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Dor nas unidades de internação de um hospital universitário

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estudo exploratório-descritivo, transversal, com objetivo de determinar a prevalência, caracterização, localização, mensuração e discussão de medidas farmacológicas analgésicas em dor aguda em cinco unidades de internação de um hospital universitário. MÉTODO: Participaram 856 sujeitos, dos quais 272 com dor no momento. As informações relacionadas à dor foram obtidas através de entrevista estruturada junto ao leito. Usou-se a escala numérica de dor e diagrama corporal. RESULTADOS: A analgesia foi verificada no prontuário. A prevalência geral de dor foi de 31,8%, sendo intensa em 44,2% e a média de 6,6 na escala numérica de dor. O motivo principal foi traumatismo, o local mais frequente, o abdômen. O analgésico mais usado foi a dipirona em 76,1%, com/sem associação. Opioide forte foi prescrito em 4,4%. Para 27,5% não houve melhoria. CONCLUSÃO: Conclui-se que a dor é de alta prevalência, pouco avaliada, subtratada, com uso incorreto de analgésicos.

ANALGESIA; DOR; TÉCNICAS DE MEDIÇÃO; Dor; Unidades de Internação


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Estudio exploratorio, descriptivo y transversal, con el objetivo de determinar la prevalencia, la caracterización, la ubicación, la mensuración y la discusión de las medidas farmacológicas analgésicas en dolor agudo, en cinco unidades de ingreso de un hospital universitario. MÉTODO: Participaron 856 sujetos, de los cuales 272 tenían dolor en ese momento. Las informaciones relacionadas con el dolor se obtuvieron por medio de una entrevista estructurada con el paciente y junto a la cama de hospital. Se usó la escala numérica de dolor y el diagrama corporal. RESULTADOS: La analgesia fue verificada en la historia clínica del paciente. La prevalencia general de dolor fue de un 31,8% siendo intensa en un 44,2% y con un promedio de 6,6 en la escala numérica de dolor. El motivo principal fue el traumatismo y la región más frecuente fue el abdomen. El analgésico más usado fue la dipirona en un 76,1%, con/sin asociación. Se prescribió opioide fuerte en un 4,4%. Para el 27,5% no se registró mejoría. CONCLUSIONES: Llegamos a la conclusión de que el dolor es de alta prevalencia, poco evaluado, mal tratado, y con el uso incorrecto de analgésicos.

ANALGESIA; DOLOR; TÉCNICAS DE MEDICIÓN; Dolor; Unidades de Ingreso


BACKGROUND AND OBJECTIVES: This is an exploratory, descriptive and transversal study aiming to determine the prevalence, characterization, location, and measurement and discuss pharmacological analgesic measures for acute pain management in five inpatient wards of a university hospital. METHOD: We enrolled 856 subjects in the study, of whom 272 were in pain at the time. Information related to pain was obtained using a bedside structured interview. Numeric pain scale and body diagram were used. RESULTS: Analgesia was assessed through medical records. The overall prevalence of pain was 31.8%, with severe pain in 44.2% and mean of 6.6 on numeric pain scale. The main reason was trauma and the most common site the abdomen. The most widely used analgesic was dipyrone (76.1%) with/without combination. Strong opioid was prescribed to 4.4%. For 27.5% there was no improvement. CONCLUSION: We conclude that pain is highly prevalent, poorly evaluated, undertreated, with inappropriate use of analgesics.

Analgesia; Hospital Units; Pain measurement; Pain


ARTIGO CIENTÍFICO

Dor nas unidades de internação de um hospital universitário

Sonia B. Felix RibeiroI; João Carlos Pizani PintoII; João Batista RibeiroIII; Márcia M. Santos FelixIV; Sabrina Martins BarrosoV; Lucas Felix de OliveiraVI; Andreza A. FelixVII; Valdênia das Graças NascimentoVIII; Matheus F. Felix RibeiroIX; Fátima A. Emm Faleiros SousaX

INeurologista; Docente Associada do Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Neurologia; Clínica de Dor, Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)

IIMédico; Residente de Neurologia, UFTM

IIIPsicólogo; Mestrado, Psicologia; Docente do curso de Psicologia, UFTM

IVEnfermeira; Mestranda, Ciências da Saúde, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP)

VPsicóloga; Mestrado, Psicologia; Docente do curso de Psicologia da UFTM

VIPsicólogo; Doutorando, Ciências da Saúde, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP

VIIEnfermeira; Doutoranda, UFTM

VIIIMédica; Especialista, Ortopedia, UFTM; Iniciação Científica, Fapemig

IXPsicólogo; Universidade Federal de Minas Gerais

XDocente Titular, Departamento de Enfermagem Geral; Especialização, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP

Correspondência para Correspondência para: Dra. Sonia B. Felix Ribeiro Travessa Branca, 188 38057-060 - Uberaba, MG, Brasil E-mail: ribeirofelix@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estudo exploratório-descritivo, transversal, com objetivo de determinar a prevalência, caracterização, localização, mensuração e discussão de medidas farmacológicas analgésicas em dor aguda em cinco unidades de internação de um hospital universitário.

