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Comparação entre Pistas Indiretas Planas Simples e placas miorrelaxantes para tratamento de dor de cabeça relacionada à disfunção temporomandibular: ensaio clínico randomizado

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A cefaleia secundária à disfunção temporomandibular (CDTM), é uma condição clínica muito comum, com dores nas têmporas. O tratamento padrão na odontologia são as placas miorrelaxantes, entretanto um aparelho da ortopedia funcional dos maxilares, chamado de Pistas Indiretas Planas Simples (PIPS), tem se demonstrado eficiente no controle dessas cefaleias. Este estudo clínico visou comparar as PIPS com as placas miorrelaxantes, no quadro álgico de CDTM.

MÉTODOS:

Este ensaio clínico randomizado incluiu 37 mulheres portadoras de CDTM há mais de um ano, que foram distribuídas aleatoriamente em três grupos: o GPIPS, no qual as pacientes foram tratadas com PIPS, o GPLACA, com uso de placas miorrelaxantes de Michigan e o grupo controle (GC), sem qualquer tratamento. A aleatorização foi pareada, sendo que cada participante era consecutivamente alocada em um grupo diferente. Foram coletados e analisados dias de cefaleia por mês, intensidade de dores, resposta álgica à palpação de masseter e temporal, bem como os dias de uso de fármacos. O acompanhamento foi de três meses.

RESULTADOS:

Das 37 pacientes iniciais, 4 desistiram do tratamento e apenas 33 foram submetidos a alguma intervenção. As pacientes do GPIPS apresentaram resultados muito superiores às do GPLACA e do GC, com diferenças significativas entre os grupos em quase todas as variáveis. No GPIPS, os dias de dor diminuíram 87,43%, a intensidade 66,67% e os dias de uso de fármacos analgésicos 88,42%, sendo estatisticamente significante a melhora em todos os parâmetros em relação ao GC. Já no GPLACA, os dias de dor diminuíram 44,46% e os dias de uso de fármacos 36,63%, mas a intensidade da dor aumentou 46,67%, porém sem diferença estatisticamente significante em nenhum parâmetro quando comparado ao GC.

CONCLUSÃO:

O uso do PIPS pode ser uma boa escolha de tratamento da CDTM, tendo apresentado resultados mais consistentes do que as placas miorrelaxantes. Mais estudos e com mais participantes são necessários para confirmar estes achados.

Descritores
Cefaleia; Distúrbios de cefaleia; Distúrbios secundários de cefaleia; Pistas Indiretas Planas; Placas miorrelaxantes; Síndrome de disfunção da articulação temporomandibular

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Temporomandibular disorder-related headache (TMDH) is a very common clinical condition which manifests as pain around the temples. The treatment recommended in dentistry is occlusal splint. However, there is a device generally used in functional jaw orthopedics, called simple Planas indirect tracks (SPIT), which has been shown to be efficient in managing these headaches. This clinical trial aimed to compare SPIT and occlusal splints in the treatment of TMDH patients.

METHODS:

This randomized clinical trial included thirty-seven women who had TMDH for more than one year into three groups: GPIT treated with SPIT, GSPLINT treated with a Michigan splint, and a control group (CG) submitted to no treatment. The randomization was paired, that is, each new individual was assigned to a group sequentially. The number of headache days per month, average pain intensity, pain response to masseter and temporalis palpation, and days of pain drug use were collected and analyzed. The follow-up lasted for 3 months.

RESULTS:

Thirty-seven patients were included but 4 dropped out during treatment and 33 underwent intervention. Patients in GPIT exhibited superior results compared to GSPLINT and CG, with significant differences between groups for almost all variables. In GPIT, the number of headache days was reduced by 87.43%, pain intensity by 66.67%, and days of drug use by 88.42%, with significant improvement in all parameters compared to CG. In GSPLINT, the number of headache days decreased by 44.46% and days of drug use by 36.63%, while pain intensity increased by 46.67%; however, there was no significant difference in any of the parameters compared to CG.

CONCLUSION:

SPIT may be a good treatment option for patients with TMDH since these appliances have shown much more consistent results than occlusal splints. Further studies and with more individuals will be needed to confirm these findings.

Keywords
Headache; Headache disorders; Occlusal splints; Planas Indirect Tracks; Secondary headache disorders; Temporomandibular joint dysfunction syndrome

DESTAQUES

  • Pistas Indiretas Planas apresentaram um desempenho melhor do que as placas miorrelaxantes no tratamento da cefaleia secundária à disfunção temporomandibular.

