Resumos
Os autores relatam a rara associação de efusão uveal e tuberculose ocular presumida em paciente do sexo masculino que apresentou melhora clínica com o uso sistêmico de prednisona 40 mg/d e rifampicina 600 mg/d. Descrevem, ainda, aspectos relevantes da efusão uveal, como etiopatogenia, evolução da doença, diagnóstico diferencial e tratamento, por meio de revisão da literatura.
Doenças da coróide; Doenças da úvea; Descolamento retiniano; Uveíte; Tuberculose ocular; Relatos de casos
The authors report a rare association of uveal effusion with presumed ocular tuberculosis in a male patient who presented clinical improvement with the systemic use of prednisone 40 mg/d and rifampicin 600 mg/d. In addition, relevant aspects of the uveal effusion such as the pathogenesis, evolution of the disease, differential diagnosis and treatment are described through a revision of the literature.
Choroid diseases; Uveal diseases; Retinal detachment; Uveitis; Tuberculosis, ocular; Case reports
RELATOS DE CASOS
Efusão uveal associada à tuberculose presumida: relato de caso
Uveal effusion associated with presumed tuberculosis: case report
Juliana Ribeiro RodriguesI; Amanda Vieira AbílioII; Pedro Durães SerracarbassaIII
IMédica residente do 3º ano do Serviço de Oftalmologia do Hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo - HSPE - São Paulo (SP) - Brasil
IIMédica oftalmologista
IIIDoutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP - São Paulo (SP) - Brasil. Médico Assistente do Departamento de Oftalmologia do HSPE - São Paulo (SP) - Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana Ribeiro Rodrigues Rua Oscar Freire, 1.753 - Apto. 112B São Paulo (SP) CEP 05409-011 E-mail: julianaoftalmo@gmail.com
RESUMO
Os autores relatam a rara associação de efusão uveal e tuberculose ocular presumida em paciente do sexo masculino que apresentou melhora clínica com o uso sistêmico de prednisona 40 mg/d e rifampicina 600 mg/d. Descrevem, ainda, aspectos relevantes da efusão uveal, como etiopatogenia, evolução da doença, diagnóstico diferencial e tratamento, por meio de revisão da literatura.
Descritores: Doenças da coróide; Doenças da úvea; Descolamento retiniano; Uveíte; Tuberculose ocular; Relatos de casos [Tipo de publicação]
ABSTRACT
The authors report a rare association of uveal effusion with presumed ocular tuberculosis in a male patient who presented clinical improvement with the systemic use of prednisone 40 mg/d and rifampicin 600 mg/d. In addition, relevant aspects of the uveal effusion such as the pathogenesis, evolution of the disease, differential diagnosis and treatment are described through a revision of the literature.
Keywords: Choroid diseases; Uveal diseases; Retinal detachment; Uveitis; Tuberculosis, ocular; Case reports [Publication type]
INTRODUÇÃO
A efusão cílio-coroidiana é um acúmulo de material proteináceo em meio às fibras que ligam a coróide e o corpo ciliar à esclera. Classifica-se a efusão cílio-coroidiana ou efusão uveal como uma reação não específica observada em várias entidades clínicas(1), podendo estar associada às doenças sistêmicas como Vogt-Koyanagi-Harada(1-2); apresentar causas específicas como cirurgias oculares(3) ou pós-traumáticas(1); quadros não inflamatórios como leucemias(1), mieloma múltiplo(1), tumor de glândula lacrimal(1), linfomas(4), alterações vasculares (fístula carótido-cavernosa)(1) ou surgir após fotocoagulação retiniana(1). O mixedema também é descrito como causa de efusão uveal(5). Quadros inflamatórios como episclerite e esclerite, pseudotumor orbitário, oftalmia simpática e doenças do colágeno também podem levar à efusão cílio-coroidiana(1). Uveíte infecciosa como a sífilis(6) e a toxoplasmose(1) também são causas importantes. A efusão uveal e o nanoftalmo são duas entidades reconhecidamente relacionadas(5,7). A efusão uveal em olhos nanoftálmicos pode ocorrer de forma espontânea, após cirurgia de catarata, pós-trabeculoplastia; após cirurgia filtrante antiglaucomatosa e após laserterapia retiniana(8-9).
Em alguns casos de efusão cílio-coroidiana, a causa não é aparente e não há associação com doenças sistêmicas, a esta chamamos de síndrome da efusão uveal idiopática que é semelhante à observada no nanoftalmo, exceto pelo diâmetro normal do globo ocular(1,10).
