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Hiperprolactinemia e galactorreia associada ao uso de duloxetina para tratamento de dor neuropática crônica. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A associação do uso de alguns fármacos com hiperprolactinemia e galactorreia tem sido relatada na literatura, mas são escassas as informações sobre o papel da duloxetina nestas alterações. Portanto, o objetivo deste estudo foi destacar este efeito adverso e discutir as causas fisiopatológicas da galactorreia associada ao uso de duloxetina no tratamento da dor crônica.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo feminino, 70 anos, com diagnóstico de neuropatia herpética. Evoluiu com refratariedade álgica após tratamento farmacológico, sendo encaminhada à clínica de dor. Optou-se por manter a duloxetina (60 mg) uma vez ao dia e associar bloqueios com anestésico local em regiões de dor herpética. A paciente queixou-se de galactorreia e alteração de peso e apresentou elevação da prolactina sérica. Foi aventada, então, a possibilidade de hiperprolactinemia pela duloxetina. Foi, então, realizada a suspensão da duloxetina e, após um mês, foi observada redução expressiva dos níveis séricos da prolactina e cessação da galactorreia.

CONCLUSÃO:

O tratamento de pacientes com dor neuropática é extremamente desafiador e a compreensão detalhada do processo, em destaque para a estratégia farmacológica e seus possíveis efeitos adversos é fundamental para o melhor manejo dos pacientes e manutenção do bem-estar. Diante disso, concluiu-se que a duloxetina, apesar de acontecer raramente, pode causar aumento da prolactina sérica e galactorreia em usuários.

Descritores:
Dor; Cloridrato de duloxetina; Galactorreia; Hiperprolactinemia

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The association of the use of some drugs with hyperprolactinemia and galactorrhea has been reported in the literature, but information on the role of duloxetine in these alterations is scarce. Therefore, the aim of this study was to highlight this adverse effect and discuss the pathophysiological causes of galactorrhea associated with the use of duloxetine in a patient undergoing treatment for chronic pain.

CASE REPORT:

Female patient, 70 years old, with herpetic neuropathy diagnosis. She developed refractory pain after drug treatment and was referred to the pain clinic. Duloxetine (60mg) taken once a day was maintained and associated with blocks with local anesthetic in regions of herpetic pain. The patient complained of galactorrhea and changes in weight and showed an increase in serum prolactin. Then, the possibility of hyperprolactinemia due to duloxetine was raised. Duloxetine was suspended, and after one month, a significant reduction in serum prolactin levels and end of galactorrhea were observed.

CONCLUSION:

The treatment of patients with neuropathic pain is extremely challenging and the detailed understanding, especially of the pharmacological strategy and its possible adverse effects, is fundamental for the better management of patients and their well-being. Therefore, it is concluded that duloxetine, although rarely, can cause an increase in serum prolactin and galactorrhea in users.

Keywords:
Duloxetine hydrochloride; Galactorrhea; Hyperprolactinemia; Pain

INTRODUÇÃO

O aumento do nível do hormônio prolactina no sangue é conhecido como hiperprolactinemia, sendo o sintoma mais comum a galactorreia, na qual há secreção leitosa espontânea nas glândulas mamárias. Na ausência de condições como gravidez ou lactação, é causado por aumento na secreção de prolactina. Isso pode ocorrer por diversas condições, incluindo uso de fármacos antidepressivos11 Korkmaz S, Kuloğlu M, Işık U, Sağlam S, Atmaca M. Galactorrhea during duloxetine treatment: a case report. Turk Psikiyatri Derg. 2011 Fall;22(3):200-1., como duloxetina. Dados sobre aumento do nível sérico da prolactina associada ao uso de duloxetina são limitados, não havendo consenso na literatura em relação a sua prevalência.

O objetivo deste estudo foi relatar um caso de hiperprolactinemia com galactorreia devido ao uso de duloxetina para tratamento de dor neuropática crônica.

RELATO DO CASO

As diretrizes do CARE guideline (Case REport) foram utilizadas para a elaboração deste relato de caso no intuito de aumentar sua precisão, transparência e utilidade para a comunidade22 Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE Elaboration and Explanation Article 2017., 33 Hiley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017;89:218-35.. Paciente do sexo feminino, 70 anos, residente em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com diagnóstico de neuropatia herpética intercostal.

