Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de dor nas costas e fatores associados em usuários do Sistema Único de Saúde

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor nas costas é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, resultando em maiores taxas de absenteísmo no trabalho e anos vividos com incapacidade. Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de dor nas costas e seus fatores associados em usuários de Unidades Básicas de Saúde (UBS).

MÉTODOS:

Foi realizado um estudo transversal de base comunitária em UBS localizadas em Pelotas, Brasil. Foram entrevistados 15 indivíduos de cada UBS, com idade igual ou superior a 18 anos (n=540). A dor nas costas foi definida como dor em uma a três áreas das costas (pescoço, dorsal e lombar). Características demográficas, econômicas, comportamentais, nutricionais (índice de massa corporal) e de saúde foram avaliadas como covariáveis. A regressão de Poisson foi utilizada para estimar a razão de prevalência e os intervalos de confiança de 95%.

RESULTADOS:

A prevalência de dor nas costas em usuários de UBS foi de 20% (IC95% 16,8 - 23,6). Autopercepção de saúde regular (RP 2,66 IC95% 1,00 - 7,09) e ruim (RP 3,65 IC95% 1,31 - 10,16), doença musculoesquelética (RP 2,71 IC95% 1,84 - 3,98) e tabagismo atual (RP 1,71 IC95% 1,18 - 2,47) foram associados à dor nas costas.

CONCLUSÃO:

A dor nas costas é um problema comum em usuários de UBS. Pacientes com doença musculoesquelética, fumantes atuais e com autopercepção de saúde ruim são mais propensos a sentir dor nas costas.

Descritores:
Dor crônica; Dor nas costas; Sistema Único de Saúde

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Back pain is one of the main causes of disability worldwide, resulting in higher rates of work absenteeism and years lived with disability. This study aimed to evaluate back pain prevalence and its associated factors in Primary Health Units (PHU) users.

METHODS:

A community-based cross-sectional study was conducted at PHU located in Pelotas, Brazil. Fifteen individuals of each PHU, aged 18 years or more, were interviewed (n=540). Back pain was defined as pain in one to three back areas (neck, dorsal and lumbar). Demographic, economic, behavioral, nutritional status (body mass index) and health characteristics were assessed as covariates. Poisson regression was used to estimate the prevalence ratio and 95% confidence intervals.

RESULTS:

Prevalence of back pain in PHU users was 20% (95%CI 16.8 - 23.6). Fair (PR 2.66 95%CI 1.00 - 7.09) and poor (PR 3.65 95%CI 1.31 - 10.16) self-perceived health, musculoskeletal disease (RP 2.71 95%CI 1.84 - 3.98) and current smoking (PR 1.71 95%CI 1.18 - 2.47) were associated with back pain.

CONCLUSION:

Back pain is a common problem in PHU users in Brazil. Patients with musculoskeletal disease, who are current smokers and have a poor self-perceived health, are more likely to experience back pain.

Keywords:
Back pain; Chronic pain; Unified Health System

INTRODUÇÃO

A dor nas costas é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo e resulta em taxas maiores de absenteísmo no trabalho e anos vividos com incapacidade11 Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;391(10137):2356-67.. Na América do Sul, a dor lombar (DL) e no pescoço têm uma prevalência de 8,0% e 5,6%, respectivamente22 March L, Smith EU, Hoy DG, Cross MJ, Sanchez-Riera L, Blyth F, et al. Burden of disability due to musculoskeletal (MSK) disorders. Best Pract Res: Clin Rheumatol. 2014;28(3):353-66.. Além disso, a prevalência da dor crônica nas costas, definida como dor na região cervical, torácica ou lombar, é de 17,7%33 Gerhardt A, Hartmann M, Blumenstiel K, Tesarz J, Eich W. The prevalence rate and the role of the spatial extent of pain in nonspecific chronic back pain--a population-based study in the south-west of Germany. Pain Med. 2014;15(7):1200-10..