MÉTODO: Participaram 856 sujeitos, dos quais 272 com dor no momento. As informações relacionadas à dor foram obtidas através de entrevista estruturada junto ao leito. Usou-se a escala numérica de dor e diagrama corporal.

RESULTADOS: A analgesia foi verificada no prontuário. A prevalência geral de dor foi de 31,8%, sendo intensa em 44,2% e a média de 6,6 na escala numérica de dor. O motivo principal foi traumatismo, o local mais frequente, o abdômen. O analgésico mais usado foi a dipirona em 76,1%, com/sem associação. Opioide forte foi prescrito em 4,4%. Para 27,5% não houve melhoria.

CONCLUSÃO: Conclui-se que a dor é de alta prevalência, pouco avaliada, subtratada, com uso incorreto de analgésicos.

Unitermos: ANALGESIA; DOR; TÉCNICAS DE MEDIÇÃO, Dor; Unidades de Internação.

INTRODUÇÃO

A dor é compreendida como um fenômeno multifatorial e a lesão tecidual e os aspectos emocionais, socioculturais e ambientais são fatores que o compõem1, o que está de acordo com o conceito de dor da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP)2-3. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende, sente e usa esse termo a partir de suas experiências anteriores2.

A dor aguda surge como um sinal de alerta ou alarme, denota a presença de estímulos tóxicos e/ou dano tecidual e é de importância fundamental para a integridade física do indivíduo3-4. O sintoma dor constitui um dos principais motivos para a procura de cuidados de saúde por parte da população em geral5 e é muito frequente nas unidades de internação, principalmente nos setores de emergência, como consequência de traumatismos, processos inflamatórios/infecciosos, queimaduras e isquemia, dentre outros3. O controle da dor deve ser encarado como uma prioridade no âmbito de prestação de cuidados da saúde5. O seu alívio pode ser compreendido como um direito humano básico e, portanto, extrapola a questão clínica e vai ao encontro da questão ética que envolve os profissionais de saúde5-6. Além disso, as evidências demonstram que a dor não tratada pode afetar adversamente o processo de recuperação e tende à cronicidade, o que eleva os custos sociais e financeiros envolvidos6-7.

Estudos internacionais8-9 e nacionais7,10-11 apontam que a dor, seja aguda ou crônica, em todos os níveis de atenção à saúde, é subdiagnosticada, mal avaliada, subtratada e algumas vezes negligenciada. Apesar da relevância do sintoma dor, não existem muitos estudos no Brasil sobre sua prevalência em pacientes hospitalizados, o que dificulta a sensibilização de profissionais da área da saúde para o planejamento de ações, programas e alocação de recursos materiais e humanos visando ao seu controle intra-hospitalar.

Para conhecer o manejo da dor intra-hospitalar foi realizado um estudo cujos objetivos foram: determinar a prevalência de dor aguda em pacientes internados em cinco unidades de internação de um hospital universitário; caracterizar e mensurar a dor no momento da avaliação e analisar as medidas farmacológicas analgésicas adotadas nesses pacientes.

MÉTODOS

Estudo exploratório, transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Universidade Federal, sob o protocolo 780/2006. A pesquisa foi feita com os pacientes internados nas unidades de Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Ginecologia/Obstetrícia, Neurologia/Ortopedia e Pronto Socorro (PS) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Fizeram parte do estudo pessoas com idade igual ou superior a 15 anos, de ambos os sexos, independentemente de etnia ou cor, internadas em uma das unidades selecionadas e que tinham condições de se comunicar e entender o método de avaliação. Todos os participantes foram informados dos objetivos do estudo, concordaram voluntariamente em colaborar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

A coleta de dados ocorreu entre maio e junho de 2008 e foi feita por uma equipe treinada previamente sobre dor e sobre técnicas de entrevista. Os entrevistadores eram médicos residentes da universidade e acadêmicos, pertencentes à Liga de Estudo e Apoio ao Paciente com Dor e supervisionados por um tutor pertencente à equipe de Dor.

