Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da sequência rápida de intubação em pronto-socorro pediátrico

Resumos

OBJETIVOS: Descrever a experiência do pronto-socorro de um hospital pediátrico com a sequência rápida de intubação e detectar os fatores associados ao sucesso. MÉTODOS: Estudo prospectivo transversal observacional de julho de 2005 a dezembro de 2007, de coleta de dados das intubações traqueais realizadas no pronto-socorro do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi considerada intubação traqueal com sucesso aquela realizada na primeira tentativa. RESULTADOS: Foram realizadas 117 intubações traqueais, 80% sob sequência rápida de intubação; 79% eram portadores de doenças de base; a insuficiência respiratória aguda foi a causa da intubação traqueal em 40%; a taxa de sucesso foi de 39%; o residente de pediatria do segundo ano foi o responsável por 74% das intubações traqueais; foi realizada ventilação com pressão positiva em 74% dos procedimentos, sendo menor a sua utilização entre os pacientes que foram intubados com sucesso (p = 0,002). Midazolam foi o sedativo utilizado em 80% dos procedimentos, e rocurônio foi o bloqueador neuromuscular em 100%; complicações decorrentes da sequência rápida de intubação foram descritas em 80%, sendo a queda da saturação de oxigênio relatada em 47% e menor nos pacientes intubados com sucesso (p < 0,001); dificuldades relativas à intubação traqueal foram menos relatadas nos procedimentos com sucesso (p < 0,001). CONCLUSÃO: A sequência rápida de intubação foi o método de escolha nas intubações traqueais realizadas no pronto-socorro (80%) e demonstrou ser um método seguro e com baixa incidência de complicações graves, apesar de ter apresentado baixa taxa de sucesso (39%) neste estudo. O sucesso da intubação traqueal com sequência rápida de intubação parece estar diretamente relacionado ao preparo adequado do procedimento e experiência do profissional, podendo-se concluir que é necessário maior treinamento dos residentes e dos assistentes envolvidos no atendimento de emergência.

Intubação intratraqueal; métodos de intubação; efeitos adversos da intubação; bloqueadores neuromusculares; tratamento de emergência; criança; laringoscopia; traqueia


OBJECTIVES: To describe the experience of the emergency department of a pediatric hospital with rapid sequence intubation (RSI) and to identify the factors associated with successful intubation. METHODS: This prospective, observational, cross-sectional study conducted from July 2005 to December 2007 consisted of collection of data regarding tracheal intubations performed at the emergency department of Instituto da Criança of Hospital das Clínicas, School of Medicine, Universidade de São Paulo. Successful tracheal intubations were the ones performed at the first attempt. RESULTS: One-hundred and seventeen tracheal intubations were performed; 80% of them were RSIs; 79% of patients had underlying diseases; acute respiratory failure was the cause of tracheal intubation in 40%; success rate was 39%; second-year pediatric resident physicians were responsible for 74% of tracheal intubations; positive pressure ventilation was performed in 74% of procedures, with less frequent use among patients who were successfully intubated (p = 0.002). Midazolam was the sedative used in 80% of procedures, and rocuronium was the neuromuscular blocker in 100%; complications of RSI were described in 80% of intubations, with decreased oxygen saturation being reported in 47% and lower decrease in those patients successfully intubated (p < 0.001); difficulties related to tracheal intubation were less frequent in the successful procedures (p < 0.001). CONCLUSION: RSI is the method of choice for tracheal intubations performed in the emergency department (80%). In spite of the low success rate (39%) in the present study, RSI has proven to be a safe method, with a low incidence of severe complications. The success of tracheal intubation using RSI seems to be directly related to the preparation of the procedure and the health professional's experience. Thus, we conclude that further training of resident physicians and health professionals working in the emergency department is required.