A paciente desenvolveu dor em região do hipocôndrio direito e posterior do tórax à direita, Dor intensa em queimação, ‘facada’ sem alodínia ou hiperalgesia associadas, em região intercostal entre os dermátomos T4 e T6 à direita. Foi avaliada pela equipe da ortopedia e da medicina interna, que realizou diversos exames para propedêutica. A paciente era portadora de hipertensão arterial sistêmica em adequado controle clínico, em uso regular de losartana 25 mg. O pai apresentava diagnóstico de doença de Parkinson.

Ao exame físico, paciente não apresentava alodínia ou hiperalgesia associadas e tinha força preservada.

A paciente desenvolveu, após longa viagem, dor em região intercostal à direita. Após uma semana, desenvolveram-se erupções vesiculares ao longo do dermátomo em que havia a queixa de dor.

Antes do aparecimento das lesões clássicas da herpes-zoster, a paciente desenvolveu dor em região do hipocôndrio direito e dorso e procurou ajuda médica de um ortopedista. Foi aventada a possibilidade de lesão muscular aguda e indicada realização de fisioterapia. Após uma semana as vesículas, clássicas do herpes-zoster, surgiram. Foi, então, diagnosticada herpes-zoster e administrados antivirais e analgésicos. Após 90 dias do início da erupção cutânea, a dor significativa persistiu, caracterizando quadro de neuralgia pós-herpética. Dentre os métodos diagnósticos, foram utilizados exames de bioquímica de sangue, de urina, RNM do abdômen total, de coluna cervical e torácica e de crânio, colonoscopia, endoscopia, os quais não mostraram alteração.

Foram iniciadas terapias orais com pregabalina 450 mg/dia (suspensa devido a quadro de vertigem possivelmente associado ao gabapentinoide), buprenorfina transdérmica 5 mg/dia (também suspensa pois paciente desenvolveu edema, eritema e prurido cutâneo). Além disso, manteve-se a duloxetina 60 mg/dia, supostamente associada à hiperprolactinemia e galactorreia.

Somando às terapias orais foram associados bloqueio intercostal nos níveis de T3 a T8 com anestésico local, bloqueio simpático venoso com lidocaína 1% sem vasopressor (2 mg/kg) e bloqueio do plano do eretor da espinha (ESP Block), após consulta com o médico especialista em dor.

Foram prescritos fármacos como duloxetina, pregabalina e buprenorfina transdérmica. Porém, a paciente evoluiu com refratariedade álgica e efeitos adversos associados a fármacos, sendo encaminhada à clínica de dor após 1 ano e 2 meses do episódio de herpes-zoster. Com a admissão na clínica da dor, o uso da duloxetina 60 mg uma vez ao dia foi associado a bloqueios. Nesse período, a paciente queixou-se de galactorreia e alterações de peso. Procurou o endocrinologista, que detectou elevação da prolactina sérica, os valores encontrados foram de 47 ng/mL, considerados o dobro dos valores de referência. Diante desses resultados, foi aventada a possibilidade de hiperprolactinemia pela duloxetina. Optou-se por suspensão da duloxetina e, após um mês, foi observada redução expressiva dos níveis séricos da prolactina e cessação da galactorreia. Os novos valores da prolactina sérica foram de 28,5 ng/mL.

Devido aos enormes desafios para manejo desta dor, optou-se pela não administração de nenhum fármaco antidepressivo com este perfil.

Observou-se redução dos níveis de prolactina sérica e cessação da galactorreia após suspensão da duloxetina. Como efeito adverso, verificou- se ocorrência de galactorreia associada ao uso de duloxetina.

DISCUSSÃO

O manejo da dor em neuropatias periféricas é extremamente complexo, sendo a duloxetina uma opção considerada por diversas diretrizes internacionais44 Gagnier JJ, Kienle G, Altman DG, Moher D, Sox H, Riley D. The CARE guidelines: Consensus-based clinical case reporting quideline development. Glob Adv Health Med. 2013;2(5):38-43..

Embora todas as estratégias de gestão devam se esforçar para melhoras da dor, as consequências funcionais e possíveis efeitos adversos do seu manejo devem ser levados em conta.

Antidepressivos tricíclicos (TCA), inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), gabapentanoides, tramadol, lidocaína, e a capsaicina são as opções mais eficazes para o tratamento de dor neuropática.

A maioria dessas opções de primeira e segunda linha vêm com considerável potencial para efeitos adversos. A duloxetina também é um fármaco importante no arsenal dos meios farmacológicos para tratar a dor neuropática. Diante disso, este relato contribuiu para acrescentar nos dados estatísticos dessa associação rara, além de destacar a importância desse conhecimento para diagnóstico e tratamento de suas possíveis complicações pelos especialistas em dor e médicos em geral.

