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A saúde mental das crianças durante a pandemia da COVID-19: uma perspectiva de professores de uma Unidade de Educação Infantil

Resumo

Introdução

Estudos têm alertado para os prejuízos da COVID-19 na vida de crianças e adolescentes nos âmbitos do aprendizado, relações sociais e saúde mental, assim como no desenvolvimento de modo geral.

Objetivos

Compreender a percepção dos professores sobre as implicações da pandemia da COVID-19 na saúde mental de crianças de uma Unidade de Educação Infantil.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo de abordagem qualitativa. Foram participantes seis professores de uma Unidade de Educação Infantil pública. Os dados foram coletados remotamente utilizando-se formulários de caracterização do participante e entrevistas semiestruturadas e posteriormente investigados por meio de análise temática e do referencial teórico-metodológico da saúde mental e atenção psicossocial.

Resultados

Os resultados apontaram uma compreensão ampliada dos professores sobre saúde mental, envolvendo aspectos para além do quadro clínico e sintomas. Além disso, a partir da percepção dos professores, a escola pode adotar estratégias para promover a saúde mental das crianças e apoiar seus familiares em um cenário de inúmeras adversidades e dificuldades, que causaram uma série de prejuízos à saúde mental e ao desenvolvimento dessa população.

Conclusão

Espera-se que este estudo possa contribuir não só para a compreensão de uma realidade nova e emergente, que está sendo reinventada dia após dia, mas também para novas reflexões e discussões acerca das estratégias de intervenção e políticas públicas voltadas à saúde mental de crianças.

Palavras-chave:
Saúde Mental; Criança; Educação; COVID-19

Abstract

Introduction

Studies have warned about the damages caused by COVID-19 on the lives of children and adolescents in terms of learning, social relationships, and mental health, as well as on their overall development.

Objectives

To understand the teachers’ perceptions of the implications of the COVID-19 pandemic on the mental health of children at an Early Childhood Education Unit.

Method

This is an exploratory, descriptive study with a qualitative approach. Six teachers from a public Early Childhood Education Unit participated in the study. Data were collected remotely using participant characterization forms and semi-structured interviews, and then characterized through thematic analysis and the theoretical-methodological framework of mental health and psychosocial care.

Results

The results showed an expanded understanding by teachers about mental health, involving aspects beyond the clinical condition and symptoms. In addition, from the teachers’ perceptions, the school can adopt strategies to promote the children’s mental health and support their families in a scenario full of adversities and difficulties, which have caused a series of damages to the mental health and development of this population.

Conclusion

It is expected that this study can contribute not only to the understanding of a new and emerging reality that is being reinvented day after day but also to new reflections and discussions about intervention strategies and public policies aimed at children's mental health.

Keywords:
Mental Health; Children; Education; COVID-19

Introdução

O ano de 2020 foi marcado pelo surgimento da COVID-19 no Brasil, uma doença infecciosa provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), o qual foi identificado pela primeira vez na China no final de 2019. Assim, diante da propagação do vírus, o mundo passou a adotar diferentes medidas para controlar a situação (Organização Mundial da Saúde, 2020Organização Mundial da Saúde – OMS. (2020). Brote de enfermedad por coronavirus (COVID-19). Recuperado em 7 de julho de 2020, de https://www.paho.org/es/temas/coronavirus/brote-enfermedad-por-coronavirus-covid-19
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), incluindo medidas de segurança e proteção implantadas em diversos países, como a higienização recorrente das mãos, o distanciamento social e uso de máscaras. Além disso, as escolas, universidades e atividades coletivas foram suspensas, muitos começaram a trabalhar em home office e as atividades não essenciais tiveram que se adaptar à nova realidade. Observa-se que essas medidas foram tomadas de formas diferentes a depender do país, região onde se encontravam e governo local, considerando as especificidades de cada contexto (Organização Pan-Americana de Saúde, 2020Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, & Organização Mundial da Saúde – OMS. (2020). Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Recuperado em 18 de maio de 2020, de https://www.paho.org/pt/topicos/coronavirus/doenca-causada-pelo-novo-coronavirus-covid-19
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).

Dessa forma, a pandemia de COVID-19 impactou significativamente o cotidiano e a vida das pessoas, de forma que alguns grupos sociais foram mais afetados, como é o caso das pessoas com deficiência, idosos, indígenas, crianças e adolescentes (Pires, 2020Pires, R. R. C. (2020). Os efeitos sobre grupos sociais e territórios vulnerabilizados das medidas de enfrentamento à crise sanitária da COVID-19: propostas para o aperfeiçoamento da ação pública. Brasília: Ipea. Recuperado em 25 de julho de 2023, de https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9839
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
; Ornell et al., 2020Ornell, F., Schuch, J. B., Sordi, A. O., & Kessler, F. H. P. (2020). “Pandemic fear” and COVID-19: mental health burden and strategies. Revista Brasileira de Psiquiatria, 42(3), 232-235.).

Especificamente sobre as crianças e os adolescentes, entidades governamentais e não governamentais, assim como a literatura, alertam para os impactos da COVID-19 em suas vidas, evidenciando prejuízos nos âmbitos do aprendizado, relações sociais e saúde mental, assim como no desenvolvimento global (Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395(10227), 912-920.; Fegert et al., 2020Fegert, J. M., Vitiello, B., Plener, P. L., & Clemens, V. (2020). Challenges and burden of the Coronavirus 2019 (COVID-19) pandemic for child and adolescent mental health: a narrative review to highlight clinical and research needs in the acute phase and the long return to normality. Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health, 14(20), 1-11.; Fundação Oswaldo Cruz, 2020aFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020a). Impacto da COVID-19 na Saúde Infantil. Recuperado em 26 de abril de 2021, de https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/impacto-da-covid-19-na-saude-infantil/
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, 2020bFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020b). COVID-19 e Saúde da Criança e do Adolescente. Recuperado em 2 de março de 2021, de https://www.iff.fiocruz.br/pdf/covid19_saude_crianca_adolescente.pdf
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; Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF. (2020). Não permitam que as crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia da COVID-19. Recuperado em 19 de março de 2023, de https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19
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; Jiao et al., 2020Jiao, W. Y., Wang, L. N., Liu, J., Fang, S. F., Jiao, F. Y., Pettoello-Mantovani, M., & Somekh, E. (2020). Behavioral and emotional disorders in children during the COVID-19 Epidemic. The Journal of Pediatrics, 221, 264-266.).

Com a suspensão abrupta das atividades escolares e extracurriculares, as crianças tiveram seu cotidiano inesperadamente transformado, e muitas delas passaram a apresentar mudanças no comportamento, questões emocionais como ansiedade, preocupação, irritação, entre outras (Polanczyk, 2020Polanczyk, G. V. (2020). O Custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Recuperado em 26 de julho de 2023, de https://jornal.usp.br/?p=321462.
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; Singh et al., 2020Singh, S., Roy, D., Sinha, K., Parveen, S., Sharma, G., & Joshi, G. (2020). Impact of COVID-19 and lockdown on mental health of children and adolescents: a narrative review with recommendations. Psychiatry Research, 293, 1-10.). Além disso, autores apontam que o distanciamento social de seus familiares, amigos e professores e a limitação no ir e vir, somadas ao medo de ser infectado ou de ter alguém de sua família infectado, também impactou a saúde mental dessa população (Polanczyk, 2020Polanczyk, G. V. (2020). O Custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Recuperado em 26 de julho de 2023, de https://jornal.usp.br/?p=321462.
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; Singh et al., 2020Singh, S., Roy, D., Sinha, K., Parveen, S., Sharma, G., & Joshi, G. (2020). Impact of COVID-19 and lockdown on mental health of children and adolescents: a narrative review with recommendations. Psychiatry Research, 293, 1-10.).