Intratracheal intubation; intubation methods; adverse effects of intubation; neuromuscular blockers; emergency treatment; child; laryngoscopy; trachea


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da sequência rápida de intubação em pronto-socorro pediátrico

Graziela A. SukysI; Cláudio SchvartsmanII; Amélia G. ReisII

IMestre, Pediatria. Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIDoutor(a), Pediatria. Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Graziela de Almeida Sukys Av. Zelina, 700 - Vila Zelina CEP 03143-001 – São Paulo, SP Tel.: (11) 8346.5535, (11) 2341.9456 E-mail: graziela.sukys@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever a experiência do pronto-socorro de um hospital pediátrico com a sequência rápida de intubação e detectar os fatores associados ao sucesso.

MÉTODOS: Estudo prospectivo transversal observacional de julho de 2005 a dezembro de 2007, de coleta de dados das intubações traqueais realizadas no pronto-socorro do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi considerada intubação traqueal com sucesso aquela realizada na primeira tentativa.

RESULTADOS: Foram realizadas 117 intubações traqueais, 80% sob sequência rápida de intubação; 79% eram portadores de doenças de base; a insuficiência respiratória aguda foi a causa da intubação traqueal em 40%; a taxa de sucesso foi de 39%; o residente de pediatria do segundo ano foi o responsável por 74% das intubações traqueais; foi realizada ventilação com pressão positiva em 74% dos procedimentos, sendo menor a sua utilização entre os pacientes que foram intubados com sucesso (p = 0,002). Midazolam foi o sedativo utilizado em 80% dos procedimentos, e rocurônio foi o bloqueador neuromuscular em 100%; complicações decorrentes da sequência rápida de intubação foram descritas em 80%, sendo a queda da saturação de oxigênio relatada em 47% e menor nos pacientes intubados com sucesso (p < 0,001); dificuldades relativas à intubação traqueal foram menos relatadas nos procedimentos com sucesso (p < 0,001).

CONCLUSÃO: A sequência rápida de intubação foi o método de escolha nas intubações traqueais realizadas no pronto-socorro (80%) e demonstrou ser um método seguro e com baixa incidência de complicações graves, apesar de ter apresentado baixa taxa de sucesso (39%) neste estudo. O sucesso da intubação traqueal com sequência rápida de intubação parece estar diretamente relacionado ao preparo adequado do procedimento e experiência do profissional, podendo-se concluir que é necessário maior treinamento dos residentes e dos assistentes envolvidos no atendimento de emergência.

Palavras-chave: Intubação intratraqueal, métodos de intubação, efeitos adversos da intubação, bloqueadores neuromusculares, tratamento de emergência, criança, laringoscopia, traqueia.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To describe the experience of the emergency department of a pediatric hospital with rapid sequence intubation (RSI) and to identify the factors associated with successful intubation.

METHODS: This prospective, observational, cross-sectional study conducted from July 2005 to December 2007 consisted of collection of data regarding tracheal intubations performed at the emergency department of Instituto da Criança of Hospital das Clínicas, School of Medicine, Universidade de São Paulo. Successful tracheal intubations were the ones performed at the first attempt.

RESULTS: One-hundred and seventeen tracheal intubations were performed; 80% of them were RSIs; 79% of patients had underlying diseases; acute respiratory failure was the cause of tracheal intubation in 40%; success rate was 39%; second-year pediatric resident physicians were responsible for 74% of tracheal intubations; positive pressure ventilation was performed in 74% of procedures, with less frequent use among patients who were successfully intubated (p = 0.002). Midazolam was the sedative used in 80% of procedures, and rocuronium was the neuromuscular blocker in 100%; complications of RSI were described in 80% of intubations, with decreased oxygen saturation being reported in 47% and lower decrease in those patients successfully intubated (p < 0.001); difficulties related to tracheal intubation were less frequent in the successful procedures (p < 0.001).

CONCLUSION: RSI is the method of choice for tracheal intubations performed in the emergency department (80%). In spite of the low success rate (39%) in the present study, RSI has proven to be a safe method, with a low incidence of severe complications. The success of tracheal intubation using RSI seems to be directly related to the preparation of the procedure and the health professional's experience. Thus, we conclude that further training of resident physicians and health professionals working in the emergency department is required.

