Acessibilidade / Reportar erro

Distúrbio miofuncional orofacial, um possível fator complicador no manuseio da disfunção temporomandibular dolorosa. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A associação clínica da disfunção temporomandibular dolorosa com distúrbios miofuncionais orofaciais é bastante frequente e requer atenção. O objetivo deste estudo foi mostrar um caso de disfunção temporomandibular dolorosa com associação de distúrbios miofuncionais orofaciais que evidenciou a importância do manuseio terapêutico odontológico e fonoaudiológico, com abordagens que envolveram limites miofuncionais orofaciais, bem como discutir se a presença de distúrbios miofuncionais orofaciais pode ser uma comorbidade que dificulta o manuseio da disfunção temporomandibular.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo feminino, 35 anos, com queixa de dor na região orofacial e ruídos articulares durante movimentos mandibulares de grande amplitude há 17 anos. Diagnosticada com dor miofascial e artralgia (RDC/TMD) e distúrbios miofuncionais orofaciais (fonoarticulação com desvios e interposição lingual, deglutição atípica, descoordenação oromandibular e hiperexcursão mandibular com ruído de eminência). Foram realizados exames complementares (eletromiografia e eletrovibratografia) nos momentos pré e pós-tratamento (1 ano após). O tratamento consistiu de orientações de automanuseio e de atenção plena nas funções orofaciais (mindfulness), placa oclusal estabilizadora e terapia fonoaudiológica. Após o tratamento, houve melhora da dor e da amplitude dos movimentos mandibulares, com consequente redução dos ruídos, maior equilíbrio eletromiográfico dos músculos e redução dos escores dos distúrbios miofuncionais orofaciais.

CONCLUSÃO:

O presente caso sugere que a presença dos distúrbios miofuncionais orofaciais em associação com a disfunção temporomandibular dolorosa pode interferir no manuseio da dor e no equilíbrio do sistema estomatognático, pois parece atuar como fator de piora dos sinais e sintomas da disfunção temporomandibular. Neste sentido, ressalta-se a importância de intervenções odontológicas e fonoaudiológicas em pacientes que apresentem os distúrbios miofuncionais orofaciais como possível comorbidade à disfunção temporomandibular dolorosa.

Descritores:
Comorbidade; Fonoaudiologia; Síndrome da disfunção da articulação temporomandibular

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The clinical association between painful temporomandibular disorder and orofacial myofunctional disorders is frequent and requires attention. The objective of this study was to describe a clinical case of painful temporomandibular disorder in association with orofacial myofunctional disorders that evidence the importance of dental and speech therapy approaches involving myofunctional orofacial limits, as well as to discuss whether the presence of orofacial myofunctional disorders can be a comorbidity that hinders the temporomandibular disorder management.

CASE REPORT:

Female patient, 35 years old, complaining of pain in the orofacial region and joint noises during high amplitude mandibular movements for 17 years. She was diagnosed with myofascial pain and arthralgia (RDC/TMD) and orofacial myofunctional disorders (phonoarticulation with deviations and lingual interposition, atypical swallowing, oromandibular incoordination and mandibular hyperexcursion with eminence noise). Complementary tests (electromyography and electrovibratography) were performed in the pre- and post-treatment moments (1 year after). The treatment consisted of self-management and mindfulness orientations, stabilizing occlusal splint and speech therapy. After the treatment, there was an improvement in pain and mandibular range of motion, with consequent reduction of noise, better electromyographic balance and reduction of orofacial myofunctional disorders scores.

CONCLUSION:

The case report has suggested that the presence of orofacial myofunctional disorders in association with painful temporomandibular disorder could interfere in the management of pain and the balance of the stomatognathic system because it seems to act as a worsening factor to the temporomandibular disorder signs and symptoms. In this sense, the importance of dental and speech therapy interventions in patients with orofacial myofunctional disorders as possible comorbidity to painful temporomandibular disorder is highlighted.

