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Intervenção baseada em leitura compartilhada de histórias: efeito nas tarefas de baixo e alto nível de leitura e escrita

RESUMO

Objetivo

Investigar a eficácia de uma proposta de intervenção baseada em leitura compartilhada de histórias para a compreensão leitora, narrativa escrita e leitura/escrita de palavras.

Método

44 crianças divididas em dois grupos, segundo o desempenho destas em uma prova de compreensão leitora – G1: crianças com dificuldade em compreensão leitora; G2: sem dificuldades. Todas as crianças foram avaliadas em relação à leitura e escrita de palavras isoladas, compreensão leitora de frases e narrativa escrita. Após avaliação as crianças do G1 participaram de um programa de intervenção (15 encontros) que estimulava a leitura compartilhada de histórias. Após a intervenção todas as crianças (G1 e G2) foram reavaliadas. Os resultados foram comparados intra e intergrupos, sendo aplicados testes estatísticos pertinentes, adotando o nível de significância menor que 0,05.

Resultados

Após o programa de intervenção as crianças do G1 apresentaram melhora significativa nas variáveis avaliadas. Na análise intergrupos, no momento da avaliação, G1 era diferente do G2 em leitura/escrita, compreensão leitora, capacidade julgar corretamente os verbos e em coerência textual. Na reavaliação, G1 se igualou ao G2 em coerência textual e, se aproximou do G2 em leitura/escrita de apalvras isoladas e compreensão leitora.

Conclusão

A leitura compartilhada de histórias promoveu o desenvolvimento das habilidades de baixo e alto nível de leitura e escrita, sendo mais eficaz para as estratégias de alto nível (exemplo, narrativa escrita). Sugere-se que, para questões ortográficas, um programa específico para este aspecto seja associado.

Descritores:
Narrativa; Compreensão; Leitura; Linguagem; Reabilitação dos Transtornos da Fala e da Linguagem

ABSTRACT

Purpose

to investigate the effectiveness of an intervention proposal based on shared story reading for reading comprehension, written narrative and word reading/writing.

Methods

44 children were divided into two groups according to their performance in a reading comprehension test – The first group, G1, consisted of children with reading comprehension difficulty, and the second, G2, consisted of children who did not have difficulties. All children were evaluated regarding reading/writing isolated words, reading comprehension of sentences, and written narrative. After this evaluation, G1 children participated in an intervention program (15 meetings) that stimulated shared story reading. After this intervention, all children were reevaluated. Intra- and intergroup data were analyzed statistically by applying appropriate statistical tests, with the level of significance set at >0.05%.

Results

after the intervention program, G1 children showed significant improvement in the variables evaluated. In the intergroup analysis, at the time of evaluation, G1 differed from G2 in reading/writing, reading comprehension, ability to correctly judge the verbs, and in textual coherence. At reassessment, G1 matched G2 in textual coherence and approached G2 in reading/writing isolated words and reading comprehension.

Conclusion

shared story reading promoted the development of low and high level reading and writing skills, being more effective for high-level strategies (example: written narrative). It is suggested that a specific program for orthographic questions be associated.

Keywords:
Narration; Comprehension; Reading; Language; Rehabilitation of Speech and Language Disorders

INTRODUÇÃO

A leitura compartilhada de histórias pode ser definida como um ato de interação entre um adulto e uma criança ou entre um adulto e um grupo de crianças. Nessa interação o adulto lê um livro utilizando-se de diversas estratégias estruturadas(11 Whitehurst GJ, Falco FL, Lonigan CJ, Fischel JE, DeBaryshe BD, Valdez-Menchaca MC, et al. Accelerating language development through picture book reading. Dev Psychol. 1988;24(4):552-9. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4.552.
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). Essas estratégias podem ocorrer antes, durante e após a leitura, promovendo o engajamento da criança com a história(11 Whitehurst GJ, Falco FL, Lonigan CJ, Fischel JE, DeBaryshe BD, Valdez-Menchaca MC, et al. Accelerating language development through picture book reading. Dev Psychol. 1988;24(4):552-9. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4.552.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4...

2 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004...
-33 Farah R, Meri R, Kadis DS, Hutton J, DeWitt T, Horowitz-Kraus T. Hyperconnectivity during screen-based stories listening is associated with lower narrative comprehension in preschool children exposed to screens vs dialogic reading: an EEG study. PLoS One. 2019;14(11):e0225445. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0225445. PMid:31756207.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

As estratégias utilizadas podem envolver questões iniciadas por “porque, quando, quem e onde”; aumento gradual da complexidade das questões, conforme a expansão do repertório da criança; associação de seus conhecimentos prévios ao que se lê no texto, favorecendo um nível de processamento mais profundo; dentre outras estratégias(11 Whitehurst GJ, Falco FL, Lonigan CJ, Fischel JE, DeBaryshe BD, Valdez-Menchaca MC, et al. Accelerating language development through picture book reading. Dev Psychol. 1988;24(4):552-9. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4.552.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4...
,44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
-55 Kim SY, Rispoli M, Lory C, Gregori E, Brodhead MT. The effects of a shared reading intervention on narrative story comprehension and task engagement of students with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord. 2018;48(10):3608-22. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-018-3633-7. PMid:29873015.
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).