Foram identificados estudos que objetivaram compreender a saúde mental de crianças e adolescentes durante pandemia da COVID-19 (Jiao et al., 2020Jiao, W. Y., Wang, L. N., Liu, J., Fang, S. F., Jiao, F. Y., Pettoello-Mantovani, M., & Somekh, E. (2020). Behavioral and emotional disorders in children during the COVID-19 Epidemic. The Journal of Pediatrics, 221, 264-266.; Wang et al., 2020Wang, G., Zhang, Y., Zhao, J., Zhang, J., & Jiang, F. (2020). Mitigate the effects of home confinement on children during the COVID-19 outbreak. Lancet, 395(10228), 945-947.; Xie et al., 2020Xie, X., Xue, Q., Zhou, Y., Zhu, K., Liu, Q., Zhang, J., & Song, R. (2020). Mental health status among children in home confinement during the Coronavirus Disease 2019 Outbreak in Hubei Province, China. JAMA Pediatrics, 174(9), 898-900.; Polanczyk, 2020Polanczyk, G. V. (2020). O Custo da pandemia sobre a saúde mental de crianças e adolescentes. Recuperado em 26 de julho de 2023, de https://jornal.usp.br/?p=321462.
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). De modo geral, esses estudos centralizam-se em países europeus e asiáticos e abordam a questão a partir da perspectiva dos pais desses indivíduos. Além disso, identificou-se uma escassez de estudos brasileiros abordando a saúde mental da criança durante o período pandêmico e o papel das instituições escolares nesse cenário. Grande parte dos estudos encontrados, na realidade, são produções e orientações de organizações/instituições que se debruçaram sobre identificar como as crianças têm vivenciado a pandemia, na perspectiva do cotidiano e orientações às famílias (Fundação Oswaldo Cruz, 2020aFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020a). Impacto da COVID-19 na Saúde Infantil. Recuperado em 26 de abril de 2021, de https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/impacto-da-covid-19-na-saude-infantil/
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; Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2020Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF. (2020). Não permitam que as crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia da COVID-19. Recuperado em 19 de março de 2023, de https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19
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; Folino et al., 2021Folino, C. H., Alvaro, M. V., Massarani, L., & Chagas, C. (2021). A percepção de crianças cariocas sobre a pandemia de COVID-19, SARS-CoV-2 e os vírus em geral. Cadernos de Saude Publica, 37(4), 1-13.; Fore, 2020Fore, H. (2020). Não permitam que as crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia da COVID-19. Nova York: UNICEF/Nações Unidas Brasil. Recuperado em 19 de março de 2023, de https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19
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).

No estudo realizado por Jiao et al. (2020)Jiao, W. Y., Wang, L. N., Liu, J., Fang, S. F., Jiao, F. Y., Pettoello-Mantovani, M., & Somekh, E. (2020). Behavioral and emotional disorders in children during the COVID-19 Epidemic. The Journal of Pediatrics, 221, 264-266., na Província de Shaanxi, China, foi aplicado um questionário junto a 320 pais de crianças e adolescentes entre 3 e 18 anos de idade visando identificar os impactos da pandemia em suas vidas. Os resultados sinalizam a presença de irritabilidade, medo de adoecimento dos familiares, problemas de sono, dependência excessiva dos pais, desatenção, preocupação e pesadelos. Outro estudo, também conduzido por meio de formulário online, respondido por 2330 estudantes chineses da segunda a sexta séries de escolas primárias, identificou forte prevalência de sintomas de depressão e ansiedade nas crianças (Xie et al., 2020Xie, X., Xue, Q., Zhou, Y., Zhu, K., Liu, Q., Zhang, J., & Song, R. (2020). Mental health status among children in home confinement during the Coronavirus Disease 2019 Outbreak in Hubei Province, China. JAMA Pediatrics, 174(9), 898-900.).

Quanto ao cenário nacional, tem-se a pesquisa de Dutra et al. (2020)Dutra, J. L. C., Carvalho, N. C. C., & Saraiva, T. A. R. (2020). Os efeitos da pandemia de COVID-19 na saúde mental das crianças. Pedagogia em Ação, 13(1), 293-301., realizada com cinco crianças de 8 a 10 anos de idade, residentes na região metropolitana de Belo Horizonte, com o objetivo de compreender seus sentimentos em relação a quarentena. Os resultados apontam que as crianças tinham consciência do que seria o coronavírus, de forma que relatavam sentir falta das aulas, da socialização entre os pares, do brincar com seus colegas e de realizar atividades físicas.

Folino et al. (2021)Folino, C. H., Alvaro, M. V., Massarani, L., & Chagas, C. (2021). A percepção de crianças cariocas sobre a pandemia de COVID-19, SARS-CoV-2 e os vírus em geral. Cadernos de Saude Publica, 37(4), 1-13. realizaram uma pesquisa no Rio de Janeiro com 20 crianças de diferentes gêneros e classes sociais, a qual buscou, por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas remotamente, entender a percepção de crianças sobre a pandemia da COVID-19. Os autores identificaram que o sentimento mais evidente apresentado pelas crianças em relação a esse tema foi o medo e a preocupação, além da saudade do contato físico e do afeto dos colegas e familiares.