A etiologia da DL inclui dor miofascial, dor nas facetas articulares, dor discogênica, estenose espinhal e pode ser agravada por fatores psicológicos e relacionados a doenças44 Urits I, Burshtein A, Sharma M, Testa L, Gold PA, Orhurhu V, et al. Low back pain, a comprehensive review: pathophysiology, diagnosis, and treatment. Curr Pain Headache Rep. 2019;23(3)23.. Aproximadamente 80% dos pacientes que vivenciam DL procuram um profissional de saúde para manejar sua dor. O clínico geral é o profissional de saúde mais procurado pelos pacientes com DL55 Freburger JK, Holmes GM, Agans RP, Jackman AM, Darter JD, Wallace AS, et al. The rising prevalence of chronic low back pain. Arch Int Med. 2009;169(3):251-8.,66 Ferreira ML, Machado G, Latimer J, Maher C, Ferreira PH, Smeets RJ. Factors defining care-seeking in low back pain--a meta-analysis of population based surveys. Eur J Pain. 2010;14(7):747.e1-7..

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi fundado com base em uma nova formulação política e organizacional, visando reorganizar as ações e serviços de saúde estabelecidos na Constituição de 198877 Brazil. ABC do SUS: Doutrina e Princípios. 1990.. Este sistema surge como uma estratégia descentralizada de atenção e saúde, utilizando o atendimento primário como principal porta de entrada para os usuários88 Brazil. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS - Participa SUS. 2009.,99 Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97.. Além disso, a comunicação com toda a rede de saúde do SUS se dá através das Unidades Básicas de Saúde (UBS)1010 Brazil. Política Nacional de Atenção Básica. 2012..

As UBS estão estrategicamente localizadas perto da casa, da escola e do trabalho das pessoas. São compostas por equipes multidisciplinares que desempenham um papel importante na prestação de cuidados primários de qualidade aos usuários do sistema público de saúde brasileiro1010 Brazil. Política Nacional de Atenção Básica. 2012.. Procedimentos simples e baratos são realizados nas UBS, onde os funcionários são capazes de resolver a maioria dos problemas de saúde comuns da comunidade.

Entretanto, sua organização, aplicabilidade e desenvolvimento exigem estudos complexos e profundo conhecimento sobre a realidade da população1111 Plano Municipal de Saúde de Pelotas. 2013.. Os usuários que buscam cuidados em UBS são, em geral, indivíduos de um nível social menos privilegiado e também podem estar em vulnerabilidade, assim, precisam de equidade no atendimento1212 Brazil. Política de Promoção de Equidade em Saúde. 2013.. Como as UBS são a opção de saúde mais próxima da comunidade, este estudo visou 1) avaliar a prevalência de dor nas costas (cervical, torácica e lombar) em usuários de UBS e 2) avaliar quais fatores estavam associados com a prevalência de dor nas costas nesta população.

MÉTODOS

Um estudo transversal comunitário foi realizado nas UBS localizadas na cidade de Pelotas, RS, Brasil. A estrutura do manuscrito está de acordo com as exigências da STROBE1313 Vandenbroucke JP, von Elm E, Altman DG, Gøtzsche PC, Mulrow CD, Pocock SJ, et al. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE): explanation and elaboration. PLoS Med; 2022;4(10):1628-54.. De acordo com o Censo Demográfico 2010 (IBGE), Pelotas é uma cidade com aproximadamente 327.778 habitantes. No total, existem 38 UBS localizadas na área urbana da cidade. Duas UBS para populações específicas (prisioneiros e crianças) foram excluídas. De acordo com a prevalência mundial de dor crônica (ou seja, 35,5%)1414 IASP. How prevalent is chronic pain? . Clinical Updates. 2003;11(2)., foi calculado um tamanho de amostra de 540 participantes, com 80% de poder e 95% de nível de confiança. Em cada UBS (ou seja, 36 na parte urbana de Pelotas), 15 indivíduos, com 18 ou mais anos de idade, foram entrevistados (n=540). Os entrevistados foram convidados a participar do estudo independentemente do motivo pelo qual procuraram cuidados na UBS.