A leitura compartilhada de histórias é um ferramenta que pode ser utilizada para uma ampla faixa etária, englobando desde a primeira infância(22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004...
,66 Menotti ARS, Domeniconi C, Costa ARA. Training of early childhood teachers for the use of successful shared reading strategies. CoDAS. 2020;32(1):e20180294. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018294. PMid:31721924.
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) até a adolescência(77 Fisher C, Frey N, Lapp D. Shared readings: modeling comprehension, vocabulary, text structures, and text features for older readers. Read Teach. 2008;61(7):548-56. http://dx.doi.org/10.1598/RT.61.7.4.
http://dx.doi.org/10.1598/RT.61.7.4...
), com o objetivo de estimular habilidades da linguagem oral(22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004...
), da leitura/escrita(22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
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,88 Armand F, Lefrançois P, Baron A, Gomez MC, Nuckle S. Improving reading and writing learning in underprivileged pluri-ethnic settings. Br J Educ Psychol. 2004;74(3):437-59. http://dx.doi.org/10.1348/0007099041552350. PMid:15296549.
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) e funções executivas(99 Twait E, Farah R, Shamir N, Horowitz-Kraus T. Dialogic reading vs screen exposure intervention is related to increased cognitive control in preschool-age children. Acta Paediatr. 2019;108(11):1993-2000. http://dx.doi.org/10.1111/apa.14841. PMid:31074876.
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). Esta também pode ser utilizada em ambiente escolar(66 Menotti ARS, Domeniconi C, Costa ARA. Training of early childhood teachers for the use of successful shared reading strategies. CoDAS. 2020;32(1):e20180294. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018294. PMid:31721924.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2019...
), ambiente familiar(11 Whitehurst GJ, Falco FL, Lonigan CJ, Fischel JE, DeBaryshe BD, Valdez-Menchaca MC, et al. Accelerating language development through picture book reading. Dev Psychol. 1988;24(4):552-9. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4.552.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4...
,1010 Hutton JS, Phelan K, Horowitz-Kraus T, Dudley J, Altaye M, DeWitt T, et al. Shared reading quality and brain activation during story listening in preschool-age children. J Pediatr. 2017;191:204-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2017.08.037. PMid:29173308.
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) e/ou como estratégia terapêutica, como no caso da estimulação/reabilitação da linguagem em crianças com transtorno do espectro autista(55 Kim SY, Rispoli M, Lory C, Gregori E, Brodhead MT. The effects of a shared reading intervention on narrative story comprehension and task engagement of students with autism spectrum disorder. J Autism Dev Disord. 2018;48(10):3608-22. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-018-3633-7. PMid:29873015.
http://dx.doi.org/10.1007/s10803-018-363...
,1111 Westerveld MF, Paynter J, Wicks R. Shared book reading behaviors of parents and their verbal preschoolers on the autism spectrum. J Autism Dev Disord. 2020;1(8):1-17. http://dx.doi.org/10.1007/s10803-020-04406-6. PMid:32067147.
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).

Autores demonstraram através de ressonância magnética funcional e outras técnicas (por exemplo: eletroencefalograma, potencial evocado de longa latência e outros) que a leitura compartilhada de histórias ativa regiões cerebrais correspondentes à linguagem e funções executivas(33 Farah R, Meri R, Kadis DS, Hutton J, DeWitt T, Horowitz-Kraus T. Hyperconnectivity during screen-based stories listening is associated with lower narrative comprehension in preschool children exposed to screens vs dialogic reading: an EEG study. PLoS One. 2019;14(11):e0225445. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0225445. PMid:31756207.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
,99 Twait E, Farah R, Shamir N, Horowitz-Kraus T. Dialogic reading vs screen exposure intervention is related to increased cognitive control in preschool-age children. Acta Paediatr. 2019;108(11):1993-2000. http://dx.doi.org/10.1111/apa.14841. PMid:31074876.
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-1010 Hutton JS, Phelan K, Horowitz-Kraus T, Dudley J, Altaye M, DeWitt T, et al. Shared reading quality and brain activation during story listening in preschool-age children. J Pediatr. 2017;191:204-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2017.08.037. PMid:29173308.
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) e, que mães e/ou responsáveis que se utilizam dessa estratégia no dia-a-dia, aumentam as chances das crianças em apresentarem adequado desenvolvimento linguístico(1010 Hutton JS, Phelan K, Horowitz-Kraus T, Dudley J, Altaye M, DeWitt T, et al. Shared reading quality and brain activation during story listening in preschool-age children. J Pediatr. 2017;191:204-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2017.08.037. PMid:29173308.
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).

