Eficácia da liberação miofascial em pacientes com cefaleias do tipo tensional: revisão integrativa

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

As cefaleias se constituem no sintoma neurológico mais comum e de queixa médica mais frequente, sendo a dor de tipo tensional uma das formas mais relatadas e um problema público de saúde. Entre as terapias manuais indicadas ao tratamento da cefaleia de tipo tensional (CTT), está a liberação miofascial (LM), que consiste na liberação da tensão do músculo e da fáscia por meio de técnicas para desativação de pontos-gatilhos (PG). O objetivo deste estudo foi determinar a eficácia da fisioterapia utilizando a LM no tratamento das CTT induzidas por PG.

CONTEÚDO:

A questão norteadora do estudo foi: “Qual o efeito da terapia manual utilizando a liberação miofascial como tratamento em pacientes com cefaleias do tipo tensional”? As buscas foram realizadas nas bases de dados LILACS e Pubmed/Medline até agosto de 2021. Foram incluídos nessa revisão 16 estudos publicados entre 2003 e 2021, sendo relatos de caso e ensaios clínicos, com um total de 481 pacientes.

CONCLUSÃO:

A técnica de LM apresentou resultados positivos como tratamento para CTT, pela diminuição intensidade e frequência da dor.

Descritores:
Cefaleia do tipo tensional; Manipulações musculoesqueléticas; Pontos-gatilho

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Headaches are the most common neurological symptom and the most frequent medical complaint, with tension-type pain being one of the most reported forms, being considered a public health problem. Among the manual therapies indicated for the treatment of tension type headaches (TTH) is myofascial release (MRL), which consists of releasing muscle and fascia tension, through techniques that deactivate trigger points (TP). Thus, the objective of this integrative review is to determine the effectiveness of physical therapy using MRL in the treatment of TP-induced TTH.

CONTENTS:

The guiding question of the study was: “What is the effect of manual therapy using myofascial release as a treatment in patients with tension-type headaches”? Searches were performed in LILACS and Pubmed/Medline databases until August 2021. Sixteen studies published between 2003 and 2021 were included in this integrative review, including case reports and clinical trials, presenting a total of 481 patients.

CONCLUSION:

It was possible to conclude that the MRL technique showed positive results as a treatment for TTH through the reduction of pain, intensity and frequency.

Keywords:
Musculoskeletal manipulations; Tension-type headache; Trigger points

INTRODUÇÃO

As cefaleias, dores de cabeça, são sintomas neurológicos comuns nos consultórios médicos, podendo apresentar diferentes características, sendo a tensional, cervicogênica e enxaqueca as mais relatadas¹. Os tipos de cefaleias estão associados à alta carga de sofrimento e custos socioeconômicos consideráveis², pois são desordens debilitantes que impossibilitam as ações rotineiras, sendo consideradas problemas de saúde pública³.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)⁴, dores de cabeça serão sentidas em algum momento pela maioria das pessoas em todo mundo. Acredita-se que cerca de 80% da população sofre com essa doença a cada ano, sendo que em somente 10 a 20% dos casos um médico é consultado⁵,⁶. A baixa taxa de consulta pode ser explicada por informações insuficientes sobre a eficácia dos tratamentos ou por experiências negativas de assistência à saúde⁷. Autores⁸ relataram que 82% dos médicos que realizam atendimento à saúde primária não tinham conhecimento da classificação e dos critérios diagnósticos das cefaleias primárias.

Os tipos e características das cefaleias do tipo tensional (CTT) foram incluídos nas dores de cabeça primárias pela International Headache Society (IHS) em 2004⁹. As CTT mais comuns são as cefaleias do tipo tensional episódicas (CTTE), no qual a frequência é inferior a 15 dias por mês, e as cefaleias do tipo tensional crônicas (CTTC), no qual a frequência é superior a 15 dias por mês. A CTTC também se caracteriza por episódios de dor que variam de 30 minutos a 7 dias, sendo que na maioria dos casos são relatados comprometimento no desempenho do trabalho¹⁰, gerando um fator de risco para uso excessivo de fármacos analgésicos¹¹.

Comprometimentos no sistema musculoesquelético desempenham um papel importante na dor de cabeça¹², como nos pontos-gatilho miofasciais (PG), trazendo evidências de potencial associação com as CTT¹³. Os PG são definidos como “nódulos hipersensíveis nas faixas tensas dos músculos esqueléticos que provocam dor referida, autonômica e sintomas motores quando estimulados”¹⁴. Estudos relataram que a dor referida provocada pelos PG ativos na musculatura da cabeça, pescoço e ombro imitam o padrão de dor em indivíduos com CTTE¹³,¹⁵ e CTTC¹⁶,¹⁷. Os PG no pescoço e na cabeça em pacientes com CTT apresentam maior dor em intensidade e frequência em relação a pacientes com CTT e sem PG¹⁸.