Mesmo diante das adaptações ocorridas durante a pandemia, a literatura também tem evidenciado que a escola continuou sendo um contexto importante para desenvolvimento de crianças e adolescentes e para a sua saúde mental, ainda que de forma remota (Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395(10227), 912-920.; Cifuentes-Faura, 2020Cifuentes-Faura, J. (2020). Consecuencias en los Niños del Cierre de Escuelas por COVID-19: el papel del gobierno, profesores y padres. Revista Internacional de Educación Para la Justicia Social, 9(3), 1-12.). Porém, cabe destacar os obstáculos presentes para promover a educação no Brasil durante a pandemia, como a dificuldade no acesso à tecnologia para ter aulas à distância, a falta de computadores, celulares e acesso à Internet e as condições de trabalho dos professores (Araújo, 2020Araújo, J. N. G. (2020). Infância e pandemia. Caderno de Administração, 28(118), 114-121.; Dias & Pinto, 2020Dias, É., & Pinto, F. C. F. (2020). A educação e a COVID-19. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação,28(108), 545-554.), principalmente em contextos de maior vulnerabilidade social e escassez de recursos dirigidos as escolas públicas, escancarando as desigualdades sociais existentes no país (Camargo, 2023Camargo, A. P. (2023). O cotidiano e a pandemia da COVID-19 na perspectiva das crianças (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Posto isso, e apesar das dificuldades apresentadas, autores afirmam que é preciso continuar estimulando a solidariedade, a resiliência e as relações sociais entre educadores e alunos no contexto da pandemia, uma vez que isso contribui para a diminuição do impacto emocional negativo desse cenário nos estudantes (Dias & Pinto, 2020Dias, É., & Pinto, F. C. F. (2020). A educação e a COVID-19. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação,28(108), 545-554.), fortalecendo a manutenção do vínculo e as redes de cuidado e atenção (Fundação Oswaldo Cruz, 2020bFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020b). COVID-19 e Saúde da Criança e do Adolescente. Recuperado em 2 de março de 2021, de https://www.iff.fiocruz.br/pdf/covid19_saude_crianca_adolescente.pdf
https://www.iff.fiocruz.br/pdf/covid19_s...
). Dessa forma, compreende-se que os professores exercem um papel importante, não apenas de educar, mas também de manter contato com os pais e ajudar a monitorar a saúde das crianças, oferecendo auxílio e apoio emocional se necessário. Concomitantemente com o apoio emocional e diretamente relacionado a ele, considera-se fundamental que a escola e professores enfatizem a promoção da saúde por meio de orientações sobre hábitos de higiene e sono, prática de exercícios físicos e alimentação adequada nesse momento (Cifuentes-Faura, 2020Cifuentes-Faura, J. (2020). Consecuencias en los Niños del Cierre de Escuelas por COVID-19: el papel del gobierno, profesores y padres. Revista Internacional de Educación Para la Justicia Social, 9(3), 1-12.).

De acordo com Casemiro et al. (2014), aCasemiro, J. P., Fonseca, A. B. C., & Secco, F. V. M. (2014). Promover saúde na escola: reflexões a partir de uma revisão sobre saúde escolar na América Latina. Ciencia & Saude Coletiva, 19(3), 829-840. escola é o local de encontro entre saúde e educação, possibilitando atividades de educação e promoção da saúde. Esse diálogo e parceria entre saúde e escola parece ser fundamental quando se trata de ações de promoção da saúde na infância e adolescência – etapas tão singulares do desenvolvimento humano. Ademais, identifica-se que o contexto escolar tem sido compreendido como locus importante para o reconhecimento das dificuldades das crianças e adolescentes, que, muitas vezes, podem permanecer invisíveis em outros contextos (Dias & Pinto, 2020Dias, É., & Pinto, F. C. F. (2020). A educação e a COVID-19. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação,28(108), 545-554.; Taño & Matsukura, 2020Taño, B. L., & Matsukura, T. S. (2020). Compreensões e expectativas de educadores sobre saúde mental de crianças e adolescentes. Cadernos Brasileiros e Saúde Mental, 12(31), 166-192.).

Desse modo, ressalta-se a necessidade de mais investimentos e estudos, principalmente no contexto brasileiro, que continuem a investigar a realidade vivida por essas crianças durante a pandemia da COVID-19 sob diferentes perspectivas, de forma a colaborar para uma maior compreensão dos desafios advindos de uma das maiores crises sanitárias mundiais. Sendo assim, investir em estudos que evidenciem os impactos da pandemia na saúde mental infantil pode favorecer não só a compreensão de uma realidade nova e emergente, que está sendo reinventada dia após dia, mas também contribuir para novas reflexões e discussões acerca das estratégias de intervenção e políticas públicas voltadas a esse segmento populacional.

Objetivo

Compreender a percepção dos professores sobre as implicações da pandemia da COVID-19 na saúde mental de crianças de uma Unidade de Educação Infantil.

Objetivos específicos:

  1. Identificar a percepção dos professores sobre o conceito de saúde mental infantil;

  2. Identificar quais foram as estratégias adotadas pelos professores visando a saúde mental das crianças no contexto pandêmico.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa (Leopardi, 2002Leopardi, M. T. (2002). Metodologia da pesquisa em saúde. Florianópolis: UFSC.; Gil, 2002Gil, A. C. (2002). Como classificar as pesquisas. In A.C. Gil, Como elaborar projetos de pesquisa (pp. 44-45). São Paulo: Atlas.).

3.1 Participantes

Seis professores atuantes em uma Unidade de Educação Infantil participaram da pesquisa. Como critérios de inclusão, foram selecionados professores que já atuavam na Unidade de Educação Infantil avaliada antes do início da pandemia e que tinham mais de dois anos de experiência nesse setor.

3.2 Local

A pesquisa foi realizada em uma Unidade de Educação Infantil pública que atende crianças de 0 a 6 anos de idade localizada em um município de porte médio do interior do estado de São Paulo. Esta Unidade foi escolhida por estar em funcionamento há 30 anos e ser uma referência para o município. Além disto, a Unidade manteve o vínculo com os alunos e as famílias por meio de encontros e atividades remotas durante a pandemia.

Coleta de dados

Os seguintes instrumentos foram utilizados para coletar os dados: formulários de caracterização dos participantes contendo informações sobre sua formação, tempo de formação e atuação na Unidade atual e entrevistas semiestruturas com perguntas sobre a compreensão dos participantes sobre a saúde mental infantil, as implicações da pandemia na saúde mental e desenvolvimento das crianças e estratégias de enfrentamento adotadas pela Unidade durante a pandemia da COVID-19.

Procedimentos

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi desenvolvido de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, aprovada sob parecer n° 4.936.280. Todos os participantes que aceitaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) disponibilizado online.

Identificação e localização dos participantes

Após a autorização do Comitê de Ética e da gestão da Unidade de Educação Infantil, a pesquisa foi apresentada remotamente (videochamada, ligação) aos professores que se enquadraram nos critérios de inclusão. Aqueles que aceitaram participar assinaram o TCLE.

Elaboração e validação dos instrumentos

Os dois instrumentos de coleta de dados (formulário de caracterização e entrevista) foram construídos pelas pesquisadoras e posteriormente validados por meio de avaliação externa de juízes especialistas na área (Manzini, 2003Manzini, E. J. (2003). Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semiestruturada. In M.C. Marquezine, M. A. Almeida & S. Omote (Orgs.), Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial (pp. 11-25). Londrina: EDUEL.). Os juízes analisaram sua estrutura e conteúdo. Além da análise dos instrumentos por juízes especialistas da área foi realizada uma aplicação piloto antes de finalizá-los.

Coleta de dados

Os dados foram entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, de forma online através da plataforma Google Meet, em dia e horário previamente agendados com os participantes. Assim, foi solicitado aos participantes a gravação da entrevista para sua posterior transcrição.

Análise e tratamento dos dados

A análise temática, uma das técnicas contidas na análise de conteúdo da Bardin (2008)Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70., foi utilizada para examinar e tratar os dados coletados. Para tanto, as entrevistas transcritas foram lidas exaustivamente como forma de apreender seu conteúdo. Em seguida, foram identificados os temas que emergiram do processo sistemático de leitura. Após essa etapa, os temas identificados foram agregados e deram origem aos temas de análise (Bardin, 2008Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.). Aponta-se que os dados foram discutidos a partir do referencial teórico-metodológico da saúde mental e atenção psicossocial.

