teste ANOVA e da Correlação de Pearson. Já para a comparação entre as provas, após o pareamento dos sujeitos, foi adotado o teste t de Student pareado. Também foi analisada a distribuição da amostra segundo o gênero, uso de AASI/IC, grau e tipo da deficiência auditiva, utilizando o teste de igualdade de duas proporções. O grau de significância adotado foi de 0,05, com intervalos de confiança de 95% (IC95%).

RESULTADOS

Na amostra estudada, houve prevalência de indivíduos do gênero masculino no GDA (54,2%) e uma maior parcela do gênero feminino (54,2%) no GC.

As características da perda auditiva e do dispositivo auditivo eletrônico utilizado pelo GDA podem ser observadas na Tabela 1. A idade média de aquisição da perda auditiva foi de 27,6 anos (DP=17,2) e de adaptação de AASI ou IC, de 32,8 anos (DP=14,9), o que indica que a maior parte dos sujeitos perdeu a audição já na fase adulta, embora haja grande variabilidade destes dados na amostra (coeficientes de variação: 62 e 45%, respectivamente).

Tabela 1.
Características audiológicas do grupo de deficientes auditivos

As características de idade e escolaridade e sua comparação entre os grupos são apresentadas na Tabela 2. A relação entre o nível de escolaridade e o desempenho nas provas de fluência verbal está descrita na Tabela 3, para cada grupo estudado.

Tabela 2.
Comparação dos grupos de deficientes auditivos e de ouvintes quanto à idade e escolaridade
Tabela 3.
Correlação entre escolaridade e as provas de fluência verbal, por grupo

Observando a diferença entre os grupos para escolaridade (Tabela 2) e considerando a influência desse fator no desempenho do teste, tanto para o GDA quanto para o GC (Tabela 3), os grupos foram categorizados em duas faixas de escolaridade, definidas pelo valor da mediana: ≤10 anos e ≥11 anos de estudo.

A comparação entre o desempenho do GDA e do GC nos testes de fluência verbal semântica e fonológica está ilustrada no Gráfico 1, considerando as faixas de escolaridade descritas. Existe diferença na média de palavras faladas entre os grupos tanto para FVS (p=0,003) quanto FVF (p=0,011), apenas na faixa até dez anos de escolaridade, sem diferença para aqueles com 11 anos ou mais de estudo (p=0,558 para FVS e p=0,894 para FVF).

Gráfico 1.
Comparação dos grupos por faixa de escolaridade na média de palavras na fluência verbal semântica e fonológica Legenda: FVS = Fluência verbal semântica; FVF = Fluência verbal fonológica; GDA = grupo de deficientes auditivos; GC = grupo de comparação

Ressalta-se que, em ambos os grupos, foi evocado um maior número de palavras por pista semântica do que fonológica, com diferença entre os testes (p<0,001).

O grau e o tipo da perda auditiva, assim como o fato de o paciente utilizar AASI ou IC ou a época de aquisição do dispositivo auditivo eletrônico não tiveram correlação com o desempenho nas provas de fluência verbal, mesmo quando categorizados por faixa de escolaridade (Tabela 4).

Tabela 4.
Correlação entre tipo e grau da perda auditiva, uso e época de aquisição do dispositivo auditivo eletrônico e os resultados nas provas de fluência verbal no grupo de estudo

A idade de início da deficiência auditiva apresentou uma leve correlação negativa (-30,9%) com os resultados da prova de fluência verbal por pista fonológica (p=0,032).

DISCUSSÃO

O teste de fluência verbal é um teste que tem por finalidade avaliar a capacidade de armazenamento lexical e fornece informações sobre a recuperação de informações e processamento das funções executivas. Sendo assim, tem sido utilizado para rastreio cognitivo e auxílio no diagnóstico para diversas patologias, como Transtorno de Atenção e Hiperatividade, doença de Parkinson, esquizofrenia, declínio cognitivo, transtorno bipolar, entre outros( 1212. Silveira DC, Passos LMA, Santos PC, Chiapetta ALM. Avaliação da fluência verbal em crianças com transtorno da falta de atenção com hiperatividade: um estudo comparativo. Rev CEFAC. 2009;11(Suppl 2):208-16.

13. Ikuta YM, Reis CRM, Ramos MMAB, Borges MMG, Araújo MC. Avaliação da função cognitiva em pacientes com doença de Parkinson. Rev Para Med. 2012;26(1):tab.

14. Brichant-Petitjean C, Legauffre C, Ramoz N, Ades J, Gorwood P, Dubertret C. Memory deficits in late-onset schizophrenia. Schizophr Res. 2013;151(1-3):85-90.