Keywords: Intratracheal intubation, intubation methods, adverse effects of intubation, neuromuscular blockers, emergency treatment, child, laryngoscopy, trachea.

Introdução

Várias situações clínicas exigem a realização da intubação traqueal (IT), e o manejo da via aérea nos serviços de emergência é uma das principais preocupações e, seguramente, um dos momentos mais críticos do cuidado com o paciente grave1-3.

Nos pacientes que necessitam de IT de emergência, as potenciais complicações decorrentes do procedimento se somam à enfermidade, o que aumenta o risco de reações adversas ao procedimento e complicações. O maior número de tentativas de IT é responsável pelo aumento de complicações, e a maioria das complicações das IT em emergência pode ser atribuída à falta de experiência e de treinamento do médico que realizou o procedimento4,5.

A sequência rápida de intubação (SRI) é a realização do procedimento de IT através de uma abordagem organizada, que envolve o uso de agentes sedativos e bloqueador neuromuscular (BNM)6. Apresenta segurança e eficácia documentadas e diminui o número de complicações causadas pela IT convencional6-8.

A SRI possui a grande vantagem de eliminar a resistência à laringoscopia direta, promovendo rápida indução de anestesia, rápido aparecimento de condições ótimas que facilitam a laringoscopia direta e redução do risco de aspiração pulmonar2,6; dessa forma, a SRI é apropriada para os pacientes que necessitam IT de emergência7,9,10.

As indicações de SRI coincidem com as da IT de emergência2,6. Os riscos relacionados ao procedimento não são desprezíveis, sendo efeitos colaterais de drogas e dificuldade com o manejo da via aérea os maiores problemas a serem considerados11,12. A SRI tem sido realizada nas últimas duas décadas nos EUA e tem se mostrado segura e efetiva, tornando-se o método de escolha nos principais serviços de emergência13-15.

A introdução da SRI em pediatria, no Brasil, é recente. Iniciou-se após a implantação das Diretrizes 2000 de suporte avançado de vida da Aliança Internacional dos Comitês de Ressuscitação, que ocorreu em 200211. Trabalhos publicados até o momento demonstram baixa adesão na utilização da SRI no nosso meio16-18.

O presente estudo foi desenhado para avaliar a SRI na população pediátrica em um pronto-socorro, analisar a adesão ao protocolo de SRI e as variáveis associadas ao sucesso da IT.

Métodos

Estudo prospectivo transversal observacional, realizado de julho de 2005 a dezembro de 2007, no pronto-socorro do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A coleta de dados foi relacionada à IT de emergência em crianças e adolescentes do primeiro dia de vida aos 18 anos completos, e foram incluídos no presente estudo os procedimentos de IT com utilização de SRI.

O fluxograma de SRI utilizado baseia-se naqueles recomendados por sociedades médicas nacionais e internacionais11 e foi adaptado para o pronto-socorro do ICr (Figura 1). Os médicos envolvidos no atendimento tiveram total liberdade na escolha e utilização de drogas, sendo considerados SRI apenas os casos que seguiram os passos descritos no fluxograma proposto.

Os dados foram coletados em formulário próprio, criado a partir do fluxograma de SRI e do registro das principais complicações relatadas no National Emergency Airway Registry (NEAR), e preenchidos no momento do procedimento pelo médico residente. Nos casos em que o preenchimento do formulário de IT estava incompleto ou com dados discrepantes, foi realizada entrevista com o médico assistente responsável. Para garantir a qualidade da informação, houve uma busca diária ativa dos casos, através de entrevista telefônica ou pessoalmente com os médicos assistentes, residentes e enfermeiros; e foi feita consulta do livro de ocorrências do plantão do pronto-socorro, onde rotineiramente são registradas todas as intercorrências e procedimentos avançados da unidade.

Foi considerada IT com sucesso aquela realizada e confirmada na primeira tentativa de passagem do tubo pela via aérea.

A análise estatística foi feita utilizando o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 13.0. Foi considerado p < 0,05 para indicar significância estatística; todos os testes foram bicaudados.