Keywords:
Comorbidity; Speech therapy; Temporomandibular joint dysfunction syndrome

INTRODUÇÃO

As disfunções temporomandibulares (DTM) são atualmente compreendidas como um conjunto de sinais e sintomas que designam uma síndrome dolorosa musculoesquelética associada a alterações multissistêmicas, além de mudanças no comportamento, no estado emocional e nas interações sociais, reconhecidas como manifestações de uma desregulação do sistema nervoso central11 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, et al. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.

2 Ohrbach R, Dworkin SF. The evolution of TMD diagnosis: past, present, future. J Dent Res. 2016;95(10):1093-101.
-33 Manfredini D, Winocur E, Ahlberg J, Guarda-Nardini L, Lobbezoo F. Psychosocial impairment in temporomandibular disorders patients. RDC/TMD axis II findings from a multicentre study. J Dent. 2010;38(10):765-72.. Dentre os principais preditores para o desenvolvimento da DTM estão a presença de comorbidades, sintomas orofaciais não dolorosos (como por exemplo autorrelato de parafunções), a frequência de sintomas somáticos, a pobre qualidade de sono, além de fatores genéticos e epigenéticos11 Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, et al. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.,22 Ohrbach R, Dworkin SF. The evolution of TMD diagnosis: past, present, future. J Dent Res. 2016;95(10):1093-101.. Os sinais e sintomas mais comuns são dor na região orofacial, ruídos articulares e alterações na mobilidade mandibular44 Scrivani SJ, Keith DA, Kaban LB. Temporomandibular disorders. N Engl J Med. 2008;359(25):2693-705..

A presença de comorbidades associadas à DTM dolorosa dificulta o diagnóstico e o manuseio, em especial na presença de outras síndromes disfuncionais, como por exemplo, cefaleias, fibromialgia e cervicalgias55 Campi LB, Jordani PC, Tenan HL, Camparis CM, Gonçalves DA. Painful temporomandibular disorders and central sensitization: implications for management-a pilot study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2017;46(1):104-10.,66 Costa YM, Conti PC, de Faria FA, Bonjardim LR. Temporomandibular disorders and painful comorbidities: clinical association and underlying mechanisms. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2017;123(3):288-97.. Tais comorbidades podem ser um enorme desafio em casos clínicos específicos, já que os mecanismos patofisiológicos e o local de acometimento ou de percepção da dor podem ser muito similares à DTM66 Costa YM, Conti PC, de Faria FA, Bonjardim LR. Temporomandibular disorders and painful comorbidities: clinical association and underlying mechanisms. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2017;123(3):288-97.. A sensibilização central, o comprometimento dos sistemas inibitórios descendentes de dor e a convergência neuronal são fenômenos que contribuem para essa sobreposição de condições na região orofacial55 Campi LB, Jordani PC, Tenan HL, Camparis CM, Gonçalves DA. Painful temporomandibular disorders and central sensitization: implications for management-a pilot study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2017;46(1):104-10.,66 Costa YM, Conti PC, de Faria FA, Bonjardim LR. Temporomandibular disorders and painful comorbidities: clinical association and underlying mechanisms. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2017;123(3):288-97..

Os distúrbios miofuncionais orofaciais (DMO) são definidos como qualquer alteração que envolva a musculatura orofacial, que geram forças desfavoráveis ao equilíbrio do sistema estomatognático77 Pereira CC, De Felício CM. Os distúrbios miofuncionais orofaciais na literatura odontológica: revisão crítica. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(4):134-42.. Alguns quadros de DTM manifestam dor que é desencadeada ou que piora com os movimentos mandibulares. Nesse sentido, o desempenho de funções orofaciais que respeitem o equilíbrio funcional é de suma importância para um prognóstico favorável de seus sinais e sintomas88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59.,99 Ferreira CL, Machado BC, Borges CG, Rodrigues Da Silva MA, Sforza C, De Felício CM. Impaired orofacial motor functions on chronic temporomandibular disorders. J Electromyogr Kinesiol. 2014;24(4):565-71.. A presença concomitante dessas duas condições clínicas (DTM e DMO), apesar de independentes, pode manifestar sinais e sintomas sobrepostos que caracterizam um desafio para o diagnóstico e manuseio de ambas.