15. Pérez-Díaz AGL, Calero MD, Navarro-González E. Predicción del deterioro cognitivo en ancianos mediante el análisis del rendimiento en fluidez verbal y en atención sostenida. Rev Neurol. 2013;56(1):1-7.
- 1616. Onitsuka T, Oribe N, Kanba S. Neurophysiological findings in patients with bipolar disorder. Suppl Clin Neurophysiol. 2013;62:197-206. ) . Não encontramos relatos da aplicação desse teste em deficientes auditivos, nem sobre as possíveis variáveis que influenciam o desempenho desses casos.

Os principais achados deste estudo mostram a escolaridade como um fator determinante das provas de fluência verbal semântica e fonológica em deficientes auditivos e ouvintes. Na comparação entre os grupos (GDA e GC), os deficientes auditivos evidenciam pior desempenho nos testes quando considerado até dez anos de escolaridade.

A relação entre a escolaridade e o número de palavras evocadas em tarefas de fluência verbal tem amplo estudo, sendo demonstrada em indivíduos ouvintes saudáveis, em idosos e em sujeitos com patologias diversas( 55. Costa A, Bagoj E, Monaco M, Zabberoni S, De Rosa S, Papantonio AM, et al. Standardization and normative data obtained in the Italian population for a new verbal fluency instrument, the phonemic/semantic alternate fluency test. Neurol Sci. 2014;35(3):365-72. , 1010. Caramelli P, Carthery-Goulart MT, Porto CS, Charchat-Fichman H, Nitrini R. Category fluency as a screening test for Alzheimer disease in illiterate and literate patients. Alzheimer Dis Assoc Disord. 2007;21(1):65-7. , 1111. Machado TH, Fichman HC, Santos EL, Carvalho VA, Fialho PP, Koenig AM, et al. Normative data for healthy elderly on the phonemic verbal fluency task - FAS. Dement Neuropsychol. 2009;3(1):55-60. , 1717. Brucki SMD, Rocha, MSG. Category fluency test: effects of age, gender and education on total scores, clustering and switching in Brazilian-Portuguese speaking subjects. Braz J Med Biol Res. 2004;37(12):1771-7.

18. Zanin L, Ledezma C, Galarsi F, Bortoli MA. Fluidez verbal en una muestra de 227 sujetos de la región Cuyo (Argentina). Fundamentos en Humanidades. 2010;11(1):207-19.
- 1919. Rosselli M, Tappen R, Williams C, Salvatierra J, Zoller Y. Level of education and category fluency task among Spanish speaking elders: number of words, clustering, and switching strategies. Neuropsychol Dev Cogn B Aging Neuropsychol Cogn. 2009;16(6):721-44. ).

O melhor desempenho de indivíduos com audição normal em relação aos deficientes auditivos seria esperado devido à maior dificuldade desse grupo na aquisição e atualização do léxico e a redução do número de experiências auditivas que se reflete em um vocabulário reduzido( 66. Amemyia EE, Goulart BNG, Chiari BM. Use of nouns and verbs in the oral narrative of individuals with hearing impairment and normal hearing between 5 and 11 years of age. Sao Paulo Med J. 2013;131(5):289-95. ). No entanto, considerando as características da amostra estudada, formada por indivíduos com início da deficiência auditiva já na fase adulta, o que garantiu, portanto, uma aquisição e desenvolvimento linguístico análogo ao GC, resultados semelhantes em provas de linguagem podem ser esperados quando há maior escolaridade.

O contraste observado entre os dois grupos apenas para os sujeitos com até dez anos de escolaridade aponta que maiores níveis de escolaridade funcionam como um fator protetor que garante um maior número de experiências e contextos linguísticos, permitindo a manutenção da organização lexical e fonológica, antes e após a perda de audição. O nível educacional já foi evidenciado, em outra pesquisa, como o fator que proporciona maior reserva cognitiva e de memória durante a vida adulta( 2020. Jefferson AL, Gibbons LE, Rentz DM, Carvalho JO, Manly J, Bennett DA, et al. A life course model of cognitive activities, socioeconomic status, education, reading ability, and cognition. J Am Geriatr Soc. 2011;59(8):1403-11. ).

Na comparação entre as provas, percebeu-se que ambos os grupos obtiveram um melhor desempenho na categoria semântica ("animais") em comparação à prova fonológica ("F"), o que corrobora os achados em outros estudos realizados com indivíduos saudáveis( 1818. Zanin L, Ledezma C, Galarsi F, Bortoli MA. Fluidez verbal en una muestra de 227 sujetos de la región Cuyo (Argentina). Fundamentos en Humanidades. 2010;11(1):207-19. , 2121. Rámirez M, Sólis-Ostrosky F, Fernández A, Ardila-Ardila A. Fluidez verbal semántica en hispanohablantes: un estudio comparativo. Rev Neurol. 2005;41(8):463-8. ). Ainda que a pista fonológica permita uma maior quantidade de palavras para evocação, a categoria semântica segue uma organização hierárquica na memória, possuindo subcategorias ("animais de fazenda", "animais domésticos", "animais marinhos", "animais terrestres", entre outros) e possibilitando uma maior gama de respostas( 2222. Azuma T. Working memory and perseveration in verbal fluency. Neuropsychology. 2004;18(1):69-77. ). A literatura afirma que, mesmo em tarefas de origem fonológica, há tendência de geração de palavras em jatos, frequentemente gerados por relações semânticas( 1919. Rosselli M, Tappen R, Williams C, Salvatierra J, Zoller Y. Level of education and category fluency task among Spanish speaking elders: number of words, clustering, and switching strategies. Neuropsychol Dev Cogn B Aging Neuropsychol Cogn. 2009;16(6):721-44. ).