Resultados

As características da população estudada estão descritas na Tabela 1 e na Figura 2. Entre os 94 pacientes do estudo, 37 (39%) foram submetidos a SRI com sucesso, ou seja, realizadas e confirmadas com apenas uma tentativa de passagem do tubo pela via aérea.


Os pacientes em que a IT sob SRI foi feita com sucesso eram mais jovens do que os pacientes sem sucesso (medianas de idade em anos: 1,2 versus 5,4; U = 658; p = 0,002). A frequência de sucesso em pacientes oncológicos foi menor do que em pacientes não oncológicos (p = 0,048). Não houve diferença significativa na taxa de sucesso com relação às outras doenças de base e com as causas de IT (p = 0,748).

Em 70 (74%) pacientes, foi utilizada ventilação com pressão positiva (VPP), sendo que em 38% já na fase de pré-oxigenação. A proporção dos pacientes que usaram VPP foi significativamente menor entre os pacientes que realizaram a IT com sucesso: dos 37 pacientes que realizaram o procedimento de IT com sucesso, 21 (56%) receberam VPP, e dos 57 pacientes que realizaram o procedimento de IT sem sucesso, 49 (86%) receberam VPP (p = 0,002).

Com relação aos medicamentos utilizados, os grupos foram semelhantes. Na fase de pré-medicação, a atropina foi utilizada em 47 pacientes, correspondendo a 50% das SRI. O midazolam foi o sedativo de escolha, utilizado em 75 (80%) pacientes como sedativo único ou em associação. Os outros sedativos de escolha foram: quetamina, utilizada em 28 (30%) pacientes; tiopental, em 16 (17%); e propofol, em dois (2%). O rocurônio foi o BNM administrado em 100% dos procedimentos de SRI.

O número de tentativas de IT na SRI variou de uma a oito (mediana = 2). Em 82 (87%) procedimentos, foram realizadas no máximo três tentativas para a confirmação da IT. Em 70 (74%) pacientes, a IT foi realizada pelo residente de pediatria geral do segundo ano (R2); em 13%, pelo médico assistente; em 8%, pelo residente de pediatria geral do terceiro ano; e em 2%, pelos médicos em especialização em emergência.

O R2 realizou a IT na primeira tentativa em 35 de 92 pacientes, o que equivale a taxa de sucesso de 38%.

Complicações decorrentes do procedimento de IT foram relatadas em 75 (80%) pacientes. A queda da saturação de oxigênio (O2) foi registrada em 47% dos casos, sendo a complicação mais prevalente. Na Tabela 2, estão descritas as complicações de acordo com o sucesso da IT. As IT realizadas com sucesso apresentaram número significativamente menor de complicações (p < 0,001). A queda da saturação de O2, principal complicação descrita, foi menor no grupo com sucesso (p = 0,002). Dificuldades relativas ao procedimento de IT na SRI foram descritas em 44 (47%) casos, sendo a presença de secreção nas vias aéreas (39%), utilização de equipamento inadequado (25%), anatomia alterada (16%) e sangramento (5%) os principais relatos. Nas IT realizadas com sucesso, o número de dificuldades relativas ao procedimento foi significativamente menor que naqueles sem sucesso (2 versus 42, p < 0,001).

Discussão

A necessidade de IT nos serviços de emergência nos EUA é estimada em duas a 10 a cada 1.000 atendimentos de crianças e adultos, incluindo trauma7,8,19. No presente estudo, a taxa de intubação observada (1:1.000) pode ser considerada elevada, uma vez que o serviço de emergência em questão é exclusivamente pediátrico e não atente politraumatizados, podendo refletir a alta complexidade e gravidade dos doentes.

O predomínio de intubações com SRI seguramente se deve à implantação do protocolo de atendimento e treinamento prévio da equipe no procedimento e assemelha-se à taxa de SRI de estudos internacionais realizados nas últimas décadas6,8,20,21. A introdução da SRI em pediatria fora do centro cirúrgico é recente2,6,11 e, no Brasil, iniciou-se com o Programa de Treinamento em Suporte Avançado de Vida em Pediatria, da American Heart Association e Academia Americana de Pediatria, em 2002.

