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Expressões da violência de gênero vivenciadas por terapeutas ocupacionais: narrativas e ações de enfrentamento no cotidiano

Resumo

A estrutura social patriarcal produz e sustenta violências cotidianas individuais e coletivas. Baseamo-nos na ideia de “corpos/experiências”, como pulsão vital para o existir, compreendendo o corpo-terapia ocupacional, profissão predominantemente feminina, para retratar as violências de gênero. O objetivo foi compreender as percepções de terapeutas ocupacionais, atuantes do campo da saúde, sobre violências de gênero em seus cotidianos, por meio da cartografia como dispositivo metodológico. Foram analisadas 67 respostas de terapeutas ocupacionais dentre 1018 respondentes de questionário remoto produzido pelo coletivo Adelaides em pesquisa sobre experiências de violência de gênero no Brasil vivenciadas por mulheres do campo da saúde coletiva. Com questões narrativas e de múltipla escolha, o questionário foi distribuído em três seções: dados socioeconômicos; atuação profissional e acadêmica; experiências envolvendo machismo e violência, e em ações de enfrentamento. Os dados numéricos foram analisados com estatística simples e os qualitativos baseadas na técnica analítica da tradução das narrativas. Os resultados indicam que 91% das participantes sofreram violências por ser mulher nos espaços cotidianos do domicílio, de estudo, trabalho e/ou ambientes públicos. As formas de enfrentamento utilizadas foram organizadas em quatro ações: formar e pesquisar, politizar, romper e cuidar. Concluímos que o cotidiano se apresenta como um espaço-tempo potencial das expressões, visíveis e invisíveis, da ação humana, que podem se manifestar por ações violentas, assim como por ações de enfrentamento, assumindo aspectos de reprodução ou transformação das relações estabelecidas como as embebidas na cultura da violência a que as mulheres estão submetidas.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Atividades Cotidianas; Violências de Gênero

Abstract

The patriarchal social structure produces and sustains individual and collective violence every day. We are based on the idea of ​​“bodies/experiences”, as a vital drive for existence, comprising occupational body-therapy, a predominantly female profession, to portray gender violence. The objective was to understand the perceptions of occupational therapists working in the health field about gender violence in their daily lives, through cartography as a methodological device. We analyzed 67 responses from occupational therapists among 1018 respondents to a remote questionnaire produced by the Adelaides collective in a research on experiences of gender violence in Brazil experienced by women in the field of public health. With narrative and multiple-choice questions, the questionnaire was divided into three sections: socioeconomic data; professional and academic performance; experiences involving machismo and violence, and in coping actions. Numerical data were analyzed using simple statistics and qualitative data based on the analytical technique of narrative translation. The results indicate that 91% of the participants suffered violence for being a woman in the daily spaces of the home, study, work and/or public environments. The coping ways used were organized into four actions: training and research, politicizing, breaking away and caring. We conclude that everyday life presents itself as a potential space-time of expressions, visible and invisible, of human action, which can be manifested by violent actions, as well as by confrontational actions, assuming aspects of reproduction or transformation of established relationships such as those embedded in in the culture of violence to which women are subjected.

Keywords:
Occupational Therapy; Activities of Daily Living; Gender Based-Violence

INTRODUÇÃO

As identidades e desigualdades de gênero são resultantes de estruturas e construções sociais ligadas a diferentes dimensões, sendo que uma delas está relacionada à questão dicotômica de gênero, que se traduz em “feminino” e “masculino” (Sarmiento et al., 2018Sarmiento, B. M., Jara, R. M., Cáceres, D. P., & Reyes, B. R. (2018). Percepción de la construcción de género en estudiantes de terapia ocupacional: una aproximación al género en la vida cotidiana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 163-175. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1124.
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). Esse binarismo se manifesta em diferentes modos da vida cotidiana, inclusive não humana1 1 Falar de não humanos é entender que somos parte de composições múltiplas, visíveis e não visíveis, mais óbvias e menos óbvias, com coisas, humanos, outros seres viventes (Rolnik, 1993). Isto é, somos parte, agimos e somos afetados em nossa própria composição de corpo por objetos, animais, instituições, dispositivos (Latour, 2014). Essas composições possibilitam ou desafiam movimentos e modos de estar no mundo e de construir nosso cotidiano. Baseada nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Brasil, 2006). , com manifestações, ações e discursos idealizados para as ambas expressões de gênero, que assumem padrões de comportamento e um modelo de referência com base no qual outros objetos, ideias ou conceitos já pré-determinados se atualizam e produzem as diferentes formas de reprodução social, discriminações, preconceitos e violências, uma vez que se entende o exercício de poder do gênero masculino sobre o feminino na sociedade ocidental e patriarcal (Sarmiento et al., 2018Sarmiento, B. M., Jara, R. M., Cáceres, D. P., & Reyes, B. R. (2018). Percepción de la construcción de género en estudiantes de terapia ocupacional: una aproximación al género en la vida cotidiana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 163-175. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1124.
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).

As violências de gênero são violações ou ações violentas que se dão nas relações entre corpos e acontecem na vida cotidiana das pessoas, incluindo muitas mulheres (Biroli, 2018Biroli, F. (2018). Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo.; Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

As violências de gênero são produzidas em contextos e espaços relacionais e, portanto, interpessoais, que tem cenários societais e históricos não uniformes. A centralidade das ações violentas incide sobre a mulher, quer sejam estas violências físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais ou morais, tanto no âmbito privado familiar como nos espaços de trabalho e públicos. [...] a expressiva concentração deste tipo de violência ocorre historicamente sobre os corpos femininos e [...] as relações violentas existem porque as relações assimétricas de poder permeiam a vida rotineira das pessoas (Bandeira, 2014Bandeira, L. M. (2014). Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, 29(2), 449-469. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008.
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, p. 451).

No Brasil, a Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Maria da Penha1, corrobora com essas definições, já que define no art. 7º as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (Brasil, 2006;Brasil. (2006, 7 de agosto). Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 18 de agosto de 2020, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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Piosiadlo et al, 2014Piosiadlo, L. C. M., Fonseca, R. M. G. S., & Gessner, R. (2014). Subalternidade de gênero: refletindo sobre a vulnerabilidade para violência doméstica contra a mulher. Escola Anna Nery, 18(4), 728-733. http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140104.
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).

O sistema patriarcal nas organizações sociais ocidentais se relaciona com as violências de gênero, pois estabelece, com base na dominação e no controle do homem sobre a mulher, a promoção da violência masculina contra esses corpos (Saffioti & Almeida, 1995Saffioti, H. I. B., & Almeida, S. S. (1995). A produção de violência de gênero e referencial teórico: quadro epidemiológico. In H. I. B. Saffioti & S. S. Almeida. Violência de gênero: poder e impotência (pp. 3-27). Rio de Janeiro: Revinter.; Balbinotti, 2018Balbinotti, I. (2018). A violência contra a mulher como expressão do patriarcado e do machismo. Revista ESMESC, 25(31), 239-264. http://dx.doi.org/10.14295/revistadaesmesc.v25i31.p239.
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). Isto produz modos de subjetivação que reduzem as possibilidades de escolhas das mulheres e sustentam as violências vividas de diversas formas em seus cotidianos – seja no campo simbólico e/ou material (Campos, 2016Campos, I. O. (2016). Saúde mental e gênero em um CAPS II de Brasília: condições sociais, sintomas, diagnósticos e sofrimento psíquico (Tese de doutorado). Universidade de Brasília, Brasília.; Silva, 2018Silva, A. C. (2018). A experimentação de atividades no trabalho com o feminino: intersecções na clínica da Terapia Ocupacional (Monografia). Universidade de Campinas, Campinas.) –, violações muitas vezes naturalizadas, incorporadas e reproduzidas pelas próprias mulheres.