Resultados

Nesta seção, serão apresentados os dados obtidos a partir da análise temática de Bardin (2008)Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.. Primeiramente, encontram-se os dados referentes à caracterização dos participantes, em seguida os temas que emergiram durante a entrevista com os professores da Unidade de Educação Infantil.

Caracterização dos participantes

Seis professores de uma Unidade de Educação Infantil de um município de médio porte do interior do estado de São Paulo participaram deste estudo. A Tabela 1 apresenta a caracterização desses professores. É possível identificar a formação profissional, tempo de graduação, pós-graduação e trabalho na Unidade atual. Como forma de resguardar sua privacidade e identidade, foi utilizada a palavra “participante”, seguida de um número, para se referir a cada um deles.

Tabela 1
Caracterização dos participantes.

A partir da Tabela 1, observa-se que todas as participantes são pedagogas e duas também atuam na gestão. O tempo de graduação variou de 10 a 36 anos. Todas possuem mestrado, quatro possuem doutorado e duas pós-doutorado. O tempo de atuação da Unidade de Educação Infantil variou de 3 a 30 anos.

Temas que emergiram a partir da análise temática

Os seguintes temas emergiram do processo de análise dos resultados: “A saúde mental sob a perspectiva da equipe escolar”; “Implicações da pandemia na saúde mental das crianças”; e “A escola e a saúde mental infantil: possibilidades, desafios e o panorama da COVID-19”, que serão detalhados a seguir.

A saúde mental sob a perspectiva da equipe escolar

Este tema apresenta a percepção dos professores sobre o conceito de saúde mental e os aspectos que a permeiam. Foi possível observar que a percepção dos participantes sobre a saúde mental das crianças envolve aspectos físicos, emocionais e de bem-estar, além de fatores espirituais, relações de afeto e o fazer, conforme os trechos retirados das falas das professoras durante as entrevistas:

A nossa saúde ela é corpo, mente e para mim alma e espírito também…(...) ela está alinhada a questão emocional e psíquica, nessa área, ele não é algo que se dá no plano motor e é lógico que reflete no plano físico (Participante 1).

Se relaciona (a saúde mental) com o bem-estar da criança, físico, mental, está relacionado ao bem-estar, eu diria dessa forma. A saúde mental da criança é resultado da interação da criança com outras pessoas (...) à medida que organizam a atividade da criança pequena esses aspectos podem favorecer ou dificultar, então isso depende muito das pessoas que convivem com a criança (Participante 3).

A criança pode brincar, ter rotina, ter tempo livre, ter carinho, atenção da família, acho que isso é muito importante inclusive: atenção, carinho e limite (Participante 4).

Acredito que a saúde mental é um estado do bem-estar psicológico, emocional, afetivo e o infantil é o da criança mesmo (Participante 5).

A saúde mental eu penso que envolve as emoções, as relações psíquicas das crianças e acho que envolve o bem-estar e envolve também o lado emocional (Participante 6).

Os participantes também trouxeram pontos que consideram prejudiciais para a saúde mental na infância, identificando alguns fatores de risco, como práticas parentais negativas (negligência, violência, falta de afeto, entre outras). Assim, apontaram para possíveis implicações do ambiente onde vivem, seja a escola ou o lar, e das relações estabelecidas para sua saúde mental.

Acho que até aspectos sobre rejeição, a criança não é vista pelos pais, às vezes é rejeitada mesmo (Participante 1).

(...) fatores que vão influenciar para certas dificuldades é a criança não ter o apoio da família, do professor, uma criança que normalmente é rejeitada ou então sobre determinados preconceitos que não são trabalhados por ninguém (...) um ambiente por exemplo desorganizado, desestruturado e com muita briga (Participante 2).

Eu penso que a falta de atenção das famílias, falta de carinho, sem rotina ou rotina não apropriada, de repente deixar a criança fazer o que quer a hora que quer, não ter o limite (...) acho também que violência em casa, discussões, briga, acho que isso interfere muito também (Participante 4).

Crianças que vivem em cenas de violência, de abuso além de tudo a gente começou a receber crianças que tinham problemas comportamentais por conta desse ambiente em que elas vivem. (...) Eu acho que não se sentir acolhida, não ter um espaço delas, estavam na própria casa, com a família, mas não parece que um espaço dela, a criança é uma pedra no sapato que infelizmente a gente tem que dar conta, então assim, eu acho que não se sentem acolhidas, não se sentem num espaço feito para elas, não tem uma rotina pensado, e sim uma a ser adaptada na rotina dos pais, sabe (Participante 5).

Se for uma instituição que só tem um lugar pra você jogar a criança, um depósito de criança, com alto volume, sem lugar pra brincar, desenvolver, comer, dormir, brincar na areia colorida e limpa, se não tem isso vai prejudicar a saúde mental dela (Participante 6).

Implicações da pandemia na saúde mental das crianças

Este tema apresenta as diferentes e possíveis implicações da pandemia sobre a vida das crianças, principalmente no âmbito da saúde mental. Alguns dos pontos apresentados incluem os reflexos do distanciamento social e do uso de tela para o desenvolvimento, conforme os trechos a seguir, que exemplificam os impactos do distanciamento social:

Então a pandemia eu acho que prejudicou bastante nesse sentido, nesse momento do distanciamento, porque a interação presencial é essencial pro desenvolvimento infantil (Participante 1).

Aqueles que ficaram realmente isolados a gente percebe uma dificuldade maior, uma timidez maior. Eu acho que eu já falei sobre isso, que sim eu achava que tinha trazido algumas consequências principalmente para falar (Participante 2).

esse contexto da pandemia mostra isso muito bem, o quanto a pandemia e não estar na escola e estar isolado no ambiente doméstico afetou a saúde mental das crianças. Olha, o que eu percebo das crianças é a falta de tempo das famílias para dar atenção mesmo pra criança né, porque na Unidade eles tinham alguém integralmente dando atenção pra eles o tempo todo...Mas pelo próprio convívio com as crianças e aquilo que as famílias nos trazem tem impacto no desenvolvimento da fala (...) a família relatou pra gente que estava com atraso no desenvolvimento da fala, a família levou à fonoaudióloga e constatou que realmente eles estavam com atraso na fala (Participante 3).

Eu acho até que no início foi legal para elas porque elas começaram a curtir ficar mais em casa, ter os pais em casa, que é uma coisa que muitos não têm né (...) mas depois eu penso que vai cansando pra todo mundo inclusive pra eles, (...) porque, ficaram em casa sem poder sair, sem poder brincar na rua, nos lugares que elas estavam acostumadas e passaram a ficar em casa brincando com os familiares ou com poucas pessoas (Participante 4).

Eu acho que por elas ficarem muito tempo em casa e com os pais ocupados, as crianças deixaram de fazer coisas que poderiam fazer na educação infantil, (...) a questão da parte física sai prejudicada, (...) pois ela deixou de fazer as coisas, e na parte mental mesmo, de se sentir acolhida, amada, ouvida, enfim (Participante 5).

Elas se sentem sozinhas, querem brincar, querem sair, ocupar espaços da cidade e não podem, se sentem presas, fica agitada. Impactou principalmente na linguagem oral, tenho notado que as crianças estão com dificuldade na fala, repertório vocabular e sente falta de interação social (...) essa questão da linguagem está prejudicada, até a coordenação motora fina e grossa, como faz poucas atividades, tem poucos estímulos (Participante 6).