A prevalência de doença de base neste estudo o torna único, e os resultados obtidos são difíceis de serem comparados com a literatura. Pacientes com doenças graves habitualmente oferecem maior risco na realização de procedimentos invasivos de emergência e na utilização de medicações8,12,21,22.

A condição imediata que motivou a SRI foi a insuficiência respiratória aguda isoladamente e em associação com outras causas. Estudos pesquisados encontraram taxas bem mais reduzidas de insuficiência respiratória como causa imediata de IT8,21,23,24. A indicação de IT nos quadros de comprometimento respiratório exclusivo depende da interpretação clínica e das diferentes definições adotadas, que rotineiramente não estão bem definidas nos trabalhos.

O maior número de tentativas de IT está diretamente associado a maior morbidade e progressiva dificuldade de acesso à via aérea4. Deve-se ressaltar que intubações realizadas no pronto-socorro raramente são eletivas e são realizadas sob estresse e em situações não controladas. Protocolos de padronização de atendimento, como a SRI, visam tornar esse procedimento mais seguro e aperfeiçoar o sucesso da IT.

Os dados foram coletados no início da introdução do protocolo de SRI, e como demonstraram Simpson et al. e Sagarin et al., dados atuais devem refletir melhor a percepção subjetiva de melhora na qualidade do procedimento21,22.

Estudos americanos em hospitais universitários revelam taxas de sucesso de IT em serviços de emergência de até 78%8,21. No estudo atual, foi encontrada taxa de sucesso de 39% no total dos procedimentos e de 38% nos realizados pelo R2 (79% das IT); apesar de essa cifra parecer baixa em comparação com dados da literatura, deve-se ter cuidado, já que os níveis de treinamento são diferentes entre os serviços. Sagarin et al.21 descrevem que apenas 10% das IT realizadas em seu serviço foram feitas por R2, com sucesso de 50%.

O sucesso da intubação e as complicações a ela associadas estão relacionados com a realização da laringoscopia, procedimento este que exige alto nível de treinamento e experiência1. As IT, no ICr, são realizadas por profissional em treinamento, com baixo nível de experiência, supervisionado pelo médico assistente, o que contribui para menor taxa de sucesso e maior numero de relato de complicações quando comparadas com serviços médicos especializados nos EUA. Não foram encontrados dados na literatura nacional que possibilitem análise comparativa.

Apesar da taxa de sucesso não ter sido considerada satisfatória, todos os doentes do estudo foram submetidos à IT no pronto-socorro sem a necessidade de auxílio de anestesistas, endoscopistas ou de via aérea cirúrgica, o que demonstra que a equipe está habilitada no manejo e controle da via aérea em situações de emergência.

Ao analisar o procedimento de SRI, observa-se que todos os doentes receberam pré-oxigenação, porém a recomendação de utilizar a VPP na pré-oxigenação apenas em situações específicas – como, por exemplo, em casos de apneia6 – aparentemente não foi seguida. Presume-se que a VPP esteja associada ao aumento de complicações e menor taxa de sucesso na IT, por ocasionar distensão gástrica e risco de aspiração pulmonar. A VPP foi amplamente utilizada e esteve diretamente associada ao insucesso do procedimento (p = 0,002). A excessiva utilização da VPP pode ter sido associada à maior gravidade dos pacientes ou à falha de compreensão do termo oxigenação.

Embora as medicações utilizadas na SRI estivessem sugeridas no fluxograma de SRI do protocolo de atendimento, os médicos assistentes que supervisionaram o procedimento tiveram livre escolha tanto no momento da pré-medicação quanto na fase de sedação e analgesia. Não houve diferença na utilização das medicações nos grupos com sucesso e sem sucesso, uma vez que elas foram determinadas de acordo com a doença de base e a causa de IT.