Os dados foram coletados por meio de entrevista estruturada, feita junto ao leito em que o paciente estava internado e inicialmente perguntava-se sobre a presença de dor no momento. Caso o paciente não apresentasse dor, o entrevistador agradecia e apenas anotava a unidade de internação e o número do leito. Caso o paciente manifestasse dor, prosseguia-se com as perguntas definidas no instrumento da pesquisa. Foram anotados dados demográficos (sexo, idade), cor de pele e variáveis relacionadas à dor (motivo, tempo de duração pré-internação, localização, frequência, intensidade, caracterização, reação diante da dor etc.). As entrevistas ocorriam sempre no período da manhã e os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar.

Para a avaliação da intensidade e localização da dor, foram aplicadas a Escala Numérica de Dor (END), elaborada por Huskisson12, e o Diagrama Corporal (desenho do corpo humano, no qual o paciente indicava o local da dor). A escala END varia de zero (ausência de dor) a dez pontos (pior dor possível) e para este estudo as respostas foram categorizadas em quatro níveis, de acordo com a Escada Analgésica de Dor da OMS 13: sem dor (0), dor leve (1 a 3), dor moderada (4 a 7) e dor intensa/severa (8 a 10).

Sobre farmacologia analgésica, consultaram-se os prontuários e foram anotadas as prescrições analgésicas das últimas 24 horas. Os fármacos foram categorizados em sete grupos: Grupo 0 - sem prescrição analgésica; Grupo I - analgésicos comuns; Grupo II - Anti-inflamatório não hormonal; Grupo III - analgésicos opioides fracos; Grupo IV - analgésicos opioides fortes, Grupo V - não informado; Grupo VI - outros (medicamentos compostos).

Os dados foram analisados por meio do programa SPSS-PC for Windows. Inicialmente procedeu-se análise descritiva para caracterização da amostra e da dor referida pelos pacientes, em termos de porcentagens e médias. Para investigar as relações entre as unidades de internação, características da dor e prescrição de analgésicos, foram usadas as análises de correlação de Spearman, o teste de variância de Kruskal-Wallis e o índice post hoc de Bonferroni14.

RESULTADOS

No período do estudo, 856 pacientes estiveram internados em uma das cinco unidades selecionadas. A prevalência de dor avaliada no momento da entrevista foi de 31,8%, ou seja, 272 pacientes internados apresentaram dor em algum momento da internação. Os resultados apresentados a seguir, referem-se aos pacientes com dor.

A idade dos pacientes variou de 15 a 93 anos, ficando a média em 46,1 anos (DP = 18,77) e houve predominância de pacientes brancos (65,4%). Não houve prevalência de sexo (50,4% de mulheres).

A Tabela I apresenta a distribuição dos pacientes internados nas unidades e presença ou não de dor.

A unidade de PS teve maior número de internações (n = 336). No entanto, os pacientes das unidades de Clínica Cirúrgica (47,7%) e Ginecologia/Obstetrícia (42,7%) apresentaram maior número de casos de dor. A Tabela II apresenta a caracterização epidemiológica dos pacientes com dor.

Os pacientes que apresentaram dor tinham idades entre 15 e 93 anos, ficando a média de idade em 46,09 anos (DP = 18,77). Conforme a Tabela II, os pacientes com dor eram em sua maioria brancos (65,4%), sem prevalência de sexo. A caracterização da dor referida pelos pacientes encontra- se na Tabela III.

Analisando a Tabela III observa-se que a maioria dos pacientes apresentou dor intensa (44,2%), com 10 pontos na escala numérica de dor (26,6%), e a média da intensidade de dor ficou em 6,53 (DP = 2,82). O tempo de dor pré-internação esteve entre dois e sete dias para 29,4% dos pacientes. Os locais de maior frequência de dor foram o abdome (23,5%) e os membros inferiores (22,1%). A maior parte dos pacientes não apresentou infecções associadas (86,4%) e o principal motivo para a dor foi o traumatismo (22,8%), excluindo o somatório de causas abarcadas na categoria "outras causas de dor" (26,5%). A Tabela IV apresenta a forma de condução da analgesia, tempo para melhoria da dor pós-analgesia e a reação dos pacientes diante da dor.