Várias abordagens terapêuticas têm sido propostas para o tratamento das cefaleias, como fármacos, fisioterapia e terapias de relaxamento/cognição¹⁹. As diretrizes clínicas sobre o tratamento da CTT pela Federação Europeia de Sociedades Neurológicas concluíram que o manejo conservador como fisioterapia e acupuntura deve sempre ser considerado, embora sua base científica ainda seja limitada²⁰. Um estudo realizado nos EUA revelou que as terapias manuais são as estratégias terapêuticas mais solicitadas pelos pacientes com CTT²¹,²².

A terapia manual é um tipo de tratamento conservador não cirúrgico que se baseia no tratamento da disfunção neuromusculoesquelética por meio de manipulações analíticas musculares e articulares, com objetivo de avaliar, diagnosticar e tratar uma variedade de sintomas e condições²³. A terapia manual consiste em uma ampla variedade de técnicas²⁴ e todas apresentam resultados positivos em relação à redução de uso de fármacos e diminuição dos sintomas dolorosos²⁵. Dentre as terapias manuais, uma técnica bastante utilizada é a liberação miofascial (LM), que consiste na liberação da tensão do músculo e da fáscia através de técnicas para desativação de PG, assim aumentando a circulação local, o que consequentemente diminui a dor, espasmos e sintomas da CTT, além de trazer outros benefícios²⁶.

Diante disso, o objetivo deste estudo foi determinar a eficácia da fisioterapia, utilizando a LM no tratamento das CTT induzidas por PG.

CONTEÚDO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, compreendida como um método caracterizado pelo interesse do pesquisador em sumarizar resultados de um conjunto de pesquisas sobre um mesmo tema, permitindo o vínculo entre as evidências de pesquisas e as práticas de saúde, com possibilidade de contribuição aos cuidados prestados aos usuários dos serviços de saúde²⁷. O estudo foi desenvolvido nas seguintes etapas: identificação do tema e elaboração da questão norteadora do estudo; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão de estudos; realização de buscas na literatura científica; definição das informações a serem coletadas e avaliação dos estudos selecionados para a revisão; interpretação; e síntese do conhecimento.

A questão norteadora do estudo foi: “Qual o efeito da terapia manual utilizando a liberação miofascial como tratamento em pacientes com cefaleias do tipo tensional”? As buscas foram realizadas nas bases de dados LILACS e Pubmed/Medline até agosto de 2021. Os descritores utilizados foram: “Cefaleia do Tipo Tensional”, “Fisioterapia”, “Manipulações Musculoesqueléticas”, “Liberação Miofascial” e “Terapia Manual” presentes nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) − e seus correspondentes em inglês: “Tension-Type Headache”, “Physical Therapy Specialty”, “Musculoskeletal Manipulations”, “Myofascial Release” e “Manual Therapy”, presentes nos Medical Subject Headings (MeSH). Os descritores foram associados entre si com o emprego do operador booleano AND.

Os critérios de inclusão foram relatos de caso ou ensaios clínicos utilizando a terapia de LM, publicados em português, inglês ou espanhol, com texto completo e disponível na íntegra nas bases de dados selecionadas. Os critérios de exclusão foram artigos que não utilizavam a terapia de LM, duplicados nas bases de dados, com texto incompleto ou indisponível na íntegra, e os que não se enquadravam na temática e no objetivo do estudo.

Para avaliação dos dados foi elaborado um instrumento de pesquisa, estruturado de acordo com a questão norteadora do estudo, dividido em 11 itens destinados ao registro das informações dos artigos: numeração, título, identificação dos autores, titulação dos autores, ano de publicação, periódico, objetivo do estudo, metodologia, local do estudo, resultados e conclusões. Esse instrumento foi preenchido após a leitura do conteúdo dos artigos, tendo em vista a questão norteadora do estudo.

Para análise e interpretação dos dados, elaborou-se um quadro sinóptico destinado ao registro da síntese das informações obtidas nos artigos. Esses elementos serviram de subsídios para a análise e discussão dos resultados e a resposta ao problema de pesquisa.

Para analisar os dados, ocorreu a avaliação inicial dos artigos selecionados e foram comparados entre si, buscando-se dialogar com as semelhanças e pontuar as diferenças. Em seguida, os dados obtidos foram registrados na forma de quadro sinóptico, o que possibilitou uma interpretação mais sintetizada e comparativa dos dados encontrados.

