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Preditores da Doença Arterial Coronariana Obstrutiva em Edema Agudo de Pulmão de Origem não Definida

Resumo

Fundamento:

O Edema Agudo de Pulmão cardiogênico é considerado uma das maiores emergências médicas, é a manifestação extrema da insuficiência cardíaca aguda. A principal etiologia da insuficiência cardíaca é a cardiopatia isquêmica. Até o momento, a definição da etiologia isquêmica no edema agudo de pulmão foi baseada em critérios como: história clínica de doença cardíaca isquêmica, exames não invasivos e, em outros pacientes, na cinecoronariografia. Desta forma classificada, a doença isquêmica do coração demonstrou ser sua principal etiologia. A alta prevalência entre estas duas doenças foi avaliada, mas não pelo critério angiográfico exclusivo, o padrão-ouro desta patologia, a razão deste estudo.

Objetivo:

Avaliar os preditores da doença arterial coronária obstrutiva nos portadores de Edema Agudo de Pulmão de origem claramente não definida.

Método:

Pacientes admitidos em um pronto-socorro de referência no tratamento das doenças cardiovasculares foram recrutados a realizar a coronariografia se a etiologia do edema agudo de pulmão não era devidamente esclarecida. A doença coronária obstrutiva foi considerada se ao menos um vaso epicádico tivesse oclusão = 70%.

Resultados:

A doença coronária obstrutiva foi classificada pela cinecoronariografia em 149 pacientes consecutivamente avaliados, a obstrução da artéria coronária foi a variável desfecho do modelo preditor. Dentre as variáveis relacionadas a doença coronária, as variáveis preditoras foram a história de doença da artéria coronária (p < 0,001) e o déficit segmentar do miocárdio ao ecocardiograma (p < 0,02).

Conclusão:

O antecedente de doença coronariana e o déficit segmentar do miocárdio ao ecocardiograma foram capazes de discriminar pacientes com edema agudo de pulmão associado a doença coronária obstrutiva. Valores da troponina classificados por dois cardiologistas como secundário a um infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST a e a dor torácica antecedendo o quadro não foram capazes de discriminar doentes com ou sem obstrução coronária, logo, o diagnóstico de doença coronária obstrutiva não deve ser perseguido baseado no valor da troponina e ou dor torácica antecedendo o quadro.

Palavras-chave:
Insuficiência Cardíaca; Edema Pulmonar; Doença da Artéria Coronariana; Fatores de Risco; Isquemia Miocárdica

Abstract

Background:

Cardiogenic Acute Pulmonary Edema (APE) is considered one of the main medical emergencies, and it is the extreme manifestation of acute heart failure. The main etiology of heart failure is ischemic heart disease. To date, the definition of ischemic etiology in acute pulmonary edema was based on criteria such as: clinical history of ischemic heart disease, noninvasive examinations and, in other patients, coronary angiography. Classified as such, ischemic heart disease has been shown to be its main etiology. The high prevalence between these two diseases was evaluated, but not by the exclusive angiographic criterion, the gold standard of this pathology and the reason of this study.

Objective:

To evaluate the predictors of obstructive coronary artery disease in patients with acute pulmonary edema of unclear origin.

Method:

Patients admitted to a cardiovascular disease referral emergency unit were recruited to undergo coronary angiography if the acute pulmonary edema etiology was not adequately elucidated. Obstructive coronary disease was considered if at least one epicardial vessel had 70% of occlusion.

Results:

Obstructive coronary disease was classified by coronary angiography in 149 consecutively evaluated patients, and coronary artery obstruction was the outcome variable of the predictor model. Among the variables related to coronary disease, the predictor variables were the history of coronary artery disease (p < 0.001) and myocardium segmental deficit at the echocardiogram (p < 0.02).

Conclusion:

The antecedent of coronary disease and the myocardium segmental deficit at the echocardiogram were able to discriminate patients with acute pulmonary edema associated with obstructive coronary disease. Troponin values classified by two cardiologists as secondary to an acute non-ST-segment elevation myocardial infarction, and chest pain preceding the clinical picture were not able to discriminate patients with or without coronary obstruction and thus, the diagnosis of obstructive coronary disease should not be pursued based on the troponin value and/or chest pain preceding the clinical picture.