Os sedativos e BNM empregados na SRI diferem nos diversos serviços, o que torna a análise comparativa difícil. É fundamental que, em um protocolo de atendimento de emergência, o profissional conheça a farmacodinâmica dos agentes empregados e esteja, assim, familiarizado com a sua ação e efeitos adversos.

Na fase de pré-medicação, a atropina tem indicações específicas no manejo da via aérea em lactentes e crianças para prevenir a bradicardia decorrente da laringoscopia direta e da passagem do tubo pela traqueia. Foi utilizada respeitando-se as orientações do Colégio Americano de Pediatria e da Academia Americana de Pediatria24.

O sedativo ideal para utilização na SRI é aquele que promove a inconsciência rapidamente, com um curto período de duração e ação e com mínimos efeitos colaterais, características que podem ser encontradas em várias medicações25-27. O midazolam, isoladamente ou em associação, foi o sedativo mais frequentemente utilizado. O midazolam é um benzodiazepínico de ação rápida, com propriedade anticonvulsivante e amnésica, o que o torna um sedativo adequado na SRI, embora outros sedativos também o sejam6,11. Existem ainda muita discussão e controvérsias sobre o uso de agentes sedativos em doentes criticamente enfermos25.

A utilização dos agentes paralisantes é a grande discussão e impasse na hora de proceder com a intubação. O rocurônio foi o BNM utilizado em 100% dos procedimentos descritos no estudo. Essa prática demonstrou ser segura e eficaz. O principal BNM descrito na literatura e utilizado na SRI é a succinilcolina, embora em estudos mais recentes outros agentes venham sendo preconizados28-30. Os efeitos colaterais da succinilcolina, como hipercalemia, bradicardia e parada cardíaca, são mais comuns em crianças, motivo que explica a sua não utilização no protocolo do presente estudo24. Estudos recentes demonstram que a succinilcolina promove excelentes condições de IT mais rapidamente e facilmente que o rocurônio, no entanto, ambos os BNM promovem condições clínicas aceitáveis para a realização da IT331. Recentes pesquisas trouxeram para o mercado o sugamadex, que é um agente reversor do BNM rocurônio. A reversão disponibiliza a possibilidade de utilização de relaxamento profundo na IT eletiva ou de emergência, sem os riscos de efeitos cardiovasculares de importância clínica, por não haver qualquer interação dessa droga com o sistema colinérgico32. Esse avanço é um marco na anestesia e na utilização dos BNM na emergência, oferecendo maior conforto e tranquilidade para a equipe com o manejo dessas drogas.

O relato de complicações decorrentes do procedimento de IT foi elevado (80%) em comparação com a literatura8,21,22, onde a taxa de complicações relatadas com o uso da SRI varia entre 8 e 15%, sendo a hipoxemia a mais descrita. A comparação entre os estudos é muito prejudicada, já que as definições do que é considerado complicação ou efeito inerente ao procedimento variam sobremaneira.

Embora a ocorrência de queda de saturação de O2 (47%) e de bradicardia (14%) seja preocupante, essas condições não contribuíram para deterioração clínica e foram revertidas sem necessidade de ressuscitação cardiopulmonar. Nas IT realizadas com sucesso, a taxa de complicações relatadas foi significativamente menor (p < 0,001). As várias tentativas de IT estão relacionadas com o aumento de complicações e com o insucesso do procedimento13,15,33.

A presença de secreção na via aérea foi a principal dificuldade descrita na realização da IT, seguida da utilização de equipamento inadequado e de dificuldade anatômica. Estima-se que as dificuldades descritas seriam corrigíveis com o preparo e escolha adequada do material e com a melhor habilidade do profissional.

A adesão ao protocolo de SRI parece ter sido crescente no decorrer dos 30 meses analisados. A familiarização com os efeitos das medicações, com os efeitos adversos das drogas e com o preparo da IT foi sendo instituída no pronto-socorro rapidamente. Deve-se ressaltar que obter registro formal e padronizado de procedimentos invasivos e de risco no pronto-socorro é um objetivo árduo, e o pequeno número de estudos realizados em serviços de emergência demonstra que a qualidade da informação em um ambiente não controlado é errática e exige disciplina.