O cotidiano é tomado nesta pesquisa, conforme Galheigo (2020)Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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, como produtor de espaços-tempo no qual o sujeito, de modo imediato e, nem sempre, consciente, acessa oportunidades e recursos, enfrenta adversidades e limites, toma decisões, adota mecanismos de resistência e inventa novos modos de ser, estar, viver e fazer.

Desse modo, as expressões das violências de gênero nos cotidianos dos corpos femininos são identificadas de inúmeras formas, com destaque para os processos de subvalorizarão de trabalhos reconhecidos como femininos. Nesse sentido, considerando o contexto do cuidado, observa-se o aumento na proporção de mulheres chefes de família que realizam trabalhos domésticos sem remuneração e direitos trabalhistas, as triplas jornadas de trabalho que as mulheres exercem, entre outros (Balbinotti, 2018Balbinotti, I. (2018). A violência contra a mulher como expressão do patriarcado e do machismo. Revista ESMESC, 25(31), 239-264. http://dx.doi.org/10.14295/revistadaesmesc.v25i31.p239.
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).

Chamamos a atenção para o corpo violentado/violento. Na perspectiva corporalista, a primeira característica de todo corpo vivo é o pulso: movimentos de expansão e contração em processos de abertura e fechamento no encontro com outros corpos (Favre, 2021Favre, R. (2021). Do corpo ao livro. São Paulo: Summus.). Esse corpo pulsátil, quando sofre uma excessiva agressão, produz uma resposta (reflexo do susto). Essa resposta do vivo, em articulação com outras variáveis da vida cotidiana e singular pode produzir como resultado enrijecimentos, colapsos, enfrentamentos entre outras variações que envolvem um corpo em sua cotidianidade (Favre, 2021Favre, R. (2021). Do corpo ao livro. São Paulo: Summus.). Esses processos contribuem para a produção de certos modos de estar em relação a diferentes formas de conexão com o mundo (Keleman, 2002Keleman, S. (2002). Anatomia emocional. Săo Saulo: Summus.; Favre, 2021Favre, R. (2021). Do corpo ao livro. São Paulo: Summus.). Assim, violentamente ou não, a presença do outro em mim se faz com o corpo e esse corpo é sempre social, relacional, coletivo (Romero, 2018Romero, M. L. (2018). Sobre a atenção conjunta e a sintonia afetiva na dança contato improvisação. Ayvu: Revista de Psicologia, 5(1), 188-215. http://dx.doi.org/10.22409/ayvu.v5i1.27406.
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).

No corpo-Terapia Ocupacional, as violências de gênero também se expressam (Sarmiento et al., 2018Sarmiento, B. M., Jara, R. M., Cáceres, D. P., & Reyes, B. R. (2018). Percepción de la construcción de género en estudiantes de terapia ocupacional: una aproximación al género en la vida cotidiana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 163-175. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1124.
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). Por se tratar de um corpo profissional associado a uma profissão predominantemente feminina, esse grupo enfrenta diversos desafios devido a esse modelo patriarcal que modela as relações profissionais e pessoais (Figueiredo et al., 2018Figueiredo, M. O., Zambulim, M. C., Emmel, M. L. G., Fornereto, A. P. N., Lourenço, G. F., Joaquim, R. H. V. T., & Barba, P. D. (2018). Terapia ocupacional: uma profissão relacionada ao feminino. História, Ciência & Saúde, 25(1), 115-126. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702018000100007.
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). Somadas às outras formas de opressão, como de classe, raça, etnia, capacitista, religiosa, entre outras, elas são estruturantes e intensificam as experiências de violências sobre esses corpos (Assis, 2019Assis, D. N. C. (2019). Interseccionalidades. Salvador: UFBA. Recuperado em 20 de março de 2021, de https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/554207/2/eBook%20-%20Interseccionalidades.pdf
https://educapes.capes.gov.br/bitstream/...
).

Compreende-se aqui o conceito de corpo como pilar da experiência. A construção de uma anatomia acontece com base nos tipos de vínculos e dos graus de azeitamento das relações que produzem os mais variados corpos por meio das experiências no mundo (Liberman, 2010aLiberman, F. (2010a). Delicadas coreografias: apontamentos sobre o corpo e procedimentos em uma terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 18(1), 67-76. Recuperado em 22 de dezembro de 2021, de https://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/334
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, p. 450).

Pode-se assim compreender o mundo como um lugar plural, palco de acontecimentos no próprio corpo, que se engendram no contexto espaço/tempo, com base bas relações de mútua – afetação, produzidas nos encontros (Liberman & Lima, 2015Liberman, F., & Lima, E. M. F. A. (2015). Um corpo de cartógrafo. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 19(52), 183-194. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0284.
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). Ou seja, os corpos são continuamente modificados ao longo da vida, ao mesmo tempo em que produzem realidades (Liberman & Lima, 2015Liberman, F., & Lima, E. M. F. A. (2015). Um corpo de cartógrafo. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 19(52), 183-194. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622014.0284.
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).

Para Spinoza (2008)Spinoza, B. (2008). Ética. Belo horizonte: Autêntica Editora., um corpo nunca pode estar só, uma vez que ele está sempre em relação com outros corpos (humanos ou não humanos). Nesse sentido, um corpo não representa, mas é uma multiplicidade, em que os corpos se definem enquanto seres individuados e finitos, que podem se agenciar em processos infinitos.

[...] somos compostos por partículas infinitamente pequenas, agrupadas em conjuntos infinitos, que em uma dada relação nos caracterizam. Composições extensivas fazem-se e se desfazem a todo o momento, marcadas por seus movimentos e repousos, lentidões e velocidades. Infinidades de possibilidades de composições se efetuam configurando, ao mesmo tempo, a finitude dos modos (corpos extensivos) e a infinitude de arranjos possíveis (Ferigato & Carvalho, 2011Ferigato, S. H., & Carvalho, S. R. (2011). Pesquisa qualitativa, cartografia e saúde: conexões. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 15(38), 663-676. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832011005000037.
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, p. 153).

O “corpo terapia ocupacional”, histórica e culturalmente composto por muitos corpos mulheres e por corpos femininos, ocupa-se em sua prática profissional com a atenção às pessoas, grupos, territórios e coletivos constantemente atravessados em seus cotidianos por processos de desigualdade, exclusão, pobreza, sofrimento, discriminação e falta e violação de direitos (Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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).

O corpo terapia ocupacional vive também a precariedade de serviços, de condições de trabalho e baixos salários, contextos cada vez mais acentuados pela onda política e econômica neoliberal crescente no Brasil e no mundo (Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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). No campo da saúde, essas fragilidades estão relacionadas conjuntamente ao sucateamento do Sistema Único de Saúde e sua desvalorização. Agrega-se a isso, o patriarcado que histórica e culturalmente fragilizou as relações de trabalho em categorias majoritariamente compostas por mulheres (Figueiredo et al., 2018Figueiredo, M. O., Zambulim, M. C., Emmel, M. L. G., Fornereto, A. P. N., Lourenço, G. F., Joaquim, R. H. V. T., & Barba, P. D. (2018). Terapia ocupacional: uma profissão relacionada ao feminino. História, Ciência & Saúde, 25(1), 115-126. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702018000100007.
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).