Keywords:
Heart Failure; Pulmonary Edema; Coronary Artery Disease; Risk Factors; Myocardial Ischemia

Introdução

O Edema Agudo de Pulmão (EAP) é a expressão máxima da insuficiência cardíaca (IC) aguda na sala de emergência, sendo classificado em EAP cardiogênico ou não cardiogênico (Síndrome da Angústia Respiratória Aguda – SARA). A etiologia e os mecanismos fisiopatológicos diferem um do outro. O primeiro decorre do aumento da pressão hidrostática dentro do capilar pulmonar, e o segundo tipo é consequência do aumento da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar. Para se identificar cada um destes tipos, é importante considerar-se a história clínica, uma vez que as doenças relacionadas a cada tipo são bem reconhecidas, mas é possível ocorrer erro de diagnóstico, devido à coexistência de doenças em um mesmo cenário clínico. O EAP ocupou o segundo lugar em custo hospitalar entre as modalidades da IC aguda, sendo o primeiro o choque cardiogênico.11 Harjola VP, Costa S, Sund R, Ylikangas S, Siirilä-Waris K, Melin J, et al; FINN-AKVA Study Group. The type of acute heart failure and the costs of hospitalization. Int J Cardiol. 2010;145(1):103-5. doi: 10.1016/j.ijcard.2009.05.058.
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A mortalidade do EAP em 30 dias é ainda considerada alta. No estudo de Figueras et al.,22 Figueras J, Peña C, Soler-Soler J. Thirty day prognosis of patients with acute pulmonary oedema complicating acute coronary syndromes. Heart. 2005;91(7):889-93. doi: 10.1136/hrt.2004.043703.
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verificou-se que a mortalidade entre 216 pacientes consecutivos admitidos com EAP em um único centro foi de 14,1%.

Frequentemente, a Doença Arterial Coronariana (DAC) grave é o substrato anatômico nos portadores de EAP, como demonstrado por Graham et al.,33 Graham SP, Vetrovec GW. Comparison of angiographic findings and demographic variables in patients with coronary artery disease presenting with acute pulmonary edema versus those presenting with chest pain. Am J Cardiol. 1991;68(17):1614-8. PMID: 1746462. em estudo com 119 pacientes com EAP, dos quais 71 (60%) tinham lesão coronariana significante; 35 (49%), lesão de três vasos epicárdicos e 7 (10%), lesão de tronco de coronária esquerda.

A doença isquêmica do coração é a etiologia mais frequente da IC crônica no mundo44 Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland, JG, Coats AJ, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: the Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200. doi: 10.1093/eurheartj/ehw128.
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e no Brasil.55 Albuquerque DC, Souza Neto JD, Bacal F, Rohde LE, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al; Investigadores Estudo BREATHE. I Brazilian registry of heart failure - clinical aspects, care quality and hospitalization outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42. doi: 10.5935/abc.20150031. Erratum in: Arq Bras Cardiol. 2015;105(2):208.
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O EAP é uma expressão clínica grave da IC aguda e a DAC obstrutiva (lúmen arterial ocupado em sua maioria) está frequentemente relacionada a esta síndrome clínica. O presente estudo se propôs a determinar os preditores da DAC obstrutiva nesta condição clínica extrema da IC. Acredita-se que, desta forma, pode-se contribuir com a tomada de decisão em relação aos pacientes que se apresentarem com esta síndrome e com suspeita de um substrato isquêmico para sua ocorrência.

Métodos

Tratou-se de estudo observacional, transversal, de caráter diagnóstico e coleta de dados prospectiva, analisando 149 pacientes entre 40 e 80 anos, admitidos de forma consecutiva em EAP em uma emergência pública, especializada em atendimento cardiológico, após registro na ficha de autorização do internamento hospitalar e história revisada pela equipe de pesquisa. Se a etiologia do EAP não era claramente definida, como síndrome urêmica, valvulopatia previamente conhecida, miocardiopatia bem definida ao ecocardiograma, infarto com supradesnivelamento do ST, o paciente era convidado a participar do estudo. Disfunção renal com creatinina > 2 mg% foi critério de exclusão.