O presente estudo foi realizado em um pronto-socorro universitário, onde a equipe médica é composta por profissionais em treinamento supervisionados por médicos experientes no atendimento de emergência, e a população estudada foi de um hospital de atendimento terciário, onde grande parte das crianças apresenta grave doença preexistente. Dessa forma, essa casuística não pode ser estendida a serviços com características diferentes, e os dados aqui apresentados não devem ser aplicados de forma inquestionável a outros serviços médicos.

Artigo submetido em 18.05.10, aceito em 11.05.11.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Sukys GA, Schvartsman C, Reis AG. Evaluation of rapid sequence intubation in the pediatric emergency department. J Pediatr (Rio J). 2011;87(4):343-9.

  • 1. Blanda M, Gallo UE. Emergency airway management. Emerg Med Clin North Am. 2003;21:1-26.
  • 2. McAllister JD, Gnauck KA. Rapid sequence intubation of the pediatric patient. Fundamentals of practice. Pediatr Clin North Am. 1999;46:1249-84.
  • 3. Walls RM. The decision to intubate. In: Walls RM, Murphy MF, Luten RC, Schneider RE, editors. Manual of emergency airway management. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004.
  • 4. Rose DK, Cohen MM. The airway: problems and predictions in 18,500 patients. Can J Anaesth. 1994;41:372-83.
  • 5. Holzman RS. Morbidity and mortality in pediatric anaesthesia. Pediatr Clin North Am. 1998;52:671.
  • 6. Gerardi MJ, Sacchetti AD, Cantor RM, Santamaria JP, Gausche M, Lucid W, et al. Rapid-sequence intubation of the pediatric patient. Pediatric Emergency Medicine Committee of the American College of Emergency Physicians. Ann Emerg Med. 1996;28:55-74.
  • 7. Gnauck K, Lungo JB, Scalzo A, Peter J, Nakanishi A. Emergency intubation of the pediatric medical patient: use of anesthetic agents in the emergency department. Ann Emerg Med. 1994;23:1242-7.
  • 8. Sakles JC, Laurin EG, Rantapaa AA, Panacek EA. Airway management in the emergency department: a one-year study of 610 tracheal intubations. Ann Emerg Med. 1998;31:325-32.
  • 9. Nakayama DK, Waggoner T, Venkataraman ST, Gardner M, Lynch JM, Orr RA. The use of drugs in emergency airway management in pediatric trauma. Ann Surg. 1992;216:205-11.
  • 10. Sellick BA. Cricoid pressure to control regurgitation of stomach contents during induction of anaesthesia. Lancet. 1961;2:404-6.
  • 11. Hazinski MF. Pediatric Advanced Life Support Provider Manual. Dallas: American Heart Association; 2002.
  • 12. Marvez E, Weiss SJ, Houry DE, Ernst AA. Predicting adverse outcomes in a diagnosis-based protocol system for rapid sequence intubation. Am J Emerg Med. 2003;21:23-9.
  • 13. Bair AE, Filbin MR, Kulkarni RG, Walls RM. The failed intubation attempt in the emergency department: analysis of prevalence, rescue techniques, and personnel. J Emerg Med. 2002;23:131-40.
  • 14. Marvez-Valls E, Houry D, Ernst AA, Weiss SJ, Killeen J. Protocol for rapid sequence intubation in pediatric patients - a four-year study. Med Sci Monit. 2002;8:CR229-34.
  • 15. Sagarin MJ, Barton ED, Chng YM, Walls RM. Airway management by US and Canadian emergency medicine residents: a multicenter analysis of more than 6,000 endotracheal intubation attempts. Ann Emerg Med. 2005;46:328-36.
  • 16. Amantéa SL, Piva JP, Zanella MI, Bruno F, Gracia PC. Acesso rápido à via aérea. J Pediatr (Rio J). 2003;79:S127-38.