Diante desse cenário, foi realizada uma pesquisa de mestrado que teve como objetivo geral compreender quais são as percepções de mulheres terapeutas ocupacionais atuantes do campo da Saúde Coletiva sobre as violências de gênero e como essas violências se expressam em seus cotidianos. Tivemos como objetivos específicos: (1) identificar como essas violências se expressavam nos cotidianos de mulheres terapeutas ocupacionais do campo da saúde (sejam elas profissionais, pesquisadoras e/ou ativistas); (2) mapear as estratégias de enfrentamento destas mesmas situações.

Este artigo apresenta alguns dos resultados deste estudo como um dispositivo de passagem para a problematização acadêmica e o fortalecimento político de mulheres implicadas em enfrentar a cultura da violência de gênero com base no diálogo com os conceitos de cotidiano e corpo na terapia ocupacional.

Percurso Teórico-Metodológico

Trata-se de estudo quanti-qualitativo que tem como referencial metodológico a pesquisa intervenção com referenciais corporalistas (Liberman, 2010aLiberman, F. (2010a). Delicadas coreografias: apontamentos sobre o corpo e procedimentos em uma terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 18(1), 67-76. Recuperado em 22 de dezembro de 2021, de https://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/334
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; Favre, 2021Favre, R. (2021). Do corpo ao livro. São Paulo: Summus.).

Em um contexto pandêmico, em que a construção de um campo presencial se tornou inviável, utilizamos como instrumento de produção e análise de dados a cartografia de narrativas que emergiram de um questionário online (QOL). Nesse sentido, as narrativas foram ao mesmo tempo campo e dados produzidos pela pesquisa, em um processo contínuo de co-engendramento entre essas dimensões.

O uso de narrativas como dispositivo metodológico já é uma realidade nas pesquisas qualitativas em saúde (Pacheco & Onocko-Campos, 2018Pacheco, R. A., & Onocko-Campos, R. (2018). “Experiência-narrativa” como sintagma de núcleo vazio: contribuições para o debate metodológico na saúde coletiva. Physis, 28(2), e280212. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312018280212.
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), bem como na cartografia (Silva, 2020Silva, R. L. (2020). Cartografia como narrativa: experiências artísticas de Guillermo Kuitca e Jorge Macchi como procedimento de leituras urbanas. URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a cidade,11(3), 58-85. http://dx.doi.org/10.20396/urbana.v11i3.8655998.
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). Nesta pesquisa, incorporamos essa prática em um duplo sentido: a produção de narrativas para acessar sensivelmente a experiência compartilhada e para afirmar uma política da narratividade, conforme sugere Dias et al. (2016)Dias, R. M., Passos, E., & Silva, M. M. C. (2016). Una política de la narratividad: experimentación y cuidado en relatos de reductores de daños de Salvador, Brasil. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 20(58), 549-558. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622015.0342.
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. Apoia-se no pressuposto de que os modos de narrar uma experiência carrega implicações estéticas, éticas e políticas, uma vez que incluem, por um lado, as diferentes formas de dizer sobre um enunciado e, por outro, as perspectivas de quem narra sobre o mundo e sobre si.

Cartografar as narrativas foi uma imersão em situações singulares de experiências de violências contadas por cada participante, mas que dão passagem a aspectos comuns à experiência de ser mulher, terapeuta ocupacional e profissional da saúde.

Optou-se pela cartografia, pois se trata de um método de pesquisa-intervenção que afirma a indissociabilidade entre o conhecimento e a transformação tanto da realidade estudada quanto do pesquisador (Passos & Barros, 2009Passos, E., & Barros, R. B. (2009). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 17-31). Porto Alegre: Sulina.).

A produção dos dados e o referido QOL estavam inseridos em uma pesquisa mais ampla denominada “Mulheres da Saúde Coletiva: um retrato de quem constrói o campo”, protagonizada pelo coletivo “Adelaides: Feminismos e Saúde”, que construiu e disparou este questionário semiestruturado, tendo como objeto a caracterização das mulheres que compõe o campo da saúde coletiva e sua percepção sobre as relações de gênero neste campo. Esse questionário foi amplamente divulgado nas redes sociais e nos espaços públicos do XII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da ABRASCO, obtendo o total de 1018 mulheres respondentes que se autodeclararam como atuantes na Saúde Coletiva e aceitaram voluntariamente participar da pesquisa mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Freire et al., 2018Freire, R. C., Rodrigues, P. S., Ferigato, S. H., Fernadez, M., & Oliveira, C. F. (2018). A produção do conhecimento sob a perspectiva feminista e de gênero na saúde coletiva: o que nos move e o que estamos buscando. In Anais do 20º Encontro REDOR: Encontro da Rede Feminina Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero. Salvador: UFBA. Recuperado em 20 de março de 2021, de https://www.sinteseeventos.com/site/redor/G18/GT18-12-Rafaela.pdf
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).

O QOL esteve disponível na plataforma Google® Forms por um período de oito meses, a fim de garantir livre acesso e fácil manuseio de todas as respondentes do questionário: mulheres trabalhadoras, gestoras, pesquisadoras e ativistas de todas as regiões do país (Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.) e foi composto por cinco seções: dados gerais socioeconômicos; atuação profissional e acadêmica; engajamento social e ativismo político; experiências envolvendo machismo e violência; e maternidade. Cada uma dessas seções comportou questões de múltipla escolha e um campo para comentários sob a forma de narrativas.

Com base nesse questionário que possibilitou o levantamento e análises de cunho quanti-qualitativo, o presente artigo se fundamentou em um recorte de análise dos dados qualitativos, ou seja, a análise das respostas narrativas e especificamente das participantes terapeutas ocupacionais, que corresponderam ao total de 67 respondentes dentre as 1018 participantes da pesquisa.

Como nosso recorte para esse artigo focou nas relações de violência, as seções do formulário analisadas foram aquelas que se relacionavam à caracterização das participantes e diretamente relacionados com o tema da violência em sua interface com a atividade profissional: dados gerais socioeconômicos2 2 Os dados gerais correspondiam aos seguintes itens: a) estado de residência, b) identidade de gênero, c) cor/raça. , atuação profissional e acadêmica, experiências envolvendo machismo e violência.

Essa escolha inicial das narrativas ocorreu por meio de uma seleção preliminar dos dados e especialmente, fundamentado na leitura sensível das mesmas e a convocação que essas dimensões produziram na pesquisadora (assim agenciando o desejo de mergulhar nessas três seções citadas. Os critérios de convocação se referiram à articulação nas narrativas com o tema da cotidianidade, além da mobilização afetiva-cognitiva da pesquisadora, conforme sugere o método da cartografia, com o conceito de implicação do pesquisador (Ferigato & Carvalho, 2011Ferigato, S. H., & Carvalho, S. R. (2011). Pesquisa qualitativa, cartografia e saúde: conexões. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 15(38), 663-676. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832011005000037.
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).

As narrativas das 67 mulheres foram analisadas e incorporadas no texto da dissertação de mestrado. No entanto, para esse artigo, apenas algumas delas foram escolhidas por sua força expressiva de cada uma das categorias. Cabe pontuar que algumas participantes não produziram narrativas em alguns campos do questionário; no texto da dissertação, foi possível refletir também sobre os possíveis silenciamentos dentro desse tema.