Valores de creatinina acima de 2 mg% entraram no estudo se a Angiografia Coronária (AC) tivesse sido solicitada pelo médico responsável pelo atendimento, antes da avaliação do protocolo de estudo. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (CAAE 05503912.6.0000.5544), a AC era solicitada com o objetivo de definir o grau de obstrução coronária. Os pacientes que tinham realizado o exame 1 ano antes da pesquisa e tinham resultados normais ou tinham definição de DAC sem novas possibilidades terapêuticas não eram submetidos a um novo exame. A AC foi analisada por um único médico que conhecia apenas o motivo da internação, o EAP. A DAC obstrutiva foi considerada grave se mais que dois terços (70%) do lúmen arterial, incluindo oclusão total do vaso, estivessem ocupados e se acometesse um vaso epicárdico: coronária direita e seus ramos, circunflexa e seus ramos, descendente anterior, diagonal e 50% de oclusão se envolvesse o tronco de coronária esquerda. A AC fez parte do protocolo de pesquisa, porque, como parte do objetivo primário, era necessário determinar os preditores de doença coronariana obstrutiva grave, e este é o exame padrão-ouro da investigação desta patologia.

O eletrocardiograma foi realizado no primeiro e segundo dia, tendo sido analisado por um arritmologista, expert no assunto. Todos os pacientes realizavam eco-Dopplercardiograma. A troponina ultrassensível (equipamento do laboratório Roche) era realizada no primeiro e segundo dias e foi solicitada a ser interpretada por dois cardiologistas se os valores obtidos eram compatíveis com um EAP precipitado ou associado a um evento coronariano agudo. As doenças consideradas presentes, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, passado de acidente vascular cerebral, valvulopatia, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica, foram consideradas a partir da informação dada pelo doente. Tabagismo foi levado em conta se estivesse em uso, ou se o paciente tivesse deixado de usá-lo há menos de 2 anos.

Análise estatística

Para compor o modelo explicativo da ocorrência de doença coronariana obstrutiva, foram coletadas as variáveis idade, sexo, presença de dor torácica na admissão sugestiva de isquemia miocárdica antecedendo a dispneia, presença de dispneia prévia, antecedente de doença coronariana (angina do peito clássica, antecedente de infarto agudo do miocárdio, revascularização miocárdica cirúrgica ou percutânea); alteração eletrocardiográfica sugestiva de isquemia miocárdica (infradesnivelamento do ST - ≥ 0,05 mV - ou onda T negativa ≥ 2 mm em derivações correlacionadas a uma oclusão arterial coronariana na admissão e/ou evolução eletrocardiográfica de um evento isquêmico agudo, como nova onda q e/ou alteração dinâmica de ST ou T); valor da troponina T de alta sensibilidade e sua evolução nas primeiras 48 horas, dosagem no primeiro e no segundo dia; fração de ejeção ao ecocardiograma e défice segmentar do miocárdio ao ecocardiograma; valor da pressão arterial na admissão e fatores de risco para doença aterosclerótica e doenças relacionadas à aterosclerose, como doença arterial obstrutiva periférica e acidente vascular cerebral, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito e tabagismo.

Para a caracterização da população de estudo e análise bivariada, as variáveis contínuas foram apresentadas por meio de médias e desvio padrão, se distribuídas normalmente, ou por meio de medianas e intervalos interquartílicos. A hipótese de normalidade foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Na busca da associação das variáveis preditoras de doença coronariana obstrutiva, foi aplicado o teste qui quadrado de Pearson na comparação de proporções, o teste de Mann Whitney na comparação das medianas e teste t de Student na comparação das médias. As variáveis que apresentaram significância estatística de até 10% (p < 0,10) foram elegíveis para o modelo multivariado. O modelo aplicado foi o da regressão logística. Na avaliação do modelo foi utilizado o teste de Hosmer-Lemeshow, assim como avaliou-se o desempenho do modelo pela área sob a curva (ASC) característica de operação do receptor (COR). O software estatístico utilizado foi o Stata para Windows, versão 12.

Resultados

Dos 149 pacientes, 89 (59%) apresentaram DAC obstrutiva grave. A maioria foi de idosos e do sexo feminino (Tabela 1).

Tabela 1
Características basais dos pacientes com edema agudo de pulmão de origem não definida

A lesão moderada se fez presente isoladamente apenas em 9 pacientes (6%) dos 149 angiogramas coronários avaliados. A maioria de acometimento das artérias coronárias esteve restrita a um vaso epicárdico, sendo a artéria coronária direita a mais envolvida. Verificou-se o tronco de coronária esquerda e o envolvimento de três vasos, respectivamente, em 11 (12%) e em 15 (17%) dos 89 pacientes, como descrito na Tabela 2.