Em crianças em idade escolar, o objetivo final da alfabetização é que o aluno seja capaz de compreender textos escritos. Diversos fatores são importantes para a compreensão leitora: componentes linguísticos (vocabulário, sintaxe, habilidades fonológicas e outros)(44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
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,1212 Zuanetti PA, Fukuda MTH. Aspectos perinatais, cognitivos e sociais e suas relações com as dificuldades de aprendizagem. Rev CEFAC. 2012;14(6):1047-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000078.
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); cognitivos (funções executivas – memória de trabalho, atenção, flexibilidade cognitiva e outros)(44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
,1212 Zuanetti PA, Fukuda MTH. Aspectos perinatais, cognitivos e sociais e suas relações com as dificuldades de aprendizagem. Rev CEFAC. 2012;14(6):1047-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000078.
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13 Bovo EBP, Lima RF, Silva FCP, Ciasca SM. Relações entre as funções executivas, fluência e compreensão leitora em escolares com dificuldades de aprendizagem. Rev. Psicopedag. 2016;33(102):272-82.
-1414 Nicolielo-Carrilho AP, Crenitte PAP, Lopes-Herrera SA, Hage SRV. Relationship between phonological working memory, metacognitive skills and reading comprehension in children with learning disabilities. J Appl Oral Sci. 2018;26:e20170414. http://dx.doi.org/10.1590/1678-7757-2017-0414. PMid:30043932.
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); e variáveis sociais (contexto social, motivações, etc)(44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
,1212 Zuanetti PA, Fukuda MTH. Aspectos perinatais, cognitivos e sociais e suas relações com as dificuldades de aprendizagem. Rev CEFAC. 2012;14(6):1047-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000078.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011...
).

A leitura compartilhada de histórias por estimular habilidades da linguagem oral, da capacidade narrativa e das funções executivas, é uma ferrramenta que pode auxiliar na reabilitação de crianças com dificuldades escolares. Há poucos estudos que investigam a eficácia de programas terapêuticos na reabilitação de crianças com a língua materna portuguesa e, que apresentam alterações de compreensão textual e/ou outras dificuldades de aprendizagem.

Diante da relação positiva entre leitura compartilhada de histórias e linguagem, o objetivo deste estudo foi investigar a eficácia de uma proposta de intervenção baseado na leitura compartilhada de histórias para a compreensão de leitura, escrita de textos narrativos e, também para a decodificação e escrita de palavras.

MÉTODO

Estudo de ensaio clínico de tratamento, paralelo, randomizado controlado e aberto. Em relação às considerações éticas, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos com registro de aprovação 2893/2011. Obedecendo às questões éticas, por se tratar de um estudo com coleta de dados envolvendo crianças, os responsáveis foram esclarecidos a respeito das avaliações a serem realizadas e do programa de intervenção e, caso concordassem, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Composição e seleção da amostra

A amostra inicial deste estudo foi de 127 crianças matriculadas regularmente no quarto ou quinto ano do ensino fundamental de quatro escolas municipais (foram avaliadas todas as crianças em que os responsáveis autorizaram a avaliação). De todas as crianças avaliadas inicialmente, somente 44 compuseram a amostra final.

Para a seleção dessa amostra final, utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão: idade superior a 8 anos e inferior a 10 anos e 11 meses; frequentar o quarto ou quinto ano do ensino fundamental; não ser criança do programa de inclusão (criança com diagnóstico de deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e outros); ausência de deficiência auditiva de algum tipo ou grau. Os critérios de exclusão foram: desistência dos responsáveis no momento da intervenção; as crianças que estavam frequentando outros grupos de estimulação/reabilitação; histórico ou realizavam terapia fonoaudiólogica/psicopedagógica ou; frequência inferior a 75% nas atividades de intervenção (participação em pelo menos 11 encontros).

Ressalta-se que os dois primerios critérios de inclusão (idade e ano escolar) foram eleitos para que se garantisse que a maioria dos sujeitos de pesquisa fossem alfabetizados, realizando as tarefas de compreensão textual e elaboração de textos.

Fases do estudo e materiais/procedimentos de coleta de dados

Este trabalho ocorreu em quatro fases:

  • Fase 1 - Composição e seleção da amostra: foi realizada a triagem auditiva e a avaliação das crianças por meio Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e Leitura – subitem compreensão de leitura - TCCAL – Let (1515 Capovilla FC, Seabra AG. Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e de Leitura. In: Seabra AG, Dias NM, Capovilla FC, organizadores. Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. São Paulo: Memnon; 2012. p. 29-44.).