No presente trabalho, apresenta-se um caso de efusão uveal secundária, sendo a tuberculose a etiologia mais provável.
RELATO DO CASO
O caso refere-se ao paciente J.P., de 50 anos de idade, sexo masculino, cor parda, natural de Luís, Estado de São Paulo. Procurou o ambulatório de oftalmologia queixando-se de baixa acuidade visual (BAV) de surgimento súbito no olho direito, com duração de 30 dias. A BAV é caracterizada pelo paciente como "uma mancha escura e central". Negava história de trauma, dor ou hiperemia ocular. O interrogatório clínico sobre os demais aparelhos foi negativo.
No exame oftalmológico observou-se refração dinâmica plana para longe e adição para perto de +2,00 em cada olho. Acuidade visual com correção era de 20/200 no olho direito e 20/20 no olho esquerdo. Ausência de alterações no exame de biomicroscopia anterior e da musculatura extrínseca ocular. Pressão ocular no momento da consulta: 8 e 12 mmHg no olho direito e olho esquerdo respectivamente. Reflexos fotomotor direto e indireto presentes e normais em ambos os olhos.
No mapeamento de retina notou-se olho esquerdo (OE) sem alterações e olho direito (OD) com descolamento de retina seroso inferior, atingindo mácula e descolamento de coróide nos 360º da periferia da retina (Figuras 1 A e B; 2 A e B ).
Foi realizada angiofluoresceinografia (AGF); ultra-sonografia ocular (USG) e ultra-sonografia biomicroscópica (UBM) em ambos os olhos. À AGF notaram-se pontos de hiperfluorescência do tipo extravasamento do contraste, ao nível do EPR e no pólo posterior, que aumentaram de intensidade e tamanho com o decorrer do exame (Figuras 3 A a E). A USG ocular do olho direito denotou descolamento de vítreo parcial, espessamento de coróide e descolamento de retina na periferia (Figuras 4 A e B) e a UBM demonstrou espessamento (edema) e descolamento de corpo ciliar (Figuras 5 A a C).
Foram realizados exames subsidiários: hemograma com leucocitose e neutrofilia; IgG positivo para toxoplasmose, rubéola e mononucleose, PPD forte reator (enduração de 18 mm), VDRL negativo e RX de tórax sem alterações.
O paciente foi considerado com forte suspeita para tuberculose ocular e recebeu rifampicina 600 mg/d e prednisona 40 mg/d via oral. Após 30 dias do início do tratamento, houve melhora da acuidade visual no OD para 20/20 e resolução do descolamento de retina seroso, porém com descolamento de coróide presente. Nos três meses de seguimento, a acuidade visual ainda era de 20/20, a retina permanecia aplicada e o descolamento de coróide permanecia inalterado.
DISCUSSÃO
A efusão uveal pode ser idiopática ou de causas secundárias. A síndrome de efusão uveal idiopática foi primeiramente descrita por Schepens e Brockhurst em 1963, os autores descreveram 17 casos de síndrome de efusão uveal presentes, predominantemente, em homens de meia-idade, sendo que 30% deles apresentavam descolamento de coróide anular e o espessamento escleral foi encontrado em 47% do total dos pacientes(11).
O descolamento de coróide idiopático seroso, de corpo ciliar e de retina são descritos como síndrome de efusão uveal e, uma das causas dessa desordem são anormalidades esclerais que levam ao aumento da resistência ao fluxo transescleral de proteínas intra-oculares(12). Esta teoria explica a causa da efusão uveal onde o espessamento escleral é evidente, mas falha em relação àquela onde a espessura escleral é normal. Acredita-se que neste último caso há alterações na permeabilidade vascular coroidiana levando à efusão(13-14).
A síndrome de efusão uveal idiopática acomete principalmente indivíduos saudáveis e homens de meia-idade(10,12). A apresentação inicial mais comum é a baixa acuidade visual central, descolamento de retina exsudativo, acompanhado de espessamento ou descolamento de coróide e de corpo ciliar anular(5,8,12). Caracteriza-se também pela dilatação dos vasos episclerais e pressão ocular normal(12). A angiofluoresceinografia desses olhos geralmente revela retardo da perfusão coroidiana, fluorescência coroidiana prolongada, áreas focais de hiperfluorescência por vazamento do contraste através do epitélio pigmentado da retina e acúmulos de pigmentos semelhantes à pele de leopardo que surgem após alguns meses do descolamento(10,12). Alguns autores mostraram dois casos de efusão uveal idiopática nos quais a angiografia com indocianina verde apresentou alterações coroidianas sugestivas de inflamação inespecífica, caracterizadas por dilatação dos vasos e por áreas focais de hiperfluorescência perivascular coroidiana de início tardio, por extravasamento do contraste(14). A USG ocular é importante no diagnóstico de descolamento de retina, descolamento de coróide e de corpo ciliar e informa espessura de esclera e diâmetro axial do globo ocular.