  • Pistas Indiretas Planas reduziram o número de dias com dor de cabeça, a intensidade da dor e o uso de analgésicos.

  • Pistas Indiretas Planas podem ser uma alternativa viável para o controle da cefaleia.

DESTAQUES

  • Pistas Indiretas Planas apresentaram um desempenho melhor do que as placas miorrelaxantes no tratamento da cefaleia secundária à disfunção temporomandibular.

  • Pistas Indiretas Planas reduziram o número de dias com dor de cabeça, a intensidade da dor e o uso de analgésicos.

  • Pistas Indiretas Planas podem ser uma alternativa viável para o controle da cefaleia.

INTRODUÇÃO

A cefaleia é uma das queixas mais comuns da população em geral e está entre as dez condições mais sintomáticas observadas na prática clínica11 Franco AL, Godoi DA, Castanharo SM, Camparis CM. Interação entre cefaléias e disfunção temporomandibular: uma revisão da literatura. Rev Odontol UNESP. 2008;37(4):401-6.. A Classificação Internacional de Transtornos de Cefaleia, proposta em 2018 pela Sociedade Internacional de Cefaleia, faz uma distinção entre cefaleias primárias e secundárias, mas os pacientes podem ter cefaleias primárias e secundárias simultaneamente22 Kowacs F, Dantas D, De Macedo P, Pereira Da Silva-Néto R. Classificação Internacional das Cefaleias. 3ª ed. Editora Omnifarma LTDA; 2018..

De acordo com a literatura, a cefaleia é o principal sintoma em pacientes com disfunções temporomandibulares (DTM), se não o único11 Franco AL, Godoi DA, Castanharo SM, Camparis CM. Interação entre cefaléias e disfunção temporomandibular: uma revisão da literatura. Rev Odontol UNESP. 2008;37(4):401-6.

2 Kowacs F, Dantas D, De Macedo P, Pereira Da Silva-Néto R. Classificação Internacional das Cefaleias. 3ª ed. Editora Omnifarma LTDA; 2018.

3 Menezes MS, Bussadori SK, Fernandes KPS, Biasotto-Gonzalez DA. Correlação entre cefaléia e disfunção temporomandibular. Fisioter Pesqui. 2008;15(2):183-7.
-44 Saha FJ, Pulla A, Ostermann T, Miller T, Dobos G, Cramer H. Effects of occlusal splint therapy in patients with migraine or tension-type headache and comorbid temporomandibular disorder. A randomized controlled trial. Medicine (Baltimore). 2019;98(33):e16805.. Reconhece-se que fatores periféricos e centrais desempenham um papel na dor que ocorre na DTM55 Harper DE, Schrepf A, Clauw DJ. Pain mechanisms and centralized pain in temporomandibular disorders. J Dent Res. 2016;95(10):1102-8., que é frequentemente confundida com dores de cabeça primárias, como a cefaleia tensional. Um estudo66 Ballegaard V, Thede-Schmidt-Hansen P, Svensson P, Jensen R. Are headache and temporomandibular disorders related? A blinded study. Cephalalgia. 2008;28(8):832-41. relatou prevalência de DTM de 56,1% em pacientes com cefaleias primárias, sem diferenças significativas entre os grupos de cefaleias primárias.