O objetivo da Triagem Auditiva era excluir crianças com uma possível deficiência auditiva. Utilizou-se o audiômetro pediátrico PA5 (marca Interacoustics) com fones TDH - 39. A audiometria tonal limiar consistiu na pesquisa dos limiares (menor intensidade que o indivíduo ouve) por via aérea. As frequências pesquisadas foram 500, 1000, 2000 e 4000Hz. Considerou-se que a criança “passou” na triagem quando os limiares para estas frequências foram inferiores à 25dB.

O TCCAL – Let(1515 Capovilla FC, Seabra AG. Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e de Leitura. In: Seabra AG, Dias NM, Capovilla FC, organizadores. Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. São Paulo: Memnon; 2012. p. 29-44.) permitiu a avaliação da compreensão de leitura de sentenças simples/complexas. O teste foi utilizado para a divisão dos grupos e para mensurar o quanto a intervenção auxiliou na habilidade de compreensão leitora. O teste contém seis itens de treino e 40 itens de teste. Cada item é composto de uma sentença escrita, seguida de cinco figuras alternativas de escolha. A tarefa consiste em ler a sentença e escolher, assinalando, a figura que melhor corresponde a ela. As sentenças escritas variam em extensão e em complexidade sintática e lexical. Para cada resposta correta foi atribuído um ponto, sendo a possibilidade de pontuação total do teste de 40 pontos.

A classificação do desempenho da criança no TCCAL – Let(1515 Capovilla FC, Seabra AG. Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e de Leitura. In: Seabra AG, Dias NM, Capovilla FC, organizadores. Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. São Paulo: Memnon; 2012. p. 29-44.) seguiu as orientações dos autores do instrumento. O desempenho da criança foi classificado segundo sua idade e esta foi a base para a divisão das crianças em G1 e G2. Para a comparação da melhora do desempenho em compreensão leitora no momento pré e pós intervenção, utilizou-se a pontuação bruta.

Como descrito acima, as 44 crianças que compuseram a amostra final foram divididas em dois grupos de acordo com o seu desempenho na avaliação das habilidades de compreensão de leitura. A saber, os grupos foram:

  • G1 “Grupo de intervenção em leitura compartilhada de histórias”: 17 crianças (9 crianças do sexo masculino – 53%) classificadas na primeira avaliação com desempenho baixo ou muito baixo na tarefa de compreensão de frases. Foram designadas inicialmente 20 crianças para compor este grupo, porém 3 participantes foram excluídos por não atingirem 75% de presença nos encontros realizados.

  • G2 “Grupo controle”: 27 crianças (9 crianças do sexo masculino – 33%) com desempenho classificado como médio ou alto no teste TCCAL – Let(1515 Capovilla FC, Seabra AG. Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e de Leitura. In: Seabra AG, Dias NM, Capovilla FC, organizadores. Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. São Paulo: Memnon; 2012. p. 29-44.) no primeiro momento de avaliação. Este grupo não foi submetido a nenhuma intervenção.

  • Fase 2 – Avaliação da leitura/escrita: participaram desta fase as crianças de ambos os grupos. Nesta ocorreu a avaliação do desempenho de leitura de palavras e ditado de palavras – Teste de Desempenho Escolar(1616 Stein LM. Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.) e, coleta de uma amostra de elaboração escrita baseada em uma figura. A aplicação destes instrumentos ocorreu de forma individual e também no ambiente escolar.

O Teste de Desempenho Escolar (TDE)(1616 Stein LM. Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.) teve como objetivo quantificar o desempenho de cada criança em leitura e escrita. Não foi utilizada a tarefa de aritmética. O subteste de escrita consiste na escrita do próprio nome e no ditado de 34 palavras apresentadas inicialmente de forma isolada e, posteriormente, seguida pela apresentação da leitura de uma frase na qual a palavra a ser escrita é enfatizada. Para cada palavra escrita corretamente foi atribuído 1 ponto (máximo 35 pontos). O subteste de leitura consiste na apresentação de uma folha estímulo contendo 70 palavras para serem lidas, começando com palavras curtas com estrutura silábica consoante-vogal e no fim, são apresentadas as palavras mais complexas e pouco frequentes. Cada palavra lida corretamente correspondeu a 1 ponto (máximo de 70 pontos). Para a análise estatística utilizou-se a pontuação bruta para cada tarefa.

Já para a elaboração da narrativa escrita mostrou-se a cada criança um estímulo visual (figura de crianças brincando e se divertindo na sala com um adulto) e, posteriormente, solicitou-se que essa escrevesse uma história. Não foi estipulado tempo máximo para a realização da tarefa e nem número de palavras/linhas.