A análise dos dados quantitativos foi realizada de forma descritiva e a análise das narrativas se realizou em 2 etapas: 1) leitura e seleção das narrativas (como descrito anteriormente); 2) tradução do narrado, no sentido de cartografar um plano comum a esses relatos de modo transversal e coletivo.

A técnica analítica da tradução das narrativas (Passos & Kastrup, 2013Passos, E., & Kastrup, V. (2013). Cartografar é traçar um plano comum (Dossiê Cartografia: Pistas do Método da Cartografia – Vol II). Fractal, Rev. Psicol., 25(2). https://doi.org/10.1590/S1984-02922013000200004.
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) comportou um triplo movimento de tradução: (1) a tradução de um conjunto de signos, símbolos, práticas, palavras tidas como do universo da saúde em geral ou da saúde coletiva para sua aproximação com conceitos ferramentas relevantes para a terapia ocupacional; (2) a tradução de processos localmente situados em possíveis comuns mais amplamente percebidos; e, por fim, (3) a tradução de um conjunto de discursos, experiências de violência e vivências de enfrentamento da violação em conhecimento científico.

A prática de tradução nos joga sempre no campo paradoxal de estarmos ao mesmo tempo revelando uma realidade e projetando nossa própria realidade ao olhar e dizer sobre um universo que não é necessariamente o nosso (Passos & Barros, 2009Passos, E., & Barros, R. B. (2009). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In E. Passos, V. Kastrup & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 17-31). Porto Alegre: Sulina.).

Como indica Jullien (2009)Jullien, F. (2009). O diálogo entre as culturas: do universal ao multiculturalismo. Rio de Janeiro: Zahar., traduzir, em seu sentido literal, é realizar a passagem de uma língua à outra, ao mesmo tempo em que estamos sempre em uma língua ou outra. A pesquisas-intervenção, evidencia também que esse movimento tradutório tem como substância atravessamentos culturais, econômicos e sociais, que se expressam não apenas como determinantes de uma linguagem, mas como constituintes dela.

Resultados e Discussão

Breve caracterização das participantes

Dentre as 67 terapeutas ocupacionais participantes de pesquisa, 73% das mulheres se autodeclararam como brancas e 27% como negras. Quanto à identidade de gênero, 100% de autodeclararam como cisgênero. Em relação à região de residência das participantes. obtivemos que 67% se encontravam na Região Sudeste, seguido por 21% na Região Sul, na Região Nordeste 7%, na Região Norte 5% e nenhuma na Região Centro-Oeste do Brasil.

Sobre o acesso à educação, 31 mulheres apontaram que estudaram a maior parte do tempo em escola pública no ensino básico e 36 em escola privada. Devido ao recorte da pesquisa, todas as 67 mulheres se formaram ou estão em formação no ensino superior em terapia ocupacional. Além disso, 56 terapeutas ocupacionais relataram estar cursando ou terem concluído pelo menos um curso de pós-graduação, enquanto 11 ainda não. Dentre a área de formação da pósgraduação observaram-se as seguintes categorias descritas: Pós-graduação em Saúde Coletiva/Saúde pública; Saúde mental; Reabilitação Física/neurologia; Psicologia Social; Saúde da família/Atenção Básica de Saúde; Epidemiologia; Prática e planejamento em gestão da saúde; Geriatria e Terapia Ocupacional.

Em relação à pergunta “Você já sofreu alguma violência por ser mulher?”, 91% responderam que sim, 7% que nunca e 2% não responderam. Quanto à pergunta “Você denunciou?”, ressalta-se que 13 delas fizeram as denúncias para órgãos competentes, mas não se sentiram acolhidas; 18 participantes não denunciaram por medo ou constrangimento e 30 compartilharam a experiência para alguém de confiança, sendo essa opção a mais presente nessas situações.

Sobre as experiências de violências vividas por terapeutas ocupacionais em diferentes dimensões da vida cotidiana3 3 Foram utilizados nomes fictícios para a identificação das narrativas das participantes

Terapeutas ocupacionais tem a atividade humana e o cotidiano como elementos centrais de estudo e de práticas, visto que os modos de existências das pessoas se produzem pelas/nas atividades que se desenvolvem cotidianamente (Cardinalli & Silva, 2019Cardinalli, I., & Silva, C. R. (2019). Considerações epistemológicas da produção de conhecimento na Terapia Ocupacional no Brasil. In C. R. Silva (Ed.), Atividades Humanas e Terapia Ocupacional: saber-fazer, cultura, política e outras resistências (pp. 33-58). São Paulo: Hucitec.). Ao mesmo tempo, é no encontro entre corpos que o cotidiano se presentifica (Liberman, 2010aLiberman, F. (2010a). Delicadas coreografias: apontamentos sobre o corpo e procedimentos em uma terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 18(1), 67-76. Recuperado em 22 de dezembro de 2021, de https://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/334
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) é atravessado e construído por contextos históricos, culturais, geográficos, políticos e socioeconômicos (Melo et al., 2018Melo, K. M. M., Monzeli, G. A., & Junior, J. D. L. (2018). A Formação de Terapeutas Ocupacionais e a questão dos gêneros e das sexualidades. In R. A. S. Silva, P. C. Bianchi & D. S. Calheiros (Orgs.), Formação em Terapia Ocupacional no Brasil: pesquisas e experiências no âmbito da graduação e pós-graduação (pp. 225-242). São Paulo: FiloCzar.; Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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).

Deste modo, entende-se cotidiano como um processo intersubjetivo, pois ele não está dado, mas é produzido no percurso de vida dos sujeitos e tecidas por suas relações (Castro et al., 2001Castro, E. D., Lima, E. M. F. A., & Brunello, M. I. B. (2001). Atividades humanas e terapia ocupacional. In M. M. R. P. Carlo & C. C. Bartalotti. Terapia ocupacional no Brasil: fundamentos e perspectivas (pp. 41-59). São Paulo: Plexus.). É na vida cotidiana que se encontram os múltiplos modos de existências, a diversidade subjetiva e as diferenças, ou seja, as infinitas maneiras das pessoas de ser e estar no mundo, com base em uma coexistência de múltiplas forças que dão forma para esses corpos, ao mesmo tempo em que esses corpos agem no mundo (Kastrup & Fernandes, 2018Kastrup, V., & Fernandes, C. H. (2018). A atenção conjunta e o bebê cartógrafo: a cognição no plano dos afetos. Ayvu: Revista de Psicologia, 5(1), 117-139. http://dx.doi.org/10.22409/ayvu.v5i1.27403.
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).

Para Galheigo (2020)Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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, a terapia ocupacional brasileira em sua perspectiva crítica reflete e age em direção às práticas emancipatórias em sua atividade profissional, considerando o sujeito em toda sua complexidade, diversidade e heterogeneidade como um sujeito que se produz cotidianamente. Nessa pesquisa, identificamos alguns dos espaços – tempo cotidianos em que a violência se presentifica, conforme sintetizado na Tabela 1

Tabela 1
Violências Identificadas em Diferentes Esferas do Cotidiano das Participantes.

As violências de gênero se expressam em diferentes esferas cotidianas de vida das participantes desta pesquisa. Tais violências foram vivenciadas em espaços institucionais, como no trabalho, nos espaços de formação e doméstico, como também em outras relações interpessoais, de participação social e comunitária.