Depois que o Departamento Municipal de Saúde autorizou o estudo, as UBS foram contatadas. Entrevistas com o chefe das UBS foram agendadas com o objetivo de não perturbar o funcionamento normal da unidade. A coleta de dados foi realizada entre março e junho de 2018 e as entrevistas foram realizadas individualmente.

O primeiro sujeito localizado no lado direito da sala, a partir da porta de entrada, foi a primeira pessoa a ser convidada a participar do estudo. Depois, o próximo sujeito localizado no lado esquerdo do primeiro participante foi o próximo e assim por diante, até que fosse atingido o número predeterminado de 15 participantes1515 Häfele V, Siqueira FV. Aconselhamento para atividade física e mudança de comportamento em Unidades Básicas de Saúde. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2022;21(6):581-92.,1616 Souza DF da S, Häfele V, Siqueira FV. Dor crônica e nível de atividade física em usuários das unidades básicas de saúde. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2019;11(24);1-10.. Não participaram do estudo indivíduos que acompanhavam pacientes, que não eram usuários da UBS e pessoas incapazes de se expressar devido a alguma deficiência de saúde.

A dor nas costas foi definida como dor em uma a três áreas das costas (pescoço, dorsal e lombar). Os participantes foram questionados sobre a experiência de dor por meio da pergunta: “Você sentiu alguma dor esta semana”? Se os participantes respondessem positivamente, foi mostrada uma imagem do corpo humano em posição supina e os participantes foram então solicitados a apontar o local da dor na imagem. Os participantes que apontaram uma ou mais áreas das costas na imagem foram considerados como viv venciando dor nas costas.

Covariáveis

Foram avaliadas as características demográficas (idade e sexo), econômicas (salário), comportamentais (tabagismo, consumo de álcool, nível de atividade física e assistir TV), nutricionais (índice de massa corporal) e de saúde (autopercepção de saúde, depressão, doenças musculoesqueléticas e tratamentos farmacológicos). A idade foi dividida em três categorias: 18-39, 40-59, 60 anos ou mais. O nível econômico foi determinado pelo número de salários-mínimos autodeclarado e classificado em menos de um salário, um a dois salários e mais de três (um salário-mínimo era de R$ 954,00). O diagnóstico médico de depressão e distúrbios musculoesqueléticos foi avaliado pelo questionário de uma pesquisa nacional brasileira1717 Brasil M da S. VIGITEL Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados br. SVS/MS Brasília; 2019.. A autopercepção de saúde foi classificada em excelente/muito boa, boa, regular e ruim. Os participantes foram questionados sobre o consumo de álcool e tiveram três opções de resposta: “não”; “sim, às vezes”; e “sim, todos os dias”. Para fins de análise, os participantes que relataram consumo de álcool às vezes ou todos os dias foram classificados por “sim”. O número de fármacos usados continuamente foi classificado em nenhum, um ou dois e três ou mais.