Em contrapartida, estudos realizados com fluência verbal em patologias como a doença de Alzheimer e a esquizofrenia( 1414. Brichant-Petitjean C, Legauffre C, Ramoz N, Ades J, Gorwood P, Dubertret C. Memory deficits in late-onset schizophrenia. Schizophr Res. 2013;151(1-3):85-90. , 1515. Pérez-Díaz AGL, Calero MD, Navarro-González E. Predicción del deterioro cognitivo en ancianos mediante el análisis del rendimiento en fluidez verbal y en atención sostenida. Rev Neurol. 2013;56(1):1-7. , 2323. Laws KR, Duncan A, Gale TM. 'Normal' semantic-phonemic fluency discrepancy in Alzheimer's disease? A meta-analytic study. Cortex. 2010;46:595-601. ) apresentaram melhores resultados na fluência fonológica em relação à fluência semântica. Os autores relacionam esses achados com a degradação da memória semântica ocasionada pela doença, a qual não ocorre na deficiência auditiva. A FVS parece estar mais relacionada à memória semântica, enquanto a fluência verbal fonológica, ao controle executivo.

A fim de determinar como os dados audiológicos poderiam influenciar os resultados das tarefas de fluência verbal, o desempenho do grupo de deficientes auditivos foi relacionado quanto às características da perda auditiva e do dispositivo auditivo eletrônico utilizado (AASI ou IC).

Não encontramos diferenças no número de palavras evocadas entre os diferentes graus de perda, embora fosse esperado um melhor desempenho dos indivíduos com deficiência auditiva leve/moderada. A deficiência auditiva de grau leve permite a percepção de algumas consoantes e das vogais, sendo menos impeditiva que outros graus( 2424. Fitzpatrick EM, Durieux-Smith A, Whittingham J. Clinical practice for children with mild bilateral and unilateral hearing loss. Ear Hear. 2010;31(3):392-400. ). Nesta pesquisa, o número reduzido de indivíduos apresentando esse grau de perda auditiva associado à idade de aquisição de deficiência auditiva pode ter contribuído para essa ausência de correlação.

Em relação ao uso de um dispositivo auditivo eletrônico e o tipo de recurso utilizado (AASI uni ou bilateral e IC), também não foi observada diferença no desempenho nas provas, uma vez que todos os indivíduos já tinham o domínio rotineiro de atividade linguística.

A partir de todos os dados apresentados, acreditamos que os resultados desta pesquisa fornecem indicativos do comportamento da população de deficientes auditivos em provas de fluência verbal, ainda pouco estudado em nosso meio. É importante a proposta de estudos com populações mais extensas e que incluam outros fatores biossociais para reforçar a função dessa prova na clínica com o sujeito deficiente auditivo.

CONCLUSÃO

Os deficientes auditivos, com até dez anos de escolaridade, evocam um menor número de palavras pela pista semântica e fonológica em relação aos ouvintes. Assim, a escolaridade influencia positivamente nas provas de fluência fonológica e semântica em deficientes auditivos. Ambos os grupos obtiveram um melhor desempenho na prova de fluência semântica em comparação à fluência fonológica.