Nos espaços privados, a violência doméstica é praticada principalmente, pelos homens com parentesco consanguíneo ou com afinidade pessoal com essas mulheres (Biroli, 2018Biroli, F. (2018). Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo.). A narrativa de Rubi exemplifica a relação de violência vivida em silêncio, tanto pela mãe quanto pela própria participante, em sua juventude, tendo como agressor o próprio irmão.

Zanello (2018)Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appriss. declara que as violências contra a mulher, além de serem naturalizadas pelo sistema patriarcal, intensificam-se devido à expressão do sistema capitalista na cultura das pessoas, pois cada vez mais se constituem modos de vida individualizantes e distanciados de uma política coletiva. Ou seja, o ditado popular “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” exemplifica a escassa existência e compreensão sociocultural de que nenhuma violência deveria ser tolerada/negligência.

Ademais, 91% das participantes já sofreram algum tipo de violência e 18 participantes não a denunciaram por medo ou constrangimento, o que mostra que essas mulheres pouco são acolhidas e respeitadas enquanto seus direitos de cidadania em decorrência a uma cultura machista e patriarcal que ainda não legitima os corpos que são constantemente violentados como tais. Existe uma descrença nos órgãos institucionais de denúncia, pois esses podem ser lugares de outras violências (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appriss.). Isso ainda remete à cultura da culpabilização da mulher pelo ato vivido, quase colocado como uma escolha. Os espaços de denúncia são fundamentais para inibir e romper a cultura da violência à mulher, mas ainda se faz urgente uma melhor preparação destas instituições no âmbito da escuta e de ações que não culpabilizem as vítimas pelas violências exercidas sobre elas (Zanello, 2018Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appriss.).

Além disso, existe uma diversidade de experiências e de corpo que se estabelecem apoiados nos lugares sociais que essas terapeutas ocupacionais ocupam e que são condicionantes ao acesso (ou não) de oportunidades para exercício pleno de sua cidadania, como sujeitos de direitos (Ribeiro, 2016Ribeiro, D. (2016). Feminismo negro para um novo marco civilizatório. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, 13(24), 99-104.; Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Fundamenta-se na emergência de se romper com a visão de uma história única, que silencia a diversidade e as diferenças de muitos grupos vistos como minoritários e diferentes daqueles que ocupam posição privilegiada na hierarquia de poder social, político e cultural (Ribeiro, 2016Ribeiro, D. (2016). Feminismo negro para um novo marco civilizatório. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, 13(24), 99-104.).

Conectando narrativas, intercambiando experiências (Benjamin, 1987Benjamin, W. (1987). Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense.), outros movimentos geoterritoriais se instauram e se atualizam na forma de estratégias para o enfrentamento dessas mesmas violências, traduzidas em ações concretas que atravessam a vida cotidiana de quem narra.

Após o reconhecimento das violências, foram identificadas as estratégias cotidianas para o enfrentamento destas mesmas situações de violência, distribuídas em cinco categorias: formar e pesquisar, politizar, romper e cuidar4 4 Os verbos no infinitivo como categoria de análise e ação foram escolhidos como modo de reiterar as ações realizadas pelas participantes identificadas como estratégia de enfrentamento às violências. São verbos/ações que afirmam as singularidades das respostas que coadunam o individual e o coletivo (Liberman, 2010a). .

A ação de formar e pesquisar

Essa dimensão diz respeito a mulheres que fizeram da atividade de pesquisar e formar modos de enfrentamento à violência, bem como colocaram como pauta prioritária as pesquisas sobre as violências contra a mulher e de gênero e esteve presente em 3 narrativas. Nesse sentido, esta pesquisa se mostrou como mais uma possibilidade de conexão e questionamento de situações vivenciadas, que poderiam ser despercebidas ou não reconhecidas pelas participantes.

Narrativa (1): “[...] então é muito difícil inclusive identificar que tal comportamento é uma violência. No momento em que eu me deparei com algumas perguntas aqui, neste questionário, comecei a refletir algumas situações que vivi hoje […]” (Ágata, terapeuta ocupacional, 36 anos).

Narrativa (2):Acredito que a temática de gênero transversalize todas as nossas vivências cotidianas, é de suma importância que existam mais pesquisas sobre violência na perspectiva dos órgãos públicos em defesa da mulher” (Jadeita, terapeuta ocupacional, 36 anos).

Narrativa (3): “[…] e hoje com a prática e leitura que tenho, a partir da saúde coletiva, passei a visualizar que era um tipo sim de violência o que eu havia sofrido” (Ágata, terapeuta ocupacional, 36 anos).

A terapia ocupacional, enquanto campo de saberes e práticas, relaciona-se com os dispositivos da escuta e do acolhimento, bem como com a articulação social objetivando pontes de diálogo, de suporte, da participação social e acesso aos direitos (Galheigo, 2020Galheigo, S. M. (2020). Terapia ocupacional, cotidiano e a tessitura da vida: aportes teórico-conceituais para a construção de perspectivas críticas e emancipatórias. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(1), 5-25. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoao2590.
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). Dito isso, foi possível perceber que uma das estratégias para o enfrentamento relatada foi a ação de formar que se referia tanto ao itinerário de formação na graduação em terapia ocupacional, na pós-graduação e em outros espaços de troca. A formação é apontada como um instrumento de consciência e reflexão tanto para perceber a violência, agenciar o cuidado e práticas emancipatórias e de produção de vida, bem como a própria transformação de si nessas relações.

A narrativa (3) coloca o espaço formativo tanto como uma possibilidade de cuidado e escuta de si e de criação de um novo corpo: um corpo mulher mais fortalecido para o enfrentamento das violências.

Porém, cabe salientar que ainda estudos apontam a necessidade do estudo de gênero durante a formação dos terapeutas ocupacionais (Eklund & Erlandsson, 2011Eklund, M., & Erlandsson, L. K. (2011). Return to work outcomes of the redesigning daily occupations (redo) program for women with stress-related disorders--a comparative study. Women & Health, 51(7), 676-692. http://dx.doi.org/10.1080/03630242.2011.618215.
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; Falk et al., 2015Falk, A. L., Hammar, M., & Nyström, S. (2015). Does gender matter? Differences between students at an interprofessional training ward. Journal of Interprofessional Care, 29(6), 616-621. http://dx.doi.org/10.3109/13561820.2015.1047491.
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; Morrison & Araya, 2018Morrison, R., & Araya, L. (2018). Feminismo(s) y Terapia Ocupacional: preguntas y reflexiones. Revista Argentina de Terapia Ocupacional, 4(2). Recuperado em 21 de abril de 2020, de http://www.revista.terapia-ocupacional.org.ar/RATO/2018dic-conf.pdf
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). Falk et al. (2015)Falk, A. L., Hammar, M., & Nyström, S. (2015). Does gender matter? Differences between students at an interprofessional training ward. Journal of Interprofessional Care, 29(6), 616-621. http://dx.doi.org/10.3109/13561820.2015.1047491.
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, em sua pesquisa diz que a formação dos estudantes da área da saúde, incluindo da terapia ocupacional, apresentam uma significativa diferença no processo formativo em relação a uma mulher estudante e um homem estudante, inclusive nas práticas que envolvem equipes multiprofissionais. Isso é, os estudantes homens ainda são mais incentivados na participação das aulas (dar suas opiniões, a relação entre o erro e acerto), e isso se evidencia mais em algumas especificidades profissionais, como a médica, por exemplo. Corroborando com Tarde (1976)Tarde, G. (1976). As leis da imitação. Porto: Rés Editora. e Almeida (2004)Almeida, M. V. M. (2004). Corpo e Arte em Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro: Enelivros., as vivências de corpo se relacionam diretamente em como esse corpo irá se construir no cotidiano da vida.