RESULTADOS

A pesquisa nos bancos de dados selecionou 330 artigos, incluindo 99 estudos no LILACS e 231 estudos no Pubmed/Medline. Todas as referências duplicadas foram excluídas e foi realizada a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão, o que resultou no quantitativo de 16 artigos. Os resultados encontrados nas bases de dados estão dispostos na tabela 1.

Tabela 1.
Distribuição das referências bibliográficas encontradas e selecionadas de acordo com as bases de dados e os descritores utilizados

Bases de dados	Estudos encontrados	Estudos selecionados
LILACS	99	3
Pubmed	231	13
Total	330	16

No total 16 estudos²⁸,²⁹,³⁰,³¹,³²,³³,³⁴,³⁵,³⁶,³⁷,³⁸,³⁹,⁴⁰,⁴¹,⁴²,⁴³ publicados entre 2003 e 2021 foram incluídos. Quinze estudos eram ensaios clínicos, enquanto 3 eram relatos de caso. Nove estudos utilizaram unicamente a terapia de LM e 9 estudos utilizaram a terapia de LM associada a outras terapias manuais. Essa revisão incluiu um total de 481 pacientes. As características dos estudos incluídos estão listadas na tabela 2.

Tabela 2.
Distribuição dos estudos selecionados

Autores	n	Tipo do estudo	Terapias utilizadas	Conclusão
Mignelli, Tollefson e Stefanowicz28	1	Relato de caso	LM dos músculos masseter e temporal	A terapia manual na forma de flexão-distração cervical com LM foi eficaz na redução da dor cervical, torácica e redução da frequência de dor de cabeça.
Corum et al.29	15	ECR	LM e inibição suboccipital	Exercício de manipulação se mostrou mais eficaz que a LM.
Pérez-Llanes et al.30	12	Ensaio clínico	LM e inibição suboccipital	A LM reduziu a incapacidade e o impacto da dor de cabeça na vida diária em 4 semanas.
Shields e Smith31	4	Ensaio clínico	Liberação do PG miofascial em região anterior do pescoço, mandíbula e crânio, e terapia neuromuscular	A terapia aplicada reduziu a frequência de cefaleia, podendo ser um método eficaz no tratamento de CTT.
Georgoudis et al.32	24	ECR	LM e alongamento	A combinação de fisioterapia na forma de LM, acupuntura e alongamento para melhorar o efeito analgésico é fortemente recomendada
Moraska et al.33	62	ECR	LM nos músculos trapézio e suboccipital	A terapia proposta pode apresentar resolução total da cefaleia após várias sessões de tratamento.
Antunes et al.34	20	Ensaio clínico	LM associado a pompagem	Tanto a massoterapia quanto a pompagem promoveram melhora na dor e na qualidade de vida, sendo que a massoterapia teve melhor resultado no quadro de dor e a pompagem na qualidade de vida.
Ferragut-Garcías et al.35	97	Ensaio clínico	LM e mobilização neural	LM com técnicas de mobilização neural é mais eficaz no manejo de pacientes com cefaleia crônica.
Sousa et al.36	9	Ensaio clínico	LM	Apresentou resultado significativo na redução da intensidade subjetiva global da dor, alívio dos componentes sensoriais e afetivos e diminuição da frequência da dor em mulheres.
Bastos et al.37	1	Relato de caso	LM e alongamento	A terapia manual melhorou a qualidade de vida de paciente com cefaleia tensional crônica.
Rodríguez-Fernández et al.38	76	Ensaio clínico	LM	Os participantes foram classificados como tendo alcançado um resultado bem-sucedido, uma semana após a sessão com base na recuperação percebida. Os dados de 76 indivíduos foram incluídos na análise, dos quais 36 tiveram resultado bem-sucedido (48%).
Hoffmann et al.39	22	Ensaio clínico	LM	Melhora no quadro de dor, desconforto e na qualidade de vida, porém existem limitações ocasionadas ao baixo número de pacientes tratados.
Macedo et al.40	37	Ensaio clínico	LM e alongamento	Terapias manuais com manobras cranianas e cervicais apresentam eficácia e devem ser utilizadas para o tratamento de mulheres com cefaleia crônica.
Morelli e Rebelatto41	6	Ensaio clínico	LM	Sobre intensidade, o tratamento demonstrou maior dificuldade na melhora dos sintomas por parte do grupo dos indivíduos não portadores de alterações vertebrais, já em relação ao limiar de dor por pressão, observou-se que indivíduos com alterações vertebrais associadas apresentaram melhora acentuada.
Morelli e Rebelatto42	24	Ensaio clínico	LM	Observou-se a efetividade no alívio da cefaleia e no aumento do limiar de dor.
Hoffmann e Teodoroski43	1	Relato de caso	LM associado a pompagem	A técnica de realização de pompagem nos músculos posteriores e laterais da coluna cervical apresentou eficácia no tratamento da CTT.