A maior parte dos pacientes solicitou medicação quando sentiu dor (46%). No entanto, para 53,7% a analgesia não foi administrada no momento em que a dor foi referida. A principal forma de administração de analgésicos foi por via endovenosa (75,6%) e com horário fixo (57,7%), sendo a dipirona o medicamento mais usado (75,7%). Contudo, chama a atenção que 21,3% dos pacientes, mesmo com dor, não reclamaram e 18,8% conformaram-se com a dor. Para (22,4%) dos pacientes, após analgesia, a dor demorou de duas a dez horas para melhorar e para (27,5%) não houve melhoria da dor.

As correlações entre as variáveis estudadas encontram-se apresentadas na Tabela V. A complementação das análises de correlação foi feita através do teste de Kruskal-Wallis e do teste post hoc de Bonferroni e encontram-se descritas no texto.

Correlações entre as características da dor e o tratamento recebido pelos pacientes internados

As análises de variância e post hoc demonstraram que os pacientes atendidos na unidade de Ginecologia/Obstetrícia apresentaram médias de idade mais baixas do que nas demais unidades de internação (KW = 51,36; p = 0,000). Na Clínica Médica os pacientes permaneceram com dor por mais tempo, o que também ocorreu no PS (KW = 27,26; p = 0,000). A Clínica Cirúrgica foi a unidade que apresentou menor tempo até a melhora da dor (KW = 14,71; p < 0,05). Enquanto que a maior intensidade da dor ocorreu nos pacientes atendidos no PS (KW = 22,06; p = 0,000).

Houve correlação ainda, entre as unidades e o uso de associação medicamentosa (R = 0,21; p < 0,001), o grupo farmacológico usado para analgesia (R = 0,23; p < 0,001) e a classe dos medicamentos associados (R = 0,24; p < 0,001). As análises post hoc indicaram que as unidades de Clínica Médica e Ginecologia/Obstetrícia diferiram das demais e fizeram menor uso de associação analgésica (KW = 51,68; p = 0,000).

Apenas na unidade de PS houve prescrição de opioides fortes e a Neurologia/Ortopedia fez uso predominante de analgésicos opioides fracos (KW = 22,01; p = 0,000). Os pacientes tratados com opioides fortes melhoraram em menos de uma hora, os tratados com opioides fracos entre uma e duas horas (KW = 18,16; p = 0,000).

A idade dos pacientes também apresentou relações significantes com a duração da dor (R = 0,27; p < 0,001) e com a reação frente à dor (R = 0,16; p < 0,05). Os resultados indicaram que quanto mais idosos, maior o tempo de duração da dor. As análises post hoc mostraram, também, que os pacientes entre 80 e 82 anos foram os que mais se conformaram com a dor (KW = 51,36; p < 0,001). Além disso, a presença de infecção aumentou o tempo de duração da dor (R = 0,17; p < 0,001) e a infecção na região abdominal e nos membros inferiores foi a que apresentou maior duração (KW = 17,55; p < 0,05).

A analgesia endovenosa mostrou correlação significativa com o alívio mais rápido da dor (R = 0,16; p < 0,05) e foi mais usada em pacientes com neoplasias e traumatismos, enquanto a analgesia por via oral foi mais usada para tratar cefaleias. Os pacientes que não receberam analgesia no momento da queixa melhoraram entre duas e 10 horas após a administração do fármaco ou não melhoraram, mesmo recebendo medicação posteriormente (KW = 5,39; p < 0,05).

DISCUSSÃO

O estudo de prevalência de dor é um importante indicador de qualidade no cuidado. Dados recentes da literatura têm demonstrado que mais de 50% dos pacientes hospitalizados queixaram-se de dor de moderada a severa nas 24 horas prévias, independentemente das causas (cirúrgicas, neoplásicas, traumáticas, outras)15-16. Alguns autores9,17 avaliaram a dor em dois momentos da internação, durante a entrevista e nas 24 horas prévias, e encontraram respectivamente as prevalências de 23%-64%9 e 38%-52% 17. No presente trabalho, encontrou-se uma prevalência geral de 31,8% de dor no momento da entrevista, com média de 6,6 na END, sendo a dor intensa/severa em 44,2% dos casos. Em um estudo sobre prevalência de dor em hospitais da Itália15 encontrou-se que 46,6% dos pacientes avaliados tiveram dor severa, com média de intensidade de sete pontos na END, dados semelhantes aos do presente estudo.