Faz-se necessário compreender os espaços formativos como uma possibilidade de experienciar “[...] outros modos de existir mais singulares e resistentes aos ataques e modelos sociais que restringem e/ou empobrecem aquilo que o corpo pode, suas potências [...]” (Liberman, 2010bLiberman, F. (2010b). O corpo como pulso. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 14(33), 449-460. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832010000200017.
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, p. 41). Ou seja, articular uma formação crítica e que faça emergir novos deslocamentos é contribuir na transformação de corpos terapeutas ocupacionais emancipados das forças patriarcais e machistas nas relações com seus pares. Diante disso, ampliar a possibilidade de atuação crítica que envolve as problemáticas aqui discutidas.

A ação de pesquisar se mostra potente para colaborar com reflexões teóricas e metodológicas sobre gênero e a violência contra as mulheres, tanto em relação a si quanto em relação aos diferentes objetos de estudo. As participantes desse estudo indicaram tal ação em duas esferas: a pesquisa de si e as pesquisas como ato de emancipação.

Em relação à pesquisa de si, a terapeuta ocupacional Ágata (narrativa 2) aponta que, ao se deparar com o questionário da pesquisa, foi identificando algumas violências vividas que antes não eram nomeadas como violência. Para as novas edificações de um corpo, é importante que esse possa também se perceber e identificar o que age sobre ele e como age sobre o mundo (Almeida, 2004Almeida, M. V. M. (2004). Corpo e Arte em Terapia Ocupacional. Rio de Janeiro: Enelivros.). A pesquisa então apontada como agenciadora de novas percepções e descoberta de como cada encontro cotidiano pode ter potencializado ou diminuído a potência de existência desse corpo, e assim reconhecer e criar agenciamentos corporais e de vida com base na narrativa do passado, mas também da produção de novos acontecimentos que se atualizaram no momento da participação nesta pesquisa, que cumpre seu propósito como uma pesquisa-intervenção, uma vez que, ao ser perguntada sobre uma experiência de violência, a participante volta a pergunta para si e se permite lembrar, ressignificar e pensar sobre as suas experiências.

Sobre as pesquisas emancipatórias, a narrativa 28 vislumbra a importância de investigações que colaborem com a compreensão da interseccionalidade nas esferas cotidianas de vida e das pesquisas em terapia ocupacional, da relação do tema com as mulheres e dos direitos humanos e defesa da mulher. Em breve levantamento que antecedeu essa investigação dos últimos dez anos dos estudos em interface com as mulheres, apesar da existência de contribuições importantes que pautam a discussão de gênero, tanto na dimensão epistemológica, de formação e clínica, ainda existe um número significativo de artigos que não se pautam nessa discussão; e, no caso da saúde, restringem-se majoritariamente em recortes de concepções reducionistas da “Saúde da Mulher”5 5 Encontram-se diferentes conceitos sobre saúde da mulher na literatura científica, desde concepções mais reducionistas que abordam apenas aspectos da biologia do corpo feminino e suas possíveis enfermidades ou sua função materno-reprodutiva e outras mais ampliadas que abordam também dimensões dos direitos humanos e cidadania como os direitos sexuais e questões de gênero (Coelho, 2003). , descolado das linhas de forças que também produzem ou não a saúde.

Desse modo, ainda precisamos ampliar os estudos para continuar fazendo emergir outros modos de se pensar e se fazer teoria; neste sentido, apropriar-se das contribuições das teorias e das práticas feministas como caráter ativista intrínseco à ética das abordagens críticas, seja na militância, na pesquisa ou na clínica.

A ação de politizar

Pertencer ou acompanhar organizações, grupos e movimentos sociais, como os movimentos feministas como viabilidade de tensionamentos e proteção em relação às desigualdades de gênero e violências. Essa ação compareceu explicitamente em 1 narrativa.

Narrativa (5): Ao término da graduação, voltei a morar com meus pais e nessa época já havia conhecido o feminismo e compreendido que os motivos para as violências cometidas pelo meu pai não eram consequência de álcool e transtorno mental (Hematita, terapeuta ocupacional, 27 anos).

A ação de politizar se relaciona principalmente com o encontro das participantes com os movimentos sociais, sendo mencionado especificamente aos movimentos feministas. Esse movimento em rede contribuiu, entre outras coisas, para compreensão das violências tão naturalizadas nos cotidianos das pessoas. Desse modo, essa ação proporciona, baseada na atenção, vivências coletivas, a criação de modos de visibilidade e resistência a proposições para a transformação de uma sociedade não patriarcal. Apoiando-se nessa coletividade e nas ações produzidas por ela, o fortalecimento e emancipação acarreta de modo singular na vida das mulheres, como apontado na narrativa (5).

Para Lima (2020)Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., as lutas por garantia de respeito à vida e sua diversidade demandam a construção de uma perspectiva plural, capaz de romper com uma visão universal de mulheres e de mundo. E são essas discussões que nos guiam para o que hoje se define como feminismos (no plural), ao invés de feminismo (categoria única), visto que são movimentos e pautas que alocam diferentes grupos e universos de mulheres (Morrison & Araya, 2018Morrison, R., & Araya, L. (2018). Feminismo(s) y Terapia Ocupacional: preguntas y reflexiones. Revista Argentina de Terapia Ocupacional, 4(2). Recuperado em 21 de abril de 2020, de http://www.revista.terapia-ocupacional.org.ar/RATO/2018dic-conf.pdf
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), na busca pelo combate de todas as formas de explorações definidas com base na categoria gênero e, no caso de alguns grupos feministas específicos, no combate às outras opressões que interseccionam gênero, raça, classe, sexualidade, religião, etarismo, padrões estéticos, entre outros marcadores sociais.

A ação de romper

Refere-se ao distanciamento às vezes necessário para não sofrer novas violências, como modo de possibilitar a própria existência.

Narrativa (6):Consegui sair de casa e ir morar no meu próprio lar. Não converso ou mantenho vínculo com ele. Minha mãe saiu de casa comigo e meus irmãos, mas depois de alguns meses, sentiu-se culpada e acreditando que havia o abandonado. Voltou a cuidar e morar com ele (Hematita, terapeuta ocupacional, 27 anos).

Essa ação de romper, presente em 2 narrativas traz em certas situações, a necessidade de rompimentos de relações, sejam familiares ou pertencentes a outras esferas de vida como resposta a agressões e violências. Nascimento (2018)Nascimento, J. S. (2018). Violência contra a mulher e a ruptura de seus papéis ocupacionais (Monografia). Universidade de Brasília, Brasília. aponta que acontecem muitas rupturas nas atividades, nas relações afetivas e de participação social das mulheres que sofrem violências cotidianas. Poder compartilhar essas experiências, dar visibilidade a elas, ter a garantia de cuidado e direito efetivo a proteção fortalece as mulheres em suas potências de troca, da integralidade de corpo e de vida. A ação de romper com as situações de violências vistas nas narrativas mostra a possibilidade de construção de novas redes e experiências, convergindo para novos modos de vida.