Três aspectos foram avaliados na elaboração escrita. O primeiro diz respeito aos tipos de erros ortográficos e sua frequência e, o segundo, ao uso de substantivos, verbos, pronomes e outros. A análise destes dois aspectos seguiu as orientações de um estudo que teve como objetivo a análise de narrativas escritas(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
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). Neste é calculado a frequência relativa dos diversos tipos de erros ortográficos (seção 2 do protocolo sugerido no estudo) e a frequência relativa do uso de pronomes, substantivos, verbos e outros (seção 3).

O terceiro aspecto avaliado diz respeito à coerência textual. O instrumento utilizado nesta pesquisa(1818 Spinillo AG, Martins RA. Uma análise da produção de histórias coerentes por crianças. Psicol.: Reflex. Crít. 1997;10(2):219-48. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79721997000200004.
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) permite a classificação da coerência da narrativa em quatro níveis, sendo que o nível I engloba as crianças com maiores dificuldades em manter a coerência e o nível IV engloba as crianças com facilidade nesta tarefa. Para a classificação em cada nível, são analisados a manutenção do personagem durante a história, a manutenção do tema, o evento principal e o desfecho da história.

Para este estudo, as crianças classificadas com coerência nível I ou II foram classificadas como “inadequadas” e, as crianças que produziram narrativas escritas classificadas em nível III ou IV, foram denominadas como “adequadas”. Essa divisão entre desempenho adequado e inadequado foi realizado com base na orientação dos próprios autores do instrumento, que afirmam que os dois primeiros níveis de classificação da coerência são encontrados nas crianças com desenvolvimento inicial nessa habilidade, podendo ser classificado como alterado se a criança já estiver em anos mais avançados de escolarização.

  • Fase 3 - Programa de intervenção com base na leitura compartilhada de histórias: Participaram somente as crianças do G1. Para este programa de intervenção foi proposto 15 encontros com duração de 1 hora, realizados em pequenos grupos (máximo de 5 crianças) – (dois encontros semanais – duração total de dois meses de intervenção). Os encontros ocorreram em horário contra-turno ao da escola e o espaço utilizado foi uma sala oferecida pelo departamento de educação dentro de uma escola municipal.

A proposta de intervenção com leitura compartilhada de histórias foi elaborada com base nos artigos revisados que utilizaram essa mesma estratégia terapêutica mas com objetivos diversificados(11 Whitehurst GJ, Falco FL, Lonigan CJ, Fischel JE, DeBaryshe BD, Valdez-Menchaca MC, et al. Accelerating language development through picture book reading. Dev Psychol. 1988;24(4):552-9. http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4.552.
http://dx.doi.org/10.1037/0012-1649.24.4...
-22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
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,44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
,77 Fisher C, Frey N, Lapp D. Shared readings: modeling comprehension, vocabulary, text structures, and text features for older readers. Read Teach. 2008;61(7):548-56. http://dx.doi.org/10.1598/RT.61.7.4.
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-88 Armand F, Lefrançois P, Baron A, Gomez MC, Nuckle S. Improving reading and writing learning in underprivileged pluri-ethnic settings. Br J Educ Psychol. 2004;74(3):437-59. http://dx.doi.org/10.1348/0007099041552350. PMid:15296549.
http://dx.doi.org/10.1348/00070990415523...
,1010 Hutton JS, Phelan K, Horowitz-Kraus T, Dudley J, Altaye M, DeWitt T, et al. Shared reading quality and brain activation during story listening in preschool-age children. J Pediatr. 2017;191:204-11. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2017.08.037. PMid:29173308.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jpeds.2017.0...
). O plano de trabalho compreendeu o desenvolvimento de atividades pré-selecionadas de leitura de histórias no decorrer de cinco etapas: 1. introdução da história – conhecendo seus personagens e cenário; 2. exploração da história – analisando os detalhes do cenário e a relação entre os personagens; 3. manipulação da história – compreendendo a relação entre os fatos e analisando que a mudança de um acontecimento afeta todo o desenvolvimento da história; 4. completando a história – atividades utilizando a estratégia cloze para trabalhar a compreensão leitora; 5. mudando a história – modificando partes da história e analisando os novos desfechos.

Durante o processo de intervenção, foram abordados três livros de histórias diferentes. Para cada um, a ordem de exploração do texto e desenvolvimento das atividades seguiu o mesmo modelo de trabalho (em cinco etapas – uma hora cada etapa) totalizando assim, 15 encontros no final desta intervenção. No Quadro 1 está descrito de forma sucinta as atividades do programa de intervenção utilizado.