O uso de telas foi um aspecto apontado pelos participantes, uma vez que eles consideraram que o uso aumentou drasticamente após o início da pandemia, causando preocupação, como podemos identificar nos trechos a seguir:

até mesmo pelo tempo de tela das crianças postas nos encontros e nas atividades, isso aí acho que acaba prejudicando um pouco (Participante 1).

(...) porque isso é outra questão também que prejudica a saúde mental, o tempo de tela, não tem como ser encontros síncronos muito longos (Participante 3).

Eu acredito que dificulta o desenvolvimento porque ela fica muito trancada, no celular e tv, dificulta a falta de diálogo direcionado, de um tempo especial para a criança (...) Participante 6.

Observa-se que o contexto pandêmico e suas mudanças resultaram em medo, insegurança e ansiedade para as crianças e suas famílias, de forma que as dificuldades socioemocionais se evidenciaram:

(...) não só afetou as crianças, mas a própria família e eu mesma, me senti bastante ansiosa e tive que começar um tratamento com remédio esse ano por conta desse isolamento mesmo (Participante 2).

A família não saia com a criança nem para dar uma volta no quarteirão, então a criança já é agitada e super ansiosa, tem caso de crianças com pesadelos, olha são muitas questões que revelaram isso para gente (...) a psicóloga relatou que tem umas questões preocupantes então ela (a criança) está com ansiedade em nível clínico que pode ter sido agravada pela chegada da irmãzinha. Ela está com questão de ansiedade e depressão (...) ela está sempre desmotivada com as atividades, falta de apetite, várias coisas que ela foi relatando para mim (Participante 3).

(...) provavelmente criou uma ansiedade nos pais e eu acho que as crianças sentem muito o que as mães e pais passam, elas sentem muito pelo menos aqui em casa era assim também (Participante 4).

A gente vê hoje em dia crianças muito estressadas, agora com a pandemia piorou e os pais se queixam de questões comportamentais, que faz birra, gagueja, ta mostrando que a saúde mental dessas crianças está sendo comprometida de alguma forma (Participante 5).

A escola e a saúde mental infantil: possibilidades, desafios e o panorama da COVID-19

Identifica-se, a partir do relato dos professores, que o contexto escolar possibilita diversas estratégias de cuidado que contribuem para promover o desenvolvimento e a saúde mental, para além do contexto da pandemia.

No ambiente escolar a gente lê muito, a gente trabalha com oralidade na roda de conversa, até eles recontarem a historinha para a gente, você percebe que no começo eles têm dificuldades, mas aí, ele vê o amiguinho contando e vai ficando mais solto né. Tem criança que fica um tempão ali pintando e a mãe fala sabe, isso faz muito bem pra elas, umas gostam de pintar, outras são mais de movimento, a gente tem o projeto corpo e movimento que possibilita brincadeiras corporais sabe, para as crianças se expressarem, então assim eu acho que cada criança é única então a gente dá várias possibilidades aí pra trabalhar com as diferentes linguagens que elas têm de manifestar aquilo que elas sentem, aquilo que elas são (Participante 2).

(...) faz a leitura, conversa sobre o livro e a parte que eles mais gostam que é a parte da musicalização e da dança (Participante 3).

Eu sempre proponho integração com a natureza, água, areia, sol, às vezes criança trancada em apartamento tem muitas limitações. trabalho para que as crianças sofram menos no contexto da pandemia (...) vejo que um dos meios além da brincadeira, lidar com a natureza, andar no chão, na grama, ouvir os pássaros, uma coisa eu peço muito que é pra se expressar com os desenhos, os pais falam que as crianças gostam de pintar com tinta e canetinha e sempre falo pra elas fazerem um desenho em um lugar grande, papelão, o que tiver em casa e as crianças usam todos os espaços para se expressar, então penso que ajuda pra acalmar, estabilizar a saúde mental da criança (Participante 6).

Além disso, os participantes apontam sobre seu papel na saúde mental das crianças:

Nós como pedagogos ou o pessoal que já tem uma certa experiência na educação infantil acho que a gente pode ajudar sim, o que a gente pode ajudar é aprofundar o olhar que nós temos nas próprias crianças, no desenvolvimento, naquilo que a criança pode mostrar e no que a gente pode potencializar nela, sempre um olhar a mais é interessante (Participante 1).

(...) se a gente for considerar que a educação infantil é um dos aspectos que pode favorecer a saúde mental, eu posso dizer que tenho um envolvimento com isso (Participante 3).

Já vi um professor que faz uma pressão tão grande na criança que ela chega até a comer lápis, a figura do professor na educação infantil é muito importante, até na questão da saúde mental da criança (Participante 5).

Porém, muitas vezes, os educadores apresentam dificuldades em lidar com as situações que surgem no contexto escolar, relativas às demandas de saúde mental da criança ou da família, buscando o auxílio de profissionais da saúde.

(...) inclusive a gente até pediu apoio pro pessoal do ambulatório, pra poder os psicólogos ajudarem os pais, as famílias, quanto nós também (...) o pessoal nos socorre bastante. Eu acho que em uma equipe multidisciplinar talvez sim (pensar em estratégias de cuidado na pandemia), acho que sozinha não é minha especialidade, mas acho que com um grupo com psicólogo, terapeuta, enfermagem, com uma equipe multidisciplinar acho que consigo (Participante 1).

Acho que teria que ter uma equipe multidisciplinar para abordar isso com a família (o acolhimento), como por exemplo rodas de conversa. (...) eu não sou uma psicóloga, eu não sou uma terapeuta, por isso que eu busquei então a professora a terapeuta ocupacional e a professora de psicologia que trabalha na questão de emoções pra dar esse respaldo sobre o ponto de vista da saúde (Participante 2).

Caso de crianças são muitos, mas que revelam pra gente essa questão da saúde mental, até uma criança que a terapeuta ocupacional acompanha e nos ajudou (...) tinha uma família com diagnóstico de autismo, então ela foi auxiliando nesse acompanhamento da família. (...) penso que é uma questão fundamental (Participante 3).

(...) também tem a enfermeira nossa que faz com eles o yoga mesmo na pandemia, só que a distância (...) sempre é boa em conjunto com outras pessoas e outras formações (Participante 4).

Sim, eu tenho orgulho de trabalhar na Unidade porque lá é um contexto privilegiado que a gente tem, por muito tempo a gente discutiu o que é saúde, discutimos qual o papel da enfermeira na educação infantil, lá a gente tem uma equipe de enfermagem e nutrição que fica lá 24 horas (Participante 5).

Quem dera se tivéssemos psicólogos e terapeutas ocupacionais na Unidade que pudessem agregar nessa equipe, eu como pedagoga posso ajudar mas tenho limitações profissionais, então poderia quem sabe um todo como instituição, o diálogo é a melhor forma na pandemia (Participante 6).

Esses discursos mostram que o apoio de profissionais da saúde de outros equipamentos, na perspectiva do trabalho em rede intersetorial, tem sido uma estratégia adotada pela equipe diante de demandas de cuidado e intervenção em saúde mental identificadas nesse contexto, que transcendem o que é de responsabilidade e expertise da escola.