A ação de cuidar (o cuidado de si e do outro)

O cuidado de si e do outro também se expressou como uma ação potente para a elaboração e enfrentamento das violências, um modo de olhar de outra forma para o que foi vivido e acolher o sofrimento, bem como constituir um espaço mais seguro para os enfrentamentos necessários – dimensão explicitada em 2 narrativas.

Narrativa (7): “Só fui confrontar essa realidade na época da graduação, quando tive acesso a terapia com psicólogo” (Hematita, terapeuta ocupacional, 27 anos).

O exercício da profissão e o encontro com mulheres na assistência funcionam como uma espécie de prisma para visibilizar as violências vividas por si, ao ouvir e se identificar com a violência narrada por usuárias sob o cuidado das terapeutas ocupacionais. Além disso, as práticas de cuidado também se colocam como potência para a desconstrução de conceitos e vivências machistas ou encorajamento para a denúncias das violências.

Narrativa (8):Trabalhei em instituição pública na prevenção e assistência de vítimas de violência (Jaspe vermelho, terapeuta ocupacional, 56 anos)

Nessa direção, a ação de cuidar enquanto exercício da profissão se relaciona também com a ação de formar. Para Liedberg et al. (2010)Liedberg, G. M., Bjork, M., & Hensing, G. (2010). Occupational therapists’ perceptions of gender - A focus group study. Australian Occupational Therapy Journal, 57(5), 331-338. http://dx.doi.org/10.1111/j.1440-1630.2010.00856.x.
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, as questões de gênero devem ser vistas como um fator de influência no cuidado. Em seu estudo, identificou-se que, apesar de colocado pelos participantes de pesquisa, terapeutas ocupacionais, que esse tema é relevante em suas composições clínicas, ainda havia um entrelaçamento e receio por parte dos profissionais em proporcionar espaços de reflexão em suas práticas profissionais.

Falk et al. (2015)Falk, A. L., Hammar, M., & Nyström, S. (2015). Does gender matter? Differences between students at an interprofessional training ward. Journal of Interprofessional Care, 29(6), 616-621. http://dx.doi.org/10.3109/13561820.2015.1047491.
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revelou a mesma fragilidade em sua investigação que teve como objetivo descrever como os terapeutas ocupacionais percebem o gênero e sua importância para a terapia ocupacional e seu próprio trabalho diário. Por meio de um estudo de caso, investigou como os estudantes de terapia ocupacional escolheram e descreveram atividades terapêuticas para homens e mulheres. A hipótese era que os terapeutas ocupacionais introduzem inconscientemente expectativas sexistas na diferenciação de homens e mulheres em papéis sociais durante o tratamento. Os resultados mostraram que os estudantes escolheram ocupações femininas tradicionais, como culinária e cabeleireiro para as mulheres, e atividades masculinas tradicionais para homens, concluindo que a prática pode estar constantemente atravessada pelas ideias dos papéis e atividades tradicionais que um “homem” e uma “mulher” teria desejo em realizar. Também o autor enfatiza que deve ser responsabilidade do terapeuta ocupacional conhecer os possíveis desejos dos sujeitos de se opor aos papéis tradicionais. Assim, os terapeutas ocupacionais deveriam buscar estar cientes sobre seus próprios valores e julgamentos sobre gênero.

Ao constatar que a expressão da violência, bem como seu enfrentamento atravessam diferentes dimensões da cotidianidade das participantes (desde o espaço de morar até os espaços públicos de trabalho e participação social), confirma-se a dimensão estrutural do machismo e sua necessária mirada macropolítica, conforme sugerido pelos estudos feministas (Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Gonzalez, 2020Gonzalez, L. (2020). Por um feminismo Afro Latino Americano. Rio de Janeiro: Zahar.), ao mesmo tempo em que se reafirma que é especialmente na esfera micropolítica e cotidiana que as mulheres têm maior autonomia para agir e romper com os ciclos das Atualizações da Violência Diária (AVDs em um outro sentido) por meio de ações concretas, materiais e imateriais.

Na medida em que o cotidiano é vivido em vários contextos, é possível falar em cotidianos que se vivem em diferentes espaços-tempo. São múltiplas as cotidianidades nas sociedades complexas e, nesse sentido, o sujeito não apenas se constitui na cultura, mas está o tempo todo em processo infinito de constituição e desconstrução de si, em processos de vir a ser, ou em devir (Deleuze & Guatarri, 1996).

Pode-se dizer que são nesses espaços-tempos das cotidianidades atravessados pela cultura machista, sexista, misógina, que se atualizam as formas de opressão e violências constituídas pelas marcas do contexto capitalista neoliberal, racista, patriarcal, capacitista, LGBTfóbico, aporofóbico, entre outras.

Nesses contextos, encontra-se também aquele que é nosso objeto de estudo – as violências contra a mulher em seus cotidianos –, uma vez que a relação do binômio feminino e masculino nessa sociedade ainda marcam o feminino em um lugar atravessado pela submissão, discriminação, exploração e subjugamento (Sarmiento et al., 2018Sarmiento, B. M., Jara, R. M., Cáceres, D. P., & Reyes, B. R. (2018). Percepción de la construcción de género en estudiantes de terapia ocupacional: una aproximación al género en la vida cotidiana. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(1), 163-175. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1124.
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; Saffioti, 1994Saffioti, H. I. B. (1994). Violência de gênero no Brasil atual. Revista Estudos Feministas, 2(2), 443-461. http://dx.doi.org/10.1590/%25x.
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).

Em sua potência transformadora, a reflexão e a narração sobre seu próprio cotidiano pode ser um campo e dispositivo aliado para explicitar a violência, também tensionar e construir novos devires mais potencializadores, tanto para vítimas quanto para agressores, como observamos pelas ações de enfrentamento traduzidas nas narrativas da pesquisa (Guattari, 1985Guattari, F. (1985). Espaço e poder: a criação de territórios na cidade. Espaço & Debates, 5(16), 109-120.; Testa & Spampinato, 2010Testa, D. E., & Spampinato, S. B. (2010). Género, salud mental y terapia ocupacional: algunas reflexiones sobre la influencia de la historia de las mujeres y la perspectiva de género en nuestras prácticas. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 21(2), 174-181.).

Para Matsukura & Salles (2016)Matsukura, T. S., & Salles, M. M. (2016). Cotidiano, atividade humana e ocupação: perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental. São Carlos: EdUFSCar., as práticas e intervenções em terapia ocupacional buscam alcançar com as pessoas, maneiras para que elas não se limitem às suas impossibilidades, resgatando/recriando histórias de vida, pautada em atividades significativas para traçar possíveis caminhos de continuidade entre o passado, presente e com o futuro, abrindo espaço para o novo, para a redescoberta ou recriação.