Entretanto, a prevalência tendeu a ser maior entre os pacientes que tinham uma combinação de enxaqueca e cefaleia do tipo tensional77 Speciali JG, Dach F. Temporomandibular dysfunction and headache disorder. Headache. 2015;55 Suppl 1(S1):72-83.,88 Gonçalves DA, Bigal ME, Jales LC, Camparis CM, Speciali JG. Headache and symptoms of temporomandibular disorder: an epidemiological study. Headache. 2010;50(2):231-41.. A depressão moderada a grave estava presente em 54,1% dos pacientes com DTM66 Ballegaard V, Thede-Schmidt-Hansen P, Svensson P, Jensen R. Are headache and temporomandibular disorders related? A blinded study. Cephalalgia. 2008;28(8):832-41.,99 Reik L, Hale M. The temporomandibular joint pain-dysfunction syndrome: a frequent cause of headache. Headache. 1981;21(4):151-6.. Por outro lado, cerca de 70% dos indivíduos com DTM têm dores de cabeça, que são o sintoma mais comum e a queixa mais frequentemente relatada pelos pacientes com DTM1010 Lupoli TA, Lockey RF. Temporomandibular dysfunction: an often overlooked cause of chronic headaches. Ann Allergy, Asthma Immunol. 2007;99(4):314-8.. Uma explicação para esse achado seria a presença de hábitos parafuncionais, como o bruxismo, que pode levar à hiperfunção dos músculos mastigatórios e, consequentemente, a dores de cabeça1111 Paulino MR, Moreira VG, Lemos GA, Silva PLP, Bonan PRF, Batista AUD. Prevalência de sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em estudantes pré-vestibulandos: associação de fatores emocionais, hábitos parafuncionais e impacto na qualidade de vida. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(1):173-86.,1212 Wagner BA, Moreira Filho PF, Bernardo VG. Association of bruxism and anxiety symptoms among military firefighters with frequent episodic tension type headache and temporomandibular disorders. Arq Neuropsiquiatr. 2019;77(7):478-84.. Testes simples de palpação do músculo e da articulação podem ser realizados para avaliar a relação entre dores de cabeça primárias e derivadas de DTM1313 Schiffman E, Haley D, Baker C, Lindgren B. Diagnostic criteria for screening headache patients for temporomandibular disorders. Headache J Head Face Pain. 1995;35(3):121-4..

A cefaleia observada na DTM apresenta um padrão característico. Ela ocorre nas regiões temporal, frontal e retro-ocular e pode ser unilateral ou bilateral; sua intensidade varia de leve a grave. Esse tipo de cefaleia ocorre com mais frequência no final do dia. Estudos relataram uma relação moderada com mudanças no estado emocional e cansaço, bem como uma preponderância no sexo feminino33 Menezes MS, Bussadori SK, Fernandes KPS, Biasotto-Gonzalez DA. Correlação entre cefaléia e disfunção temporomandibular. Fisioter Pesqui. 2008;15(2):183-7.,1414 Ashina S, Mitsikostas DD, Lee MJ, Yamani N, Wang SJ, Messina R, Ashina H, Buse DC, Pozo-Rosich P, Jensen RH, Diener HC, Lipton RB. Tension-type headache. Nat Rev Dis Primers. 2021 Mar 25;7(1):24.,1616 Speciali JG. Cefaléias. Rev Bras Med. 2006;63(Spec ISS.):6-18.. Vários tratamentos foram propostos, incluindo o uso de fármacos1717 Ertsey C, Magyar M, Gyüre T, Balogh E, Bozsik G. Tension type headache and its treatment possibilities. Ideggyogy Sz. 2019;72(1-2):13-21., fisioterapia1818 Kamali F, Mohamadi M, Fakheri L, Mohammadnejad F. Dry needling versus friction massage to treat tension type headache: A randomized clinical trial. J Bodyw Mov Ther. 2019;23(1):89-93., osteopatia e terapia cognitivo-comportamental1919 Biondi DM. Cervicogenic headache: a review of diagnostic and treatment strategies. J Am Osteopath Assoc. 2005;105(4 Suppl 2):16S-22S.,2020 Krymchantowski AV. Tensionðtype headaches. Rev Bras Neurol. 2003;39(4):23-9., bem como outras abordagens alternativas, como meditação, técnicas de relaxamento2121 Álvarez-Melcón AC, Valero-Alcaide R, Atín-Arratibel MA, Melcón-Álvarez A, Beneit-Montesinos JV. Effects of physical therapy and relaxation techniques on the parameters of pain in university students with tension-type headache: a randomised controlled clinical trial. Neurol (English Ed. 2018;33(4):233-43. ou controle do estresse2222 Kostrzewa-Janicka J, Mierzwinska-Nastalska E, Rolski D, Szczyrek P. Occlusal stabilization splint therapy in orofacial pain and tension-type headache. Adv Exp Med Biol. 2013;788:181-8.. Na odontologia, o tratamento padrão-ouro é o uso de placas miorrelaxantes. Esses aparelhos consistem em uma órtese de acrílico que impede o contato entre os dentes superiores e inferiores, alterando a propriocepção oclusal. O cerramento dos dentes não seria eliminado, mas a lesão aos músculos seria menos intensa, reduzindo as dores de cabeça associadas à DTM. O mecanismo subjacente ao efeito das placas ainda não está claro, mas o aparelho é capaz de reduzir a dor muscular2323 Troeltzsch M, Messlinger K, Brodine B, Gassling V, Troeltzsch M. A comparison of conservative and invasive dental approaches in the treatment of tension-type headache. Quintessence Int. 2014;45(9):795-802.,2424 Manfredini D, Ahlberg J, Winocur E, Lobbezoo F. Management of sleep bruxism in adults: a qualitative systematic literature review. J Oral Rehabil. 2015;42(11):862-74..