Nesse sentido, ainda que diante do trabalho articulado em rede intersetorial, por vezes com o aparecimento de diferentes demandas, os profissionais podem ter uma sensação de inaptidão e impotência e necessidade de investimento em sua formação, conforme presente nas seguintes falas:

Olha, acho que a maior dificuldade mesmo é não poder fazer as coisas, não ter o que fazer, a gente se sente limitada por não poder de fato se guiar (Participante 3).

Talvez eu tivesse falado com a mãe e eu pudesse ter ajudado mais, você faz o que a lei diz mesmo sem saber o que é melhor (Participante 5)

(...) eu aprendo com elas mas eu sinto que poderia ter aprendido mais coisas, proposta de formação continuada envolvendo esse tema, trazer ideias, referências pra gente elaborar uma proposta mais completa, a gente sabe que é direito da criança mas a gente não domina tudo, vamos trabalhando um pouco, mas a gente poderia trabalhar bem mais (Participante 6).

Durante a pandemia, a Unidade desenvolveu diferentes projetos para trabalhar o desenvolvimento das crianças. Conforme apresentado nos trechos a seguir, muitos projetos estão relacionados à saúde mental:

Então eu estou trabalhando a muito tempo a questão das emoções e dos sentimentos, e essa importância de nós nomeamos esses sentimentos e emoções para que eles possam se desenvolver nessa fala e esse conceito e deixar por exemplo de bater, de chorar, de fazer birra, então eu procuro dialogar bastante com elas pensando nessa saúde mental mesmo (Participante 2).

(...) nosso trabalho em relação não só a contação de história, mas também assim esse trabalho que a gente faz pensando em pegar os sentimentos específicos daquela história, por exemplo a pequena sereia, o mágico de oz, o coração, cérebro, a coragem né, então a gente pega esses sentimentos e está mostrando paras as crianças que elas podem sentir todas essas emoções, podem nomear essas emoções, podem falar sobre elas. Tem uma mãe que falou que foi muito legal porque a filha dela começou a falar sobre as emoções dela, foi muito legal, falaram que o projeto ajudou bastante a criança a se colocar mesmo, de tentar entender tudo que ela estava sentindo. As artes plásticas eu acho que também é fantástico porque elas conseguem extrapolar aquilo que tá na alma pro papel (Participante 2).

(...) desenvolvemos projetos para as crianças, temos yoga, meditação, enfatizamos a questão das artes, o que a arte possibilita à criança dizer sobre o mundo interno, o que pensa, que tipo de elaboração está fazendo das vivências que tem, é uma forma que a gente entende de acessar, tem aula de música, teatro, dança (Participante 5).

(...) mas aí começamos a ter um olhar mais pra saúde mental quando a Unidade focou no trabalho com yoga, conversar sobre o que se sente, como lidar, então eu não tinha. Então, na pratica, há professores especialistas na área e sempre troco informações, no autocuidado, na massagem na hora do banho, durante a troca de roupas, esse cuidado contribui para a saúde mental, coisa que eu não tinha consciência antes. Nós fizemos desde o começo um projeto de acolhimento das famílias e das crianças, com diálogo, mensagens no WhatsApp®, ligações, chamadas de vídeos, de forma individualizada, temos grupos também, mas o atendimento individualizado ajudou a acolher as famílias nas suas necessidades, então foi nosso objetivo e para família, pensamos em sugestões semanais mas nunca obrigamos as famílias a realizarem, eram propostas, a gente queria que fosse algo leve, gostoso pra família e criança, que não sobrecarregasse, muitas mães sentiam sentimento de culpa e impotência, quando não davam conta de trabalhar fora, cuidar da casa, da criança , do marido, da mãe , dos animais de estimação, tudo que envolve a vida dela, então a gente acolheu (Participante 6).

A diversidade de projetos realizados pela Unidade mostra a importância da escola na vida das crianças e as diferentes possibilidades de atuação no campo da educação para a promoção de saúde e cuidado, destinada não somente às crianças, mas também às famílias:

(...) a gente começa do zero, a gente até entende que a educação infantil é complementar a família, então a gente tem uma escuta muito ativa com os pais (Participante 1).

Então assim eu sempre fui dado o respaldo possível…gente montou um grupo também pros pais ali pra conversarem sabe, então a gente procurou dar esse suporte sempre falando por telefone, ou mensagens de voz e a gente ficava conversando bastante (Participante 2).

(...) um segundo projeto que a gente fez são lives com as famílias nesse contexto da pandemia, então a gente enviou um formulário para as famílias com temas que as famílias gostariam que abordassem nessas lives, chama “Em casa com a Unidade”, e nesses temas teve por exemplo birra, teve sobre desenvolvimento, sobre música, teve sobre diferentes temas (Participante 3).

(...) a gente que cuida das famílias nesse momento, também é importante porque como eu falei interfere no comportamento das crianças (Participante 4).

No contexto da pandemia ficamos nessa retaguarda, acompanhando o desenvolvimento, dando subsídios para as famílias enfrentarem aquilo que elas estavam vivenciando dentro das possibilidades (Participante 5).

Apesar do distanciamento social, a escola ainda serviu como referência de acolhimento e escuta, onde as famílias podiam recorrer, mesmo que remotamente.

Discussão

Compreende-se que, apesar da saúde mental ser pauta de diferentes políticas públicas governamentais, normas ministeriais e publicações no campo, o seu conceito ainda carece de definição, ainda mais quando se trata da saúde mental infantojuvenil. Além disso, identifica-se na literatura que, muitas vezes, as diferentes formas de interpretação e tradução para o cenário infantojuvenil acabam não correspondendo à realidade dessa população, assim como não sendo um consenso entre os autores, de forma que algumas fragilidades se evidenciam (Almeida Filho et al., 1999; Dalla Vecchia & Martins, 2009Dalla Vecchia, M., & Martins, S. T. F. (2009). Desinstitucionalização dos cuidados a pessoas com transtornos mentais na atenção básica: aportes para a implementação de ações. Interface: Comunicacao, Saude, Educacao, 13(28), 151-164.; Lourenço et al., 2020Lourenço, M. S. D. G., Matsukura, T. S., & Cid, M. F. B. (2020). A saúde mental infantojuvenil sob a ótica de gestores da Atenção Básica à Saúde: possibilidades e desafios. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 809-828.).

Segundo Fernandes et al. (2022)Fernandes, A. D. S. A., Taño, B. L., Cid, M. F. B., & Matsukura, T. S. (2022). A saúde mental infantojuvenil na atenção básica à saúde: da concepção às perspectivas para o cuidado. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-16., os estudos que têm se debruçado sobre investigar a concepção de saúde mental infantojuvenil na perspectiva de profissionais da saúde, além de serem escassos, são recentes. Assim, as autoras propõem que:

A saúde mental infantojuvenil é dinâmica e resultado da relação complexa entre os recursos e habilidades pessoais, fatores contextuais e determinantes sociais, que, na dimensão do cotidiano, estão diretamente implicados nas possibilidades de participação, fruição, reconhecimento e enfrentamento de desafios. Dentre outras, envolve-se a possibilidade de experienciar prazer, frustração, afeto, motivação e proatividade implicados nas descobertas e aprendizados genuínos da infância e adolescência (Fernandes et al., 2022, pFernandes, A. D. S. A., Taño, B. L., Cid, M. F. B., & Matsukura, T. S. (2022). A saúde mental infantojuvenil na atenção básica à saúde: da concepção às perspectivas para o cuidado. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-16.. 6).