O objetivo deste estudo foi apresentar uma possível associação clínica entre DTM dolorosa e a presença de DMO e discutir se podem atuar como fatores complicadores no manuseio das DTM, por meio da descrição de um caso clínico. Além disso, abordar a importância do manuseio terapêutico odontológico e fonoaudiológico com estratégias que envolvam limites miofuncionais orofaciais.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 35 anos, percussionista, com queixa de fortes ruídos articulares e dores na região orofacial há 17 anos, que pioraram nos últimos 3 meses. Relatou também forte incômodo com mordidas acidentais que ocorriam frequentemente nas bochechas e na língua ao mastigar e ao falar; história de ranger de dentes (bruxismo de sono) e dores nos ombros relacionadas às atividades ocupacionais. Foi realizada a avaliação clínica odontológica. Durante o exame oclusal, notou-se mordida cruzada bilateral posterior e ligeiro apinhamento dental na região anterior inferior; e na avaliação muscular verificou-se dor intensa à palpação de acordo com escala numérica de zero (ausência de dor) a 10 (a pior dor possível). Houve presença de pontos-gatilho que reproduziam a dor relatada (dor familiar) nos músculos masseteres e temporais anteriores e dor localizada nas articulações temporomandibulares (ATM).

Em avaliação fonoaudiológica constatou-se desvio mandibular grave na fala para o lado direito, juntamente com o ceceio, interferindo na inteligibilidade da fala e coincidindo com o lado de maior ocorrência de dor espontânea (direito). Além desse, outros distúrbios miofuncionais foram constatados, como mastigação preferencial à direita, deglutição atípica, descoordenação oromotora para movimentos isolados, repouso mandibular sem espaço funcional livre, além de hábitos orais deletérios. O quadro encontrado caracterizou a presença do diagnóstico de DMO.

O diagnóstico da DTM foi realizado por cirurgiã-dentista experiente com base no protocolo revisadoResearch Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD)1010 Look JO, Schiffman EL, Truelove EL, Ahmad M. Reliability and validity of Axis I of the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) with proposed revisions. J Oral Rehabil. 2010;37(10):744-59. e o fonoaudiológico, por especialista em motricidade orofacial, com base no protocolo AMIOFE (Avaliação Miofuncional Orofacial com Escores)1111 de Felício CM, Medeiros AP, Melchior MO. Validity of the 'protocol of oro-facial myofunctional evaluation with scores' for young and adult subjects. J Oral Rehabil. 2012;39(10):744-53., que possibilitou quantificar a avaliação perceptiva (exame clínico) e comparar a evolução obtida após o processo terapêutico. A avaliação instrumental foi realizada a fim de complementar o diagnóstico e foi composta por eletromiografia de superfície (EMG) e eletrovibratografia (EVG).

O plano inicial de tratamento incluiu instalação de placa oclusal, terapia fonoaudiológica e orientações de automanuseio. A terapia fonoaudiológica, como descrita previamente1212 Melchior MO, Machado BC, Magri LV, Mazzetto MO. Effect of speech-language therapy after low-level laser therapy in patients with TMD: a descriptive study. Codas. 2016;28(6):818-22., incluiu estratégias para eliminação de hábitos orais deletérios, para o automanuseio da dor (etapa 1), para coordenar e fortalecer a musculatura orofacial e mastigatória e permitir movimentos mandibulares flexíveis e simétricos, evitando as mordidas acidentais nas bochechas e língua (2ª etapa-mioterapia)1212 Melchior MO, Machado BC, Magri LV, Mazzetto MO. Effect of speech-language therapy after low-level laser therapy in patients with TMD: a descriptive study. Codas. 2016;28(6):818-22.. Conforme o avanço das sessões e as melhores condições da paciente foram ocorrendo, estratégias para equilibrar a mastigação e a deglutição e promover uma fonoarticulação mais inteligível foram sendo incluídas e treinadas, além do repouso mandibular com espaço funcional livre preservado (etapa 3 - terapia miofuncional orofacial) (Tabela 1).