O índice de massa corporal foi calculado a partir da altura e peso relatados pelo próprio paciente, seguindo a recomendação da Organização Mundial da Saúde (normal <25 kg/m22 March L, Smith EU, Hoy DG, Cross MJ, Sanchez-Riera L, Blyth F, et al. Burden of disability due to musculoskeletal (MSK) disorders. Best Pract Res: Clin Rheumatol. 2014;28(3):353-66., sobrepeso 25-29,9 kg/m22 March L, Smith EU, Hoy DG, Cross MJ, Sanchez-Riera L, Blyth F, et al. Burden of disability due to musculoskeletal (MSK) disorders. Best Pract Res: Clin Rheumatol. 2014;28(3):353-66. e obeso ≥30 kg/m22 March L, Smith EU, Hoy DG, Cross MJ, Sanchez-Riera L, Blyth F, et al. Burden of disability due to musculoskeletal (MSK) disorders. Best Pract Res: Clin Rheumatol. 2014;28(3):353-66.). O tabagismo foi categorizado em nunca fumou, ex-fumante e atualmente fumante (um ou mais cigarros por dia por mais de um mês). A atividade física no tempo livre foi avaliada através do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), versão longa. Um ponto de corte de 150 minutos por semana foi usado para classificar os pacientes como ativos (150 min/semana ou mais) ou insuficientemente ativos (abaixo de 150 min/semana)1818 Craig CL, Marshall AL, Sjöström M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, et al. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports and Exerc. 2003;35(8):1381-95.. O tempo de televisão foi calculado considerando três ou mais horas por dia.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (número de protocolo: 2.496.718).

Análise estatística

O software EpiData 3.1 foi usado para estruturar o conjunto de dados. As análises descritivas da amostra, de acordo com o relatório de dor nas costas, foram apresentadas como frequências relativas e absolutas. A razão de prevalência e o intervalo de confiança de 95% entre as dores nas costas e as variáveis independentes foram estimados com análises brutas e ajustadas, usando a regressão de Poisson. Um valor de p<0,2 foi considerado com o objetivo de controlar as potenciais variáveis de confusão. As análises foram realizadas utilizando o software estatístico Stata (StataCorp. 2012, Stata Statistical Software: Edição 12, Versão 12.1, StataCorp L P, College Station, TX, USA) com o nível de significância definido em 0,05.

RESULTADOS

No total, foram analisados dados de 540 usuários em 36 UBS de Pelotas. A prevalência de dor nas costas foi de 20,0% (IC95% 16,8; 23,6). Maiores frequências de dor nas costas foram observadas nos participantes do sexo feminino, com 40-59 anos de idade, fumantes, com saúde regular e ruim, que relataram distúrbio musculoesquelético e depressão e relataram uso contínuo de fármacos (Tabela 1). A análise bruta entre dor nas costas e covariáveis está exibida na tabela 1. Os adultos de meia idade eram 71% (IC95% 1,11; 2,65) mais propensos a relatar DL. Com relação às características de saúde, aqueles que perceberam sua saúde como regular ou ruim (RP 3,88; IC95% 1,46; 10,32; RP 6,75 IC95% 2,51; 18,19, respectivamente), que relataram depressão (RP 1,85; IC95% 1,31; 2,56) e doença musculoesquelética (RP 3,41 IC95% 2,43; 4,78) tinham maior probabilidade de apresentar dor nas costas. O tabagismo (RP 1,73 IC95% 1,15; 2,60) e uso de um ou mais fármacos (RP 1,83 IC95% 1,16; 2,89; RP 1,98 IC95% 1,27 - 3,10, para 1-2 e ≥ 3, respectivamente) também estavam associados a dores nas costas.

Tabela 1
Características descritivas e análises brutas de dores nas costas de usuários de UBS do Brasil, 2018 (n=540)

A tabela 2 mostra as análises ajustadas entre dor nas costas e covariáveis. Nenhuma associação foi observada com sexo, idade, renda, depressão, consumo de álcool, IMC, assistir TV e atividade física no tempo livre. Diagnóstico de saúde autopercebida como regular (RP 2,66 IC95% 1,00 - 7,09) e ruim (RP 3,65 IC95% 1,31 – 10,16), doença musculoesquelética (RP 2,71 IC95% 1,84 - 3,98) e tabagismo atual (RP 1,71 IC95% 1,18 - 2,47) permaneceram associados com dor nas costas. (Tabela 2).