Um tratamento comumente usado na ortopedia funcional dos maxilares para dores de cabeça associadas à DTM é o uso de Pistas Indiretas Planas Simples classe II (PIPS II), que foram inicialmente desenvolvidas para tratar a retrognatia em crianças. Esses aparelhos consistem em pistas de acrílico que, além de promoverem a desoclusão como as placas oclusais, têm a vantagem de permitir o movimento lateral livre da mandíbula e promover a protrusão mandibular. Atualmente, não há pesquisas que avaliaram os resultados do PIPS II para o tratamento de DTM associada à cefaleia em adultos e, por isso, o presente estudo foi realizado.

MÉTODOS

Este é um ensaio clínico randomizado que envolveu pacientes atendidos no NEOMSP-Ensino e Pesquisa em Saúde, São Paulo, Brasil. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (Certificado de Autorização Ética 31985920.7.0000.5485) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de inclusão foram: idade entre 20 e 50 anos, duração da cefaleia superior a um ano, pelo menos um episódio de dor por semana e dor mediante a palpação dos músculos cranianos e cervicais. Os pacientes que haviam sido submetidos a outros tratamentos para cefaleia foram excluídos.

O desfecho primário foi o número de dias com dor, antes de iniciar o tratamento (inicial) e três meses depois (final). Os desfechos secundários foram a intensidade da dor inicial e final (nos últimos 30 dias). A intensidade da dor mediante a palpação do masseter e do temporal, assim como o número de dias de uso de fármaco (nos últimos 30 dias) também foram avaliados.

O tamanho da amostra foi determinado estatisticamente com base em outros estudos, contando com 13 indivíduos por grupo.

Trinta e três mulheres participaram do estudo. A idade média foi de 38,46±9,9 anos. Todos os indivíduos foram distribuídos de forma aleatória e consecutiva por um assistente cego em um dos três grupos a seguir: GPLACA, composto por 11 mulheres que receberam uma placa acrílica superior (Michigan); GPIPS, composto por 13 mulheres que foram tratadas com PIPS II, e um grupo de controle composto por 9 mulheres que não foram submetidas a nenhum tratamento. O período de recrutamento e acompanhamento foi de agosto de 2020 a janeiro de 2021.

Quatro indivíduos do grupo de controle se retiraram do projeto por motivos pessoais e dois indivíduos do grupo GPLACA se retiraram porque não obtiveram resultados positivos.

A placa miorrelaxante de Michigan é um aparelho móvel feito de resina acrílica com guias de canino que se encaixam perfeitamente na arcada superior ou inferior. Ele foi projetado para permitir o contato máximo entre os dentes antagonistas e, ao mesmo tempo, criar desoclusão total (Figura 1). Esse aparelho é considerado o tratamento padrão ouro para DTM na odontologia2626 Riley P, Glenny AM, Worthington HV, Jacobsen E, Robertson C, Durham J, Davies S, Petersen H, Boyers D. Oral splints for patients with temporomandibular disorders or bruxism: a systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess. 2020 Feb;24(7):1-224. doi: 10.3310/hta24070. PMID: 32065109; PMCID: PMC7049908.
https://doi.org/10.3310/hta24070...
.

Figura 1
Visão lateral e oclusal da Placa de Michigan.

O PIPS II é baseado na lei da dimensão vertical mínima, conforme descrita pelo estudo2525 Planas P, Eiras H. Reabilitação Neuro-Oclusal. 2ª ed. Guanabara-Koogan, ed. MEDSI; 1997.. Essa lei afirma que a mandíbula sempre buscará a menor dimensão vertical possível e não a máxima intercuspidação habitual. Com base nessa lei, a máxima intercuspidação habitual torna-se uma consequência da dimensão vertical mínima, fato fundamental para entender a função desse dispositivo. O PIPS II é composto por duas partes, uma superior e outra inferior, equipadas com pistas feitas com uma inclinação ascendente na direção posteroanterior (Figura 2)2525 Planas P, Eiras H. Reabilitação Neuro-Oclusal. 2ª ed. Guanabara-Koogan, ed. MEDSI; 1997..