Outro aspecto observado no presente trabalho é que apesar da aparente baixa prevalência de dor, se avaliada por unidades de internação, vê-se que na Clínica Cirúrgica a prevalência foi de 47% e na Ginecologia/Obstetrícia 42,7%, um índice elevado em unidades relacionadas a procedimentos cirúrgicos. Em uma pesquisa feita em Recife18 sobre dor pós-operatória, encontrou-se prevalência de 46% de dor nas primeiras 24 horas, corroborando os resultados encontrados no presente estudo, apesar da mensuração da dor ter sido feita em momentos diferentes em cada estudo e de o presente trabalho não ter investigado necessariamente pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos.

A unidade de Clínica Médica apresentou a menor prevalência de dor (18,6%). Essa baixa prevalência pode ter ocorrido pelo fato de que pacientes com dor aguda, como a do infarto do miocárdio e outras dores torácicas e abdominais agudas, permanecem na unidade de PS até a estabilização. Na unidade de Clínica Médica permanecem os pacientes mais idosos, com complicações respiratórias, diabéticos, desnutridos, cardiopatas descompensados e com declínio cognitivo, que, talvez, pela própria evolução de suas enfermidades, não estejam atentos ou simplesmente não se queixam de dor. Em um estudo8 sobre dor em idosos internados em uma unidade de Clínica Geral Aguda encontrou-se prevalência de 70% de dor de moderada intensidade. Os autores observaram que, para metade dos casos registrados, não havia prescrição analgésica e que 37% dos pacientes que receberam analgésicos, mesmo com a persistência da dor, não receberam medicação de resgate. Concluíram que a alta prevalência de dor em idosos internados realça a necessidade de diretrizes e práticas de monitoramento, já que idosos geralmente não se queixam, mesmo tendo dor. Ainda, comentaram que os idosos geralmente não se queixam por acreditar estar incomodando os profissionais de saúde ou porque apresentam disfunções cognitivas. Fato semelhante pode ter ocorrido no presente estudo, que apresenta o mesmo perfil de pacientes. Isso poderia ser uma justificativa para a baixa prevalência de dor encontrada na unidade de Clínica Médica.

Outros dados dessa unidade chamam atenção. Foi a que mais ministrou analgésico no momento da dor, mas com prescrição apenas se necessário. Foi também o local onde os pacientes permaneceram com dor por maior tempo e houve menor uso de associação de analgésicos. O analgésico mais usado foi a dipirona, para todos os tipos e intensidades de dor. Ainda, nessa unidade, os resultados indicaram que a idade correlacionou com a dor. Os pacientes mais velhos tiveram maior tempo de duração da dor e, apesar de apresentarem dor de moderada a severa, seu comportamento foi o de não reclamar ou se conformar com ela.

No setor de Ginecologia/Obstetrícia, foram encontradas parturientes e pacientes com neoplasias, situações em que a dor geralmente é de forte intensidade e em que medidas analgésicas deveriam ser sistemáticas. Apesar da alta prevalência de dor (42,7%), foram prescritos somente analgésicos comuns, e não opioides.

Embora o consumo de analgésicos seja alto em ambiente hospitalar, a adesão aos princípios e às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao uso de analgésicos em casos de dor ainda é baixa. Segundo um estudo feito na Itália15, esse fato deve-se à falta de interesse dos profissionais de saúde em capacitar-se em dor. Esses autores concluíram que apenas 8% dos pacientes com dor foram tratados com associação de opioides/AINES, que apresentam sinergismo. Além disso, somente 6% usaram as doses em horários fixos e com doses de resgate, conforme preconizado pela OMS para tratamento da dor em geral15.

Apesar das considerações da OMS sobre o uso de analgésicos, receios quanto ao uso de opioides parecem persistir ao longo das últimas décadas 19. Estudos feitos na França20-21 mostraram que 76% dos médicos referem resistência a prescrever opioides para a dor de origem oncológica. Esses estudos confirmaram a existência de barreiras comportamentais e uma deficiência de conhecimento específico por parte dos profissionais de saúde.

Em um estudo sobre o uso de opioides16, os autores compararam a analgesia usada em pacientes hospitalizados oncológicos e não oncológicos. Os resultados não permitiram investigar as múltiplas causas do subtratamento da dor, mas a opiofobia - temor do uso de drogas opioides associado à falta de conhecimento sobre manejo de drogas analgésicas apropriadas, por um medo avassalador de abuso e dependência - acreditam os autores, com certeza seria um fator, principalmente nos casos de dor não oncológica. Citam que outro fator que poderia contribuir para o baixo uso dos opioides seria a relutância dos pacientes e/ou parentes em aceitar o uso dessas medicações, por medo de dependência. Finalizam dizendo que o resultado é o uso em doses inadequadas, em horários não prefixados, especialmente quando as causas de dor são não oncológicas.

