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Sujeitos em interação no cuidado à criança hospitalizada: desafios para a Enfermagem Pediátrica

EDITORIAL

Sujeitos em interação no cuidado à criança hospitalizada: desafios para a Enfermagem Pediátrica

Neusa Collet

Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria. João Pessoa-PB, Brasil. Revista Brasileira de Enfermagem, Editora Associada, Gestão 2010-2013. Brasília-DF, Brasil

O cuidado à criança hospitalizada tem avançado a passos largos, com suportes tecnológicos importantes em relação ao diagnóstico e ao tratamento. Contudo, isso não é suficiente para responder às demandas atuais. A lógica da produção do cuidado precisa estar orientada para o fortalecimento das competências da família e para a produção de uma relação de parceria desta com a Enfermagem. A prática cotidiana tem mostrado que a disponibilidade da família em participar do cuidado será diferente em cada situação. Portanto, a produção do cuidado em Pediatria é muito mais complexa do que uma definição de papéis preestabelecidos, rígidos, e que não contemplam a intersubjetividade. O diálogo é a ferramenta que permite a criação de vínculos e responsabilizações nesse processo.

A consolidação de propostas de cuidado ampliadas, ricas, integrais e humanizadas, depende de transformações radicais nos modos de pensar e de fazer a atenção à criança hospitalizada e sua família. A interação terapêutica da equipe com a família é uma ferramenta indispensável para a superação dessas lacunas em direção a um projeto terapêutico singular e integral na medida em que, nesse encontro, viabilizam-se espaços de construção de sujeitos.

Se o conhecimento é apreendido como uma construção a partir da ação do sujeito, implica dizermos que essa ação ocorre por meio de uma interação. Isso é fundamental quando tratamos da produção do cuidado na hospitalização infantil, pois o fio condutor entre os elementos mais gerais e os mais específicos, que entram em cena no encontro de cuidado, funda-se na ação que deve ser mediada pela interação. A partir dessa afirmação, temos a seguinte questão: como compreender esse cuidado em uma perspectiva de um encontro centrado na dialogicidade e na interação, que permita a criação conjunta do projeto terapêutico?

A produção do cuidado à criança no hospital confunde-se com o próprio processo de constituição e de desenvolvimento de um sujeito (família-criança), na sua relação com outro sujeito (Enfermagem). Portanto, falar em cuidado significa falar, ao mesmo tempo, em construção de sujeitos que conhecem – cada um na sua singularidade – dimensões de necessidades a ser colocadas em pauta para atendimento. Isso significa que o cuidado que parece estável em um determinado momento, se desestabiliza em outro para que um novo arranjo seja feito. Essa construção é feita em parceria, pois, ao incorporar novos elementos ao cuidado, família-criança e Enfermagem vão, incessantemente, modificando os processos anteriores para reorganizá-los às novas construções. Ao considerar esse outro saber (da família e da criança) ampliam-se as possibilidades de arranjos mais ricos, que não irão gerar "o modo" universal de cuidar, já que este ato é específico para aquele momento histórico, dadas as condições também históricas. Não há outra maneira de perceber e dar sentido e significado ao cuidado, a não ser a partir da ação dos sujeitos envolvidos no processo.

Partindo da perspectiva de Piaget acerca da construção de sujeitos(1), podemos dizer que a família da criança hospitalizada mergulha no processo de produção do cuidado com todas as necessidades e ferramentas que traz sobre o filho e sobre si, importantes para desencadear a ação, e transforma o horizonte do cuidado enriquecendo-o. Nesse momento, a família e a Enfermagem estão situadas sobre os mesmos planos sucessivos de construção das ações. Não há mais fronteiras ou planos desiguais, e ambas vão se constituindo em sujeitos do conhecimento e em interação. Não somente porque isso permite que os saberes da família e da criança sejam contemplados na perspectiva do cuidado, mas possam trazer suas ferramentas e tenham espaço para colocá-las na ação. O mais importante é a possibilidade de assimilação da própria interação, na qual a produção do cuidado reclama ampliações ricas, que fogem ao empobrecimento de ações puramente técnicas, fragmentadas, prescritivas e pontuais. Serão tão mais ampliadas e ricas as ações de cuidado à criança e sua família no hospital, quanto mais simétricas forem as relações estabelecidas. Reconhecer a criança e a família como centro organizador da atenção em saúde revela o avanço na produção do cuidado compartilhado, em que a família e a criança são interlocutores e coparticipes, têm algo a dizer e a fazer, que não se restringe a queixas.

A interação terapêutica entre criança-família e Enfermagem reclama o diálogo cuidativo que traz contribuições para promover a autonomia desses sujeitos e para a construção de modos tecnológicos de operar o cuidado, tendo a integralidade e a humanização como eixos norteadores. Um projeto terapêutico que contemple tais ações estará comprometido com as mudanças necessárias no modo cristalizado de organização do processo de trabalho profissional na atenção à criança hospitalizada e sua família, sobretudo, com o resgate da dimensão cuidadora da Enfermagem.

  • 1. Piaget J. Psicologia e epistemologia: por uma teoria do conhecimento. Trad. Agnes Cretella. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Fev 2012
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