Tabela 2
Análise ajustada de dores nas costas de acordo com as variáveis de exposição de usuários de UBS do Brasil, 2018 (n=540)

DISCUSSÃO

Um em cada cinco usuários das UBS relatou dor nas costas. Ter uma autopercepção de saúde ruim, uma doença musculoesquelética e o tabagismo estavam associados com maior prevalência de dores nas costas nos usuários. Outras características sociodemográficas, de saúde e comportamento não foram associadas a dores nas costas nesta população.

A prevalência de dor nas costas em usuários das UBS está na faixa de estudos de prevalência geral da população mundial. Especificamente, estudos sobre dor nas costas relatam prevalência de 13,9% no México1919 Peláez-Ballestas I, Flores-Camacho R, Rodriguez-Amado J, Sanin LH, Valerio JE, Navarro-Zarza E, et al. Prevalence of back pain in the community. A COPCORD-based study in the Mexican population. J Rheumatol Suppl. 2011;;86:26-30., 22,6% na Polônia, 28,8% na Alemanha2020 Henn L, Schier K, Brian T, Hardt J. Back pain in Poland and Germany: a survey of prevalence and association with demographic characters. BioMed Research International. Hindawi Publishing Corporation; 2014. e 31,5% na Austrália2121 Dennis D, Tampin B, Jacques A, Hebden-Todd T, Carter V, McLintock M, et al. The prevalence of back pain in patients in one Australian tertiary hospital population. Musculoskeletal Care. 2018;16(1):112-7.. Um estudo populacional realizado em Pelotas, sul do Brasil, encontrou uma prevalência de um ano de 63,1% de dores nas costas, sendo as DL as mais prevalentes, seguidas pelas dores torácicas e no pescoço, respectivamente2222 Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalence and associated factors of back pain in adults from southern Brazil: a population-based study. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):31-6..

O processo de variação da amostra, assim como a caracterização diferente e o estabelecimento do local da dor poderia dificultar a comparação dos dados com outros estudos e poderia também explicar a alta prevalência entre eles. Além disso, deve-se observar que os usuários das UBS são uma população específica, que inclui pessoas de baixo status econômico e que usam exclusivamente o sistema de saúde pública no Brasil. Esta particularidade populacional poderia explicar a diferença entre a prevalência de dor nas costas em um estudo populacional e em um estudo baseado em UBS realizado na mesma cidade.

A DL é a razão de 2,3% das consultas de clínica geral2323 Deyo RA, Mirza SK, Martin BI. Back pain prevalence and visit rates: estimates from U.S. national surveys, 2002. Spine (Phila Pa 1976). 2006;31(23):2724-7.. Os pacientes procuram cuidados na UBS por muitas razões (por exemplo, tomar fármacos de controle, visita de rotina do médico, cuidados dentários, encaminhamento de especialistas, diagnóstico de atividades em grupo e tratamento de condições crônicas como diabetes, tuberculose e hipertensão). Além disso, o Brasil tem uma prevalência de automedicação de 35%, o que poderia levar os indivíduos a tomar analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides sem consultar primeiro um médico clínico geral. Estes fatores também poderiam ter influência na prevalência da dor nas costas encontrada neste estudo.

Quanto pior a percepção que o paciente tem de sua saúde, maior a frequência de comorbidades, sendo a dor crônica na coluna vertebral a condição crônica mais relatada2424 Araujo MEA, Silva MT, Galvao TF, Nunes BP, Pereira MG. Prevalence and patterns of multimorbidity in Amazon Region of Brazil and associated determinants: a cross-sectional study. BMJ Open. 2018;1;8(11):e023398.. A DL teve um efeito negativo na funcionalidade, apresentando implicações negativas na qualidade de vida, e um impacto maior sobre este parâmetro do que a dor no joelho2525 Muraki S, Akune T, Oka H, En-Yo Y, Yoshida M, Saika A, et al. Health-related quality of life in subjects with low back pain and knee pain in a population-based cohort study of Japanese men: the Research on Osteoarthritis Against Disability study. Spine. 2011;36(16):1312-9.,2727 Yamada K, Matsudaira K, Takeshita K, Oka H, Hara N, Takagi Y. Prevalence of low back pain as the primary pain site and factors associated with low health-related quality of life in a large Japanese population: a pain-associated cross-sectional epidemiological survey. Mod Rheumatol. 2014;24(2):343-8.. Além disso, a qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com DL pode se tornar tão baixa quanto em outros pacientes com condições crônicas, tais como insuficiência renal2828 Broonen JP, Marty M, Legout V, Cedraschi C, Henrotin Y. Is volition the missing link in the management of low back pain? Vol. 78, Joint Bone Spine. 2011;78(4):364-7.. Embora a percepção da saúde tenha sido medida por um questionário geral, este estudo indica uma associação entre a saúde regular/ruim e as dores nas costas.