Fármacos antidepressivos com atividade serotoninérgica podem causar hiperprolactinemia, que se associa à galactorreia, ginecomastia, irregularidades menstruais e disfunção sexual55 Bates D, Schultheis BC, Hanes MC, Jolly SM, Chakravarthy KV, Deer TR, et al. A comprehensive algorithm for management of neuropathic pain. Pain Med. 2019;20(Suppl 1):S2-S12.. A prolactina é um hormônio lactogênico de base proteica, produzido pela glândula adeno-hipófise, tendo sua regulação controlada pelo hipotálamo. O principal mecanismo fisiológico para controlar a secreção de prolactina é através da ação da dopamina, secretada por neurônios do hipotálamo, que inibe a prolactina. Além de outros mecanismos complementares, como também por ácido gama aminobutírico (GABA) (efeito estimulador), somatostatina (efeito inibitório), acetilcolina, noradrenalina e serotonina (efeito estimulador)55 Bates D, Schultheis BC, Hanes MC, Jolly SM, Chakravarthy KV, Deer TR, et al. A comprehensive algorithm for management of neuropathic pain. Pain Med. 2019;20(Suppl 1):S2-S12..

Existem duas hipóteses principais para explicar esses mecanismos relacionados à dopamina. Primeiro, a serotonina modula a secreção de prolactina via receptores pós-sinápticos. As vias que conectam a secreção de prolactina e serotonina são numerosas. Além disso, no sistema nervoso central, os neurotransmissores serotonina e dopamina também podem interagir66 Luo T, Liu QS, Yang YJ, Wei B. Aripiprazole for the treatment of duloxetine-induced hyperprolactinemia: a case report. J Affect Disord. 2019;;250:330-2.. Assim, os fármacos que bloqueiam os receptores de dopamina, como antipsicóticos, ou aqueles que aumentam a neurotransmissão serotoninérgica, como a duloxetina, podem contribuir para o aumento da secreção de prolactina.

Em segundo lugar, a serotonina inibe os interneurônios produtores de GABA, o que pode levar à diminuição da inibição dopaminérgica com aumento da secreção de prolactina. A prevalência de hiperprolactinemia induzida por antidepressivos é de 10,9 a 17,4%77 Trenque T, Herlem E, Auriche P, Dramé M. Serotonin reuptake inhibitors and hyperprolactinaemia: a case/non-case study in the French pharmacovigilance database. Drug Saf. 2011;34(12):1161-6., e os ISRSs, principalmente a sertralina, têm sido relatados como a causa mais frequente. Os dados relacionados a duloxetina são mais controversos.

CONCLUSÃO

No presente caso de associação entre hiperprolactinemia e galactorreia, foi verificado o aumento dos níveis de prolactina devido ao uso da duloxetina.

REFERENCES

  • 1
    Korkmaz S, Kuloğlu M, Işık U, Sağlam S, Atmaca M. Galactorrhea during duloxetine treatment: a case report. Turk Psikiyatri Derg. 2011 Fall;22(3):200-1.
  • 2
    Riley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE Elaboration and Explanation Article 2017.
  • 3
    Hiley DS, Barber MS, Kienle GS, Aronson JK, von Schoen-Angerer T, Tugwell P, et al. CARE guidelines for case reports: explanation and elaboration document. J Clin Epidemiol. 2017;89:218-35.
  • 4
    Gagnier JJ, Kienle G, Altman DG, Moher D, Sox H, Riley D. The CARE guidelines: Consensus-based clinical case reporting quideline development. Glob Adv Health Med. 2013;2(5):38-43.
  • 5
    Bates D, Schultheis BC, Hanes MC, Jolly SM, Chakravarthy KV, Deer TR, et al. A comprehensive algorithm for management of neuropathic pain. Pain Med. 2019;20(Suppl 1):S2-S12.
  • 6
    Luo T, Liu QS, Yang YJ, Wei B. Aripiprazole for the treatment of duloxetine-induced hyperprolactinemia: a case report. J Affect Disord. 2019;;250:330-2.
  • 7
    Trenque T, Herlem E, Auriche P, Dramé M. Serotonin reuptake inhibitors and hyperprolactinaemia: a case/non-case study in the French pharmacovigilance database. Drug Saf. 2011;34(12):1161-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2021
  • Aceito
    24 Jan 2022
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