Quadro 1
Breve descrição de cada sessão do programa de intervenção com base na leitura compartilhada de histórias utilizado neste estudo.

Nos encontros, as histórias foram contadas em voz alta pelas pesquisadoras. Durante o decorrer das atividades, todas as crianças participavam do momento da história: acompanhando a leitura, respondendo, desenhando, recontando, ou escrevendo.

  • Fase 4 – reavaliação: neste momento houve a reavaliação das crianças do G1 e do G2. Os testes aplicados foram o de compreensão de frases(1515 Capovilla FC, Seabra AG. Teste Constrativo de Compreensão Auditiva e de Leitura. In: Seabra AG, Dias NM, Capovilla FC, organizadores. Avaliação neuropsicológica cognitiva: leitura, escrita e aritmética. São Paulo: Memnon; 2012. p. 29-44.) (instrumento descrito na fase 1 deste estudo), leitura e escrita de palavras(1616 Stein LM. Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.) e elaboração de um texto narrativo com base em apoio visual (instrumentos descritos na fase 2). A coleta ocorreu na escola, de forma individual e após uma semana do término da intervenção com o G1.

Análise dos dados

Análise descritiva dos dados foi utilizada para a caracterização da amostra. Para a análise quantitativa de cada parâmetro avaliado comparando o momento pré e pós-intervenção de cada grupo (análise intragrupo) foi utilizado o Wilcoxon-test para amostras pareadas para a comparação das variáveis leitura, escrita e compreensão de frases e, o teste T student para amostras pareadas para a comparação das variáveis erros ortográficos e uso de substantivos e outros na análise da elaboração escrita.

Para a análise do desempenho entre os grupos (análise intergrupos) em cada um dos dois momentos (pré e pós-intervenção) utilizou-se o teste Mann Whitney – variáveis de leitura, escrita e compreensão de frases – e, o teste T student para amostras não pareadas para determinadas variáveis da narrativa escrita. Para a análise do aspecto coerência da narrativa escrita (comparação entre a porcentagem de narrativas adequadas) utilizou-se o Teste de Igualdade de Proporções. Para todos os testes utilizou-se o nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Na Tabela 1 está descrito a pontuação média de cada grupo em todos os parâmetros abordados neste trabalho. A análise estatística é em relação ao desempenho intragrupo, ou seja, se houve diferença de desempenho entre as duas avaliações em cada grupo (o desempenho de cada criança é comparado com ela própria na primeira e segunda avaliação).

Tabela 1
Comparação intragrupos nos diversos testes aplicados no momento da avaliação e reavaliação.

Observamos que após a intervenção, as crianças do G1 apresentaram melhor desempenho em ditado e leitura de palavras, na compreensão de frases escritas, no uso de verbos conjugados corretamento e maior uso de adjetivos em suas narrativas escritas.

Na Tabela 2 esta representado o desempenho intergrupos (entre os grupos) no momento da avaliação (pré) e, posteriormente, na reavaliação (pós). Observamos que há um diferença entre G1 e G2 nos mesmos parâmetros da pré e pós avaliação, porém, a diferença destes grupos foi menor no pós intervenção.

Tabela 2
Comparação intergrupos nos diversos testes aplicados no momento da avaliação, posteriormente, na reavaliação.

Na Tabela 3 e 4 temos a análise do aspecto da coerência da narrativa escrita. Observamos que no primeiro momento da avaliação, 12 (71%) crianças do G1 tinham dificuldades em manter a coerência textual contra 1 (3%) das crianças do G2. No segundo momento, G1 se igualou ao G2, sendo a maioria das crianças classificadas como “adequadas” (número de crianças classificadas como inadequadas - G1: 3 – 17%; G2: 1 – 3%).

Tabela 3
Comparação intragrupos no aspecto coerência em narrativa escrita.
Tabela 4
Comparação intergrupos no aspecto coerência em narrativa escrita.

DISCUSSÃO

O presente estudo elaborou e propôs a aplicação de um programa de intervenção baseado na leitura compartilhada de histórias, analisando se esta estratégia influenciaria positivamente na compreensão leitora, na escrita de textos e em atividades de leitura/escrita (leitura e escrita de palavras que variavam em extensão e regularidade).

A discussão e análise dos resultados relativos à eficácia dessa proposta foram organizadas de forma a debater dois aspectos: comparação intragrupo, no qual cada grupo foi comparado e analisado com ele próprio de acordo com sua pontuação inicial e final e; a comparação intergrupos, ou seja, o G1 foi comparado ao G2 no momento pré intervenção e, posteriormente, no período pós intervenção.