A dor nas costas pode estar relacionada a condições específicas da coluna vertebral, como distúrbios inflamatórios ou mecânicos, assim como outras condições (por exemplo, doença inflamatória ou infecciosa, tumor ou doença metabólica). Além disso, poderia ser considerada não específica, ou seja, sem um diagnóstico específico2929 Endean A, Palmer KT, Coggon D. Potential of magnetic resonance imaging findings to refine case definition for mechanical low back pain in epidemiological studies: a systematic review. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(2):160-9.,3030 Shiri R, Karppinen J, Leino-Arjas P, Solovieva S, Viikari-Juntura E. The association between smoking and low back pain: a meta-analysis. Am J Med. 2010;123(1):87. e7-87.e35.. Pacientes com distúrbios musculoesqueléticos geralmente procuram tratamento de clínicos gerais, bem como fármacos para aliviar a intensidade da dor, o que poderia explicar as atuais descobertas sobre a associação de dor nas costas e doença musculoesquelética. Além disso, é importante ressaltar que as UBS são as instalações de saúde mais fáceis e mais próximas para buscar cuidados. A associação entre o tabagismo e a dor nas costas foi bem estabelecida na literatura. Dados de um estudo de meta-análise indicam maiores chances de dor nas costas em ex-fumantes (OR 1,27) e aqueles que sempre foram fumantes (OR 1,26), em comparação com quem nunca fumou3131 Green BN, Johnson CD, Snodgrass J, Smith M, Dunn AS. Association between smoking and back pain in a cross-section of adult Americans. Cureus. 2016;8(9):e806.. Ademais, um estudo com adultos americanos observou que a prevalência de dor nas costas em fumantes é maior quando comparada a ex-fumantes e aqueles que nunca fumaram. Além disso, a prevalência de dor nas costas em ex-fumantes é maior do que naqueles que nunca fumaram3232 Alzahrani H, Mackey M, Stamatakis E, Zadro JR, Shirley D. The association between physical activity and low back pain: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Sci Rep. 2019;9(1):8244.. Entretanto, no presente estudo, apenas a categoria de fumantes foi associada à dor nas costas. Mesmo que existem evidências sobre o efeito protetor da atividade física no tempo livre sobre as dores nas costas3333 Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Rodrigues MA, et al. Performance of the PSF in the Brazilian South and Northeast: Institutional and epidemiological Assessment of Primary Health Care. Ciencia e Saude Coletiva. 2006;11(3):669-81., o presente estudo não mostrou uma associação entre estas variáveis. De todo modo, as pessoas que sentem dor podem ter menos probabilidade de se envolverem em atividades físicas por tentar evitar o agravamento de sua dor1616 Souza DF da S, Häfele V, Siqueira FV. Dor crônica e nível de atividade física em usuários das unidades básicas de saúde. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2019;11(24);1-10.. Isto pode explicar a falta de associação encontrada neste estudo. De todo modo, estudos futuros em usuários de UBS devem se concentrar na atividade física e dor nas costas.