Figura 2
Visão lateral e oclusal das Pistas Indiretas Planas Simples Classe II (PIPS II).

Figura 3
Diagrama do fluxo de participantes

Quando a boca está fechada buscando a oclusão dentária, a mandíbula se retrai e a parte “superior” da pista inferior toca a parte “superior” da pista superior, aumentando a dimensão vertical. Como o organismo tende a buscar sempre a menor dimensão vertical, essa posição retraída causa desconforto e induz a mandíbula a assumir uma posição mais anterior. A consequência é a protrusão da mandíbula, além de uma elevação vertical inata do aparelho. Por esse motivo, o aparelho recebeu a denominação de II, ou seja, foi inicialmente projetado para tratar pacientes com má oclusão de classe II ou retrognatismo mandibular2525 Planas P, Eiras H. Reabilitação Neuro-Oclusal. 2ª ed. Guanabara-Koogan, ed. MEDSI; 1997..

Outra característica do PIPS II é que ele impede que os dentes superiores e inferiores se toquem, pois o contato ocorre apenas entre as pistas. A ausência de interferências permite o movimento lateral livre da mandíbula2525 Planas P, Eiras H. Reabilitação Neuro-Oclusal. 2ª ed. Guanabara-Koogan, ed. MEDSI; 1997..

Todos os participantes do estudo passaram por uma primeira consulta que incluiu a aplicação do questionário recomendado pela Academia Americana de Dor Orofacial1111 Paulino MR, Moreira VG, Lemos GA, Silva PLP, Bonan PRF, Batista AUD. Prevalência de sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em estudantes pré-vestibulandos: associação de fatores emocionais, hábitos parafuncionais e impacto na qualidade de vida. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(1):173-86., bem como um exame clínico específico de cefaleia relacionada à DTM, com ênfase em pontos sensíveis nos músculos temporal e masseter. Também foram avaliados o estalido, o desvio durante o movimento e a dor mediante a palpação direta das articulações temporomandibulares. Para avaliar a frequência, a lateralidade, a intensidade média (0 = sem dor, 1 = dor leve, 2 = dor moderada e 3 = dor intensa), os fatores desencadeantes e os fármacos usados, cada participante preencheu um diário eletrônico de cefaleia no primeiro mês (linha de base) com o intuito de avaliar o comportamento da cefaleia antes de qualquer intervenção (aplicativo para iOS ou Android desenvolvido pela Libbs Farmacêutica Ltda.).

Na primeira consulta, foram tirados moldes dos participantes do GPIPS e do GPLACA para a fabricação de seus respectivos aparelhos. Nenhuma intervenção foi realizada nos primeiros 30 dias após a primeira consulta, visando obter uma referência para a futura comparação intragrupo.

Após 30 dias, os pacientes do GPLACA receberam as placas miorrelaxantes, que foram ajustadas com pontos de contato corretamente distribuídos e guias de caninos bem definidas. No GPIPS, o PIPS II foi instalado e os ajustes necessários das pistas foram feitos com o uso do Papel Articulador Bausch 200 Micron, com a marcação de pelo menos 75% da área de contato entre elas. Também foram realizadas fotografias para o controle clínico e a medição da inclinação das pistas em relação ao plano de Camper e ao plano oclusal. Os participantes do GC não foram submetidos a nenhuma intervenção instrumental e seu acompanhamento foi o mesmo que o utilizado nos grupos que receberam a intervenção.

Todos os participantes dos três grupos tiveram consultas mensais durante 3 meses. O comportamento da cefaleia foi monitorado por meio do diário eletrônico, que continuou a ser preenchido mensalmente por todos os participantes. Os aparelhos e placas foram ajustados de acordo com as informações coletadas dos diários eletrônicos.

No GPIPS, na ausência de alívio da dor, a inclinação das pistas foi aumentada na direção anteroposterior. No GPLACA, os ajustes mais frequentes envolveram as guias caninas ou o desgaste de pontos prematuros. Os participantes do GC tiveram consultas clínicas para monitoramento da dor.

Três meses após a instalação dos aparelhos, os participantes preencheram novamente o questionário e foram submetidos a um novo exame clínico (palpação) e à coleta de dados do aplicativo.

Conforme determinado pelo Comitê de Ética, foram retirados moldes dos pacientes do GC para a fabricação do aparelho que forneceu os melhores resultados.