Na comparação intragrupos os resultados demonstraram que o G1 apresentou melhora significativa na maioria das variáveis avaliadas (leitura, escrita, compreensão leitora, coerência textual, conjugação correta de verbos na narrativa escrita e maior uso de adjetivos) indicando que a leitura compartilhada de histórias é uma estratégia que promove o desenvolvimento das habilidades mais básicas até as mais complexas de leitura e escrita.

Porém, ao analisar-se os dados intergrupos observa-se que as crianças do G1 ainda encontram-se em defasagem em relação ao grupo controle, principalmente no que se diz respeito à leitura e escrita de palavras mais complexas (presença de maior número de erros ortográficos e erros na leitura de palavras irregulares, extensas e de pouca familiaridade). Um dado importante na análise intergrupos é a porcentagem de crianças do G1 que conseguiram escrever textos mais coerentes, igualando-se ao G2 no momento de reavaliação (pós intervenção do G1).

Alguns estudos que analisaram a influência da leitura compartilhada de histórias para as tarefas de leitura/escrita pensando em seu desenvolvimento inicial (nome das letras, relação fonema/grafema e erros ortográficos), observaram que esse tipo de estimulação auxilia, porém não é o suficiente para sanar as dificuldades ortográficas(22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004...
,88 Armand F, Lefrançois P, Baron A, Gomez MC, Nuckle S. Improving reading and writing learning in underprivileged pluri-ethnic settings. Br J Educ Psychol. 2004;74(3):437-59. http://dx.doi.org/10.1348/0007099041552350. PMid:15296549.
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,1919 Costa ER, Boruchovitch E. As estratégias de aprendizagem e a produção de textos narrativos. Psicol. Refl. Crit (Lond). 2009;22(2):173-80. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722009000200002.
https://doi.org/10.1590/S0102-7972200900...
). Sugere-se que, em conjunto a este tipo de programa de estimulação/reabilitação, também seja realizado um programa para a estimulação das habilidades metalinguísticas (exemplo, consciência fonológica) e/ou das regras ortográficas da língua materna(88 Armand F, Lefrançois P, Baron A, Gomez MC, Nuckle S. Improving reading and writing learning in underprivileged pluri-ethnic settings. Br J Educ Psychol. 2004;74(3):437-59. http://dx.doi.org/10.1348/0007099041552350. PMid:15296549.
http://dx.doi.org/10.1348/00070990415523...
). A junção desses programas de intervenção acarretaria no desenvolvimento da linguagem escrita de forma ampla, desde os níveis iniciais até os mais complexos.

Em relação à compreensão leitora, para favorecer esta habilidade, a criança necessita participar ativamente do momento de leitura, realizando críticas ao material lido e criando imagens mentais do que está sendo decodificado(22 Fontes MJO, Cardoso-Martins C. Efeitos da leitura de histórias no desenvolvimento da linguagem de crianças de nível sócio-econômico baixo. Psicol Reflex Crit. 2004;17(1):83-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004000100011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722004...
,2020 Massignani LRM, Oliveira AR, Kubo OM, Botomé SP. Dramatização de histórias infantis e a compreensão de leitura por crianças institucionalizadas. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(2):161-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000200004.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
). Além de que, interrupções durante o processo de leitura podem proporcionar uma oportunidade ao leitor de associar seus conhecimentos prévios ao que lê no texto, favorecendo um nível de processamento mais profundo(44 Spinillo AG, Hodges LVSD. Análise de erros e compreensão de textos: Comparações entre Diferentes Situações de Leitura. Psicol, Teor Pesqui. 2012;28(4):381-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012000400006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722012...
). Todas esses aspectos são estimulados nos programas de leitura compartilhada.

Neste estudo, as crianças apresentaram grande evolução na compreensão de frases, porém sugere-se que para o desenvolvimento amplo desta habilidade, a leitura de histórias seja estimulada em ambiente familiar e escolar, sendo uma prática de rotina nesses ambientes e não vista somente como um programa de curta duração que visa a reabilitação de crianças com defasagem em compreensão leitora.

Outro ponto importante deste estudo refere-se à narrativa escrita. Não houve diferença entre os grupos no número de palavras utilizadas, porém houve diferença no uso de verbos conjugados corretamente, na porcentagem de erros ortográficos e, principalmente, na capacidade de manter a coerência (dados referentes a avaliação pré intervenção). Poucos estudos avaliam a narrativa escrita nas crianças, não havendo muitos dados para comparação. O que encontramos na literatura nacional é que crianças com dificuldades escolares, ao escrever textos narrativos, apresentam maior porcentagem de erros ortográficos (principalmente do tipo relação fonografêmica irregular e apoio na oralidade)(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
,2121 Carvalho-Souza ACF, Correa J. Reprodução escrita de histórias e a escrita ortográfica de crianças. Psicol. pesq. 2007;1(2):32-40.), dificuldade em conjugação verbal e uso de advérbios(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
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,2222 Bigarelli JFP, Ávila CRB. Narrative and orthographic writing abilities in elementary school students: characteristics and correlations. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):237-47. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000300009. PMid:22012158.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011...
), textos com poucas palavras(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
) e dificuldade em manter a coerência textual(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
).