As limitações deste estudo devem ser mencionadas. Primeiro, diferentes tipos de UBS (padrão, Saúde da Família, ou mistas) oferecem diferentes tratamentos de saúde. Ações e recursos são mais adequados no Programa Saúde da Família, pois são direcionados a ações programáticas, atividades domésticas e maior envolvimento com a comunidade. Por outro lado, nas UBS padrão, o tratamento depende da iniciativa do paciente de buscar cuidados, o que poderia interferir em sua condição de dor3333 Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Rodrigues MA, et al. Performance of the PSF in the Brazilian South and Northeast: Institutional and epidemiological Assessment of Primary Health Care. Ciencia e Saude Coletiva. 2006;11(3):669-81.. Em segundo lugar, a dor foi avaliada apenas na última semana, o que não permite fazer inferências sobre a cronicidade da dor. No entanto, este é o primeiro estudo de conhecimento dos autores para avaliar a prevalência de dor nas costas na população de usuários de UBS. Além disso, o estudo avaliou uma amostra representativa de usuários de UBS, fornecendo informações sobre uma amostra bem representada de tal população.

CONCLUSÃO

A dor nas costas é um problema comum entre os usuários de UBS e está associada à doença musculoesquelética, ao tabagismo e a uma percepção ruim da saúde. Estudos adicionais são necessários para elucidar resultados de dor nesta população, tais como intensidade da dor, duração e incapacidade.