Tabela 1
Planejamento terapêutico fonoaudiológico: alvo da intervenção, objetivo, conduta e estratégias/ações88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59.

Após 13 sessões semanais, outras 10 sessões foram realizadas ao longo de 6 sessões quinzenais e 4 mensais, nas quais foram incluídas ao processo terapêutico práticas complementares de atenção plena (práticas baseadas emmindfulness), que constituem um grupo importante de práticas meditativas utilizadas como instrumento para diminuição do estresse e da ansiedade, tendo sido referenciado também para contribuir na redução de quadros álgicos22 Ohrbach R, Dworkin SF. The evolution of TMD diagnosis: past, present, future. J Dent Res. 2016;95(10):1093-101.,1313 Slade GD, Fillingim RB, Sanders AE, Bair E, Greenspan JD, Ohrbach R, et al. Summary of findings from the OPPERA prospective cohort study of incidence of first-onset temporomandibular disorder: implications and future directions. J Pain. 2013;14(12 Suppl):T116-24.. Como o enfoque fonoaudiológico foi para os aspectos do sistema estomatognático, as práticas, guiadas pela terapeuta, foram ancoradas no ritmo da respiração e na atenção às estruturas orofaciais (âncora da prática de atenção plena: aspecto ou objeto ao qual é exercitado o direcionamento - ou foco - da atenção). O planejamento terapêutico detalhado pode ser visto na tabela 1.

A tabela 2 expõe os dados das avaliações clínicas nos momentos da avaliação inicial e após o tratamento. Segundo os critérios diagnósticos do RDC/TMD, a paciente apresentava dor miofascial sem limitação de abertura bucal (Ia) e artralgia (IIIa). A intensidade da experiência global de dor inicial foi 9 (escala analógica visual, EAV) e após o tratamento foi 2. Houve também redução da dor à palpação no masseter, temporal anterior e região da ATM, que inicialmente foi relatada com uma intensidade forte (variação entre 8 e 10) e após o tratamento foi referida como uma dor leve/moderada. Com relação aos movimentos mandibulares, a abertura bucal foi treinada para que sua amplitude fosse diminuída, a fim de evitar o estalo de eminência, que resultou em uma variação de 52 para 45 mm. Dessa forma, intensidade dos ruídos articulares foi reduzida, conforme verificado pelo EVG.

Tabela 2
Resultados iniciais e pós-tratamento da intensidade da experiência global de dor no último mês (escala visual analógica), dor à palpação (EAV), amplitude dos movimentos mandibulares (mm), ruídos articulares e diagnósticos pelo Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD)

A atividade eletromiográfica dos músculos temporal anterior e masseter na mastigação com uva passa foi analisada por meio da relação entre o lado de trabalho e balanceio, e entre os pares de músculos citados. Inicialmente, na mastigação esquerda, havia maior atividade no lado de trabalho e nos temporais anteriores; enquanto que na mastigação direita, o lado de balanceio era mais ativo e os temporais também tinham maior atividade. Após a terapia fonoaudiológica, para ambas as mastigações, a atividade eletromiográfica no lado de balanceio foi ligeiramente maior que o lado de trabalho, e houve redução da atividade dos temporais e um aumento dos masseteres, tendendo a um maior equilíbrio (Figura 1).

Figura 1
Atividade eletromiográfica na mastigação da uva passa

A EMG de superfície estática mostrou que após o tratamento houve redução da atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter nas provas de repouso, deglutição, apertamento com algodão e apertamento em máxima intercuspidação habitual (MIH). Além de uma tendência de maior equilíbrio entre os lados direito e esquerdo, bem como entre os pares de músculos avaliados (Figura 2).

Figura 2
Eletromiografia estática no repouso, deglutição, apertamento com algodão e apertamento em máxima intercuspidação habitualMIH = Máxima Intercuspidação Habitual; TE = Temporal Esquerdo; TD = Temporal Direito; ME = Masseter Esquerdo; MD = Masseter Direito.