Através da imunohistoquímica e microscopia eletrônica, é possível demonstrar o acúmulo anormal de glicosaminoglicanas na esclera, o que prejudica o fluxo transescleral de fluídos e contribui para o espessamento escleral. Essas observações descritas sugerem que o defeito na síntese e degradação das proteoglicanas na esclera pode representar uma forma de mucopolissacaridose ocular(15).
A doença tem um curso indolente, podendo levar meses a anos para a resolução do quadro. O tratamento clínico com corticoterapia e antimetabólitos muitas vezes é ineficaz(10,12), sugerindo ausência de inflamação, sendo o tratamento cirúrgico muitas vezes necessário, como a descompressão das veias vorticosas, com sucesso limitado, e esclerotomias a fim de aumentar o fluxo de fluídos supracoroidais, obtendo assim algum sucesso no manejo dessa entidade.
Todas as entidades clínicas causadoras de efusão cílio-coroidiana secundária formam o diagnóstico diferencial da síndrome de efusão uveal idiopática, são elas: síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada(2); nanoftalmia(5,7), tumores coroidianos (metástases, linfoma, melanoma)(1,4); mixedema(5); esclerite(1); sífilis(6); toxoplasmose(1); coroidorretinopatia serosa central idiopática(12); fístula carótido-cavernosa(1); oftalmia simpática(1) e pseudotumor orbitário(1).
O presente estudo relata um caso de efusão uveal secundária, sendo a tuberculose ocular a etiologia mais provável, diagnosticada através da alteração ocular presente, ausência de doença sistêmica e PPD forte reator. Estudo prévio analisou 17 pacientes com diagnóstico de tuberculose ocular, encontrando como forma mais comum de apresentação a uveíte crônica bilateral granulomatosa (35,3% dos casos) sendo que, apesar da diversidade de apresentações clínicas, nenhum caso evoluiu com efusão uveal(16). Nesse mesmo estudo a doença sistêmica era presente em 41,1% dos casos. O paciente do presente relato desconhecia contato com portadores de tuberculose, não tinha história pregressa da doença, nem diagnóstico de tuberculose extra-ocular na época, além de não possuir outras alterações oculares, exceto o descolamento de coróide e descolamento de retina exsudativo. Poucos são os diagnósticos de efusão uveal devido às uveítes, É descrito um caso de retinite por toxoplasmose com uveíte secundária, coroidite nodular e efusão cílio-coroidiana(1).
Os exames complementares realizados e a clínica oftalmológica descartam as diversas causas de descolamento de retina exsudativo e efusão cílio-coroidiana, levando a uma forte suspeita de uma etiologia inflamatória e infecciosa para o caso, que é sustentada pela melhora do quadro clínico com o início do tratamento. É válida a possibilidade da melhora clínica ter ocorrido apenas pelo uso do corticóide que tem ação antiinflamatória bem conhecida, não ocorrendo influência da rifampicina administrada, por isso, considera-se como o diagnóstico mais provável para o presente caso a tuberculose ocular presumida.
Recebido para publicação em 08.03.2007
Última versão recebida em 16.07.2008
Aprovação em 01.08.2008
Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira - São Paulo (SP) - Brasil
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Haroldo Vieira de Moraes Jr. sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.
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2Damico FM, Kiss S. Young LH. Vogt-Koyanagi-Harada disease. Semin Ophthalmol. 2005;20(3):183-90. Review.
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3Sabti K, Lindley SK, Mansour M, Discepola M. Uveal effusion after cataract surgery: an echographic study. Ophthalmology. 2001;108(1):100-3.
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4Gaucher D, Bodaghi B, Charlotte F, Schneider C, Cassoux N, Lemaitre C, et al. [MALT-type B-cell lymphoma masquerading as scleritis or posterior uveitis] J Fr Ophtalmol. 2005;28(1):31-8. French.
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10Anand R, Tasman WS. Nonrhegmatogenous retinal detachment. In: Ryan SJ, editor. Retina. California: Mosby; 2001. p.2076-99.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Nov 2008 -
Data do Fascículo
Out 2008
Histórico
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Aceito
01 Ago 2008 -
Recebido
08 Mar 2007