Tabela 2
Angiografia coronariana nos portadores de edema agudo de pulmão de origem não definida

A Tabela 3 mostra o envolvimento detalhado dos vasos epicárdicos. Percebeu-se que a doença coronariana grave acometeu mais a população portadora de diabetes, doença arterial obstrutiva periférica, com antecedente de doença coronariana e acidente vascular encefálico.

Tabela 3
Topografia detalhada dos 89 pacientes com lesões obstrutivas graves nos pacientes com edema agudo de pulmão de origem não definida

Quanto à fração de ejeção ao ecocardiograma, o valor médio ficou acima de 45% e, na sua maioria, foi avaliada por Teichholz. A mediana da troponina I do primeiro dia foi de 0,086 ng/mL (valor normal de 0,014 ng/mL), e a variação do interquartil foi de 0,036 e 0,201 ng/mL nos pacientes com EAP. Considerou-se a troponina como positiva quando dois cardiologistas independentes classificaram-na como sugestiva de um evento coronariano agudo relacionado ao EAP – fato observado em 77 pacientes (51,3%) (Tabela 1).

As médias da pressão arterial sistólica e a da diastólica foram elevadas. A alteração de eletrocardiograma mais encontrado foi o infradesnivelamento de ST, verificado na maioria dos pacientes avaliados (53,5%).

O trombo intracoronário foi visualizado em 4 (3%) dos 122 pacientes em que a AC foi realizada durante a hospitalização. Um deles tinha elevação da CKMB massa e troponina, com valores muito elevados – respectivamente, 86 mg/mL (valor de referência de 4,54 mg/mL) e 1,29 ng/mL (valor de referência de 0,014 ng/mL) –, sugerindo valores compatíveis com oclusão da artéria coronária. O eletrocardiograma mostrou infradesnivelamento do ST de 1 mV na parede inferior, V4 a V6 e supradesnivelamento de 1 mV em aVR e V1. A AC mostrou um trombo na artéria descendente anterior e lesões graves na diagonal e coronária direita.

A análise univariada dos possíveis candidatos preditores de DAC obstrutiva está descrita na Tabela 4. Dor torácica isquêmica, diabetes melito, hipertensão arterial sistêmica, história de DAC, história de doença arterial obstrutiva periférica, acidente vascular cerebral, fração de ejeção, défice segmentar do miocárdio ao ecocardiograma, presença de onda Q e avaliação da medida absoluta da troponina do primeiro dia estiveram associados à DAC obstrutiva (p < 0,1).

Tabela 4
Preditores de doença coronariana obstrutiva (DAC) em edema agudo de pulmão de origem não definida

As variáveis que participaram do modelo multivariado e as variáveis independentes de DAC obstrutiva foram história de DAC (p < 0,000) e défice segmentar do miocárdio (p < 0,02), conforme descritas na Tabela 5.

Tabela 5
Preditores de Doença Coronária obstrutiva nos pacientes com Edema Agudo de Pulmão de origem claramente não definida

O desempenho do modelo foi avaliado pela ASC curva COR, conforme se pode observar na Figura 1. A ASC se mostrou como um bom poder discriminatório com a estatística-C de 0,905 (Intervalo de confiança de 95% - IC95%: 0,862-0,954).

Figura 1
Curva característica de operação do receptor do modelo preditivo multivariado de doença coronariana obstrutiva nos pacientes com edema agudo de pulmão de origem claramente não definida. IC95%: intervalo de confiança de 95%.

Discussão

O EAP é uma expressão grave da Insuficiência Cardíaca Aguda (ICA) na sala de emergência. Tem sido comum interpretá-lo na presença de um marcador de necrose positivo, como uma expressão de doença coronariana instável, como foi definido por Figueras et al., 22 Figueras J, Peña C, Soler-Soler J. Thirty day prognosis of patients with acute pulmonary oedema complicating acute coronary syndromes. Heart. 2005;91(7):889-93. doi: 10.1136/hrt.2004.043703.
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e Pena-Gil et al.,66 Pena-Gil C, Figueras J, Soler-Soler J. Acute cardiogenic pulmonary edema: relevance of multivessel disease, conduction abnormalities and silent ischemia. Int J Cardiol. 2005;103(1):59-66. doi: 10.1016/j.ijcard.2004.08.029.
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No entanto, sabe-se que a ICA, isoladamente, altera marcador – seja CKMB, seja troponina – e, portanto, não é um marcador confiável para o diagnóstico de síndrome coronariana aguda.77 Haaf P, Drexler B, Reichlin T, Twerenbold R, Reiter M, Meissner J, et al. High-sensitivity cardiac troponin in the distinction of acute myocardial infarction from acute cardiac noncoronary artery disease. Circulation. 2012;126(1):31-40. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.112.100867.
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Dessa forma, torna-se difícil este diagnóstico na ausência de alterações eletrocardiográficas claras e evidentes de uma oclusão arterial coronária, como o supradesnivelamento do ST com sua respectiva evolução clássica ao eletrocardiograma.