Análise estatística

Todas as análises foram realizadas usando o software estatístico R. A idade dos participantes foi comparada por meio de uma Análise de Variância (ANOVA) unidirecional. As variáveis número de dias com dor, intensidade da dor e número de dias com uso de fármacos não atenderam ao pressuposto da análise paramétrica. Assim, os testes de Kruskal-Wallis e Dunn foram usados para a comparação entre grupos e o teste de Wilcoxon pareado para a comparação entre pontos de tempo. O teste de correlação de Pearson foi usado para correlacionar a inclinação da trilha do PIPS II com a intensidade da dor de cabeça. Foi adotado um nível de significância de 5% para todas as análises.

RESULTADOS

Trinta e sete pacientes foram incluídas nessa pesquisa, mas quatro desistiram durante o tratamento e 33 foram submetidas a intervenções. A idade da amostra variou de 20 a 59 anos, com uma idade média de 38,33 anos (p=0,874).

Na linha de base, não foi observada diferença significativa no número de dias de dor, na intensidade da dor ou no número de dias de uso de fármacos entre os três grupos (p > 0,05 - tabelas 1 e 2 - figuras 4 a 8).

Tabela 1
Idade (anos) das participantes em função do grupo
Tabela 2
Comparação intra e intergrupos do número de dias de dor, intensidade da dor (escala de 0 - sem dor a 3 - dor intensa), resposta da dor à palpação dos músculos masseter e temporal e dias de uso de fármaco na linha de base e após a intervenção.
Tabela 3
Inclinação das pistas em relação ao plano de Camper e ao plano oclusal e distância vertical entre os incisivos centrais superiores e inferiores com o uso do PIPS II.

Figura 4
Diagrama de caixa do número de dias com dor (nos últimos 30 dias)

Figura 5
Diagrama de caixa da intensidade da dor inicial e final (nos últimos 30 dias)

Figura 6
Diagrama de caixa da intensidade inicial e final da dor por palpação do masseter

Figura 7
Diagrama de caixa da intensidade inicial e final da dor por palpação do temporal

Figura 8
Diagrama de caixa do número de dias de uso de fármacos (nos últimos 30 dias)

Os pacientes do GPIPS apresentaram uma redução significativa no número de dias de dor (-87,43%), na intensidade média mensal da dor (-66,67%), na dor por palpação do masseter (-63,64%) e do temporal (-63,64%) e no número de dias de uso de fármacos (-88,42%) (p < 0,05 para todos) após a intervenção. No GPLA- CA houve uma redução significativa no número de dias de dor (-44,66%), na dor por palpação do temporal (-33,33%) e no número de dias de uso de fármacos (-36,63%), mas não na dor por palpação do masseter (p = 0,3254). Entretanto, a intensidade média da dor aumentou significativamente no GPLACA, em 46,67% (p = 0,0234). Não foram observadas diferenças significativas em relação à linha de base no GC.

A comparação intergrupos mostrou que o GPIPS foi estatisticamente superior ao GC em todas as variáveis.

Em comparação com o GPLACA, o GPIPS foi estatisticamente superior em termos de número de dias de dor, intensidade média mensal da dor e número de dias de uso de fármacos. Não foi observada diferença significativa na dor por palpação do masseter ou do temporal entre os grupos. Entretanto, não houve diferença significativa em nenhuma variável analisada entre o GPLACA e o GC. As figuras 4 a 8 ilustram essas diferenças.

A tabela 3 mostra a análise descritiva da inclinação das pistas e da distância dos incisivos.

Foi observada uma correlação direcionada e moderada (r=0,68) entre a inclinação das pistas e a intensidade da dor (Figura 9).

Figura 9
Ângulo formado pela inclinação das pistas e pelo plano de Camper. A linha superior (do nariz à orelha) é o plano de Camper e a linha inferior é a inclinação das pistas.

DISCUSSÃO

Um estudo que utilizou placas miorelaxantes em pacientes com cefaleia associada à DTM constatou que 25% dos pacientes com dor intensa passaram a ter dor leve, 10% passaram a ter dor moderada e 10% não sentiam mais dor; a intensidade da dor forte persistiu em apenas 5%. Houve também uma melhora significativa de dor moderada para fraca ou ausente em todos os participantes, validando assim o tratamento, que proporcionou um alívio significativo da cefaleia1313 Schiffman E, Haley D, Baker C, Lindgren B. Diagnostic criteria for screening headache patients for temporomandibular disorders. Headache J Head Face Pain. 1995;35(3):121-4.. Em outro estudo que avaliou o resultado do tratamento com placas miorelaxantes, 60% dos pacientes relataram cura ou melhora acentuada, 25% relataram apenas melhora e 15% relataram que a terapia foi ineficaz ou teve pouco efeito no alívio da dor2525 Planas P, Eiras H. Reabilitação Neuro-Oclusal. 2ª ed. Guanabara-Koogan, ed. MEDSI; 1997..