REFERENCES

  • 1
    Soares AD, Goulart BNG, Chiari BM. Narrative competence among hearing-impaired and normal hearing children: analytical cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2010;128(5):284-8.
  • 2
    Chiari BM. Língua e linguagem: forma, conteúdo e uso nos déficits de audição. In: Marchezan IQ, Justino H, Tomé MC. Tratado de Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Roca; 2014. p. 632-34.
  • 3
    Ptok M, Kühn D, Miller S. Lexical development: the construction of different vocabulary tests used in clinical practice. HNO. 2014;62(4):258-65.
  • 4
    Befi-Lopes DM, Gândara JP, Felisbino FS. Categorização semântica e aquisição lexical: desempenho de crianças com alteração do desenvolvimento da linguagem. Rev CEFAC. 2006;8(2):155-61.
  • 5
    Costa A, Bagoj E, Monaco M, Zabberoni S, De Rosa S, Papantonio AM, et al. Standardization and normative data obtained in the Italian population for a new verbal fluency instrument, the phonemic/semantic alternate fluency test. Neurol Sci. 2014;35(3):365-72.
  • 6
    Amemyia EE, Goulart BNG, Chiari BM. Use of nouns and verbs in the oral narrative of individuals with hearing impairment and normal hearing between 5 and 11 years of age. Sao Paulo Med J. 2013;131(5):289-95.
  • 7
    Costa MCM, Chiari BM. Verificação do desempenho de crianças deficientes auditivas oralizadas em teste de vocabulário. Pró-Fono R Atual Cient. 2006;18(2):189-96.
  • 8
    Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81.
  • 9
    Nitrini R, Caramelli P, Bottino CMC, Damasceno BP, Brucki SMD, Anghinah R. Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil: avaliação cognitiva e funcional. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3-A):720-7.
  • 10
    Caramelli P, Carthery-Goulart MT, Porto CS, Charchat-Fichman H, Nitrini R. Category fluency as a screening test for Alzheimer disease in illiterate and literate patients. Alzheimer Dis Assoc Disord. 2007;21(1):65-7.
  • 11
    Machado TH, Fichman HC, Santos EL, Carvalho VA, Fialho PP, Koenig AM, et al. Normative data for healthy elderly on the phonemic verbal fluency task - FAS. Dement Neuropsychol. 2009;3(1):55-60.
  • 12
    Silveira DC, Passos LMA, Santos PC, Chiapetta ALM. Avaliação da fluência verbal em crianças com transtorno da falta de atenção com hiperatividade: um estudo comparativo. Rev CEFAC. 2009;11(Suppl 2):208-16.
  • 13
    Ikuta YM, Reis CRM, Ramos MMAB, Borges MMG, Araújo MC. Avaliação da função cognitiva em pacientes com doença de Parkinson. Rev Para Med. 2012;26(1):tab.
  • 14
    Brichant-Petitjean C, Legauffre C, Ramoz N, Ades J, Gorwood P, Dubertret C. Memory deficits in late-onset schizophrenia. Schizophr Res. 2013;151(1-3):85-90.
  • 15
    Pérez-Díaz AGL, Calero MD, Navarro-González E. Predicción del deterioro cognitivo en ancianos mediante el análisis del rendimiento en fluidez verbal y en atención sostenida. Rev Neurol. 2013;56(1):1-7.
  • 16
    Onitsuka T, Oribe N, Kanba S. Neurophysiological findings in patients with bipolar disorder. Suppl Clin Neurophysiol. 2013;62:197-206.
  • 17
    Brucki SMD, Rocha, MSG. Category fluency test: effects of age, gender and education on total scores, clustering and switching in Brazilian-Portuguese speaking subjects. Braz J Med Biol Res. 2004;37(12):1771-7.
  • 18
    Zanin L, Ledezma C, Galarsi F, Bortoli MA. Fluidez verbal en una muestra de 227 sujetos de la región Cuyo (Argentina). Fundamentos en Humanidades. 2010;11(1):207-19.
  • 19
    Rosselli M, Tappen R, Williams C, Salvatierra J, Zoller Y. Level of education and category fluency task among Spanish speaking elders: number of words, clustering, and switching strategies. Neuropsychol Dev Cogn B Aging Neuropsychol Cogn. 2009;16(6):721-44.
  • 20
    Jefferson AL, Gibbons LE, Rentz DM, Carvalho JO, Manly J, Bennett DA, et al. A life course model of cognitive activities, socioeconomic status, education, reading ability, and cognition. J Am Geriatr Soc. 2011;59(8):1403-11.
  • 21
    Rámirez M, Sólis-Ostrosky F, Fernández A, Ardila-Ardila A. Fluidez verbal semántica en hispanohablantes: un estudio comparativo. Rev Neurol. 2005;41(8):463-8.
  • 22
    Azuma T. Working memory and perseveration in verbal fluency. Neuropsychology. 2004;18(1):69-77.
  • 23
    Laws KR, Duncan A, Gale TM. 'Normal' semantic-phonemic fluency discrepancy in Alzheimer's disease? A meta-analytic study. Cortex. 2010;46:595-601.
  • 24
    Fitzpatrick EM, Durieux-Smith A, Whittingham J. Clinical practice for children with mild bilateral and unilateral hearing loss. Ear Hear. 2010;31(3):392-400.
  • Fonte de financiamento: Universidade Federal de São Paulo e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
  • *IMMS e JSCC realizaram a redação do projeto, coleta de dados e redação do manuscrito; ADS e LNO participaram da coleta de dados, redação e revisão do manuscrito; BMC orientou todas as etapas deste trabalho. Trabalho realizado no Centro do Deficiente Auditivo, Departamento de Otorrinolaringologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2014
  • Aceito
    24 Set 2014
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br