A média da pressão arterial sistólica e diastólica foi elevada na população com EAP, assim como a maioria apresentou fração de ejeção acima de 45% (método Teichholz). Quanto aos valores da troponina, indicadores de um provável infarto agudo do miocárdio, quando julgados por dois cardiologistas independentes associado ao EAP, os valores da troponina não foram capazes de diferenciar a DAC obstrutiva da não obstrutiva; a elevação da troponina ocorreu, respectivamente, em 63% e 48% dos casos. Isso remete à seguinte questão: será que mais metade dos pacientes com EAP estavam no curso de um infarto agudo do miocárdio? Provavelmente não, uma vez que era de se esperar que a associação EAP e infarto agudo do miocárdio fosse mais encontrada no curso de um infarto do miocárdio com supradesnivelamento do ST pela extensão maior do envolvimento miocárdio. No estudo em questão, de uma população alvo de 256 pacientes admitidos consecutivamente em EAP, 3 (1%) se apresentaram como infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST e EAP na sala de emergência, mas eles foram excluídos porque a etiologia do EAP, neste contexto clínico, é bem definida.

No estudo de Figueras et al.,22 Figueras J, Peña C, Soler-Soler J. Thirty day prognosis of patients with acute pulmonary oedema complicating acute coronary syndromes. Heart. 2005;91(7):889-93. doi: 10.1136/hrt.2004.043703.
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o infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do ST se fez presente em 30% dos pacientes admitidos com esta patologia.

Classificar as dosagens seriadas da troponina aumentadas no EAP como secundárias a um evento coronariano agudo não é razoável pelo exposto neste modelo e traz consequências onerosas ao sistema de saúde,88 Felker GM, Teerlink JR. In Mann DL; Douglas PZ; Libby P; Bonow RO. Acute Heart Failure. Braunwald's Heart Disease. 10th ed. Elsevier. 2015. p. 484-511. uma vez que a presença de DAC no quadro de IC aguda aumenta o tempo e o custo de internação, como apontado por Purek et al., 99 Purek L, Christ A, Klima T, Pfisterer ME, Perruchoud AP, Mueller C. Coronary artery disease and outcome in acute congestive heart failure. Heart. 2006;92(5):598-602. doi: 10.1136/hrt.2005.066464.
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Digno de nota é o fato de que alterações de eletrocardiograma, que podem sugerir isquemia como mudança do ST (infra) e onda T, não fizeram parte do modelo preditor, sugerindo que tais alterações podem ser encontradas com ou sem DAC obstrutiva.1010 Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Simoons ML, Alpert JS, White HD, et al; Writing Group on the Joint ESC/ACCF/AHA/WHF Task Force for the Universal Definition of Myocardial Infarction; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG) Third universal definition of myocardial infarction. Eur Heart J. 2012;33(20):2551-67. doi: 10.1093/eurheartj/ehs184.
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Isso foi verificado na série de nove casos de Littmann,1111 Littmann L. Large T wave inversion and QT prolongation associated with pulmonary edema: a report of nine cases. J Am Coll Cardiol. 1999;34(4):1106-10. PMID: 10520798. em que ondas T negativas e profundas e o aumento do QT não estiveram associados à doença coronariana no eletrocardiograma, após 24 horas do EAP. Deve-se sempre considerar que outras causas de infradesnivelamento do ST podem ocorrer, como hipertrofia ventricular esquerda e droga (como a digoxina) e, talvez, a própria isquemia relativa, que pode ocorrer durante um episódio de EAP, em que a hipóxia é invariavelmente presente e, quando estiver associada a um aumento da troponina, pode ser considerado um infarto agudo do miocárdio do tipo 2.1010 Thygesen K, Alpert JS, Jaffe AS, Simoons ML, Alpert JS, White HD, et al; Writing Group on the Joint ESC/ACCF/AHA/WHF Task Force for the Universal Definition of Myocardial Infarction; ESC Committee for Practice Guidelines (CPG) Third universal definition of myocardial infarction. Eur Heart J. 2012;33(20):2551-67. doi: 10.1093/eurheartj/ehs184.
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O exato mecanismo das alterações encontradas é pouco definido, atribuindo-se as respostas eletrofisiológicas das células miocárdicas à estimulação adrenérgica e à hipóxia no miocárdio que, habitualmente, acompanham a condição clínica do EAP. Nesta série, apenas quatro doentes se submeteram à investigação invasiva.