Neste estudo, pelo fato dos grupos terem sido selecionados com base no desempenho em compreensão leitora de frases, uma tarefa de nível mais complexo, não encontrou-se diferença no número total de palavras e, após intervenção, as crianças do G1 evoluíram no aspecto erros ortográficos, mas ainda ficaram em defasagem em relação ao G2, porém se igualaram ao grupo controle na capacidade de coerência.

De forma intuitiva, podemos esperar que crianças com dificuldades ortográficas também apresentem dificuldades em coerência. Porém, autores relatam que essas são habilidades diferentes, apesar de estarem posivitamente relacionadas(1717 Zuanetti PA, Bernardi CN, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Principais alterações encontradas nas narrativas escritas de crianças com dificuldades em leitura/escrita. Rev CEFAC. 2016;18(4):843-53. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161843116.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
,2323 Santos MJ, Barrera SD. Escrita de textos narrativos sob diferentes condições de produção. Psicol Esc Educ. 2015;19(2):253-60. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0192827.
http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015...
), por este motivo, ambas devem ser analisadas nas narrativas escritas(2424 Ferreira AA, Silva ACF, Queiroga BAM. Written learning and maternal education. Rev CEFAC. 2014;16(2):446-56. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620146512.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620146...
-2525 Salles JF, Corres J. A produção escrita de histórias por crianças e sua relação com as habilidades de leitura e escrita de palavras/pseudopalavras. Psicol USP. 2014;25(2):189-200. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564A20133813.
http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564A2013...
). Para eles, crianças que produzem narrativas mais extensas e estruturadas correm o risco de cometerem mais erros ortográficos(2424 Ferreira AA, Silva ACF, Queiroga BAM. Written learning and maternal education. Rev CEFAC. 2014;16(2):446-56. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620146512.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620146...
) e, a presença de erros ortográficos não inviabiliza uma produção coerente, pois mesmo com a presença de diversos erros ortográficos, a narrativa da criança pode ter personagens, criação e desfecho de uma situação problema e local/tempo onde a história ocorre(2525 Salles JF, Corres J. A produção escrita de histórias por crianças e sua relação com as habilidades de leitura e escrita de palavras/pseudopalavras. Psicol USP. 2014;25(2):189-200. http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564A20133813.
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).

Logo, a intervenção com base na leitura compartilhada de histórias auxiliou positivamente a capacidade de crianças escreverem textos coerentes, sendo que G1 se igualou ao G2 no segundo momento de avaliação. Essa estratégia pode modelar comportamentos do leitor relacionados a quatro domínios: compreensão do texto (síntese, inferência, etc.), vocabulário (busca de palavras desconhecidas, inferência pelo contexto, etc.), estrutura textual (estrutura narrativa, relações de causa e efeito, etc.) e componentes adicionais do texto (título, ilustrações, etc.)(77 Fisher C, Frey N, Lapp D. Shared readings: modeling comprehension, vocabulary, text structures, and text features for older readers. Read Teach. 2008;61(7):548-56. http://dx.doi.org/10.1598/RT.61.7.4.
http://dx.doi.org/10.1598/RT.61.7.4...
). Alguns destes domínios também estão presentes no desenvolvimento da coerência, mostrando a relação positiva entre leitura de textos e escrita de textos.

Ressalta-se que as atividades propostas neste programa de intervenção são simples e não requerem materiais ou treinamentos específicos, logo, a estratégia de leitura compartilhada de história não deve ser somente utilizada no ambiente terapêutico, sugere-se que esta seja implementada dentro do contexto escolar e familiar, promovendo um adequado desenvolvimento linguístico e prevenindo alterações de linguagem escrita.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que o programa de intervenção baseado em leitura compartilhada de histórias trouxe benefícios às crianças que apresentavam dificuldade de compreensão de leitura, melhorando também a capacidade de narrativa de escrita e o desempenho em tarefas de leitura e escrita de palavras isoladas.

Ressalta-se que, apesar da melhora da capacidade de leitura e escrita de palavras isoladas, esta estratégia de intervenção não foi suficiente para sanar dificuldades ortográficas, sendo sugerido programas de reabilitação específico para questões ortográficas. A leitura compartilhada de histórias foi mais eficaz para estimular as habilidades mais complexas de leitura/escrita, tais como a compreensão leitora e a escrita coerente de textos.

  • Trabalho realizado no Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FFCLRP – USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento:

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2020
  • Aceito
    04 Jul 2020
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