Na avaliação inicial todos os escores do protocolo AMIOFE se encontravam abaixo dos valores de corte de normalidade. Após a terapia fonoaudiológica, os escores relativos à aspecto/postura, mobilidade, bem como o escore total, alcançaram os cortes de normalidade. A análise das funções orofaciais também revelou melhora após o tratamento, alcançando os valores dos padrões de normalidade (Figura 3).

Figura 3
Escores da avaliação miofuncional orofacial com escores para aspecto/postura, mobilidade, funções e escore total

DISCUSSÃO

As abordagens de tratamento da DTM dolorosa têm se voltado cada vez mais para ações educativas em dor, exercícios mandibulares, além de estratégias de automanuseio e de redução de componentes emocionais1414 Michelotti A, Iodice G, Vollaro S, Steenks MH, Farella M. Evaluation of the short-term effectiveness of education versus an occlusal splint for the treatment of myofascial pain of the jaw muscles. J Am Dent Assoc. 2012;143(1):47-53.. A associação de tratamentos entre exercícios, placa oclusal e orientações de automanuseio favoreceu a nova amplitude de abertura bucal para um limite funcional que não provocasse o ruído característico de estalo de eminência articular, e ampliação de movimentos laterais da mandíbula com mais simetria. Apesar do tratamento para DTM e dor orofacial não mais estar totalmente centrado nos aspectos oclusais, a placa oclusal continua sendo um bom instrumento odontológico, seja devido aos mecanismos de ação, seja por seu efeito cognitivo e de melhora dos aspectos emocionais1515 Costa YM, Porporatti AL, Stuginski-Barbosa J, Bonjardim LR, Conti PC. Additional effect of occlusal splints on the improvement of psychological aspects in temporomandibular disorder subjects: A randomized controlled trial. Arch Oral Biol. 2015;60(5):738-44..

A identificação dos ruídos articulares nas ATM é baseada no relato do paciente e no exame de palpação durante o protocolo de avaliação clínica. Os ruídos mais frequentemente verificados são oclick e a crepitação, porém outros tipos de ruídos podem ser identificados, como por exemplo oclick de eminência. Esse tipo declick ocorre no final da abertura bucal e/ou no início do fechamento. Ele é detectado quando o complexo côndilo-disco translada para além da eminência articular, acompanhado por uma mudança na posição da mandíbula. Quando a abertura de boca se encontra limitada, não é possível identificarclick de eminência, já que esse tipo de ruído está associado a movimentos amplos de abertura de boca1616 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. International RDC/TMD Consortium Network, International Association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of theInternational RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.. Apesar de ser frequentemente encontrado, inclusive em pacientes saudáveis, oclick de eminência não é um critério clínico de diagnóstico da DTM e não é registrado no mais recente protocolo de diagnóstico, o RDC/TMD1616 Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. International RDC/TMD Consortium Network, International Association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of theInternational RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27., porém pode trazer grande incômodo e comprometimento das funções orofaciais.

A hiperexcursão do côndilo mandibular pode refletir uma descoordenação dos movimentos da boca e uma fraqueza muscular, que gera uma amplitude de movimento maior do que a necessidade funcional do indivíduo. A terapia fonoaudiológica é capaz de trabalhar no aprendizado de uma nova posição neuromuscular, dentro de limites funcionais que não necessitem de movimentos mandibulares máximos, evitando a ocorrência de ruídos articulares de eminência88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59.. O principal motivo para se encaminhar um paciente com DTM para um fonoaudiólogo é a presença de sobrecarga musculoesquelética advinda de DMO e de parafunções, ou hábitos orais deletérios. Nesse sentido, a terapia fonoaudiológica proposta para o presente caso foi elaborada a fim de diminuir a sobrecarga sobre o sistema trigeminal relacionada às funções estomatognáticas, gerada por compensações musculares inadequadas adquiridas mediante diferentes eventos ao longo do tempo, e pelos hábitos orais deletérios.