  • 17. Gomes Cordeiro AM, Fernandes JC, Troster EJ. Possible risk factors associated with moderate or severe airway injuries in children who underwent endotracheal intubation. Pediatr Crit Care Med. 2004;5:364-8.
  • 18. Ventura AM, Souza DC, Fernandes IC, Costa G, Fernandes JC. Introdução de protocolo de sequência rápida de intubação (SRI) em UTIP: taxas de adesão, sucesso e complicações. Scientia Medica. 2004;14:37-8.
  • 19. Walls RM, Gurr DE, Kulkarni. 6294 Emergency department intubations: second report of the Ongoing National Emergency Airway Registry (NEAR) II study. Ann Emerg Med. 2000;36:S51.
  • 20. Li J, Murphy-Lavoie H, Bugas C, Martinez J, Preston C. Complications of emergency intubation with and without paralysis. Am J Emerg Med. 1999;17:142-3.
  • 21. Sagarin MJ, Chiang V, Sakles JC, Barton ED, Wolfe RE, Vissers RJ, et al. Rapid sequence intubation for pediatric emergency airway management. Pediatr Emerg Care. 2002;18:417-23.
  • 22. Simpson J, Munro PT, Graham CA. Rapid sequence intubation in the emergency department: 5 year trends. Emerg Med J. 2006;23:54-6.
  • 23. Zuckerbraum NS, Pitetti RD, Herr SM, Roth KR et al. Use of etomidate as an induction agent or rapid sequence intubation in a pediatric emergency department. Acad Emerg Med. 2006;13:602-9.
  • 24. Fastle RK, Roback MG. Pediatric rapid sequence intubation: incidence of reflex bradycardia and effects of pretreatment with atropine. Pediatr Emerg Care. 2004;20:651-5.
  • 25. Zelicof-Paul A, Smith-Lockridge A, Schnadower D, Tyler S, Levin S, Roskind C, et al. Controversies in rapid sequence intubation in children. Curr Opin Pediatr. 2005;17:355-62.
  • 26. Krauss B, Green SM. Sedation and analgesia for procedures en children. N Engl J Med. 2000;342:938-45.
  • 27. Salonen M, Kanto J, Lisalo E. Induction of general anesthesia in children with midazolam is there an induction dose? Int J Clin Pharmacol Ther Toxicol. 1987;25:613-5.
  • 28. Martyn JA, Richtsfeld M. Succinylcholine-induced hyperkalemia in acquired pathologic states: etiologic factors and molecular mechanisms. Anesthesiology. 2006;104:158-69.
  • 29. Larsen PB, Hansen EG, Jacobsen LS, Wiis J, Holst P, Rottensten H, et al. Intubation conditions after rocuronium or succinylcholine for rapid sequence induction with alfentanil and propofol in the emergency patient. Eur J Anaesthesiol. 2005;22:748-53.
  • 30. Andrews JI, Kumar N, van den Brom RH, Olkkola KT, Roest GJ, Wright PM. A large simple randomized trial of rocuronium versus succinylcholine in rapid-sequence induction of anaesthesia along with propofol. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43:4-8.
  • 31. Perry JJ, Lee JS, Sillberg VA, Wells GA. Rocuronium versus succinylcholine for rapid sequence induction intubation. Cochrane Database Syst Rev. 2008:CD002788.
  • 32. Groudine SB, Soto R, Lien C, Drover D, Roberts K. A randomized, dose-finding, phase II study of the selective relaxant binding drug, Sugammadex, capable of safely reversing profound rocuronium-induced neuromuscular block. Anesth Analg. 2007;104:555-62.
  • 33. Thibodeau LG, Verdile VP, Bartfield JM. Incidence of aspiration after urgent intubation. Am J Emerg Med. 1997;15:562-5.
  • Correspondência:

    Graziela de Almeida Sukys
    Av. Zelina, 700 - Vila Zelina
    CEP 03143-001 – São Paulo, SP
    Tel.: (11) 8346.5535, (11) 2341.9456
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      11 Maio 2011
    • Recebido
      18 Maio 2010
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br