No presente estudo, foram observados resultados semelhantes com relação à frequência da dor. As pacientes do GPLACA apresentaram uma redução significativa no número de dias com dor por mês, de 20,6 ± 5,9 para 11,4 ± 6,6 (p < 0,05), o que correspondeu a uma redução de 44,66%. Essas pacientes também apresentaram melhora significativa na dor por palpação do temporal, de 2,1 ± 0,7 para 1,4 ± 0,8, e no número de dias de uso de fármacos, de 10,1 ± 8,2 para 6,4 ± 8,1 (p < 0,05). No entanto, a intensidade da dor aumentou significativamente nesse grupo, de 1,5 ± 0,3 para 2,2 ± 0,6 (p < 0,05), em contraste com os resultados relatados na literatura.

No GPIPS, depois que os aparelhos foram instalados, algumas pacientes acharam que não se acostumariam com o dispositivo, pois ele é mais volumoso e ocupa mais espaço intraoral do que as placas miorelaxantes. Entretanto, ao final do tratamento, todas as pacientes estavam bem-adaptadas. Houve uma redução significativa em todos os parâmetros nesse grupo, especialmente no número de dias com dor, de 18,3 ± 7,9 para 2,3 ± 2,6, o que correspondeu a uma redução de 87,43%.

A comparação dos grupos mostrou que as pacientes que usaram o PIPS II obtiveram resultados muito melhores em todas as variáveis estudadas do que aquelas que usaram placas. Com relação à dor por palpação do masseter e do temporal, apesar da melhora considerável no GPIPS, não foi observada diferença estatisticamente significativa. No presente estudo, a maioria das pistas instaladas nas pacientes do GPIPS não exigiu alterações. Entretanto, na ausência de um alívio considerável da cefaleia, sua inclinação foi aumentada, o que proporcionou um bom alívio da dor nos meses seguintes. Foi observada uma correlação entre o ângulo de inclinação e a intensidade da dor nas participantes do GPIPS. Quanto maior a inclinação, menor a intensidade da dor (r=0,58).

A teoria mais provável para o mecanismo de ação do PIPS é que a inclinação das pistas induz uma maior protrusão mandibular por meio da contração do músculo pterigóideo lateral (no sentido anterior e inferior), promovendo, consequentemente, o relaxamento de seus antagonistas e dos músculos masseter, temporal e pterigóideo medial, reduzindo as dores de cabeça.

Os presentes resultados demonstram o impacto positivo do PIPS II e validam a técnica como uma opção segura e eficaz para o tratamento de cefaleia associada à DTM. As limitações deste estudo incluem o tamanho relativamente pequeno da amostra e a falta de um estudo cruzado.

CONCLUSÃO

No presente estudo, verificou-se que o PIPS II é uma opção de tratamento mais eficaz para cefaleia associada à DTM do que as placas miorelaxantes para todos os parâmetros estudados, bem como em comparação com o grupo de controle. São necessários mais estudos para reproduzir esses achados e confirmar a utilidade desses aparelhos no tratamento da cefaleia. De todo modo, o PIPS II parece ser mais eficaz do que o tratamento padrão ouro usado atualmente na odontologia para o tratamento de dores de cabeça associadas à DTM.

  • Fontes de fomento: NEOM-SP Educação e Pesquisa em Saúde e Laboratório de Ortodontia PPV.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à NEOMSP Educação e Pesquisa em Saúde pelo apoio financeiro e ao Laboratório Ortodôntico PPV pela fabricação dos aparelhos utilizados no estudo.

REFERENCES

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    Franco AL, Godoi DA, Castanharo SM, Camparis CM. Interação entre cefaléias e disfunção temporomandibular: uma revisão da literatura. Rev Odontol UNESP. 2008;37(4):401-6.
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    » https://doi.org/10.3310/hta24070

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2023
  • Aceito
    05 Maio 2023
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