Também foram abordadas em algumas sessões fonoaudiológicas, práticas de atenção plena na respiração e nas estruturas orofaciais, que foram bem aceitas pela paciente, com relatos de melhora da sensação de ansiedade e aumento do relaxamento global. O termomindfulness, (atenção plena na versão em português) refere-se a um estado de atenção constante a algum objeto, de forma a observar, momento a momento, as variações sofridas por esse objeto no decorrer do tempo. Esse objeto é denominado âncora da atenção, que pode ser o ritmo respiratório, estruturas corporais ou faciais por exemplo, cujo treino em seu foco reduz estados de ansiedade1717 Kabat-Zinn J. An outpatient program in behavioral medicine for chronic pain patients based on the practice of mindfulness meditation: theoretical considerations and preliminary results. Gen Hosp Psychiatry. 1982;4(1):33-47.. Essa prática, porém, foi introduzida neste momento com o intuito de contribuir com a percepção e execução consciente dos movimentos e funções orofaciais, o que favorece a educação sobre as capacidades e limites funcionais. Não apresentou como objetivo primário a diminuição de estados de ansiedade, mas foi possível obter relatos favoráveis da paciente com relação a esse aspecto a partir desta técnica, despertando para a possibilidade de novas investigações que tragam contribuição ao tratamento fonoaudiológico para pessoas com DTM.

Os escores encontrados para o AMIOFE após as 23 sessões de terapia alcançaram os valores de normalidade previamente estabelecidos1111 de Felício CM, Medeiros AP, Melchior MO. Validity of the 'protocol of oro-facial myofunctional evaluation with scores' for young and adult subjects. J Oral Rehabil. 2012;39(10):744-53.. Isso indica que a abordagem fonoaudiológica, associada às demais modalidades odontológicas e de automanuseio, mostrou-se eficaz para o equilíbrio miofuncional orofacial e consequentemente para a diminuição da sobrecarga musculoesquelética, para a percepção e educação da paciente quanto às mudanças de hábitos e de comportamentos miofuncionais orofaciais e, portanto, contribuiu com o tratamento/manuseio da DTM da maneira como preconiza a literatura atual.

A quantidade de sessões fonoaudiológicas foi superior ao relatado na literatura, que normalmente inclui um total de 12 ou 13 sessões1818 de Felicio CM, Melchior Mde O, Da Silva MA. Clinical validity of the protocol for multi-professional centers for the determination of signs and symptoms of temporomandibular disorders. Part II. Cranio. 2009;27(1):62-7.,1919 Machado BC, Mazzetto MO, Da Silva MA, de Felício CM. Effects of oral motor exercises and laser therapy on chronic temporomandibular disorders: a randomized study with follow-up. Lasers Med Sci. 2016;31(5):945-54.. Neste caso, o DMO apresentou aspectos importantes relacionados ao quadro de DTM, como os desvios mandibulares acentuados durante a fala acompanhados de ceceio exagerado, deglutição com muitas compensações cervicais e de língua, repouso mandibular sem espaço funcional livre, ou seja, em estado de apertamento dental com língua comprimida na maior parte do tempo; em alguns momentos com língua interposta entre as arcadas, ocasionando marcas fortes em suas laterais. A dificuldade em se instalar e automatizar padrões miofuncionais que favorecessem o equilíbrio do sistema estomatognático levou a um maior número de sessões terapêuticas, porém foi possibilitado a partir da boa adesão da paciente à proposta realizada. Estudiosos da área de motricidade orofacial afirmam que o DMO pode não ser a causa de um quadro de DTM, porém quanto mais grave o DMO, mais difícil pode se tornar sua resolução sem abordagens que visem especificamente a reeducação, ou reequilíbrio, miofuncional orofacial88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59..