O estudo em questão não tinha como objetivo avaliar a mortalidade, mas esta foi observada 15% ao longo de 1 ano - ressaltando que apenas se estabeleu contato em 48% da população do estudo. No estudo de Figueras et al.,22 Figueras J, Peña C, Soler-Soler J. Thirty day prognosis of patients with acute pulmonary oedema complicating acute coronary syndromes. Heart. 2005;91(7):889-93. doi: 10.1136/hrt.2004.043703.
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a mortalidade em 30 dias foi de 14%. Isso indica a gravidade da doença mesmo nos dias atuais.

A doença valvular grave ocorreu em 15 casos (10%). Vale lembrar que não se conhecia valvuloptia prévia e que 11 casos (73%) eram estenose aórtica grave, o que é próprio do perfil da população estudada, cuja idade média foi de 65,4 ± 10,2.

Este estudo mostra que a doença coronariana obstrutiva grave esteve presente na maioria dos pacientes com edema agudo do pulmão, mas que variáveis habitualmente empregadas na sala da emergência para identificar sua presença falharam, como a interpretação da troponina e a dor torácica antecedendo o quadro clínico. Naturalmente, esperam-se encontrar os preditores relacionados a esta condição – como o antecedente de doença coronariana e o défice segmentar ao ecocardiograma – nesta patologia.

Limitações e perspectivas do estudo

O presente estudo mostrou que a doença coronariana obstrutiva é prevalente nos pacientes com EAP: 59% dos pacientes tinham alguma artéria com lesão obstrutiva grave provada por estudo hemodinâmico invasivo. A intervenção percutânea não foi realizada na maior parte dos indivíduos com esta condição, troponina aumentada e DAC obstrutiva; lembra-se que a pesquisa não foi delineada para responder esta questão.

Levando-se em conta também a alta frequência de positividade da troponina em todas as condições agudas que acometem o coração e a interseção dos sintomas nas diversas etiologias, é de se esperar a confusão diagnóstica quando não existe um marcador específico para uma dada doença, como o eletrocardiograma no infarto agudo do miocárdio com elevação do ST e no bloqueio atrioventricular total. Este fato tem ocorrido na prática clínica, em que sintomas correlatos a isquemia miocárdica e troponina positiva têm suscitado a solicitação da AC, interpretando o conjunto como uma síndrome isquêmica aguda.

Outra limitação seria a progressão da DAC nos pacientes que realizaram a AC em menos de 1 ano e a doença ter surgido neste período.

Assume-se, entretanto, que todo processo de investigação restrito a um único centro de pesquisa resulta em limitações, considerando-se as diferenças de condutas e interpretações clínicas que existem nas unidades de saúde.

Conclusão

Em indivíduos internados com edema agudo de pulmão de origem claramente não definida, a história prévia de coronariopatia e défice de contratilidade miocárdica segmentar foram os preditores independentes de doença coronariana obstrutiva. Destes dois preditores, a história prévia de coronariopatia é o maior determinante probabilístico, praticamente garantindo a presença de doença coronariana obstrutiva. Entretanto, na ausência de história prévia de doença arterial coronariana ou acidente vascular cerebral, a probabilidade de doença coronariana obstrutiva é intermediária, sendo modulada por dois preditores independentes: a fração de ejeção e o défice de contratilidade miocárdica. O valor da troponina não predisse de forma independente a presença de doença coronariana obstrutiva em um cenário de insuficiência cardíaca aguda, e a identificação da presença de doença coronariana obstrutiva implicou poucos procedimentos de revascularização. Isto suscita questionamento quanto à utilidade de perseguir-se o diagnóstico de doença coronariana neste cenário clínico.

  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação Acadêmica
    Este artigo é parte de tese de Doutorado de Maria das Neves Dantas da Silveira Barros pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – EBMSP.
  • Aprovação Ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Publica sob o número de protocolo (CAAE) nº 05503912.6.0000.5544. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2016
  • Revisado
    8 Ago 2017
  • Aceito
    21 Ago 2017
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