Dessa forma, em uma perspectiva ampliada, identifica-se que a definição proposta por Fernandes et al. (2022)Fernandes, A. D. S. A., Taño, B. L., Cid, M. F. B., & Matsukura, T. S. (2022). A saúde mental infantojuvenil na atenção básica à saúde: da concepção às perspectivas para o cuidado. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-16. dialoga com os resultados do presente estudo, uma vez que, de acordo com a compreensão dos participantes, o conceito de saúde mental infantil baseia-se não só em aspectos individuais mas também em suas vivências cotidianas, relações estabelecidas, contextos de vida, nos quais as crianças precisam ter oportunidade de participação e trocas afetivas para vivenciar e explorar o mundo à sua volta. Os participantes deste estudo também abordam, em seus discursos, os possíveis fatores de risco e proteção atrelados à saúde mental das crianças e como a pandemia afetou essa população.

De acordo com Matsukura et al. (2012)Matsukura, T. S., Fernandes, A. D. S. A., & Cid, M. F. B. (2012). Fatores de risco e proteção à saúde mental infantil: o contexto familiar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(2), 122-129., as características pessoais, físicas e mentais das crianças, assim como o contexto e o ambiente onde elas vivem podem impactar sua saúde mental de forma negativa ou positiva. Assim, alguns fatores presentes no ambiente têm sido considerados como os mais diretamente ligados à presença ou ausência de problemas relativos à saúde mental infantil – denominados fatores de risco e proteção (Assis et al., 2009Assis, S. G., Avanci, J. Q., & Oliveira, R. V. C. (2009). Desigualdades socioeconômicas e saúde mental infantil. Revista de Saude Publica, 43, 92-100.; Matsukura et al., 2012Matsukura, T. S., Fernandes, A. D. S. A., & Cid, M. F. B. (2012). Fatores de risco e proteção à saúde mental infantil: o contexto familiar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(2), 122-129.). A título de exemplo, Maia & Williams (2005)Maia, J. M. D., & Williams, L. C. A. (2005). Fatores de risco e fatores de proteção ao desenvolvimento infantil: uma revisão da área. Temas em Psicologia, 13(2), 91-103. apontam que os principais fatores de risco para o desenvolvimento infantil incluem violência (física ou psicológica), abuso e negligência. Outros fatores que influenciam negativa a saúde mental infantil são cuidador ausente, ambiente desorganizado, hábitos familiares incoerentes e aspectos estressantes dentro dos ambientes escolar, social e familiar (Matsukura et al., 2012Matsukura, T. S., Fernandes, A. D. S. A., & Cid, M. F. B. (2012). Fatores de risco e proteção à saúde mental infantil: o contexto familiar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 23(2), 122-129.).

Tendo isso em vista, considera-se que desastres de grande escala, como a atual pandemia da COVID-19, impactam significativamente a saúde mental da população, uma vez que o desconhecimento e propagação da doença, as medidas de segurança e proteção adotadas, as mudanças no cotidiano e o número de mortes podem ser interpretados como fatores de risco (Araújo, 2020Araújo, J. N. G. (2020). Infância e pandemia. Caderno de Administração, 28(118), 114-121.; Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395(10227), 912-920.; Cifuentes-Faura, 2020Cifuentes-Faura, J. (2020). Consecuencias en los Niños del Cierre de Escuelas por COVID-19: el papel del gobierno, profesores y padres. Revista Internacional de Educación Para la Justicia Social, 9(3), 1-12.; Fundação Oswaldo Cruz, 2020bFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020b). COVID-19 e Saúde da Criança e do Adolescente. Recuperado em 2 de março de 2021, de https://www.iff.fiocruz.br/pdf/covid19_saude_crianca_adolescente.pdf
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, 2020aFundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, & Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF. (2020a). Impacto da COVID-19 na Saúde Infantil. Recuperado em 26 de abril de 2021, de https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-crianca/impacto-da-covid-19-na-saude-infantil/
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; Fore, 2020Fore, H. (2020). Não permitam que as crianças sejam as vítimas ocultas da pandemia da COVID-19. Nova York: UNICEF/Nações Unidas Brasil. Recuperado em 19 de março de 2023, de https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nao-permitam-que-criancas-sejam-vitimas-ocultas-da-pandemia-de-covid-19
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; Jiao et al., 2020Jiao, W. Y., Wang, L. N., Liu, J., Fang, S. F., Jiao, F. Y., Pettoello-Mantovani, M., & Somekh, E. (2020). Behavioral and emotional disorders in children during the COVID-19 Epidemic. The Journal of Pediatrics, 221, 264-266.).

Especificamente sobre a infância e a adolescência no cenário pandêmico, Santos et al. (2021)Santos, L. C., Pinheiro, T. J. S., de Andrade, T. I. X., Sousa, P. H. A., Braga, P. P., & Romano, M. C. C. (2021). Impactos psicossociais do isolamento social por COVID-19 em crianças, adolescentes e jovens: scoping review. Revista De Enfermagem Da UFSM, 11, 1-19. apontam que esses indivíduos têm apresentado uma intensificação do sofrimento psíquico e quadros clínicos recorrentes de depressão, ansiedade, medo extremo, apreensão, solidão, insônia, estresse, frustração, tristeza, melancolia e inquietude. Ademais, esses autores sinalizam que as modificações ocorridas no cotidiano de crianças e adolescentes, como a suspensão das atividades escolares, além de terem impactado seu desenvolvimento de modo geral, dificultaram o reconhecimento do sofrimento existente, uma vez que a escola tem sido o contexto e ator chave na identificação e reconhecimento do sofrimento nas crianças e, nessa direção, a partir da identificação, buscam apoio e encaminhamento a outros setores e serviços que possam prestar cuidados em saúde.

Corroborando o estudo de Santos et al. (2021)Santos, L. C., Pinheiro, T. J. S., de Andrade, T. I. X., Sousa, P. H. A., Braga, P. P., & Romano, M. C. C. (2021). Impactos psicossociais do isolamento social por COVID-19 em crianças, adolescentes e jovens: scoping review. Revista De Enfermagem Da UFSM, 11, 1-19., os resultados do presente estudo também evidenciaram que a saúde mental das crianças tem sido impactada, principalmente diante das medidas de isolamento adotadas, prejudicando as habilidades de interação e comunicação. Os resultados evidenciam uma nítida preocupação da equipe escolar com o desenvolvimento das crianças durante a pandemia no que diz respeito aos aspectos socioemocionais, ao atraso no desenvolvimento da linguagem verbal e à diminuição da aquisição de habilidades receptivas e expressivas.