• LM = liberação miofascial; ECR = ensaio clínico randomizado; PG = ponto-gatilho; CTT = cefaleia do tipo tensional.

DISCUSSÃO

Em todos os estudos selecionados, os participantes foram diagnosticados com CTT, por neurologistas ou fisioterapeutas. Segundo estudo⁴⁴, a entrevista de diagnóstico com especialista é o padrão-ouro, enquanto questionários e entrevistas com leigos são ferramentas de diagnóstico menos precisas em relação a distúrbios da dor de cabeça.

Os estudos³⁴,³⁶,³⁹,⁴⁰ avaliaram apenas pacientes do sexo feminino, pois é o público mais suscetível a esses tipos de doenças⁴⁵. Nos outros estudos, o delineamento foi entre ambos os sexos, entretanto, foi observado número maior de mulheres, com idades variando entre 18 e 65 anos. Pela análise desses estudos, não foi possível identificar qual a faixa etária que mais sofre com a CTT e qual teve melhor resultado após o tratamento.

Todos os estudos apresentaram diferenças em suas metodologias quanto ao número de pacientes, técnicas fisioterapêuticas e tempo de tratamento, o que impede, muitas vezes, atingir o que é considerado o padrão-ouro em estudos de casos clínicos⁴⁶. Porém, os estudos³⁹,⁴⁰,⁴¹,⁴²,⁴³ seguiram um padrão quanto ao tempo de tratamento, sendo relatado que um total de 10 sessões é suficiente para atingir resultados positivos, embora no estudo randomizado²⁹ tenha sido necessário um período de três meses com duas sessões semanais para total eficácia da LM.

O efeito do tratamento em relação a frequência e intensidade da dor foi avaliado por meio de questionários orientados, escala analógica visual (EAV) ou combinação de ambas. A EAV foi o instrumento mais utilizado nos estudos, por ser um instrumento de fácil aplicação e entendimento por parte do paciente, o qual pode proporcionar a quantificação da dor, facilitando a busca de respostas positivas ou negativas sobre a terapia desenvolvida. Outro instrumento utilizado foi o teste de impacto da dor em cabeça (HIT-6).

Alguns estudos de revisão mostraram que a LM combinada com outras técnicas de fisioterapia, como relaxamento cervical, mobilização cervical e alongamentos, apresentam maior eficácia na redução da frequência, intensidade e duração da dor em pacientes com presença de PG, além de aumentar a amplitude de movimento³⁷,⁴⁰. No entanto, são poucos os estudos que implementam técnicas específicas de fisioterapia baseadas nas terapias manual para o tratamento da cefaleia, provavelmente devido à efetividade no alívio da dor por medidas farmacológicas²⁵.

Estudo⁴⁷ realizou revisão sistemática de ECR para determinar a eficácia da fisioterapia em pacientes com CTT. Foram selecionados oito ensaios clínicos randomizados que utilizaram fisioterapia no tratamento da CTT em adultos. Esses estudos mostraram uma variedade de intervenções, sendo que apenas dois foram considerados de alta qualidade, entretanto apresentavam alta heterogeneidade clínica, não sendo possível obter conclusões válidas.

É necessário maior número de estudos baseados em evidências para determinar a eficácia da fisioterapia em pacientes com CTT, sendo recomendados estudos clínicos randomizados dividido em grupos com tratamento da LM ou com associação de técnicas, associados ou não ao uso de fármacos, podendo avaliar melhor os impactos das terapias manuais no tratamento de CTT. Esta revisão evidenciou outras técnicas de fisioterapia que incluem terapia manual manipulativa e as avaliações importantes em diferentes esferas, como qualidade de vida, incapacidade, impacto da dor e percepção da dor. A principal limitação deste estudo é que os resultados não levaram em consideração o risco de viés.

CONCLUSÃO

A técnica de LM apresentou resultados positivos como tratamento para CTT pela diminuição da intensidade e frequência da dor, bem como a melhora da qualidade de vida, impacto e incapacidade para a dor e aspectos psicológicos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Nov 2021
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2021

Histórico

• Recebido
  02 Maio 2021
• Aceito
  22 Set 2021