No Brasil existem poucos estudos sobre o uso de opioides no tratamento da dor 20,22. Em um trabalho sobre intensidade da dor e adequação analgésica, feito em um setor de emergência7, os autores avaliaram o uso de analgésicos em lesões por acidentes de transporte e verificaram que, apesar de lesões graves, em 36,9% dos casos os analgésicos dipirona e paracetamol foram os únicos prescritos. A dipirona foi usada também em associação, sendo o mais prescrito (46,6%). Os opioides fracos foram usados em 6,2% dos casos, enquanto a morfina foi usada em 3,4% e a meperidina em 10,4%.

Os resultados do presente estudo indicaram igualmente prescrição analgésica inadequada e seguem as mesmas formas de subutilização medicamentosa indicada na literatura citada. A via de administração mais usada foi a endovenosa (75,6%) e o regime de administração de horário fixo foi usado somente para 57,7% dos casos. O analgésico mais usado foi a dipirona (76,1% dos casos). Os analgésicos em associação foram usados em 50,7% dos casos de dor e a associação mais frequente foi entre analgésicos comuns e opioides fracos (22,4%). Apesar da média de intensidade da dor ser moderada para a maioria dos pacientes e considerada insuportável em 26,6% dos casos (10 pontos na END), a prescrição de opioides fortes (morfina/meperidina) só foi usada para 4,4% dos casos e somente na unidade do PS. A unidade Neurologia/Ortopedia foi a única que administrou predominantemente analgésicos em associação e a combinação mais comum foi entre dipirona e opioides fracos.

Ainda foi observado o uso da associação entre dois opioides fracos (tramadol e codeína) e desses com morfina e para 3,3% dos pacientes com dor não havia prescrição analgésica.

O uso de opioides neste estudo está de acordo com os relatos do International Narcotic Control Board (INCB), da Organização das Nações Unidas, que mostram evidências de que no Brasil, com objetivo de analgesia, vem ocorrendo subutilização da morfina no tratamento da dor 22, com doses subterapêuticas e em regime de horários não fixados.

A dor é uma experiência comum e clinicamente relevante em contexto hospitalar, mas a despeito dos avanços na compreensão dos mecanismos e no tratamento dela, as pesquisas têm indicado que não tem sido reconhecida e tratada de forma adequada em pacientes hospitalizados. Neste estudo observou-se uma prevalência de 31,8% de casos de dor, detectados no momento da entrevista, e 44,2% desses casos consistiam em dor intensa (média de 6,6 na END). Os principais motivos de dor foram o traumatismo e o pós-operatório. Os locais mais comprometidos foram a região abdominal e os membros inferiores. A maior intensidade de dor ocorreu na unidade do PS, local de maior uso de associação de analgésicos, inclusive com uso de opioides fortes. No entanto, predominou o uso a critério (se necessário) e a medicação não foi ministrada no momento da dor. Constatou-se que a dor foi pouco avaliada, subtratada, com uso incorreto de analgésicos e com subutilização de opioides. O maior tempo de duração da dor pré-internação correlacionou-se com maior tempo necessário para melhoria ou ausência de melhoria da dor. Pacientes mais idosos tiveram maior tempo de duração e conformação com a dor. Como forma de melhorar a dor, o uso de analgésicos no momento da queixa, de forma endovenosa, correlacionou-se com maior rapidez na melhoria.

A alta prevalência de dor e a ausência de seu monitoramento nas diferentes unidades de internação reforçam a importância da implementação de diretrizes para gerenciamento da dor intra-hospitalar. Essa necessidade mostrou-se particularmente importante nas unidades relacionadas a procedimentos cirúrgicos, que, neste estudo, foram o local de maior prevalência de dor (47%).

A internação hospitalar representa uma fase delicada para os pacientes e esse momento pode ser agravado pela vivência desnecessária de dor. Sensibilizar os profissionais de saúde para a importância do monitoramento da dor durante o período de internação hospitalar assume extrema importância e, nesse sentido, espera-se que as informações apresentadas neste estudo possam contribuir para maior discussão sobre o tema.

Submetido em 22 de outubro de 2011.

Aprovado para publicação em 19 de novembro de 2011.

Recebido da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Dra. Sonia B. Felix Ribeiro
    Travessa Branca, 188
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Out 2011
    • Aceito
      19 Nov 2011
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