Um dos fatores de complicação ou de não resolução de um quadro de DTM após realizado o tratamento, pode ser a presença de comorbidades, ou seja, um outro problema que pode ocorrer paralelamente ao que se está tratando, mas que, existindo, guarda relação com o mesmo, influenciando sua gravidade22 Ohrbach R, Dworkin SF. The evolution of TMD diagnosis: past, present, future. J Dent Res. 2016;95(10):1093-101.,33 Manfredini D, Winocur E, Ahlberg J, Guarda-Nardini L, Lobbezoo F. Psychosocial impairment in temporomandibular disorders patients. RDC/TMD axis II findings from a multicentre study. J Dent. 2010;38(10):765-72.,2020 Visscher CM, Van Wesemael-Suijkerbuijk EA, Lobbezoo F. Is the experience of pain in patients with temporomandibular disorder associated with the presence of comorbidity? Eur J Oral Sci. 2016;124(5):459-64.,2121 Manfredini D, Ahlberg J, Winocur E, Guarda-Nardini L, Lobbezoo F. Correlation of RDC/TMD axis I diagnoses and axis II pain-related disability. A multicenter study. Clin Oral Investig. 2011;15(5):749-56.. Assim, o DMO neste caso parece ter atuado como uma comorbidade da DTM presente, pois não se pode afirmar que foi ele o fator desencadeante, mas sua presença contribuiu para o agravamento e manutenção da DTM. E o trabalho de reequilíbrio dos aspectos miofuncionais orofaciais alterados contribuiu, em associação com as demais modalidades terapêuticas, com a resolução da DTM, como os limites dos movimentos mandibulares, a diminuição da dor orofacial, remissão da dor referida no exame de palpação, diminuição dos estalos articulares e de sua intensidade.

Esses resultados refletiram ainda em uma atividade eletromiográfica mais baixa e mais equilibrada dos músculos masseteres e temporais anteriores nas provas de repouso, deglutição e apertamento dental máximo (máxima contração voluntária). Alguns estudos demonstraram um aumento da atividade para provas de alta demanda de contração muscular após o tratamento e diminuição para as provas de baixa demanda, como o repouso e a deglutição88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59.,1111 de Felício CM, Medeiros AP, Melchior MO. Validity of the 'protocol of oro-facial myofunctional evaluation with scores' for young and adult subjects. J Oral Rehabil. 2012;39(10):744-53.. O rebaixamento da atividade eletromiográfica neste caso clínico pode ter ocorrido por excesso de cuidado da paciente ao apertar os dentes, já que foi um aspecto muito abordado durante o tratamento. Porém, mais importante do que aumentar ou diminuir a atividade, foi abordar o equilíbrio entre os pares de músculos e entre os lados. Isso pode ser observado no exame eletromiográfico durante a função mastigatória de uva passa, no qual observou-se mudanças com tendência de equilíbrio entre os lados de trabalho e balanceio e diminuição da atividade dos temporais anteriores, aproximando-a da atividade dos masseteres. Após o tempo e as abordagens de tratamento realizadas para se alcançar o equilíbrio miofuncional, entendeu-se que os resultados eletromiográficos foram satisfatórios para este caso, constituindo seu limite individual88 de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59..