A literatura tem sinalizado atrasos no desenvolvimento das crianças durante a pandemia (Andrade et al., 2020Andrade, C. R. F., Lima, M. S., Medeiros, G. C., & Sassi, F. C. (2020). COVID-19 - Fonoaudiologia em emergências e catástrofes. Audiology - Communication Research, 25, 1-3.). As medidas de distanciamento social, juntamente com o fechamento de espaços de interação social, como a escola, impactaram o bem-estar da população infantil, com a vivência de sentimentos negativos (solidão, estresse, medo, frustração, incerteza etc.), além do estilo de vida (alimentação, sono) (Almeida & Silva Júnior, 2021). Rocha (2021)Rocha, P. M. B. (2021). A pandemia de COVID-19 e suas possíveis consequências para o desenvolvimento e atraso da linguagem e da fala em crianças: uma questão urgente. Audiology - Communication Research, 26, 1-2., por meio de uma revisão de literatura sobre o impacto da pandemia no desenvolvimento infantil, identificou que embora a suspensão das atividades possa impactar negativamente o desenvolvimento da linguagem, seu efeito específico ainda não foi amplamente investigado. Além disso, segundo esses autores, as crianças nascidas durante o período pandêmico apresentam um desempenho verbal reduzido comparado com o de crianças nascidas no período pré-pandêmico (Rocha, 2021Rocha, P. M. B. (2021). A pandemia de COVID-19 e suas possíveis consequências para o desenvolvimento e atraso da linguagem e da fala em crianças: uma questão urgente. Audiology - Communication Research, 26, 1-2.).

Diante desse cenário, identifica-se que a Unidade de Educação Infantil buscou realizar diferentes estratégias e projetos que contribuíssem não só para o desenvolvimento das crianças durante a pandemia, como também como forma de apoio e suporte às famílias. Assim, os participantes do estudo relatam que a Unidade ganhou outra centralidade na vida das famílias e crianças, ainda que remotamente, uma vez que foi necessário, em muitas situações, acolher as famílias e crianças, assim como fortalecer os vínculos e desenvolver uma escuta qualificada, evidenciando o seu potencial no âmbito da promoção à saúde mental e prevenção do sofrimento.

Ribeiro & Clímaco (2020)Ribeiro, M. P., & Clímaco, F. C. (2020). Impactos da Pandemia na Educação Infantil: a pandemia acelerou a necessidade de se problematizar a questão digital na educação infantil. Pedagogia em Ação, 13(1), 96-110. afirmam que a vivência da pandemia intensificou o uso de recursos tecnológicos e as interações virtuais com as crianças e seus familiares, demonstrando que as práticas pedagógicas precisam avançar na utilização desses recursos de forma coerente, de modo a garantir a aprendizagem e desenvolvimento propostos pela Base Nacional Comum Curricular. Essas autoras ainda destacam o quanto essa prática é um desafio para a educação infantil, já que é preciso considerar que crianças não devem ser expostas demasiadamente às telas, que seu uso por elas deve ser acompanhado por adultos responsáveis e que a utilização desses recursos convoca a capacitação da equipe escolar. Também é necessário considerar a falta de acesso a essas tecnologias, que é uma realidade no contexto de desigualdade social brasileiro.

Os participantes deste estudo também relatam que a insegurança relacionada à falta de formação e informação para lidar com as demandas de saúde mental tornaram-se um fator limitante para a introdução de novos projetos, de forma que parte das estratégias realizadas se tornaram possíveis por causa do trabalho combinado com outros equipamentos da rede de cuidados, como os equipamentos e profissionais da saúde.

Lins et al. (2021)Lins, S. R. A., Matsukura, T. S., Taño, B. L., & Squassoni, C. E. (2021). Professores, escola e saúde mental infantojuvenil: elementos para reflexão. In A. D. S. A. Ferndandes, B. L. Taño, M. F. B. Cid & T. S. Matsukura (Orgs.), Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e Atenção Psicossocial (pp. 48-60). São Paulo: Manole. destacam a importância da realização de programas que ofereçam formação sobre a temática da saúde mental infantojuvenil junto aos professores. Estas ações devem proporcionar o debate sobre o assunto com foco em estratégias coletivas, de modo a considerar as perspectivas de todas as pessoas envolvidas. Essas autoras identificaram, por meio de um questionário preenchido por 164 professores de Ensino Infantil e Fundamental, que a maioria deles sinalizou que gostaria de obter mais informação sobre a saúde mental de crianças, tal como no presente estudo.

É possível considerar, então, que estratégias de capacitação e formação da equipe escolar podem promover a saúde mental infantojuvenil, uma vez que, para além de favorecer o reconhecimento do sofrimento, fornece ferramentas que ampliam as oportunidades de permanência e aprendizado de crianças em sofrimento psíquico na escola, assim como contribuem para a lida e desafios cotidianos, encaminhamentos mais efetivos e redução do estigma perante a saúde mental, conforme apontam Squassoni et al. (2021)Squassoni, C. E., Lins, S. R. A., & Matsukura, T. S. (2021). Saúde mental infantojuvenil: avaliação de formação continuada junto a professores de sala de recursos multifuncionais. REFACS, 9(Supl. 2), 714-723.. Dessa forma, a literatura e os resultados deste estudo sinalizam que um dos desafios existentes é a articulação entre saúde e educação e os diferentes equipamentos existentes, de forma que seja possível construir uma rede de cuidado e proteção compartilhada e corresponsável, necessária para a identificação precoce de situações de sofrimento psíquico e encaminhamento para os setores necessários (Squassoni et al., 2021Squassoni, C. E., Lins, S. R. A., & Matsukura, T. S. (2021). Saúde mental infantojuvenil: avaliação de formação continuada junto a professores de sala de recursos multifuncionais. REFACS, 9(Supl. 2), 714-723.; Lins et al., 2023Lins, S. R. A., Squassoni, C. E., & Matsukura, T. S. (2023). Formação em Saúde Mental Infantojuvenil: construindo saberes com professores de Sala de Recursos Multifuncionais. Olhar de Professor, 26, 1-17.).

Conclusão

Considera-se que o objetivo deste estudo foi alcançado, na medida em que os resultados apontaram que, a partir da percepção dos professores sobre as implicações da pandemia na saúde mental das crianças, a escola pode adotar estratégias visando a promoção da saúde mental das crianças e o apoio aos familiares em um cenário de inúmeras adversidades e dificuldades, que causaram uma série de prejuízos à saúde mental e ao desenvolvimento dessa população.

Como limite do estudo, aponta-se que, ainda que seja uma Unidade de Educação Infantil pública, pelo fato de estar localizada dentro de uma Universidade, há recursos e qualificação profissional que não correspondem à realidade da maior parte do cenário brasileiro. Portanto, é fundamental que outros estudos possam compreender essa temática a partir de diferentes realidades e contextos de inserção, considerando as implicações presentes diante de uma das maiores crises sanitárias mundiais.

  • Como citar: Fernandes, A. D. S. A., Gini, C. C., Speranza, M., & Gasparini, D. A. (2023). A saúde mental das crianças durante a pandemia da COVID-19: uma perspectiva de professores de uma Unidade de Educação Infantil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 31, e3548. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO272235481

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2023
  • Revisado
    11 Jul 2023
  • Revisado
    26 Set 2023
  • Aceito
    17 Out 2023
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