Com isso, terapeutas ocupacionais podem ir ao encontro de ações de criação e visibilidade para que, em oposição ao exercício do poder, sejamos capazes de promover processos relacionais de resistência, de potencialização individual e coletiva por meio da consciência crítica; da reconstrução de autoestima, autoconfiança e a retomada gradual de nosso papel como protagonistas da própria vida e história, tanto em termos subjetivos quanto objetivos, atuando nas esferas em que a vida acontece: o trabalho, a maternidade, o espaço doméstico, de formação, de cultura entre outros (Carloto & Mariano, 2012Carloto, C. M., & Mariano, S. A. (2012). Empoderamento, trabalho e cuidados: mulheres no programa bolsa família. Textos & Contextos,11(2), 258-272. Recuperado em 18 de agosto de 2020, de https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/12337
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
; Tavares, 2010Tavares, M. S. (2010). Com açúcar e sem afeto: a trajetória de vida amorosa de mulheres das classes populares em Aracaju/SE. Serviço Social & Sociedade, (101), 121-145. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-66282010000100007.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-66282010...
, Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Essa constatação já estava clara quando a ação terapêutica ocupacional se volta para nossa relação com os sujeitos de nossa intervenção, majoritariamente pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, um dos aspectos interventivos da pesquisa se coloca justamente no sentido de explicitar para terapeutas ocupacionais suas próprias vulnerabilidades e ao mesmo tempo, ao convidá-las a narrar experiências de violências vividas em seu cotidiano, poder revisitar esse mesmo cotidiano, transformando-o, reconhecendo-se nele, deslocando-se dele, como foi possível observar com base na leitura das narrativas.

Sobretudo, terapeutas ocupacionais também podem atuar na produção de processos de potencialização coletiva que contribuam para o fortalecimento de grupos e comunidades oprimidas, por meio da transformação das relações de poder, que se dá com base em práticas e discursos políticos contestatórios do estado atual das coisas (Berth, 2019Berth, J. (2019). Empoderamento. São Paulo: Polén.; Lima, 2020Lima, F. F. (2020). Percepções e experiências de mulheres atuantes no campo da saúde sobre violência de gênero (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Com isso, buscamos frisar que a busca por protagonismo, autonomia, defesa de direitos e do enfrentamento de processos de violação de direitos sempre esteve no cerne das ações da terapia ocupacional enquanto profissão, em profunda aliança com corpos segregados e/ou coletivos estigmatizados (Lima, 2003Lima, E. M. F. A. (2003). Desejando a diferença: considerações acerca das relações entre os terapeutas ocupacionais e as populações tradicionalmente atendidas por estes profissionais. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(2), 64-71. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v14i2p64-71.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
).

Para Tarde (1976)Tarde, G. (1976). As leis da imitação. Porto: Rés Editora., quando reféns dos processos hegemonicamente construídos, somos seres da imitação, em que podemos de modo mecânico e não consciente reproduzir em nós mesmos e nas pessoas em nossa volta modos de fazer e de agir que podem encolher a diversidade da vida e modos de existência que respeitem o outro.

Um corpo tem a potência de instigar esse mesmo movimento no outro, que pode reproduzir violências. Mas podemos também sair do modo mecânico para operar potenciais de criação, quanto mais conscientes de nossos corpos no mundo; nesta mesma mímica, produzir novos movimentos singulares e coletivos, novos corpos em relações cotidianas que expandem nossas existências como seres que não subjugam o outro, e sim viver em ato a ideia de que nenhum corpo é maior ou menor que o outro; logo, necessita existir igualmente (Tarde, 1976Tarde, G. (1976). As leis da imitação. Porto: Rés Editora.).

Dito de outro modo, ao analisar as violências vividas por mulheres por meio de sua cotidianidade e por meio de suas ações no mundo, é resgatar a noção de que o corpo faz e se faz com o que ele faz (Favre, 2021Favre, R. (2021). Do corpo ao livro. São Paulo: Summus.) e, muitas vezes, o corpo violentado produz formas de se deslocar dessa forma por meio de suas atitudes – atitude definida como para a prontidão para a ação. Mas essas formas e atitudes não estão dadas, não são estanques. Atitudes podem ser cultivadas, sustentadas, compartilhadas para se opor às formas normatizantes e culturalmente dominantes de construção do corpo feminino.

Considerações Finais

Esta pesquisa buscou retratar as percepções e experiências sobre violências de gênero de mulheres terapeutas ocupacionais atuantes no campo da Saúde com base na análise de narrativas-descritivas com base no método cartográfico. Além disso, por meio de articulações teórico-práticas com as produções científicas de terapeutas ocupacionais sobre a temática possibilitamos promover reflexões sobre a existência de pontos de convergência entre elas e a colheita nas narrativas.

A leitura e discussão dos dados sugere que elementos centrais para a área da terapia ocupacional – corpo, cotidiano e ações – podem contribuir substancialmente para a produção de práticas e saberes de enfrentamento da cultura da violência de gênero.

Nessa pesquisa em específico, as ações de formar/pesquisar, cuidar, romper e politizar são expressas nas narrativas das participantes como estratégias para o enfrentamento das situações de violências vividas, como atitudes incorporadas em seus cotidianos, seja nos espaços de morar, de estudar, trabalhar ou nos espaços de participação social.

Conclui-se que, para a terapia ocupacional, o cotidiano por meio de uma escuta afinada a expressividade dos corpos em suas múltiplas relações com o mundo, apresenta-se como um meio potencial das expressões visíveis ou invisíveis da atividade humana, incluindo as violências de gênero. Entretanto, para além da expressão da violência, a cotidianidade também opera como um dispositivo que denuncia de modo eficaz e extremamente ancorado nos detalhes das atividades humanas, formas de se reproduzir ou transformar as relações já estabelecidas, como a cultura da violência a que as mulheres estão submetidas.

  • 1
    Falar de não humanos é entender que somos parte de composições múltiplas, visíveis e não visíveis, mais óbvias e menos óbvias, com coisas, humanos, outros seres viventes (Rolnik, 1993). Isto é, somos parte, agimos e somos afetados em nossa própria composição de corpo por objetos, animais, instituições, dispositivos (Latour, 2014). Essas composições possibilitam ou desafiam movimentos e modos de estar no mundo e de construir nosso cotidiano. Baseada nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Brasil, 2006).
  • 2
    Os dados gerais correspondiam aos seguintes itens: a) estado de residência, b) identidade de gênero, c) cor/raça.
  • 3
    Foram utilizados nomes fictícios para a identificação das narrativas das participantes
  • 4
    Os verbos no infinitivo como categoria de análise e ação foram escolhidos como modo de reiterar as ações realizadas pelas participantes identificadas como estratégia de enfrentamento às violências. São verbos/ações que afirmam as singularidades das respostas que coadunam o individual e o coletivo (Liberman, 2010aLiberman, F. (2010a). Delicadas coreografias: apontamentos sobre o corpo e procedimentos em uma terapia ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 18(1), 67-76. Recuperado em 22 de dezembro de 2021, de https://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/334
    https://www.cadernosdeterapiaocupacional...
    ).
  • 5
    Encontram-se diferentes conceitos sobre saúde da mulher na literatura científica, desde concepções mais reducionistas que abordam apenas aspectos da biologia do corpo feminino e suas possíveis enfermidades ou sua função materno-reprodutiva e outras mais ampliadas que abordam também dimensões dos direitos humanos e cidadania como os direitos sexuais e questões de gênero (Coelho, 2003).
  • Como citar: Farias, A. Z., Ferigato, S. H., Silva, C. R., & Liberman, F. (2022). Expressões da violência de gênero vivenciadas por terapeutas ocupacionais: narrativas e ações de enfrentamento no cotidiano. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, e3002. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO22753002
  • Fonte de Financiamento Coordenação para o Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Código 001.

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Daniela Tavares Gontijo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2021
  • Revisado
    22 Jul 2022
  • Revisado
    13 Set 2021
  • Aceito
    02 Fev 2022
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