CONCLUSÃO

O manuseio dos DMO em conjunto com as terapias odontológicas e de automanuseio é fundamental não apenas para a melhora da dor, mas também para a modificação da condição funcional que vise o equilíbrio do sistema estomatognático, específico para cada caso clínico de DTM dolorosa. Neste sentido, ressalta-se a importância de intervenções odontológicas e fonoaudiológicas em pacientes que apresentem os distúrbios miofuncionais orofaciais como possível comorbidade à disfunção temporomandibular dolorosa.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    Slade GD, Ohrbach R, Greenspan JD, Fillingim RB, Bair E, Sanders AE, et al. Painful temporomandibular disorder: decade of discovery from OPPERA studies. J Dent Res. 2016;95(10):1084-92.
  • 2
    Ohrbach R, Dworkin SF. The evolution of TMD diagnosis: past, present, future. J Dent Res. 2016;95(10):1093-101.
  • 3
    Manfredini D, Winocur E, Ahlberg J, Guarda-Nardini L, Lobbezoo F. Psychosocial impairment in temporomandibular disorders patients. RDC/TMD axis II findings from a multicentre study. J Dent. 2010;38(10):765-72.
  • 4
    Scrivani SJ, Keith DA, Kaban LB. Temporomandibular disorders. N Engl J Med. 2008;359(25):2693-705.
  • 5
    Campi LB, Jordani PC, Tenan HL, Camparis CM, Gonçalves DA. Painful temporomandibular disorders and central sensitization: implications for management-a pilot study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2017;46(1):104-10.
  • 6
    Costa YM, Conti PC, de Faria FA, Bonjardim LR. Temporomandibular disorders and painful comorbidities: clinical association and underlying mechanisms. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol. 2017;123(3):288-97.
  • 7
    Pereira CC, De Felício CM. Os distúrbios miofuncionais orofaciais na literatura odontológica: revisão crítica. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(4):134-42.
  • 8
    de Felício CM, de Oliveira MM, da Silva MA. Effects of orofacial myofunctional therapy on temporomandibular disorders. Cranio. 2010;28(4):249-59.
  • 9
    Ferreira CL, Machado BC, Borges CG, Rodrigues Da Silva MA, Sforza C, De Felício CM. Impaired orofacial motor functions on chronic temporomandibular disorders. J Electromyogr Kinesiol. 2014;24(4):565-71.
  • 10
    Look JO, Schiffman EL, Truelove EL, Ahmad M. Reliability and validity of Axis I of the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (RDC/TMD) with proposed revisions. J Oral Rehabil. 2010;37(10):744-59.
  • 11
    de Felício CM, Medeiros AP, Melchior MO. Validity of the 'protocol of oro-facial myofunctional evaluation with scores' for young and adult subjects. J Oral Rehabil. 2012;39(10):744-53.
  • 12
    Melchior MO, Machado BC, Magri LV, Mazzetto MO. Effect of speech-language therapy after low-level laser therapy in patients with TMD: a descriptive study. Codas. 2016;28(6):818-22.
  • 13
    Slade GD, Fillingim RB, Sanders AE, Bair E, Greenspan JD, Ohrbach R, et al. Summary of findings from the OPPERA prospective cohort study of incidence of first-onset temporomandibular disorder: implications and future directions. J Pain. 2013;14(12 Suppl):T116-24.
  • 14
    Michelotti A, Iodice G, Vollaro S, Steenks MH, Farella M. Evaluation of the short-term effectiveness of education versus an occlusal splint for the treatment of myofascial pain of the jaw muscles. J Am Dent Assoc. 2012;143(1):47-53.
  • 15
    Costa YM, Porporatti AL, Stuginski-Barbosa J, Bonjardim LR, Conti PC. Additional effect of occlusal splints on the improvement of psychological aspects in temporomandibular disorder subjects: A randomized controlled trial. Arch Oral Biol. 2015;60(5):738-44.
  • 16
    Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. International RDC/TMD Consortium Network, International Association for Dental Research; Orofacial Pain Special Interest Group, International Association for the Study of Pain. Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Research Applications: recommendations of theInternational RDC/TMD Consortium Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(1):6-27.
  • 17
    Kabat-Zinn J. An outpatient program in behavioral medicine for chronic pain patients based on the practice of mindfulness meditation: theoretical considerations and preliminary results. Gen Hosp Psychiatry. 1982;4(1):33-47.
  • 18
    de Felicio CM, Melchior Mde O, Da Silva MA. Clinical validity of the protocol for multi-professional centers for the determination of signs and symptoms of temporomandibular disorders. Part II. Cranio. 2009;27(1):62-7.
  • 19
    Machado BC, Mazzetto MO, Da Silva MA, de Felício CM. Effects of oral motor exercises and laser therapy on chronic temporomandibular disorders: a randomized study with follow-up. Lasers Med Sci. 2016;31(5):945-54.
  • 20
    Visscher CM, Van Wesemael-Suijkerbuijk EA, Lobbezoo F. Is the experience of pain in patients with temporomandibular disorder associated with the presence of comorbidity? Eur J Oral Sci. 2016;124(5):459-64.
  • 21
    Manfredini D, Ahlberg J, Winocur E, Guarda-Nardini L, Lobbezoo F. Correlation of RDC/TMD axis I diagnoses and axis II pain-related disability. A multicenter study. Clin Oral Investig. 2011;15(5):749-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2017
  • Aceito
    29 Jan 2018
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br