REFERENCES

  • 1
    Hartvigsen J, Hancock MJ, Kongsted A, Louw Q, Ferreira ML, Genevay S, et al. What low back pain is and why we need to pay attention. Lancet. 2018;391(10137):2356-67.
  • 2
    March L, Smith EU, Hoy DG, Cross MJ, Sanchez-Riera L, Blyth F, et al. Burden of disability due to musculoskeletal (MSK) disorders. Best Pract Res: Clin Rheumatol. 2014;28(3):353-66.
  • 3
    Gerhardt A, Hartmann M, Blumenstiel K, Tesarz J, Eich W. The prevalence rate and the role of the spatial extent of pain in nonspecific chronic back pain--a population-based study in the south-west of Germany. Pain Med. 2014;15(7):1200-10.
  • 4
    Urits I, Burshtein A, Sharma M, Testa L, Gold PA, Orhurhu V, et al. Low back pain, a comprehensive review: pathophysiology, diagnosis, and treatment. Curr Pain Headache Rep. 2019;23(3)23.
  • 5
    Freburger JK, Holmes GM, Agans RP, Jackman AM, Darter JD, Wallace AS, et al. The rising prevalence of chronic low back pain. Arch Int Med. 2009;169(3):251-8.
  • 6
    Ferreira ML, Machado G, Latimer J, Maher C, Ferreira PH, Smeets RJ. Factors defining care-seeking in low back pain--a meta-analysis of population based surveys. Eur J Pain. 2010;14(7):747.e1-7.
  • 7
    Brazil. ABC do SUS: Doutrina e Princípios. 1990.
  • 8
    Brazil. Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS - Participa SUS. 2009.
  • 9
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97.
  • 10
    Brazil. Política Nacional de Atenção Básica. 2012.
  • 11
    Plano Municipal de Saúde de Pelotas. 2013.
  • 12
    Brazil. Política de Promoção de Equidade em Saúde. 2013.
  • 13
    Vandenbroucke JP, von Elm E, Altman DG, Gøtzsche PC, Mulrow CD, Pocock SJ, et al. Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE): explanation and elaboration. PLoS Med; 2022;4(10):1628-54.
  • 14
    IASP. How prevalent is chronic pain? . Clinical Updates. 2003;11(2).
  • 15
    Häfele V, Siqueira FV. Aconselhamento para atividade física e mudança de comportamento em Unidades Básicas de Saúde. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2022;21(6):581-92.
  • 16
    Souza DF da S, Häfele V, Siqueira FV. Dor crônica e nível de atividade física em usuários das unidades básicas de saúde. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2019;11(24);1-10.
  • 17
    Brasil M da S. VIGITEL Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados br. SVS/MS Brasília; 2019.
  • 18
    Craig CL, Marshall AL, Sjöström M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, et al. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports and Exerc. 2003;35(8):1381-95.
  • 19
    Peláez-Ballestas I, Flores-Camacho R, Rodriguez-Amado J, Sanin LH, Valerio JE, Navarro-Zarza E, et al. Prevalence of back pain in the community. A COPCORD-based study in the Mexican population. J Rheumatol Suppl. 2011;;86:26-30.
  • 20
    Henn L, Schier K, Brian T, Hardt J. Back pain in Poland and Germany: a survey of prevalence and association with demographic characters. BioMed Research International. Hindawi Publishing Corporation; 2014.
  • 21
    Dennis D, Tampin B, Jacques A, Hebden-Todd T, Carter V, McLintock M, et al. The prevalence of back pain in patients in one Australian tertiary hospital population. Musculoskeletal Care. 2018;16(1):112-7.
  • 22
    Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalence and associated factors of back pain in adults from southern Brazil: a population-based study. Rev Bras Fisioter. 2011;15(1):31-6.
  • 23
    Deyo RA, Mirza SK, Martin BI. Back pain prevalence and visit rates: estimates from U.S. national surveys, 2002. Spine (Phila Pa 1976). 2006;31(23):2724-7.
  • 24
    Araujo MEA, Silva MT, Galvao TF, Nunes BP, Pereira MG. Prevalence and patterns of multimorbidity in Amazon Region of Brazil and associated determinants: a cross-sectional study. BMJ Open. 2018;1;8(11):e023398.
  • 25
    Muraki S, Akune T, Oka H, En-Yo Y, Yoshida M, Saika A, et al. Health-related quality of life in subjects with low back pain and knee pain in a population-based cohort study of Japanese men: the Research on Osteoarthritis Against Disability study. Spine. 2011;36(16):1312-9.
  • 26
    Horng YS, Hwang YH, Wu HC, Liang HW, Mhe YJ, Twu FC, et al. Predicting health-related quality of life in patients with low back pain. Spine. 2005;30(5):551-5.
  • 27
    Yamada K, Matsudaira K, Takeshita K, Oka H, Hara N, Takagi Y. Prevalence of low back pain as the primary pain site and factors associated with low health-related quality of life in a large Japanese population: a pain-associated cross-sectional epidemiological survey. Mod Rheumatol. 2014;24(2):343-8.
  • 28
    Broonen JP, Marty M, Legout V, Cedraschi C, Henrotin Y. Is volition the missing link in the management of low back pain? Vol. 78, Joint Bone Spine. 2011;78(4):364-7.
  • 29
    Endean A, Palmer KT, Coggon D. Potential of magnetic resonance imaging findings to refine case definition for mechanical low back pain in epidemiological studies: a systematic review. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(2):160-9.
  • 30
    Shiri R, Karppinen J, Leino-Arjas P, Solovieva S, Viikari-Juntura E. The association between smoking and low back pain: a meta-analysis. Am J Med. 2010;123(1):87. e7-87.e35.
  • 31
    Green BN, Johnson CD, Snodgrass J, Smith M, Dunn AS. Association between smoking and back pain in a cross-section of adult Americans. Cureus. 2016;8(9):e806.
  • 32
    Alzahrani H, Mackey M, Stamatakis E, Zadro JR, Shirley D. The association between physical activity and low back pain: a systematic review and meta-analysis of observational studies. Sci Rep. 2019;9(1):8244.
  • 33
    Facchini LA, Piccini RX, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, Rodrigues MA, et al. Performance of the PSF in the Brazilian South and Northeast: Institutional and epidemiological Assessment of Primary Health Care. Ciencia e Saude Coletiva. 2006;11(3):669-81.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2021
  • Aceito
    12 Abr 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br